Inexistindo a figura do Whistleblower no nosso meio jurídico, o denunciante hoje pode esperar:
Ainda assim, ao menos para referência futura, o que não deve confortar uma viúva sobre um caixão, a sua denúncia:
Novamente trago um exemplo prático: apresentei denúncias cujos resultados se limitaram às tentativas de represália por parte dos denunciados.
Se avaliarmos as denúncias que apresentei, com base nos processos, depoimentos e informações atreladas, visualizamos a seguinte sequência de fatos:
Ora, vamos admitir. O leitor deve conhecer uma dúzia de países onde o cidadão acima já estaria há muito preso por traição contra as Instituições. Em qualquer iniciativa privada, mesmo no Brasil, teria sido demitido há muito tempo. E em nenhum lugar, exceto nas ditaduras talvez, tentariam interpretar os acontecimentos em favor dos servidores de conduta imoral e ímproba, e em desfavor dos servidores de conduta ilibada. Só é coerente mesmo com a inversão de valores que vivemos no cenário político e institucional brasileiro.
Não vou deixar de citar a responsabilidade da comissão sindicante sobre a primeira denúncia, já que a mesma pode ter:
Diante desses fatos, reitero minha decepção para com as Instituições e para com nossas Leis, torpes e omissas para com o Whistleblower.
E indignação por imaginar que podemos estar vivendo sob a égide de um sistema corrupto, feito por corruptos e para corruptos, comandado, orientado e julgado por corruptos.
Nesse meio tempo pesquisei muito, e fiz algumas tentativas de encontrar um canal seguro, que me inspirasse confiança. Até agora não encontrei nenhum.
O canal que me pareceu ser mais promissor foi a "Sala de atendimento ao Cidadão" do Ministério Público Federal. No entanto, as informações lá existentes remetem a uma triagem abrangente, genérica, confusa e opaca, sem garantias de que tenha um andamento adequado. Para falar a verdade, inexiste qualquer informação que indique estarem aptos a receber uma denúncia complexa como a que um Whistleblower tem a fazer. Ademais, o episódio envolvendo o MPF não ajudou em estabelecer uma relação de confiança no processo investigatório atualmente adotado, me parecendo muito inadequado. Quanto aos servidores e Procuradores, no entanto, nenhuma observação a ser feita.
O canal que me inspirou mais confiança foi o Webdenúncia. Essa confiança surgiu quando cheguei ao Programa de Recompensas da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Só então notei que, apesar do nome, o Webdenúncia é uma ferramenta restrita, uma espécie de delegacia virtual, e é estadual, mantida pelo Instituto São Paulo Contra a Violência.
Já o canal mais decepcionante foi o e-OUV, Sistema de Ouvidorias do Poder Executivo Federal. Apesar da boa proposta, a restrição do atendimento ao Poder Executivo limita muito o potencial do site. A interface, aparentemente amigável, é incompleta. Um cidadão que queira comunicar uma improbidade ao Ministério Público Federal, por exemplo, fica confuso ao não encontrar nenhuma opção adequada. É muito querer que todo cidadão saiba que nesse caso deve optar pelo assunto "correição" e selecionar o encaminhamento à Controladoria Geral da União. A minha especial decepção foi pelo envolvimento de Ouvidorias, que são instituições que, quando precisei, se revelaram inúteis.
Fora esses, só um amontoado de páginas confusas, que não funcionam ou onde sequer é possível saber qual seu verdadeiro foco. Algumas instituições contribuem para a confusão. O site "Combate à Corrupção", do MPF, na aba "Links Úteis", na opção "Combate à Corrupção", em 05/05/2018 disponibiliza somente seis links: três estaduais, um que não funciona, e duas ONGs que não contam com um canal que inspire confiança. Tenho que confessar que toda a pequisa que fiz, e toda a avaliação do que aconteceu só serviu para piorar minha percepção sobre o sistema a que estamos submetidos. O governo e seus órgãos de correição definitivamente não se empenham na criação de um canal único, seguro e confiável.
O futuro do Whistleblower depende da existência de canais com a dimensão e o alcance que assunto requer. Para tal, é necessário que os "caciques" parem de tomar decisões em prol da impropriedade, a favor dos denunciados e contra os denunciantes. O que é difícil de acontecer.
As propostas para a elaboração ou alteração da legislação, ou para a criação de mecanismos adequados à recepção de denúncias, ou ainda para a proteção ao denunciante, estão longe do sensato.
O bom servidor em posição de fiscalização ou correição, se quiser ser realmente útil para a sociedade, deve considerar a sua inocência como perdida e começar a agir. Deve avaliar e descobrir qual é a pedra que está em seu caminho: ameaças ou vantagens à sua carreira; disponibilização de gratificações como cala-boca; o colega que não soma; o superior que mina o trabalho; o desafio que desanima.
Quem trabalha nesse contexto tem que, primeiro, se deixar invadir pelo espírito da tarefa, dar sentido à opção de ser um "servidor público". Tem que esmiuçar o processo e avaliar se realmente está contribuindo para a causa. Tem que ter a coragem para ele mesmo se tornar um Whistleblower e denunciar a ineficiência do sistema do qual faz parte.
Tem que transformar intenção em ação, ou pedir para sair.
Em 06/11/2018 o Juiz Sérgio Moro, durante entrevista coletiva a respeito de seu futuro cargo de Ministro da Justiça, ao pontuar sobre sua atuação futura junto ao Congresso Nacional, fez menção "a proteção dos denunciantes anônimos, no que se chama de Whistleblowers". Tal discurso nos permite vislumbrar um cenário propício para o combate às improbidades partindo de uma situação que garanta a integridade dessa categoria de denunciante.
