XXII Semana de História - UFG
Raça, Racismo, Antirracismo | 0711 de agosto de 2023

Ao elegermos Raça, Racismo, Antirracismo como tema desta edição, entendemos que na condição de historiadores e historiadoras, nossa função social é insistir na historicidade desses conceitos e romper com qualquer tipo de naturalização dos discursos que fundamentam práticas racistas. Desse modo, a mobilização desses conceitos é fundamental para refletirmos sobre os problemas que permeiam a sociedade à qual pertencemos. Em relação à historicidade e à história do conceito de raça chamamos atenção para os seus usos, os seus deslocamentos e as suas ressignificações. 

A ideia de raça, tal como conhecemos hoje, como bem aponta Antônio Guimarães, pressupõe uma noção chave para a ciência moderna. A biologização do conceito de ‘raça’, no século XIX, permitiu a construção de um discurso classificatório baseado nas ciências naturais que estabelecesse marcadores de diferenças atrelados a uma ideia de natureza definidora de determinado caráter, capacidade intelectual e psicologia. É isso, portanto, que difere a ideia moderna desse termo de outros momentos. Por isso, ao percorremos a história desse conceito nos deparamos primeiro com uma ideia teológica que justificasse a escravidão, e somente depois científica. Ao acompanharmos, por exemplo, o conceito de ‘raça’ em sua historicidade, percebemos como, no Brasil, ele foi mobilizado para explicar a sociedade e, ao mesmo tempo, conceber um projeto político de nação. Naquele momento, o conceito explicaria as diferenças culturais entre os povos e fundamentaria o modo como foram incorporados no sistema de expansão e conquista dos países europeus (1). Os nossos intelectuais e cientistas sociais, ao se dedicarem a introduzir a teoria das raças, deram especial atenção à miscigenação e ao seu potencial para o que ficou conhecido como embranquecimento. 

Assim, mesmo quando o conceito de raça havia perdido seu lugar no campo intelectual e científico, mestiçagem e embranquecimento tornaram-se juntos fundamentais para as discussões do século XX, direcionando políticas raciais no Brasil. É nesse período também que o termo ‘raça’ passa a ser rejeitado, por motivos ligados ao âmbito (inter) nacional, e aqui cabe mencionar os genocídios e assassinatos em massa ocasionados pelo racismo, como a segregação racial nos Estados Unidos, o apartheid, na África do Sul e o Holocausto.  Primeiro, no início do século XX, há uma reinvenção da raça, ou seja, a dissociação entre raça e cultura, influenciada pela antropologia cultural (2). Isso mostra como ‘raça’ não desapareceu, mas deslocou-se, reinventou-se. Do ponto de vista político e intelectual, a ideia que passou a definir a formação brasileira e da sua cultura foi a de democracia racial. Já do ponto de vista burocrático e popular, o termo ‘cor’ passou a substituir ‘raça’, deixando claros muitos elementos das teorias racistas (3). Da mesma forma, o termo ‘etnia’ passou a ser mobilizado em um sentido mais generalizado no período pós-guerra como sinônimo de ‘raça’ para evitar o seu emprego. 

Ao localizamos o retorno de 'raça' para a linguagem atual, destacamos, com Antonio Guimarães, além do seu uso cotidiano, seu emprego nos censos demográficos do IBGE em 1991 (quem não lembra da pergunta “Qual é a sua cor?” em “Qual é a sua cor/raça?”). Ademais, o retorno e ressignificação desse conceito pôde ser claramente observado com o movimento negro da década de 70. Isso porque o reaparecimento do conceito ganhou outra dimensão: agora, como estratégia política, ou melhor, estratégia de valorização, inclusão e reivindicação. Foram os movimentos sociais os protagonistas dessa transformação. Foi com o intuito de desvelar uma democracia racial inexistente, escancarar as desigualdades, as diferenças de oportunidades para homens e mulheres negras no Brasil que esses movimentos deram outro significado para ‘raça’. O historiador Amilcar Pereira também nos ajuda a entender esse processo ao se debruçar sobre a constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil. Ele destaca como ‘raça’, principal foco da luta política desses movimentos, perpassa dois pontos importantes: combate ao racismo e denúncia do mito da democracia racial, bem como afirmação de uma identidade negra positivada (4)

Logo, chegamos a outra questão fundamental: o racismo. Aliás, há história do Brasil sem racismo? Como bem lembra a historiadora Ynaê Lopes, lutar contra o racismo pode mudar nosso olhar sobre nossa realidade, nossa forma de ser e estar no mundo, assim como nossas perspectivas (5). Dessa maneira, concordamos com ela quando diz que se há algo positivo em estudar o racismo a partir de uma perspectiva histórica, é entender que essa história é complexa, polifônica e disputada.  Sendo assim, pretende-se também pensar essas discussões em outras sociedades e outros espaços, examinar as particularidades sociais e culturais de determinados lugares, bem como esses conceitos funcionam em contextos diferentes.

A importância desse tema, sobretudo considerando o nosso contexto, soma-se este ano a um marco na educação brasileira: a inclusão, há 20 anos, do Art. 26 - A na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei no 9.394/1996). Nos referimos à Lei 10.639/2003, que estabeleceu a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira. 2023 coloca-se, assim, como um ótimo momento para discutirmos a construção de uma educação antirracista. Por isso, levantamos algumas questões: Que balanço podemos fazer sobre a Lei 10.639/03 e a sua implementação? Se podemos falar em um certo avanço nos últimos anos com essa importante legislação, quais ainda são os desafios a serem superados? Como podemos buscar uma educação de fato antirracista, que privilegie outros olhares sobre a negritude e a formação histórica brasileira? Como auxiliar os professores a contornar a abordagem, às vezes superficial e assentada em estereótipos, que se encontra em muitos livros didáticos?

Falar de raça, racismo e antirracismo, também é falar de uma busca constante para contornarmos os obstáculos na educação. Trazer questões relacionadas à história e à cultura africana e afro-brasileira perpassa o problema de trabalhar negritude na sala de aula para além de racismo e escravidão, já que lidamos concomitantemente com um racismo religioso arraigado. Parece ser preciso então romper com determinados lugares e redirecioná-los. É preciso abordar a história desses sujeitos, por séculos marginalizados, reduzidos a história de escravização, de modo potente: abordar a criatividade, a tecnologia, a literatura, a esperança na perspectiva da negritude. Então, é essa reflexão indispensável que tem que estar na formação dos professores, para que dessa maneira os alunos, crianças e adolescentes possam projetar outras possibilidades, ver a si mesmo em outros lugares. Em termos psicanalíticos, podemos lembrar de Grada Kilomba, que destaca que o sujeito negro é sempre colocado como “outro” do branco e nunca como “eu”, (6) problema de que também trata Frantz Fanon, quando fala das experiências cotidianas de racismo e reflete sobre o existir do negro (7). Em suma, quando chamamos ao debate com essa chave temática, estamos, ao mesmo tempo, falando de reconstruir “eu’s”. 

Para além disso tudo, a questão racial é uma responsabilidade de todos. A conscientização de uma sociedade antirracista e a elaboração de políticas públicas direcionadas a esse objetivo são meios de repensar as estruturas, as agendas, os espaços, as posições, as relações subjetivas, os vocabulários e outros tantos aspectos. Se retomamos esse tema, é também para afirmar nosso papel, enquanto historiadores e historiadoras, na luta antirracista, compreendendo que ela se faz por meio de uma compreensão histórica da raça e do racismo. 


Comissão Organizadora.




1.GUIMARÃES. Antonio Sérgio Alfredo. Raça, cor, cor da pele e etnia. Cadernos de campo, São Paulo, n. 20, p. 1-360, 2011. 

2.MARTÍNEZ-ECHAZÁBAL, L. O culturalismo dos anos 30 no Brasil e na América Latina: deslocamento retórico ou mudança conceitual? In: MAIO, M.C., and SANTOS, R.V., orgs. Raça, ciência e sociedade [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; CCBB, 1996.

3.GUIMARÃES. Antonio Sérgio Alfredo. Raça, cor, cor da pele e etnia. Cadernos de campo, São Paulo, n. 20, p. 1-360, 2011.

4.PEREIRA, Amilcar Araújo. “Sou Negro”: raça e racismo na perspectiva do movimento negro contemporâneo. In: SAMPAIO Gabriela dos Reis; LIMA. Ivana Stolze; BALABAN. Marcelo (Org.).Marcadores da diferença: raça e racismo na história do Brasil. Salvador: EDUFBA, 2019. 283-315 p.

5.SANTOS, Ynaê Lopes dos. Racismo brasileiro: uma história da formação do país. São Paulo: Todavia, 2022. 

6.KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.

7.FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA,  2008.




Evento Presencial


As Mesas e Conferências ocorrerão na modalidade presencial nas dependências da Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás.

Os Simpósios e Minicursos ocorrerão de forma inteiramente presencial ou inteiramente on-line. Os proponentes poderão selecionar a modalidade no ato da submissão da proposta e os inscritos obterão essa informação previamente. Nesses casos, não teremos transmissão simultânea. 


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