O amparo depende da legislação de cada país.
A Convenção das Nações Unidas prevê a proteção ao denunciante em seu Artigo 33, Proteção aos Denunciantes:
A Convenção da OEA contra a Corrupção, em seu Artigo III, Medidas Preventivas:
No Brasil, a questão da proteção ao denunciante demorou a passar da fase da garantia do anonimato.
Para ilustrar, vou copiar aqui uma parte do Mandado de Segurança 24.405-4 do Distrito Federal, impetrado no STF e julgado em 2003:
Junte agora esta segunda frase:
E, finalmente, esta conclusão sobre os dispositivos legais, constando na Medida Cautelar em Mandado de Segurança 32.370 do Rio de janeiro, também no STF, em 2013:
Ora. Sabemos agora, depois da ação da Lava-Jato e outras, que entre os Parlamentares que escreveram a nossa Constituição, chamada de Cidadã, havia um grupo que incluía mensaleiros, corruptos, corruptores e até de assassinos, quase um Sindicato do Crime.
Isso explica porquê foi escrita prevendo tantos direitos, e com tão poucos deveres. Ninguém pode ser questionado por buscar seus direitos, mas pode ser condenado por descumprir seus deveres. O excesso de direitos e a ausência de deveres é garantia constitucional de impunidade.
É essa Constituição que irradia seus efeitos sobre a legislação e sobre a decisão dos Tribunais.
É uma condição tão deplorável que a ação criminosa em sua elaboração já foi escancarada em diversas ocasiões, como pode ser observado neste artigo aqui. Ou você já sabia que a "Medida Provisória" era fruto de uma fraude na Constituição?
E são essas Leis e decisões que, a pretexto de evitar o constrangimento, garante a proteção ao denunciado ao mesmo tempo em que proíbe o sigilo, muitas vezes inviabilizando a denúncia. Embora eu concorde que um mecanismo deva existir para defender o cidadão de uma denúncia caluniosa, isso não poderia, como efeito, implicar na perda da proteção a todos os denunciantes. Isso por si já é suficiente para inibir diversas denúncias, notadamente daqueles trabalhadores mais sujeitos à retaliações.
Apesar das dificuldades, e mesmo com a ação dos suspeitos de corrupção no Congresso Nacional e nos Tribunais tentando barrar qualquer avanço nesse sentido, pode ser notada alguma evolução. A passos de lesma. O problema é entender o quanto a lesma anda para frente e o quanto escorrega para trás. Vou explicar.
A Lei de Acesso à Informação - Lei nº 12.527 , de 18 de novembro de 2011, estabeleceu em seus Artigos 43 e 44, uma interessante alteração no regime jurídico dos servidores públicos, no que chamamos de "dever de denunciar".
Digo que essa alteração é interessante pois, ao mesmo tempo em que o artigo 43 impõe um dever pelo qual o servidor pode ser punido por não agir, o artigo 44 traz uma proteção contra retaliações que transita entre risível e ridícula. No artigo 43 a lesma anda para a frente, mas no 44 escorrega para trás...
EU MESMO protocolei denúncias de gestão pública temerária e outras improbidades contra a Diretoria da Polícia do Senado Federal (minha autoridade superior) dirigidas à Diretora-Geral (a autoridade superior ao denunciado), exatamente como previsto nessa alteração promovida pelo artigo 43. Essas denúncias estão disponíveis na página Desinformação.
E o que aconteceu? Antes de qualquer investigação, os processos foram encaminhados aos denunciados, para que tomassem conhecimento e se pronunciassem. Foi assim que o processo mais relevante ficou mais de dois meses nas mãos desses denunciados sem qualquer providência, apuração, ou outra ação por parte das autoridades superiores. Um tempo precioso para a ocultação dos ilícitos.
Mesmo alertados por mim sobre a inconveniência dessa tramitação, as autoridades do Senado mantiveram tal procedimento em TODAS as denúncias que fiz.
A consequência não poderia ser pior. Transformaram a mim, denunciante, em denunciado, e se fizeram passar por vítimas. E mais: conseguiram protelar a abertura de investigatório por mais de seis meses, permitindo diversas ações que acabaram por ocultar seus mau feitos. Conseguiram até evitar uma das apurações.
É óbvio que a alteração promovida pelo artigo 44 não garante absolutamente nada ao denunciante. No máximo protege o próprio denunciado, ao impedir que ele faça a "idiotice" de tentar uma represália administrativa.
O Artigo 126-A, na verdade, só protege o denunciante de uma responsabilização por ter denunciado. É só isso. Não passa de um texto confuso que dá a impressão de ser algo mais do que realmente é: nada.
