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"Canal de Castilla" (Espanha)

Tragédia mortal na eclusa de Naveros

a 11/08/2012


Margarita Alonso Porta


Três mulheres e três crianças morrem

na ponte maldita do Canal de Castela

Catorze pessoas perderam a vida nesse mesmo local

em três acidentes desde 1973

(Cabeçalho da notícia em El País Digital de 12/08/2012)

http://elpais.com/elpais/2013/08/10/opinion/1376149364_373010.htm


A notícia em "El País Digital"

A notícia em "El Diario de Burgos"

A notícia no "Norte de Castilla"

A notícia noutras fontes

Porque é que a minha filha, Margarita Alonso, morreu afogada no Canal de Castela juntamente com outras cinco pessoas?



Férias

Como todos os anos, tinham vindo passar parte das suas férias em família a Zarzosa.

Assim o faziam desde crianças. Zarzosa é a aldeia onde nasceram os seus pais e avós.

Mas eles e elas consideravam-na também «a sua» aldeia.

Longa reta entre San Llorente e Naveros

Na noite do dia 10 de agosto foram a San Llorente de la Vega (a 12 km) para se divertirem um pouco na festa de São Lourenço, como tinham feito noutros anos.


...


E, já na madrugada do dia 11, regressavam a Zarzosa em dois automóveis. No primeiro, um Volkswagen Touran, viajavam seis pessoas.

A seguir à reta, surge

uma curva fechada

à esquerda que dá acesso

à ponte sobre o Canal de Castela, escondido pela vegetação, que agora

ainda é mais abundante

(a fotografia é de 2009).

A tragédia

Por causas que desconhecemos, o veículo saiu da estrada e caiu às águas do canal, onde ficou submerso e com as portas bloqueadas.

Os seis ocupantes, três mulheres jovens e três crianças, ficaram encarcerados e pereceram afogados.

À beira do canal de Castela existia uma barreira de proteção (??) que não cumpriu a sua função

de impedir a queda de veículos. A barreira dobrou-se ao meio e abriu-se para a direita como uma porta encostada.

Porquê?

Depois do acidente...


Na fotografia pode observar-se o «curioso» comportamento da barreira: dobrou-se ao meio e

o suporte da extremidade esquerda ficou, como se pode ver na fotografia, pendurado sobre as águas devido ao peso do bloco de cimento agregado a ele e que era suposto prendê-lo ao terreno... mas não o fez.

Porquê?

Na fotografia, a barreira, dobrada e solta do terreno, não apresenta deformações visíveis devidas ao impacto do veículo.E nenhum dos airbags do veículo se abriu, embora todos funcionassem corretamente.

Estes dois factos fazem pensar que o impacto do automóvel contra a barreira não foi violento e que

a metade da barreira que se dobrou cedeu facilmente porque não estava bem implantada no terreno

e soltou-se dele com incrível facilidade, dirigindo o carro diretamente para o fundo do canal, em lugar de impedir a sua queda.

Fica claro que se a sinalização, especialmente a sinalização horizontal, fosse a correta e se existissem bandas sonoras, é provável que a «saída de estrada» não tivesse ocorrido.

O que tornou uma simples «saída de estrada» (um terço dos acidentes são saídas de estrada)

numa verdadeira tragédia foi a queda ao canal, que não teria acontecido se a barreira de roteção estivesse corretamente concebida e implantada no terreno.

Mas não estava, apesar de a quantidade de mortos em acidentes anteriores clamar ao céu por um novo traçado da via ou, pelo menos, uma correta implantação do sistema de proteção.

A Associação Espanhola de Fabricantes de Sistemas Metálicos de Proteção Viária publica uma revista, disponível online, em cujo número 3 se analisa o acidente de Naveros.

A seguir se reproduzem alguns fragmentos de texto e fotografias extraídos dessa revista, com autorização dos respetivos editores.

«Todos os esforços e investimento que os fabricantes (de sistemas de proteção viária) realizam para o desenvolvimento de novos produtos são inúteis quando estes sistemas não são instalados de forma adequada nas estradas ou não se realizam trabalhos periódicos de manutenção.

Prova disso é o acidente fatal que teve lugar em Naveros de Pisuerga no passado dia 11 de agosto [de 2012], causando a morte a seis pessoas após o veículo em que seguiam ter caído à eclusa 13 do Canal de Castela, que reflete, por um lado, a importância da existência das barreiras metálicas (rails) de segurança como dispositivo de segurança passiva e, por outro, a sua correta instalação de forma a poderem realizar corretamente a sua função de minimizar ao máximo os danos de veículos que, de forma fortuita, saem da faixa de rodagem, embatendo contra as mencionadas barreiras.

Infelizmente, regista-se um total de catorze vítimas mortais nos últimos 39 anos, no mesmo ponto, como resultado de três acidentes de viação, que provavelmente poderiam ter sido evitados se existisse a proteção adequada. Além disso, por incrível que pareça, existem outras pontes semelhantes na zona que não contam com nenhum tipo de barreira de segurança.

O Canal de Castela representa uma das obras de engenharia mais importantes de meados do século xviii, atravessando as províncias de Palencia, Burgos e Valladolid e, embora seja importante conservar o património histórico, a segurança deve constituir sempre uma prioridade.


Dada a antiguidade do traçado (da via), a mera colocação de novas barreiras pode não ser suficiente; seria necessário pensar numa reorganização da zona, uma vez que as próprias barreiras foram concebidas para receber impactos laterais e não frontais.»

(A «reorganização da zona» significa, «sem papas na língua», mudar o traçado e suprimir a curva)

Revista Simeprovi, núm. 3, pág.20.

Na imagem superior mostra-se o cenário do acidente. O veículo saiu da faixa de rodagem, levando à sua frente a barreira metálica de segurança existente no ponto de impacto, mas... a instalação da mesma era a adequada?

A seguir, analisa-se o estado da barreira metálica de segurança instalada na eclusa 13 do Canal de Castela.

Revista SIMEPROVI, núm. 3, pág 19.

Os pontos 1 e 2 indicam os vãos existentes na parte inicial e final do troço de barreira instalada. Do mesmo modo, no ponto 3 existe falta de continuidade no sistema de contenção.

Evidentemente, a falta de continuidade nas barreiras de proteção, assim como a existência de troços sem qualquer proteção, elimina totalmente a eficácia das mesmas no caso de um choque.

Mesmo supondo que se solucionassem os pontos 1, 2 e 3, a barreira sem separador, com distanciamento entre postes de 4 metros, responderia a um nível de contenção normal N2 com largura de trabalho W5/W6. Por outro lado, dada a descontinuidade indicada em 3, dispõe-se de dois troços de barreira de 8 e 12 metros respetivamente.

Para garantir um comportamento adequado do sistema (em caso de este ter sido ensaiado), dever-se-ia poder instalar um mínimo de comprimento correspondente ao comprimento da barreira ensaiada.

Além disso, esta tipologia de sistema de contenção não é adequada para uma zona com estas caraterísticas. O que aconteceria se se tratasse de um autocarro? As consequências poderiam ser inimagináveis.

Era exigível, portanto, a instalação de uma barreira de alta contenção.

Por outro lado, terminais de «rabo de peixe», como o assinalado pelo ponto 5, podem causar graves consequências em caso de impacto: a barreira pode introduzir-se de forma longitudinal no veículo que choca contra a mesma. São numerosas as ocasiões em que as consequências de um acidente foram fatais devido à existência desse terminal de barreira que não está inserido no terreno.

Por último, mas não menos importante, o ponto 6 indica o antigo muro que franqueia a ponte. É certo que este muro pode evitar que veículos caiam à água no caso de a saída de estrada ocorrer atravessando a ponte e não antes (como foi o caso do acidente em análise), mas com que consequências para os ocupantes? A severidade do impacto de um veículo que fortuitamente chocasse contra esse muro seria de tipo C, impacto que poderia ocasionar graves consequências para os ocupantes do veículo.

A análise realizada reflete claramente a perigosidade da zona.

Revista SIMEPROVI, núm. 3, pág 19.


Conclusões

Quem tinha instalado, de forma tão defeituosa,

aquela barreira de “proteção” totalmente ineficaz,

que desrespeitava todas as normas de segurança

e que teve uma importância decisiva

na morte da minha filha

e das outras cinco vítimas de afogamento?


Quem (não) se tinha ocupado da manutenção

e atualização dessa barreira de segurança?

Qualquer que fosse a instituição ou o organismo que tinha instalado a barreira, e que deveria tê-la mantido e atualizado, não tem nenhuma responsabilidade na queda do veículo ao canal, em que todos os ocupantes morreram afogados?

A tragédia de Naveros de Pisuerga (11-08-2012) (6 mortos) tem muitas semelhanças com

a tragédia de Madrid-Arena (1-11-2012) (5 mortos) e com

a tragédia do metro de Valência (3-7-2006) (43 mortos).

Nos três casos, a atuação das administrações públicas foi lamentável, na implantação das medidas preventivas que teriam evitado os acidentes. Também não apareceram muito os responsáveis políticos e administrativos na gestão posterior desses desastres.

A título de exemplo, inserimos uma página de links relacionados com a tragédia do metro de Valência. É verdadeiramente terrível a leitura daqueles documentos, especialmente os relativos ao vergonhoso comportamento de diversas administrações públicas após o acidente.

Mas ainda há esperança: sete anos depois, graças às informações do programa televisivo “Salvados”, reabriu-se o processo judicial que tinha sido encerrado com inexatidões.

O contexto terceiro-mundista da eclusa do Canal de Castela em Naveros não é um caso isolado, nem pouco mais ou menos. Poderíamos dizer que é o normal em toda esta zona do Canal de Castela, e a situação é ainda pior no Canal do Pisuerga, que corre paralelo ao anterior.

Duas fotos recentes que mostram o estado lamentável da segurança viária junto aos canais de Castela e do Pisuerga.

Observa-se a imensa e permanente negligência que afeta a manutenção e a segurança destes canais, assim como a das pontes e vias que os atravessam.

Como estas duas fotos, poderiam ter sido tiradas várias centenas.

Sete quilómetros a montante de Naveros, a passagem da estrada de Zarzosa junto à eclusa 9.ª do Canal de Castela (San Lorenzo) tem um traçado alucinante e representa um perigo gravíssimo. Nesse lugar também já morreram afogadas várias pessoas, depois de os veículos em que seguiam terem caído à água (ver fotografia inferior).

Cerca de três quilómetros a jusante, junto à 10.ª eclusa (Pradojo-Castrillo), o traçado é ainda mais labiríntico e perigoso.

Caravana da morte

Imagem perturbadora da caravana de seis carros funerários que se dirige ao funeral em Zarzosa, transportando outros tantos féretros (três deles brancos).

No seu percurso, passam junto à 9.ª eclusa do Canal de Castela (onde há alguns anos faleceram os ocupantes de outro veículo num acidente parecido) e atravessam a ponte (ou melhor, o que resta dela) sobre o canal.

A solução para estes três pontos – eclusas 13, 9 e 10 (Naveros, San Lorenzo e Pradojo) – não precisa de ser procurada, pois já foi inventada, implantada e comprovada há bastantes anos no próprio Canal de Castela...

...é a solução «Frómista».


A solução «Frómista»

Vista da ponte onde a estrada N-611 passa sobre o Canal de Castela, a sul de Frómista (Palencia).

A ponte foi construída com umas simples vigas pré-fabricadas.

A sul da povoação de Frómista, a estrada N-611 (traçado antigo) atravessa o Canal de Castela e esta passagem faz-se através de uma ponte alinhada com a estrada (e não perpendicular ao canal, como as três anteriores), sem curvas fechadas à entrada ou à saída da ponte.

Há bastantes anos que foi construída essa ponte em Frómista e até agora não se registou nem um único acidente, apesar de se tratar de uma estrada de trânsito muito intenso.

Nas pontes de Naveros, San Lorenzo e Pradojo deve aplicar-se a mesma solução.


E as bonitas pontes do século xviii devem conservar-se exclusivamente para uso pedonal.

A segurança das pessoas junto ao Canal de Castela deve ser prioritária, e mais ainda se se pretende promover o uso turístico do canal e continuar a receber subsídios da União Europeia.

Basta de mortes no Canal de Castela!!!

Os habitantes das aldeias afetadas pelas passagens perigosas sobre o Canal de Castela sempre souberam muito bem o que deveria ser feito. E tentaram em diversas ocasiões encontrar uma solução por sua conta e com os seus próprios fundos. Mas esbarraram sempre com a "não autorização" da Confederação Hidrográfica do Douro.

Um morador de Castrillo de Riopisuerga explicou-me que, nos anos 1970, sendo ele presidente da Câmara de Castrillo, esta solicitou autorização à Confederação Hidrográfica do Douro, responsável pelo Canal de Castela, para construir um troço de estrada reto e uma nova ponte sobre o Canal de Castela (a solução Frómista). O financiamento das obras teria corrido a cargo da própria Câmara de Castrillo.

A autorização foi negada pela Confederação.

Em anos posteriores, a mesma câmara repetiu várias vezes o pedido à

Confederação Hidrográfica do Douro,

com os mesmos resultados negativos.

Também a Câmara de Zarzosa envidou esforços semelhantes, com a mesma resposta.

Menção à parte merecem as peripécias pelas quais teve de passar a Câmara de Herrera de Pisuerga, há cerca de 30 anos, para alargar a ponte de “Los Malecones” sobre o Canal de Castela.

Qualquer morador de Herrera e da comarca conhece estes (e muitos outros) desastres e infortúnios relacionados com a Confederação Hidrográfica do Douro e o “seu” Canal de Castela.


Um ano depois ...

(Agosto 2013)

As pontes do Canal de Castela continuam sem plano de obras,

um ano depois do acidente

(El Diario de Burgos 11/08/2013)

No ano do acidente do Canal de Castela

(Páginas de opinião de El País 11/08/2013)

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