CAMPINAS, 25 de Setembro de 2023.
A escritora bell hooks completaria hoje 71 anos de vida. (Foto: Karjean Levine/Getty Images)
Feliz cumpleaños, bell hooks <3
por grazi delforno
Escrever não é tarefa fácil, se deparar com a imensidão de possibilidades de expressão de pensamentos e sentimentos não torna a complexidade da realidade do mundo mais simples. bell hooks nos diz que encontrou um “refúgio na ‘teorização’, em entender o que estava acontecendo. [Encontrei] um lugar onde eu podia imaginar futuros possíveis, um lugar onde a vida podia ser diferente. [...] onde eu trabalhava para explicar a mágoa e fazê-la ir embora” (HOOKS, 2017, pág 85). Compartilhar a sua experiência com a gente mostra como as palavras, nos expressar e descrever nossas dores têm um potencial transformador.
Nesse espaço de possibilidades de expressão encontramos em bell hooks um aconchego. Sem medo de dizer que as palavras, as teorias, os conhecimentos curam dores, bell (desculpe, mas me sinto íntima) assume o compromisso do cuidado com a pessoa, com ela mesma, com seus estudantes e colegas. A cura pela palavra vem de diversas fontes, mas principalmente do incômodo que percebemos, e essa percepção é refinada até o ponto de o que aprendemos, se o fizermos de corpo e alma, ser capaz de sanar nossas dores. O objetivo da escrita de bell não é só curar, mas é entender de onde essa dor vem, por que ela existe, como ela chegou nesse estado e o que faremos para mudar.
Em seus escritos, bell fala sobre sermos inteiros, ela mesma se dando inteira em cada palavra. A sua obra sobre teoria feminista foi escrita durante sua graduação relfletindo essa inteireza, discutindo muito dos seus incomodos (se é que podemos chamar racismo e sexismo de incomodo…) durante essa fase, principalmente relacionando a distância entre o que era produzido na academia sobre Estudos da Mulher com a sua própria experiência. A auto reflexão “não sou eu uma Mulher?” sendo uma mulher negra em um espaço masculino e branco tem uma disposição não passiva e reflexiva, mas inerente a sua prática e de poderosa perturbação dos paradigmas. Essa perturbação é o que eu vejo como espaço de libertação.
A liberdade surge em espaços coletivos que bell tanto preza. Além da teoria feminista, ela também escreveu sobre educação, não só isso, mas sobre educação como prática da liberdade. Ela reflete como a liberdade poderia ser atingida pela educação, como a libertação é possível nos espaços escolares. Primeiro ela pensa naquilo que limita, no modelo educacional em que estamos inseridos para, enfim, desvendar os lugares de transgressão, pensar que tipo de ação educativa que promove uma ação social, que tipo de metodologia dentro da sala de aula permite uma experiência livre no mundo. Tudo bem, muitos teóricos estão preocupados com a educação e como as alunas e os alunos tiram proveito disso, não é uma novidade. Mas bell não pensa somente no proveito, ela pensa em como engrandecer os estudantes e faz isso compartilhando suas vivências como aluna, professora em formação e professora efetiva. bell não tem medo de contar que seus alunos ficam felizes, nem de compartilhar como ela mesma fica feliz ou, mais importante, admite que às vezes seus estudantes ficam infelizes, desmotivados, inclusive ela mesma se sente assim. Tudo isso faz parte de um processo mais amplo de luta social.
Escrevendo, teorizando, conhecendo e ensinando, bell hooks nos muniu de uma poderosa tática para essa luta revolucionária: o amor. Amor pela liberdade e o amor em ação, amor pela educação e amor pelo amor. O amor não é esse sentimento estritamente romântico ou sexual, mas sim uma maneira de direcionar como nos expressamos. É o amor, o desejo, o gozo pelo movimento que nos dá uma linguagem de expressão, é o amor coletivo que nos dá a direção. Dentro da sala de aula com o amor pelo conhecimento e o crescimento coletivo, amor pela possibilidade de ultrapassar os limites da educação para avançar até um lugar mais potente e transformador; dentro da academia, amor pela tradução das experiências de opressão em palavras para identificar as origens de nossas dores, mas também amor pela descrição das nossas táticas de enfrentamento, pelo entendimento das nossas resistências e reafirmação do nosso direito a liberdade.
Seu legado foi além de textos e livros. O que Gloria nos deixou foi um acervo imenso de conversas com a gente, os registros das suas palavras de amor por nós que queremos curar nossas dores. Denunciando a situação da educação, das representações ideológicas e midiáticas, do apagamento da produção de conhecimento de mulheres negras, ela faz um retrato compreensível do mundo porque nos identificamos, porque parte do pressuposto que estamos com os pés no chão e também daquilo que todos nós temos em comum que é essa capacidade de nos inconformar (como diria Paulo Freire). Gratidão não é suficiente para demonstrar o alcance de bell hooks, podemos manifestar esse sentimento fazendo o que ela fazia de melhor: amando com os pés no chão e sonhando com o coração.