Não impede o denunciado de promover uma corrente de ações administrativas indiretas contra o denunciante. Não impede o assédio moral. Não impede quaisquer outras represálias, nem mesmo na esfera civil (ações por calúnia, difamação e qualquer outra coisa com o objetivo de minar o denunciante). Contra o abuso de poder, tanto administrativo quanto econômico, o Estado não prevê o menor amparo.
As alterações promovidas pelos artigos 43 e 44, que utopicamente tratariam de um "dever" devidamente amparado por um mecanismo de proteção, é ainda uma enorme e maquiavélica armadilha para o denunciante.
Isso porque a Lei de Acesso à Informação não alterou o inciso VIII do artigo 116 da Lei nº 8.112.
Ora, essa violação pode resultar na imputação de crime de violação de sigilo funcional previsto pelo artigo 325 do Código Penal, e ainda na imputação de improbidade administrativa previsto no inciso III, artigo 11, da Lei nº 8.429 de 1992 (revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo).
É também uma dicotomia, pois, frustrada a possibilidade de correição na esfera da organização, serão exatamente informações que tratam de assuntos da repartição que terão de ser levados pelo Whistleblower ao novo canal.
Uma constatação: se quisessem resolver essa questão bastava revogar o artigo 116 inteiro da Lei 8.112, já que Lei 8.027 trata especificamente dos Direitos e Deveres dos servidores público civis, estando previsto no seu artigo 2º:
Normas que propositalmente provocam confusão. Alguém poderia acreditar que desde 1990 o único que observou essa falha FUI EU? É claro que isso já foi identificado inúmeras vezes, e da mesma forma é um problema que apresenta inúmeras soluções. Só que faz parte da máxima "Por quê simplificar, se pode complicar?"
É difícil avaliar se as ações em prol da atuação do Whistleblower vão prosperar.
A atuação da Advocacia Geral da União, da Controladoria Geral da União, e jurisprudências mais recentes tem obtido algum ganho no quesito anonimato para o denunciante, necessário em alguns casos mas quase impossível de aplicar ao servidor público face a legislação vigente.
O maior avanço não passou da esfera da possível intenção.
Em 2015 foi protocolado pelo Senador Aloysio Nunes Ferreira o interessantíssimo Projeto de Lei do Senado nº 362 , que dispunha sobre medidas de proteção e de incentivo a trabalhadores que denunciem a prática de crime, ato de improbidade, violação de direitos trabalhistas ou qualquer outro ilícito verificado no âmbito das relações de trabalho.
De forma surpreendente, em 05/04/2016 foi lido o Requerimento 255, de 2016, de autoria do próprio Senador Aloysio, pedindo a retirada da matéria. Mandei uma mensagem ao Senador pedindo alguma informação sobre o motivo da retirada mas não obtive qualquer resposta. Também pedi a criação de um canal seguro para o recebimento de denúncias no Senado Federal, mas fui ignorado idem.
Teria sido o Projeto apresentado em um momento inapropriado, já que o exaustivamente e inocuamente processado pelo STF Senador Renan Calheiros era o Presidente do Congresso Nacional naquele momento? Poderia o Projeto ter sido considerado uma ameaça em um momento em que o poderoso diretor da Polícia do Senado atuava para sabotar a operação Lava-jato?
Ou será que foi retirado para abrir espaço ao PL 4.850, de 2016, na Câmara dos Deputados, projeto de iniciativa popular transfigurado até parecer ferramenta de perdão aos mau-feitores? Não tenho essa resposta e também, sendo ignorado, nunca a terei.
De qualquer forma, desse atual Congresso, cuja composição mudará em 2019, não se pode esperar nada de promissor. Na discussão do PL 4.850 os deputados chegaram a discursar equiparando o Whistleblower a um dedo-duro. É óbvio que para um parlamentar chamar um cidadão honesto disposto a denunciar uma impropriedade de dedo-duro, é porquê esse mesmo parlamentar só pode estar a serviço da improbidade. Não há outra explicação plausível para o discurso que não seja o objetivo de constranger. Isso explica muito do estado atual da legislação brasileira sobre o tema. A respeito desses discursos, o texto de Mário Cesar Carvalho intitulado "Deputados optam pelo atraso ao enterrar o denunciante", publicado pela Folha de São Paulo, é de uma análise dura, real e muito pertinente, indicando que ao menos parte da imprensa também está atenta.
Abaixo e à esquerda, mais por curiosidade, o PLS 362, de 2015, agora arquivado. À direita, meu e-mail questionando o Senador.
Apesar deste tipo de percalço, outras ações estão em andamento. Alguns artigos independentes publicados sobre o assunto "Whistleblower" demonstram algum avanço.