Nem tudo são flores, é claro.
Será muita legislação e jurisprudência a ser alterada. O Estatuto do Servidor Público, por exemplo, ao exigir o "dever de denunciar", obriga o servidor público a abrir mão de seu anonimato, pois não há como encaminhar um documento interno anônimo. E de nada adianta um órgão aparelhado ter um canal de comunicação para denúncias anônimas. É pura perda de tempo, basta dar uma olhada no site Desinformação.
Eu sugeriria a criação, por Lei, de um canal único abrangendo as esferas Federal, Estadual, Municipal, dos Três Poderes e incluindo todos órgãos públicos e privados. Um canal único, completo, esclarecedor, sem dar margens à desconfiança e ao medo. E, fato necessário, recompensando o cidadão com valores consideráveis, não as merrecas como se vê hoje, mas sim parcelas do dinheiro recuperado, de aplicação de multas, entre outros incentivos.
Isso, aplicado à uma total transparência dos contratos firmados pelo governo, pode trazer milhões de fiscais prontos à ir onde está sendo construída uma ponte, onde está sendo asfaltada uma estrada, onde está sendo comprada a merenda, onde está sendo impressa uma nota fiscal fria. Incentivaria o técnico da Petrobrás que nunca é chamado por uma CPI, incentivaria a faxineira que vê o prefeito surrupiando, incentivaria o cidadão a vasculhar notas fiscais. Se a certeza da impunidade se transformar na certeza de uma punição exemplar, esse sim seria o fim da corrupção.
Mas até o fim precisa de um começo. Boa sorte ao Juiz Sérgio Moro.
Em 04/02/2019 o Ministro Sérgio Moro apresentou o "Projeto Anticrime", contemplando a ação do Whistleblower.
Apesar de modesta, até porquê derivada do "Pacote Anticorrupção", a introdução do Whistleblower representa um considerável avanço em um momento em que o número de congressistas corruptos ou acusados de corrupção é o menor desde a Constituição. Com isso, as chances das alterações propostas serem aprovadas é razoável. Não passa de razoável, no entanto, pois a periculosidade dos corruptos que restam é muito alta.
Abaixo, a parte que nos interessa.
XIX) Introdução do “informante do bem” ou do whistleblower:
Mudanças na Lei nº 13.608/2018:
"Art. 4º-A. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e suas autarquias e fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, manterão unidade de ouvidoria ou correição, para assegurar a qualquer pessoa o direito de relatar informações sobre crimes contra a Administração Pública, ilícitos administrativos ou quaisquer ações ou omissões lesivas ao interesse público.
Parágrafo único. Considerado razoável o relato pela unidade de ouvidoria ou correição, e procedido o encaminhamento para apuração, ao informante será assegurada proteção integral contra retaliações e estará isento de responsabilização civil ou penal em relação ao relato, salvo se tiver apresentado, de modo consciente, informações ou provas falsas.”
“Art. 4º-B. O informante tem o direito de preservação de sua identidade, a qual apenas será revelada em caso de relevante interesse público ou interesse concreto para a apuração dos fatos.
§ 1º Se a revelação da identidade do informante for imprescindível no curso de processo cível, de improbidade ou penal, a autoridade processante poderá determinar ao autor que opte entre a revelação da identidade ou a perda do valor probatório do depoimento prestado, ressalvada a validade das demais provas produzidas no processo.
§ 2º Ninguém poderá ser condenado apenas com base no depoimento prestado pelo informante, quando mantida em sigilo a sua identidade.
§ 3º A revelação da identidade somente será efetivada mediante comunicação prévia ao informante, com prazo de trinta dias, e com sua concordância.”
“Art. 4º-C. Além das medidas de proteção previstas na Lei nº 9.807, de 13 de julho de 1999, é assegurada ao informante proteção contra ações ou omissões praticadas em retaliação ao exercício do direito de relatar, tais como demissão arbitrária, alteração injustificada de funções ou atribuições, imposição de sanções, de prejuízos remuneratórios ou materiais de qualquer espécie, retirada de benefícios, diretos ou indiretos, ou de negativa de fornecimento de referências profissionais positivas.
§ 1º A prática de ações ou omissões de retaliação ao informante configura falta disciplinar grave, sujeitando o agente à demissão a bem do serviço público.
§ 2º O informante será ressarcido em dobro por eventuais danos materiais causados por ações ou omissões praticadas em retaliação, sem prejuízo de danos morais.
§ 3º Quando as informações disponibilizadas resultarem em recuperação de produto de crime contra a Administração Pública, poderá ser fixada recompensa em favor do informante em até 5% (cinco por cento) o valor recuperado."
As esferas listadas, exceto em uns poucos casos, já foram contempladas com unidades de ouvidoria e correição que não servem para absolutamente nada ou pior, que servem para enrolar o cidadão e proteger os corruptos. Falta um órgão Central, transparente e independente DE VERDADE para registrar e encaminhar denúncias, e FISCALIZAR a atuação dos órgãos de correição e ouvidoria.
A independência desse órgão só poderia ser obtida se este fosse uma organização não governamental absolutamente transparente, uma vez que fiscalizar a atuação de certos organismos que não admitem estar errados, bem como tratar com os brios e arrogância de certos agentes públicos que acham que não devem satisfações à ninguém é problema na certa. Insisto na absoluta transparência pois essa organização independente tem que ser, por sua vez, também fiscalizável.
Critico diretamente os seguintes pontos: