Julia Ponsonby

Tradução da entrevista com Julia Ponsonby para o podcast "A Hora do CHA". A entrevista foi realizada no dia 31 de janeiro de 2020 na Biblioteca do Schumacher College por Thiago de Faria (IFB/A Hora do CHA) e por Daniela Metello, aluna do mestrado em Economia Para a Transição. A tradução da entrevista foi feita pelos estudantes de Letras/Inglês do IFB (Campus Riacho Fundo), Diego Ferreira dos Santos, Thaís Suellen Ferreira Martins, Gabriella Alves da Costa e Marcos Antônio Santana da Silva, com a revisão de Edson Cunha, docente de Letras/Inglês do IFB.

English version
Versão em português

Thiago Faria: Obrigado por estar aqui conosco. Vamos começar falando sobre a sua vida profissional. Quando você começou a cozinhar?

Julia Ponsonby: Eu comecei a cozinhar muito jovem porque eu amava cozinhar, toda minha família gostava, meu pai sempre gostou de cozinhar, meus avós e minha mãe também. Tinha uma moça que era nossa faxineira, ela costumava fazer bolos e eu tinha permissão para passar manteiga nas formas de bolo. Essa é a minha primeira memória fazendo bolo. Eu comecei a cozinhar bem jovem, mas foi só quando eu tinha 20 anos que amigos da minha mãe e conhecidos começaram a me requisitar para cozinhar profissionalmente para eventos. Acontecia de ter uma festa de aniversário de 75 anos de alguém e eu ia para casa dele cozinhar ou podia ser um almoço, eu me lembro, houve este grupo musical italiano de Florença, um festival de música, e eu fui chamada para atendê-los, porque a agente deles estava em Londres e eles estavam indo para a casa dela, então eu tive que cozinhar, levar tudo preparado até lá e servi-los. Haviam aquelas cozinhas mobiliadas de mostruário e outros eventos diferentes nos quais eu comecei a ser chamada para atender porque eu ganhei uma reputação de boa cozinheira. Essas foram as minhas primeiras experiências profissionais cozinhando e servindo refeições. Eu realmente não estava imaginando ser uma cozinheira profissional, mas as pessoas continuavam a me solicitar para cozinhar. Depois eu vim para a Schumacher College, porque eu estava interessada em políticas ambientais. Eu estava no Partido Verde da Inglaterra, e quando eu estava aqui [na Schumacher] eu me encantei com a comida, uma ótima comida vegetariana. Depois eu conheci o Stephan Harding, meu marido e professor da Schumacher. Em seguida eu voltei e rapidamente uma chef daqui descobriu que eu era uma boa cozinheira e me perguntou se eu poderia cozinhar. Então, eu comecei a cozinhar na Schumacher nos finais de semana.

Daniela Metello: Quando foi isso? Quantos anos você tinha?

JP: Eu tinha 31 anos, isso foi há muito tempo atrás. Foi no início da Schumacher College, em 1991, há muito tempo. Então, eu cozinhei aos finais de semana na universidade, quando a chef saiu uns dois anos depois, a Helen Chaloner, eles precisaram encontrar uma nova chef. Eu não queria ser uma chef a vida inteira, mas aqui na Schumacher é muito diferente, você trabalha com pessoas muito interessantes, uma variedade de pessoas, é como se você estivesse o tempo todo cozinhando como se fosse em casa mas você compartilha sua própria comida. Eu realmente gostei do jeito de cozinhar da Schumacher. Eu já tinha feito o primeiro curso da Schumacher, me esqueci de mencionar isto: eu fiz o primeiro curso da Schumacher College The Gaia Theory, com James Lovelock. Foram cinco semanas, todos os cursos do Masters Program eram assim naquela época, e eu realmente gostei dessa experiência. Então, quando não conseguiram substituir imediatamente a Helen Chaloner, eu disse que poderia cozinhar para a escola por um ano. Mas agora você pode ver que eu estou aqui há bem mais que um ano. (risos)

DM: Quase 30 anos?

JP: Sim, mas não o tempo todo. Porque quando o meu filho Oscar nasceu - ele tem 18 anos agora -, eu tive que parar de trabalhar por cerca de três anos. Eu permaneci morando aqui, fazendo bolos de vez em quando e ajudando a organizar as atividades dos voluntários. Continuei envolvida com a vida em comunidade, mas eu não estava como chef, não estava no comando Wayne Schroeder foi contratado e trabalhou conosco por 10 anos e, quando eu voltei, trabalhamos juntos.

DM: Então, vamos conversar sobre a Schumacher... A cozinha parece ser o coração daqui, é a chance de colocar a metodologia da Head, Heart and Hands (mente, coração e mãos) em prática. Você concorda com isso?

JP: Sim! As pessoas falam muito isso. Então, deve ser verdade! Aqui as pessoas parecem sempre bem felizes e criativas na cozinha. Agora, nós temos também muita produção agrícola em nossa horta como parte da cozinha, porque você transforma todas batatas e beterrabas, cebolas e outras coisas em deliciosas refeições. Você faz isso com pessoas que estão aqui para estudar, em um trabalho também mental. Você está nutrindo as outras pessoas então é um trabalho muito gratificante. Algumas vezes, as pessoas chegam e perguntam “eu posso apenas ajudar na cozinha?”. Isso parece ser um sinal, eu espero, de que a cozinha é o coração da comunidade. Eu acho a cozinha um lugar de muita resiliência. Nós tivemos que nos mover em duas semanas [O prédio principal da Schumacher, o Old Postern, foi interditado emergencialmente para reformas em 2018. Desde então, a cozinha está provisoriamente montada em um container, próximo ao prédio principal, mas sem uma passagem totalmente coberta]. Agora nós estamos em um Portakabin [construção modular portátil], temos que andar um pouco no escuro, no frio ou na chuva, mas a produção de comida nunca para, continua acontecendo e as pessoas continuam gostando da comida. As pessoas estão sempre trazendo novas ideias, sinto que continua sendo sempre revigorante cozinhar aqui, isso é muito bom! Temos aqui ideias vindas do mundo inteiro, ideias sobre nutrição, estilos de cozinhas…

Fotos do Campus da Schumacher em Dartington, próximo a Totnes, em Devon (Inglaterra).

DM: E como você incorpora essas ideias, existem pessoas de todo o mundo aqui. Algumas das receitas que você compilou nos livros incorporam essa variedade de culturas? Como isso muda a maneira como você cozinha ou a sua vida na cozinha?

JP: Eu acho que nós temos um planejamento de cardápio muito variado, sempre tivemos. Às vezes bastante picante, às vezes bem simples [com pouco tempero], com feijões, com muitos vegetais, às vezes vegano, às vezes com derivados de leite e ovos. Já é algo muito variado. Muitas das pessoas que vêm aqui são vegetarianas, então nós temos que ter certeza que eles estão satisfeitos. Então, nós tentamos fornecer uma variedade de sabores. Outra coisa que nós temos que estar sempre preparados é para as dietas especiais. Se você recebe pessoas, por exemplo, recebemos uma pessoa de Miamar em um curso de três semanas e ele só podia comer arroz e ovos, e óleo de girassol ou azeite de oliva. A situação dele me chamou a atenção, porque ele podia estar insatisfeito porque não estava gostando da comida e agora estamos fazendo ovos e arroz para ele em todas as refeições, são alguns ajustes que precisamos fazer. Outra coisa é oferecer, aos domingos, a oportunidade para as pessoas cozinharem sua própria comida. Nos últimos dois domingos nós tivemos pessoas da comunidade cozinhando comida japonesa, coreana e chinesa, tivemos o ano novo chinês sendo celebrado aqui e também as pessoas vêm em momentos diferentes e cozinham suas próprias coisas, como dumplings [pão chinês] ou algo que você gosta de fazer nas suas refeições regulares. A gente cozinha o almoço e o jantar regularmente aqui, mas também deixamos a cozinha aberta para outras pessoas assumirem o controle do menu de vez em quando. É assim que cozinhamos e servimos aqui. Mas, é claro, se as pessoas querem muito comer carne, eles só têm que ir ao pub local, mas isso não acontece com muita frequência.

TF: O sentimento de pertencer à natureza (Gaia) aqui é muito importante. Como isso se relaciona com o cultivo de alimentos e o ato de cozinhar na Schumacher?

JP: Sim, porque você está comendo comida da terra e isso integra você nesta terra. Especialmente, porque todos os cursos e não apenas os agricultores [Os growers são os agricultores residentes e os alunos de um curso de agricultura, que ocorre de abril a outubro] se envolvem com a horta, mas todos os cursos, incluindo os de curta duração e de pós-graduação. Eles vão ao campo, plantam, semeiam, capinam e colhem várias coisas. Temos certo entusiasmo em ver as coisas crescerem e acho que isso realmente faz as pessoas se sentirem muito conectadas com a natureza. Elas entendem todo o caminho feito pela comida, a questão das food miles [milhas de comida é um termo em inglês que problematiza a distância o ingrediente precisa percorrer para chegar ao consumidor e o impacto ecológico desse trajeto] e da pegada de carbono [footprint é termo usualmente traduzido em português como “pegada ecológica”, que problematiza a quantidade de água, terra e recursos naturais necessários para sustentar uma determinada população. Carbon footprint ou pegada de carbono, em português, refere-se especificamente a emissão de gases causadores do efeito estufa] e como isso é reduzido quando você tem uma dieta composta por produtos produzidos localmente. Isto também faz as pessoas se sentirem mais conectados. Você também adquire uma consciência das estações. Gaia funciona com as estações do ano. Quando você trabalha na horta e cozinha alimentos sazonais, isso ajuda você a se sintonizar com a dança da Gaia, que é a dança das estações. Eu acho isso muito importante, e espero que as pessoas tenham noção desse pertencimento porque muitas pessoas vivem por muito tempo. Por estarem aqui plantando e cozinhando com alimentos colhidos da nossa horta, eu acho que isso ajuda a acelerar o sentimento de pertencimento das pessoas.

Preparação para o agradecimento (blessing), antes da refeição.

Comunidade cozinhando dumplings e comida chinesa no final de semana.

DM: Temos aqui a horta e também o processo de compostagem. Como ele foi criado?

JP: Bem, no início da Schumacher, eu entrei no primeiro curso e ninguém sabia que o Schumacher College seria tão bem-sucedido no início, ainda era um experimento e todos aprendemos sobre permacultura. Tivemos professores nos ensinando sobre permacultura. Tínhamos a compostagem. No começo tínhamos um ponto de compostagem, mas não cultivávamos vegetais. Na verdade, não tínhamos o sistema de plantação dos nossos próprios vegetais naquele momento, não tínhamos um processo completo de plantio sustentável. Podia ter um curso rápido que tivesse um pouco de plantio, mas não durava, as pessoas iam embora e não havia uma horta que durasse muito. Foi um longo percurso até estruturamos o atual programa de cultivo e eu diria que isso foi realmente inspirado por um de nossos estudantes de Ciências Holísticas, chamado Justin. Provavelmente, cerca de 15 anos, metade do tempo de vida da faculdade, quando Karen Blincoe (2006-08) tornou-se a diretora da faculdade, Justin estava trabalhando com Martin Crawford sobre o sistema agroflorestal e queria fazer sua dissertação sobre agrofloresta e sobre como trazer esse tipo específico de cultivo para o campus da Schumacher. Até então, tínhamos que sair da faculdade por cinco semanas todo verão e a escola de música de verão se mudava para os prédios da Schumacher. E isso sempre foi apontado como uma das razões pelas quais não poderíamos fazer nossa própria horta. Porque tínhamos agricultores contratados aparando e cortando o gramado e uma produção de vegetais muito intermitente. E alguns professores, como o Fritjof Capra, autor de o Tao da Física, apontavam como uma grande lacuna não termos um sistema de cultivo mais duradouro aqui, porque em seu projeto de “letramento ecológico” eles viam a horta como uma das principais ferramentas de aprendizado. Então, foi uma felicidade muito grande quando o projeto começou a evoluir. No começo Justin plantou muitas árvores ao redor e no próprio gramado. E depois Julie Richards que também trabalhava em sua dissertação, outra estudante em Ciências Holísticas, desenvolveu uma ideia chamada “landscope” (alcance da terra), que propunha utilizar os pequenos locais com terra disponível deixadas de lado no território de Dartington Estate para diferentes projetos. Em seguida ela viu o potencial do trabalho que Justin fizera e ela fez uma ligação com a escola de agricultura local e começaram um curso de horticultura e depois usaram a horta da Schumacher como parte de seu aprendizado. E assim, a partir daí, houve um cultivo de vegetais, mas não era tão útil como é agora. Era comum o cultivo de algum grão mais incomum ou algo do tipo e era muito difícil para os cozinheiros gerenciarem os insumos. Isso mostrou que nós tínhamos mais produção acontecendo. E quando John Ray foi contratado, ele disse que precisávamos de um um agricultor residente. Já havíamos tido pessoas diferentes antes disso, responsáveis pela horta e por um programa de ensino vinculado. Então Jane Leeson chegou e ela se tornou uma agricultora residente. Justin já tinha saído há muito tempo. Jane começou a plantar aqui dentro, depois adquirimos o Henry’s field e a produção vem crescendo mais e mais até hoje, estamos recebendo vegetais úteis e de grande qualidade. Isso significa que não precisamos comprar muitos produtos da RiverFord [Uma fazenda produtora de orgânicos de Devon, https://www.riverford.co.uk]. Realmente, fez uma grande diferença. Demorou muito tempo para chegarmos lá, um longo tempo, cultivando coisas úteis e mostrando aos estudantes como cultivar essas coisas e praticando o plantio, sobretudo cultivando insumos úteis para nós na cozinha. Mas, desde que Jane está envolvida, eles apenas estão crescendo cada vez mais, com a produção de cenouras, batatas grandes. Um ponto que os agricultores diziam para nós era o seguinte: “bem, não faz sentido cultivar cenouras, porque isso ocuparia muito espaço e nós podemos comprá-las facilmente”. Então, queríamos cultivar coisas mais especiais, não coisas básicas, como batatas, porque não tínhamos espaço para tudo. Mas, agora desde que temos esse grande campo (Henry’s field), estamos tentando conscientemente cultivar o máximo para o Schumacher College para que não tenhamos que comprar essas coisas básicas também. Os agricultores decidiram fazer isso. E eles me perguntaram: “você pode me mostrar todos os seus pedidos para que possamos ver o quanto você precisa ou para ver se conseguimos produzir o suficiente?”. E no início a produção de batatas vinha com buracos, lesmas ou com ferrugem. E tínhamos que cortar toda a parte podre delas, a produção não era tão boa. Era muito trabalhoso limpá-lo e cortar fora essas partes ruins. Mas depois ficou cada vez melhor e com melhor qualidade. Hoje tem a qualidade igual a dos produtos que compramos. Então é assim que tem sido, um processo lento, mas gradual.

Composteira Riden.

Estoque da produção anual de suco de maçã.

Vista geral do Henri's Field.

Planta do Henri's Field.

DM: E a compostagem foi se desenvolvendo ao mesmo tempo?

JP: Não, tínhamos muita compostagem antes disso. O que não tínhamos era o Ridan [uma solução para compostagem, www.ridan.co.uk]. Então, o Ridan chegou com a Bethan, que foi a primeira agricultora empregada após a experiência do Justin. Ela foi contratada também para lecionar e ela conhecia o Ridan. Antes dele, tínhamos um problema com os ratos porque eles amavam a pilha de adubo quente. Eles faziam ninhos nela, com pequenos ratos bebês. Deparávamo-nos com os ratos e ficávamos apavorados. Portanto, não era uma situação muito boa. Então, a Bethan trouxe o Ridan. Ele se parece com um motor de tanque. Tem uma rosca, um parafuso grande subindo no meio e uma alça que você aciona em volta. A serragem e as sobras passam pelo tanque e saem do outro lado. Não é um composto completo nesse ponto, mas está pronto para entrar nas baias de compostagem e ir para o próximo estágio. E o que sai à direita do Ridan não é mais interessante para os ratos. Portanto, o problema dos ratos foi resolvido. Estas composteiras foram inventadas por duas pessoas chamadas Richard e Dan, então eles misturaram seus nomes para batizar sua invenção. Essas composteiras Ridan são comuns em escolas primárias por aqui. São maquinas muito úteis, e existem em vários tamanhos diferentes. Eu acho que muito mais coisa tem ido pra composteira. No início as pessoas comiam principalmente comida orgânica, então ia direto pra compostagem, mas como a gente coloca tudo junto - restos de alimentos, os cozidos, alimentos crus e laticínios -, é isso que atrai os ratos. É muito difícil conseguir um sistema de separação na compostagem, mas é o que você precisa fazer se não quiser atrair ratos. Em algum momento também tivemos uma criação de minhocas, associado à compostagem.

TF: Sobre os livros que você tem escrito, você escreveu quatro livros sobre receitas vegetarianas e sobre a atenção plena [mindfulness] ao cozinhar. Como surgiu a ideia de escrever e compartilhar as receitas?

JP: Bem cedo, antes de eu assumir a cozinha aqui, depois de alguns anos, eu acho que não consigo me lembrar quando isso aconteceu exatamente, mas eu já estava trabalhando, minha antecessora, Helen Chaloner, dizia: “oh, nós amamos a comida aqui. Você deveria fazer um livro de receitas”. Conhecemos a Editora Green Books, uma editora formada por Satish Kumar e John Alford, quando o Satish se mudou do norte de Devon para Totnes, aqui em Dartington. Então, nós tivemos a ideia do livro em parceria com essa editora. Um dos administradores John Lane, que infelizmente não está mais conosco, estava muito interessado na ideia de um livro de receitas. Então, Helen Chaloner começou a reunir livros de receitas, mas o problema era que nenhuma das receitas era original. Então, todas as receitas foram retiradas de outros livros. Ela estivera no Zen Center antes, então ela teve uma experiência realmente muito boa em culinária vegetariana, com os livros de receitas de Edward Espe Brown [The Complete Tassajara Cookbook: Recipes, Techniques, and Reflections from the Famed Zen Kitchen] e os livros de Mollie Katzen. Todas essas receitas estavam em cartões de receitas usados na Schumacher, com equipes de alunos cozinhando. Quando assumi, a ideia do livro de receitas ainda estava presente. Eu sempre escrevi, sempre gostei de escrever. Por isso estava muito interessada em fazer essa ideia acontecer. E, se o problema era não termos receitas originais suficientes, nós tínhamos as receitas das pessoas que vinham para cá. Elas diziam: “oh, essa é uma receita incrível, eles cozinharam no domingo à noite, você pode deixar nós a receita?”. Nós já estávamos começando a criar algumas originais e então eu tinha minhas próprias, as que eu anotava e a que outros chefs trouxeram. Então, nós tínhamos toda uma mistura de receitas e comecei a reuni-las e a criar este livro de receitas. E se as pessoas dissessem: “oh, minha escola produziu um livro de receitas e ninguém que você conhece comprou”. Sabíamos que as pessoas poderiam dizer coisas negativas, tais como “todo mundo faz livros de receitas”, “não é uma coisa tão boa a se fazer”. Pensei: “já que as pessoas continuam pedindo um livro de receitas, eu vou escrevê-lo e depois posso imprimi-lo e entregá-lo às pessoas como um livrinho, um presente.” Pensei que isso não deveria ser um obstáculo para não fazer. Comecei a trabalhar nisso e, no final, eu tinha um verdadeiro livro, então fui ao editor John Alford. Ele estava interessado e contou isso à nossa diretora, Anne Philips. Ao mesmo tempo, entrou algum dinheiro, acho que foi uma doação de dinheiro de alguém, portanto, se o projeto não ganhasse dinheiro e desse prejuízo, esse recurso estaria lá como garantia. Tudo se juntou e realmente apoiou a publicação do livro de receitas. A partir daí, com o interesse da editora e das pessoas, foi apenas uma questão de afinar a edição para o tamanho certo, nomeando um designer para decidir o formato, um fotógrafo. Tinha uma artista que estava aqui como voluntária. E pedi que ela desenhasse alguns legumes em seu tempo livre. No livro temos ótimos desenhos ​​de vegetais. Foi assim que o primeiro livro, Gaia’s Kitchen, foi lançado, com o apoio de todos. Isso foi muito legal! O que eu fiz foi reunir algumas das receitas favoritas, como Queijo e nozes assados, que é do livro de receitas de Ed Brown, ou Brócolis e tofu com molho de amendoim picante do livro de Mollie Katzen. Escrevi para eles e disse: “podemos usar a sua receita em nosso livro? Nós daremos o crédito/reconhecimento a vocês.”. Todos ficaram felizes ao usarmos. Você não está roubando as receitas de ninguém, ao reconhecer que é a receita deles. Então, foi assim que resolvi esse problema. Tentei garantir que todas as receitas contassem com uma pequena história de sua origem e autoria, de onde veio.

Livros de Julia Ponsonby.

TF: Há uma receita no livro Gaias’s Feast sobre o pão de queijo brasileiro...

JP: Oh, sim, pão de queijo! Isso foi interessante, porque a primeira vez que recebi a receita foi de uma inglesa que esteve no Brasil. Ela me deu isso e pensei: “uau, isso é realmente delicioso, eu amo isso!”. Eu fiz e, ao seguir o livro de receitas, nem sempre funcionou. Depois veio uma outra pessoa, uma brasileira, acho que mencionei isso no livro, ela disse: “oh não, você deveria usar a receita da minha avó, então, ela me deu outra receita”. No final, eu testei as duas para ajustar e consegui uma receita à prova de falhas. Você sempre tenta tornar as receitas mais precisas para que qualquer pessoa possa cozinhá-las. Nós temos tentado conseguir farinha de tapioca, mas nem sempre é fácil de achar aqui.

DM: No livro Gaia’s Kitchen, você menciona como seleciona os ingredientes para cozinhar aqui na Schumacher. Você pode nos contar um pouco sobre isso, como você escolhe os ingredientes?

JP: Nós temos toda uma filosofia sobre o cozinhar e o comer. A maneira como escolhemos nossos ingredientes é orientada por isso. Então, queremos ter alimentos integrais e orgânicos. Se você tem alimentos integrais e orgânicos, você pode comer a casca da castanha, da maçã, da batata, há muitos nutrientes abaixo da casca. Você pode usar todo o ingrediente. Então, queremos fazer bons alimentos integrais. Se você está comprando alimento que sejam integrais, você pode consegui-los em grandes sacos. Algo como 25 kg de arroz, feijão ou algo assim. Assim, você está reduzindo a embalagem. Portanto, outra preocupação nossa é reduzir nossa pegada de carbono. Portanto, buscamos a ingestão de alimentos integrais, reduzindo nossa pegada de carbono. Como somos vegetarianos, não compramos carne ou peixe. Nós só temos queijos e laticínios. Devon [estado onde está localizada a Schumacher] é uma área onde há muita produção de laticínios. Por isso, tentamos obter queijo orgânico na maior parte do tempo, na maioria das vezes o queijo cheddar é orgânico e produzido localmente, com a biodinâmica do local. No começo, eu não conseguia leite orgânico, mas alguns anos depois passei a conseguir. Então, essas são algumas das principais preocupações. Eu tenho tentado apresentar às pessoas a filosofia da nossa alimentação no início de cada curso. Assim, eles podem entender melhor o que é uma alimentação integral, orgânica e vegetariana e com uma negociação justa. Outra coisa é que poderíamos ter uma dieta completamente local, mas seria muito limitada em determinadas estações, não no verão. Mas somos muito limitados no que chamamos de hungry gap [um período da primavera durante o qual há pouca oferta de produtos frescos vindos da horta]. Por exemplo, em fevereiro e março, quando você não pode obter muito grão da terra e nas lojas eles começam a acabar. E isso é uma coisa e a outra coisa é que temos um grupo muito internacional, com pessoas de vários países e algumas delas não ficam muito tempo. Portanto, queremos que eles se adaptem rapidamente à dieta, e eles não podem demorar muito para se adaptarem a uma nova dieta. Então, esse é o meu argumento para mantermos coisas como bananas e arroz no nosso menu, o arroz não é um produto local. Portanto, somos muito variados em nossa dieta, mas damos preferência à comida local e com uma negociação justa: Fairly Traded [produtos nos quais há preocupação em remunerar de forma justa toda a cadeia produtiva] se for proveniente do exterior e, de preferência, não transportada de avião. Portanto, temos aqui bananas transportadas por navio, com negociação justa e orgânicas. E fazemos questão de dizer isso às pessoas: se você sente que sua consciência pesa ao comer uma banana aqui, então, simplesmente não a coma, porque poderemos passar a pedir menos quantidade. Mas, na verdade, foram dois anos sem qualquer banana aqui. E aí tivemos uma colheita ruim de maçãs. As maçãs ficaram mais caras que as bananas e voltamos a comprar bananas e ninguém reclamou. Quando não tínhamos bananas, eu via que as pessoas iam comprar suas próprias bananas no mercado, sentiam falta e percebi que as bananas são uma espécie de comida afetiva[confort food] ou algo do tipo. Mas, claro, nosso menu também é influenciado principalmente pela nossa própria produção. Quando eu planejo os menus com minhas colegas, Ruth e Sarah, eu olho a lista da nossa horta. Margarite e Lena [atuais agricultoras residentes] me mandam a lista do que está disponível na semana e eu priorizo a inserção desses insumos nas refeições.

TF: Qual a importância das contribuições do oriente para a alimentação?

JP: Bem, são muitas as influências do oriente. Você tem uma valorização das dietas vegetarianas e a atenção plena também [mindfulness]. Eu acho que eles contribuem muito e várias pessoas estão se tornando veganas atualmente, na medida em que tomam consciência sobre uma espécie de ponto fraco do agronegócio e de toda a indústria de laticínios. Temos tido vários gatilhos que influenciam as pessoas a quererem parar de comer produtos lácteos, por exemplo quando vêem como os laticínios e o agronegócio funcionam no nível industrial. Por exemplo, Plum Village [https://plumvillage.org] e as pessoas do budismo tailandês são veganas. Algumas pessoas de Plum Village que vieram Conferência do Clima em Paris e organizaram uma semana vegana. Eu não sei se entendi completamente o modo como você pode olhar o veganismo e os produtos lácteos, mas as pessoas argumentam sobre isso. Aqui temos pessoas comprometidas com o veganismo, o que torna isso uma discussão importante. Quando você tem suas fontes de proteína vindo de nozes vindas do outro lado do mundo você emite mais carbono do que uma dieta local com carne. Mas eu não pesquisei todos os detalhes sobre esse assunto, é um tanto complexo. Mas já tivemos estudantes de Ciências Holísticas que escreveram sobre o veganismo antes, então, é bastante interessante. Eu não estou querendo dizer que a Schumacher tem que se tornar vegana, até porque temos todos esses laticínios em Devon e nós damos preferência a fazendas com produção de orgânicos. Além da produção orgânica, eles têm uma preocupação muito criteriosa com o bem-estar dos animais, mais humanizada. A “Soil Association”, entidade do governo responsável pela produção orgânica, determina padrões bem criteriosos de bem-estar, então você pode ter certeza de que se você está servido produtos orgânicos você não está lidando e nem apoiando a produção de uma grande fazenda industrial. É possível pensar nos bem-estar dos animais sem necessariamente se tornar vegano.

A atenção plena [mindfulness] é o outro ponto. Eu creio que você não queira ser pego em toda uma pressa da vida, que no fundo faz a vida se tornar menos prazerosas, uma vida cheia de estresse, e talvez transfira todo esse estresse para a comida se você estiver uma produção em massa, principalmente se você estiver comendo carne. É isso que quero dizer e que acontece com os animais. O estresse e o medo que eles sentem indo para o abatedouro acaba passando pelo corpo deles “contaminando” a carne. Se você comer essa carne, esse tipo de hormônios de estresse pode passar para o seu corpo e qualquer outro tipo de estresse pode ser transmitido durante a produção de alimentos se as pessoas que estão produzindo estão estressadas, manipulando vegetais, por exemplo. Talvez seja difícil de provar isso ou até mesmo que isso não seja provado cientificamente, mas parece, para mim, que todas essas coisas estão interligadas. Ao ter uma qualidade de vida boa, aproveitando a produção da comida e o processo de preparação do alimento fazendo de um jeito gentil, você pode acabar levando essa ideia (de cozinhar sem stress) longe demais e fazer tão devagar que a comida nunca chega à mesa a tempo, mas eu acho que tem um meio-termo em que você consegue ter atenção plena na produção de comida. Aproveitando melhor o processo é menos provável que você vá cortar o seu dedo ou sentir-se estressado, pois o prazer faz parte do processo de produção dos alimentos. Por exemplo, no livro Como água para chocolate de Laura Esquivel, toda a emoção da personagem vai para o que ela cozinha. Tita está preparando o bolo de casamento de sua irmã, que irá se casar com seu amado. Ela está chateada e as suas lágrimas caem no bolo, e logo todos do casamento se emocionam também. Às vezes, eu acho que é sobre isso, sabe? Eu creio que você passa os seus sentimentos e suas qualidades para o que você cozinha. Este é um dos motivos que me fazem amar a forma como trabalhamos na Schumacher. Aqui não há uma única equipe que produz todas as refeições e acaba ficando um pouco entediada de fazer aquilo, mas novos grupos o tempo todo, o que é um processo revigorante, você produz todas as refeições se divertindo, você tem pessoas que vem sem pressão para cozinhar e os estudantes simplesmente amam fazer isso, sem se sobrecarregar. Então eu acho bom que continuamos a envolver pessoas diferentes com o processo de cozinhar.

DM: Nós temos vários tipos de pães aqui. E você escreveu sobre a atenção plena na panificação, ao usar o forno. Qual é a importância da panificação na história da alimentação?

JP: Especialmente, talvez na alimentação ocidental, eu acho que pão é baseado em grãos, nesse descobrimento da fermentação usando os fermentos naturais vindo aos pães. E tem uma grande história em termos de descobrimento de formas de produzir campos de trigo e os seres humanos deixarem de ser caçadores e coletores para se juntarem em grandes populações que cultivarem lavouras de trigo, cevada e outros grãos, o pão deve ter surgido na mesma época em que o homem começou a ser mais sedentário, deve ter sido ali que começamos a assar mais pão. O pão é um alimento facilmente transportado, talvez isso tenha relação com o que aconteceu na história da nossa evolução. Talvez não esteja te dando uma resposta boa! Eu acho que pão e a panificação são uma fonte de criatividade, pois nos dão uma dieta rica em carboidratos e o potencial de fazer pão trançado ou o Challah, muito importante no Shabat [um pão judaico que é comido nas sextas-feiras]. Nós já fizemos aqui durante uma cerimônia que aconteceu aqui no ano passado. Com frequência, o pão é um alimento no qual as pessoas transformam em uma comida especial, é um alimento que nos ajuda a conectar a nutrição com os rituais da nossa vida. É uma parte importante da nossa dieta, não é mesmo? É importante que um alimento não domine demais nossa dieta, porque o que aconteceu com o pão é que a partir da década de 70, com o surgimento do Chorleywood Process Bread (Processo CBP) ele começa a ser produzido em massa, numa extensão tão grande, que foi o tornando cada vez menos saudável. Só agora, com o ressurgimento do movimento que trouxe de novo a produção do pão artesanal, que temos de novo o pão sendo produzido mais devagar e com mais atenção, se tornando saudável de novo. Porque com o advento do Chorleywood, com consequência dessa produção acelerada e massiva, as pessoas começam a ter mais intolerância ao glúten. É a partir daí que eu acho que se torna não saudável, mas o pão ainda é, para a maioria das pessoas, uma parte importante da dieta.

TF: No livro Mindful thoughts for cooks, você analisa as ideias de simplicidade e paciência. Então, o quão importante são esses termos em tempos de fast food?

JP: Quando as pessoas vão comer nos fast food, o que elas buscam é a simplicidade, pois isso torna a vida delas mais simples, algo que elas simplesmente vão colocar no micro-ondas. Mas elas podem conseguir algo mais simples ainda, como cozinhar algo que seja simples, pois isso também é rápido. Tem alguns autores como o Simon Rimmer que escreveu um livro que tem vários menus que você pode cozinhar em 30 minutos. Então você não precisa de muito tempo para cozinhar e quando você cozinha sua própria comida, você tem menos chance de intoxicação alimentar. Você pode fazer com ingredientes integrais, menos embalagens, você consegue uma maior satisfação com a comida e provavelmente mais sabor, um sabor mais natural, pois você estará usando seus próprios ingredientes. Isso é uma volta à simplicidade genuína, muito mais do que a falsa simplicidade que seria comer apenas comidas industriais produzidas em massa, ou se habituar muito a isso. Eu diria que isso seria um instinto para simplicidade, mas que foi canalizada apenas para comprar fast food e isso é um reflexo do nosso estilo de vida, da sociedade, que vive com pressa. Vemos isso até na arquitetura, alguns apartamentos não têm nem um forno instalado. Isso é interessante, pois quando eu estava pesquisando para o “Cozinha é o coração de cada casa”, tem um capitulo neste livro em que eu conto que descobri que algumas pessoas não tinham nem um forno em casa e eu não conseguia acreditar, e parece ser mais comum que algumas pessoas não tenham um forno, apenas um micro-ondas para reaquecer a comida. Eu acho que o prazer de cozinhar é tão bom e existe uma necessidade para esta simplicidade. Meu filho está começando a cozinhar para ele mesmo, ele gosta de fazer algumas coisas. Ele corta os ingredientes em pequenos pedaços e coloca em pequenos potes e cozinha eles todos juntos. É bem simples, gostoso, nutritivo e muito fresco. E a coisa mais legal é que, se você tem a simplicidade de um lado, você pode ter complexidade do outro. Você pode ter variedade, você pode ter uma festa num dia e fazer algo mais complicado, mas você também pode encontrar uma forma simples de fazer isso. Eu comprei esse livro, The Elegant Simplicy (Satish Kumar). Ele começa definindo de várias maneiras o que significa “simplicidade” e uma de suas definições é a seguinte: como você prepara uma refeição e torna isso simples? Então, você faz várias coisas da fase de preparação antes, porque aí no dia da sua festa não tem muito estresse, porque você já fez coisas com antecedência. Mas na verdade o que você produziu é complexo, pois envolve diferentes elementos que podem ser produzidos de diferentes formas e diferentes técnicas, com diferentes habilidades e talvez com ingredientes de lugares diferentes. Dessa forma, é como você pode trazer a simplicidade para a sua vida, pensando nesses pontos. Algumas coisas são fáceis, você pensou em como irá prepará-las e isso torna a experiência mais proveitosa e te deixa mais presente e consciente durante o processo. A simplicidade e atenção plena estão interligadas.

Celebração do Wassail na Schumacher.

Livro do "Transition Moviment" de Totnes sobre alimentos locais.

DM: Falando sobre a importância da celebração e da gratidão, nós sempre comemos juntos, abençoamos a comida e agradecemos também. Por que isso é importante? Por que você acha que é importante?

JP: Eu acho que isso atrai a nossa atenção para a sala onde estamos comemos, é uma experiência coletiva. Em várias culturas, você encontra esse tipo de experiência de comensalidade com quem eles vivem. Comer junto é um aspecto importante em algumas culturas, e de como estamos juntos e conectados. Isso chama nossa atenção para o fato de que isto é algo que estamos fazendo juntos. Pontua nosso dia em 1, 2 ou 3 momentos. Faz com que a gente esteja consciente da comida, impedindo que a gente subestime este momento, pois estamos tendo algo que algumas pessoas infelizmente não tem a sorte de ter, toda essa comida que temos naquele momento. Satish sempre diz, quando ele conduz a benção, que ele agradece até mesmo as minhocas e que deseja que todas as pessoas estejam comendo tão bem quando nós estamos naquele dia. Eu diria que esse momento de consciência é muito importante. Na minha criação, não se abençoava a comida. Na minha escola, quando eu era criança, a gente fazia uma oração, não lembro bem como era, mas era algo bem artificial, com roteiro. Tem um capitulo do livro Mindfull Thoughts for Cooks sobre diferentes bençãos, não é?

A outra parte da pergunta é a celebração, certo? Eu acho que é importante nós reconhercermos a importância dos indivíduos, em termos de bolos de aniversário. Reconhecer a contribuição individual para a comunidade. Podem ser outros tipos de reconhecimentos, como o sazonal, passagens de períodos. Por exemplo, hoje teremos aqui o Wassail, [um ritual medieval de produção de sidra em homenagem às macieiras, como forma de desejar uma boa colheita no próximo ano] que, de um lado, é um agradecimento às macieiras pela colheita do ano passado, mas é também um desejo de boa colheita no próximo ano, afastando os maus espíritos da colheira. Isso conduz nossa atenção à Gaia e à abundância da terra. Por isso, essas celebrações são muito importantes para agradecer e não subestimar o que temos, isso facilita nossa passagem pela vida.

TF: Como você vê a importância dos atuais movimentos ligados à alimentação, como o Slow Food, as CSAs, movimentos de transição, entre outros?

JP: O Movimento Slow Food já havia começado antes de eu chegar na Schumacher. Eu já tinha ouvido falar desse movimento em algumas revistas, e acho um movimento bem interessante. Há uma gama de coisas sobre o Movimento do Slow Food em todo o mundo e os chefs aqui se envolvem nessas ações, como a Arca do Gosto, participando de cursos em encontros relacionados ao movimento. Também tratamos disso em alguns de nossos cursos rápidos. Isso chama a atenção sobre a necessidade de lutar contra a estandardização e essas coisas muito industrializadas e excessivamente higienizadas. O movimento busca, por exemplo, a valorização da diversidade e dos produtos locais, como um queijo local e uma variedade local de maçãs. Dessa forma, se você introduz todas essas regras, se você só pode vender seu queijo, por exemplo, se você tem uma van refrigerada, você terá uma porção de pequenos produtores de um certo tipo de queijo que não poderão ir ao mercado vendê-los, porque eles não têm uma van refrigerada. Então, o Movimento Slow Food está basicamente lutando contra esses aspectos que ameaçam a diversidade e a cultura do alimento, porque essas formas naturais de preparar comida são bem antigas, embutidas na nossa cultura, descobre-se que algo produzido exclusivamente em uma região está relacionado a uma produção que é exclusiva de uma área bem pequena. É um conceito fascinante. Um vinho de uma área tem um gosto muito distinto, pois há um bom clima para isso, um microclima nessa área, o que é o mesmo para todos os alimentos. Muito desse conhecimento de plantio seria perdido se não fosse pelo trabalho de movimentos como o Slow Food.

As CSAs são muito boas, porque elas ligam as comunidades locais com as pequenas fazendas. Aqui, em Dartington, nós temos uma Escola Fazenda-CSA no local onde antes era uma Escola Fazenda criada para a escola de Dartington Hall (o Dartington Estate foi criado em 1925). A escola foi fechada 6 anos antes do Schumacher College abrir. Aquela escola, onde crianças iam plantar, é agora a CSA, a comunidade dá suporte àquelas diferentes pessoas que tornam aquilo sua forma de renda. A comunidade vai até lá e ajuda a produção, eles podem ver o que se produz, é muito parecido com o que acontece com a nossa produção na Schumacher. As pessoas colhem, capinam, semeiam e acompanham o crescimento da produção, ajudam os produtores a continuar suas atividades pagando uma inscrição anual. Eu acho que esses mecanismos localmente orientados, como as CSAs, são muito importantes para trazer de volta e apoiar a cultura de produção local, para que nós não fiquemos tão dependentes de coisas importadas ou que precisemos comprar comida industrializada. Você mencionou o Transition Movement também, né? O Transition Movement começou em Totnes, onde muitas castanhas são produzidas. A transição tem como chave a resiliência, a construção de resiliência dentro de nossa comunidade, para que as instabilidades e mudanças que podem estar acontecendo em relação à dependência e declínio do petróleo no mundo não a afete tanto, pois a resiliência levará a uma diminuição na dependência do petróleo. As árvores de nozes são uma fonte de proteína, então o plantio de todas estas árvores em Totnes foi um tipo de iniciativa de transição dessa comunidade. Eu acho que quando você tem estes tipos de iniciativas em curso, pessoas ajudando outras a cuidarem de seus jardins e hortas, isso é muito bom. Eu fui privilegiada de ter sido convidada a fazer o primeiro bolo para o aniversário de um ano do Transition Movement e isso aconteceu há pelo menos dez anos. Há um livro sobre alimentação e o Transition Movement, de Rob Hopkins e Tamzin Pinkerton, chamado Local Food - How to make it happen in your community. Eu pude contribuir com o livro, compartilhando técnicas e métodos para contribuir com a economia local.

DM: E nos tempos de hoje, como você acha que um cozinheiro profissional ou uma pessoa que cozinha em casa pode contribuir para a transição em direção a um mundo melhor?

JP: Onde você estiver, é procurar produtos orgânicos o quanto você puder, indo onde a produção orgânica é valorizada, como numa feira local. Saber sobre a produção orgânica e o bem-estar de animais, o que ela tem de vantajosa, e preferi-la ao invés de comida em massa e industrializada. Hoje já temos produção acadêmica provando as vantagens da produção orgânica para nossa saúde e para o meio ambiente, algo que desejávamos há muito tempo. Dessa forma, comprando da produção local e com menos embalagens já ajuda muito. Por exemplo, as pessoas podem se juntar com os seus vizinhos para comprar suas produções, o que reduziria o uso de embalagens para a comida. As pessoas utilizam muita embalagem. Se você vai ao mercado, você pode deixar de usar a embalagem. Talvez essa é uma das coisas que eu recomendaria para os cozinheiros. Comecem a deixar suas embalagens, como uma forma de protesto, dizendo: "sabe, na verdade nós não queremos isso”. Então, os supermercados vão parar para analisar isso. Mas agora as pessoas têm dito: "você quer uma sacola?". Você faz uma compra e te dão uma sacola, mas eles passam a introduzir cobranças por elas, um tipo de “desincentivo”, para que você as use menos. Eu acho que, como um cozinheiro, você tem o poder de escolher esses ingredientes cuidadosamente ou talvez você possa mostrar para seus filhos, ou você pode até mesmo pensar: “se eu estou usando algo que agride o meio ambiente, eu sei que há um local onde vão colocá-lo, então não vou utilizar isso desse jeito”, “agora eu vou começar a cozinhar de forma simples, fazendo meu próprio “fast-food” ou cozinhar algumas refeições simples”. Inclusive você acaba economizando bastante dinheiro se você cozinha coisas naturais, com seus próprios ingredientes. Você pode dar suporte ao seu CSA local, fazer uma conexão com um produtor rural também. Eu acho que um cozinheiro tem muito poder, como utilizar seus ingredientes sabiamente, aproveitar sua produção, compartilhar refeições e talvez fazer refeições para dar para outras pessoas próximas a você, um pão ou uma geleia. Cozinhar é uma boa forma de compartilhar, são ótimas coisas a se fazer.

TF: Em nossas entrevistas nós sempre fazemos perguntas sobre comida para assistir, comer e ler. Qual a sua sugestão para assistir?

JP: Eu tenho duas turmas, estou dando um curso sobre marmelade [apesar do nome parecido com o doce de marmelo, na Inglaterra é uma geleia levemente azeda, feita com as cascas de frutas cítricas, como a seville orange, a laranja-azeda], eu assisti o filme Paddington 2, é um filme muito divertido sobre a produção de marmelade, mas não é verdadeiramente um filme sobre comida. Eu gostaria de recomendar a série do Michael Pollan, chamada Cooked, da Netflix. É realmente muito interessante, ele ensina a fazer queijo (episódio Terra). Uma freira produz queijo em um grande barril de madeira e chegam os fiscais e dizem que ela não pode fazer queijo na madeira, mas ela vair estudar microbiologia e descobriu que havia algo que era único na forma como ela produzia o queijo e que matava todas as coisas ruins. E assim ela mostra para as pessoas uma forma de fazer o queijo mais segura do que no recipiente de plástico. É uma boa demonstração de como as técnicas podem se tornar excessivamente higiênicas. Todas os episódios desta série de Michael Pollan são fascinantes, sobre fermentação, trazendo sempre diferentes aspectos na indústria alimentícia.

TF: E para comer?

JP: O que eu recomendo para comer? Eu acho que se você quer ser saudável, você pode começar fazendo sua própria dieta saudável, fazendo fermentados, tal como o kimchi [fermentado de vegetais coreano] que a Vorriey [Ela trabalha na Cozinha da Schumacher há muitos anos] faz e vai comendo um pouquinho todos os dias, enriquecendo sua dieta, com algo muito saudável. Não é necessariamente uma refeição completa, é apenas uma sugestão geral.

DM: E para ler? Seu livros, com certeza!

JP: Você pode ler algo como o O Dilema do Onívoro do Michael Pollan.

DM: Há mais alguma coisa que você gostaria de compartilhar que nós não mencionamos nas nossas perguntas, que você acha que é importante?

JP: Já falamos de tudo, falamos como funciona a Schumacher, como as pessoas se empenham, cada estudante que cozinha toda manhã, ou que vai cozinhar à noite e no restante da semana, então eu acho que já cobrimos o assunto enquanto conversávamos.

DM: Se você quiser explicar mais sobre como você constrói essa rotina constante na Schumacher...

JP: Eu acho que aqui temos uma grande influência dos Ashrams, como se fala na Índia, e Satish Kumar é uma das grandes referências, um dos fundadores da Schumacher. Ele cresceu na tradição de um Ashram. Outra influência vem de Brian Nicholson, que estudou na Brokwood Park (uma escola do tipo internato, que propõe uma metodologia de ensino baseada em princípios holísticos), e na Dartington Hall School. Essas foram grandes influências, nos hábitos que são adotados e nos guiam em um bom trabalho. Essas referências juntas exercem grande influência na Schumacher e na forma como trabalhamos, com pessoas se juntando à escola para fazer as tarefas básicas, como limpar, plantar e cozinhar. Isso parece funcionar muito bem quando as pessoas se unem para um bem comum e fazem as coisas em conjunto, como cozinhar por exemplo, compartilhando e assim desenvolvendo o trabalho em grupo e oferecendo algo de volta à comunidade. É isso que você nutre quando você cozinha em conjunto. Acho que isso parece funcionar muito bem. Eu espero que vocês concordem...

DM: Sim! Julia, muito obrigada por essa entrevista e por sua generosidade ao compartilhar toda essa experiência e por todos os livros que você escreveu.

JP: Foi um prazer.

DM: Nós estamos muito agradecidos. Muito obrigada!