Como exemplo de artigos com linguagem simples e direta, embora ainda básicos, destaco os textos:
Abaixo, os artigos citados.
Não posso deixar de mencionar a ENCCLA - Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, rede de articulação para o arranjo e discussões entre diversos órgãos dos Três Poderes, nas esferas federal e estadual e, em alguns casos, municipal, bem como do Ministério Público.
Visivelmente foi o melhor e mais articulado movimento cujo conjunto de ações abrange a figura do Whistleblower, embora com uma abordagem um tanto estrita.
O principal sucesso da Ação 4 do ENCCLA se traduziu no que ficou conhecido como Projeto de Lei Anticorrupção, de iniciativa popular. Tal Projeto recebeu a identificação de PL 4.850, de 2016, na Câmara dos Deputados. Ocorre que, como já comentei, na ocasião o projeto original foi tão desfigurado naquela Casa Legislativa, que o STF determinou seu arquivamento, após Medida Cautelar no Mandato de Segurança nº 34.530.
Bom, não deixou de ser um sucesso, já que o objetivo desse projeto de iniciativa popular era virar um Projeto de Lei a ser apreciado pelo Legislativo Federal, e isso efetivamente aconteceu. Achar que iria virar Lei é que foi de uma ingenuidade desconcertante.
Apesar do insucesso diante da monumental tarefa de fazer aprovar leis anticorrupção no nosso contaminado Congresso Nacional, o ENCCLA produziu o trabalho denominado "Subsídios ao debate para a implantação de programas de Whistleblower no Brasil", de Márcio Antonio Rocha, Desembargador Federal do TRF4, Vice-Corregedor Regional no biênio 2015/2017 e Coordenador da Ação 4 junto a Enccla no ano 2016.
Após esses sucessos o ENCCLA anda apagado, espero que não pelo desânimo de seus componentes.
Não posso deixar de mencionar, por um motivo totalmente diferente, o trabalho "A Lei de acesso à informação e o servidor público denunciante: onde está a proteção?", de João Francisco da Mota Junior, o qual fez parte do XXIV Encontro Nacional do CONPEDI (Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito) - UFS.
Esse interessante trabalho, infelizmente, está na contra-mão da publicidade e disponibilidade dos trabalhos a que aqui já me referi, inclusive do ENCCLA.
Em total contradição para com o assunto abordado, o trabalho foi protegido com a seguinte restrição:
Tal restrição demonstra o quanto parte importante da sociedade ainda está presa a idéias retrógradas no que diz respeito ao acesso e disseminação de informações com relevante importância para o cidadão.
Poderiam aprender alguma coisa acessando o site Portal de Periódicos da Univali, e entender a lógica da Revista Novos Estudos Jurídicos e seu "copyright", ao qual foi submetido o primeiro trabalho (acima, à esquerda) desta página:
Ou poderiam utilizar o mesmo parâmetro adotado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria do Senado Federal, ao qual foi submetido o segundo texto (acima, à direita):
Assim, a respeito do trabalho do CONPEDI, sugiro que o leitor, se tiver interesse, pesquise na Internet pelo título.
Quanto à importante publicação do ENCCLA, segue cópia abaixo, à esquerda. À direita, para uma leitura complementar, a Presidencial Policy Directive - PPD-19, que trata da proteção de Whistleblowers com acesso à informações classificadas (sigilosas). Curiosamente, foi publicado poucos meses antes de Edward Snowden vazar documentos da NSA, Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos.
Não posso deixar de citar uma questão levantada pelo "The University of New South Wales Law Journal", ou simplesmente "UNSW Law Journal", no artigo "Whistleblower Laws: International Best Practice", de Paul Latimer e A J Brown, Volume 31, número 3, 2008, Capítulo I, B, "Whistleblowers as Heroes and Traitors": (tradução realizada pelo autor do site, Jacinto Murowaniecki, e adaptada para melhor compreensão do conteúdo)
"Whistleblowing (o ato de delatar realizado pelo whistleblower) levanta a questão da visão do denunciante como sendo um herói ou traidor. São heróis os denunciantes porque expõem a conduta ilegal e corrupta, a má administração, a falta de conduta e o desperdício, ou são traidores porque revelam informações e práticas confidenciais? Se forem vistos como traidores, os denunciantes podem se tornar vítimas de represálias e retaliação, assédio e má gestão. Se forem vistos como heróis, podem propiciar a melhoria dos serviços e dos órgãos públicos. Uma sociedade informada significa uma sociedade democrática, e uma sociedade democrática deve incentivar, apoiar e proteger os denunciantes. Os tribunais ao redor do mundo tem tentado conciliar o dever de lealdade entre empregado e empregador com o interesse público para a divulgação (no sentido de tornar visível) e supressão de atividades ilegais."