Diferentes Umbandas

Umbanda - tantas formas e diferenças


"Eu tenho uma forma diferente de trabalho. Enquanto vocês não me quiserem, mas precisarem de mim, estarei aqui. Quando me quiserem, mas não precisarem mais de mim, será o momento em que irei embora."

Nanny McPhee



"Não existe verdade absoluta, não existe conhecimento absoluto. Não existe fundamento de Umbanda melhor que outro. Nem existe religião melhor que outra. A Umbanda não é melhor nem inferior a outras religiões, é apenas diferente. O respeito pelas diferentes formas de rito e por outras religiões, é imprescindivel para o equilibrio religioso e propagação da fé no plano material em que vivemos."

Bàbálòrisà Ifálore

(Paulo Lourenço "Ramiro de Kali")



A UMBANDA é uma religião de cunho espiritualista (contato e/ou interferência de espíritos, manipulações magísticas, práticas de cura através dos espíritos e/ou ervas/poções/conjuros, utilização de elementos ou instrumentos místicos)/mediúnica (instrumento pelo qual a prática religiosa se faz presente, especificamente, a incorporação) que agrega elementos de bases africanas (culto aos Orixás e ao espírito dos antepassados: Pretos-Velhos), indígenas (Caboclos), que recebeu influência oriental (indiana, inerente à reencarnação, o kharma e o dharma), e adquiriu elementos do cristianismo (judaísmo) como a caridade, o auxilio ao próximo e outros ditos por Jesus Cristo que no sincretismo religioso (associação dos Santos Católicos aos Orixás africanos) consideramos como o Orixá Oxalá.

Não existe uma Umbanda "certa", "a mais correcta", existem sim diferentes formas de Umbanda, mas NENHUMA se pode considerar a mais correcta, e dizer que as outras estão erradas. São apenas diferentes.

Além disso cada casa é uma casa, cada dirigente um Universo em si mesmo, um poço de conhecimentos e misturas de várias influências. Cada casa tem as suas leis internas próprias. E como é comum se dizer, cada dirigente é rei na sua casa.

Não existe um manual de Umbanda, ou algum tratado, embora já alguns o tenham tentado fazer, pelo menos nas suas linhas doutrinárias.

A Umbanda está em constante mudança e evolução, adquirindo novas experiências, conhecimentos, e adaptando-se tanto aos diferentes locais, como ás diferentes culturas e pensamentos.

Algumas das diferentes ramificações de Umbanda:

  • "Umbanda tradicional" - Oriunda de Zélio Fernandino de Moraes";

  • "Umbanda Popular" - Que era praticada antes de Zélio e conhecida como Macumbas ou Candomblés de Caboclos; onde podemos encontrar um forte sincretismo - Santos Católicos associados aos Orixas Africanos";

  • "Umbanda Branca e/ou de Mesa" - Com um cunho espírita - "kardecista" - muito expressivo. Nesse tipo de Umbanda, em grande parte, não encontramos elementos Africanos - Orixás -, nem o trabalho dos Exus e Pomba-giras, ou a utilização de elementos como atabaques, fumo, imagens e bebidas. Essa linha doutrinaria se prende mais ao trabalho de guias como caboclos, pretos-velhos e crianças. Também podemos encontrar a utilização de livros espíritas - "kardecistas - como fonte doutrinária;

  • "Umbanda Omolokô" - Trazida da África pelo Tatá Trancredo da Silva Pinto. Onde encontramos um misto entre o culto dos Orixás e o trabalho direcionado dos Guias;

  • "Umbanda Traçada ou Umbandomblé" - Onde existe uma diferenciação entre Umbanda e Candomblé, mas o mesmo sacerdote ora vira para a Umbanda, ora vira para o candomblé em sessoes diferenciadas. Não é feito tudo ao mesmo tempo. As sessões são feitas em dias e horários diferentes;

  • "Umbanda Esotérica" - É diferenciada entre alguns segmentos oriundos de Oliveira Magno, Emanuel Zespo e o W. W. da Matta (Mestre Yapacany), em que intitulam a Umbanda como a Aumbhandan: "conjunto de leis divinas";

  • "Umbanda Iniciática" - É derivada da Umbanda Esotérica e foi fundamentada pelo Mestre Rivas Neto (Escola de Síntese conduzida por Yamunisiddha Arhapiagha), onde há a busca de uma convergência doutrinária (sete ritos), e o alcance do Ombhandhum, o Ponto de Convergência e Síntese. Existe uma grande influência Oriental, principalmente em termos de mantras indianos e utilização do sanscrito;

  • "Umbanda de Caboclo" - influência do cultura indígina brasileira com seu foco principal nos guias conhecidos como "Caboclos";

  • "Umbanda de pretos-velhos" - influência da cultura Africana, onde podemos encontrar elementos sincréticos, o culto aos Orixás, e onde o comando e feito pelos pretos-velhos;

Outras formas existem, mas não têm uma denominação apropriada. Se diferenciam das outras formas de Umbanda por diversos aspectos peculiares, mas que ainda não foram classificadas com um adjetivo apropriado para ser colocado depois da palavra Umbanda.

"Quais seriam então os elementos que nos permitem classificar a estas diferentes práticas de cultos sob um mesmo código religioso, ou seja, o da Umbanda?

Tentando elucidar a questão, defini três elementos principais que definiriam um trabalho de Umbanda:

O primeiro é o fenômeno da incorporação, que a distingue das religiões de veneração como o cristianismo;

o segundo o trabalho com espíritos que são marginalizados na sociedade “civilizada”, o que a distingue do Kardecismo, que trabalha com entidades consideradas [mais] “evoluídas”, como médicos, padres, etc. e [também] do Candomblé, que trabalha diretamente com os orixás;

e o terceiro a conversa direta entre a entidade incorporada [no médium] e o paciente que procura o centro (...), [o] que a distingue [mais uma vez] do Candomblé, no qual os orixás incorporados não conversam com os freqüentadores do culto. (NOGUEIRA, 2005: 40-41).

Assim, fica estabelecido os limites da religião umbandista. Qualquer que seja a forma com que seu culto apareça, seja num formato próximo ao Kardecismo, com a ausência de atabaques, pontos cantados e riscados, velas e imagens, seja num formato que lembre mais a uma gira de Candomblé, com os médiuns todos bem vestidos, dançando e cantando ao som dos atabaques e louvando e invocando aos orixás, ou seja em qualquer outro ritual que misture e incorpore estes elementos de diferentes formas. Se os três elementos por nós citados estiverem presentes, é o bastante para podermos classificá-lo como terreiro de Umbanda."

"Os estudos deste continuum religioso se tornaram comuns em várias capitais de nosso país. Notadamente, São Paulo e Rio de Janeiro são os mais estudados, e as pesquisas ali realizadas acabam servindo de modelo para trabalhos em outras regiões de nosso país. Em Goiás ainda são poucos os trabalhos que tem por objeto a Umbanda. Nos últimos cinco anos, o interesse maior pela cultura herdada dos negros africanos se tem feito sentir também neste campo. O resultado é que a partir de 2003 começam a aparecer alguns artigos, monografias e dissertações que buscam analisar a Umbanda goiana e suas várias formas.

Apesar de poucos, os trabalhos acerca da Umbanda, não só em Goiânia como em outras cidades do entorno, como Anápolis e Aparecida, demonstram claramente a existência deste continuum também por aqui. Se visitarmos os terreiros de nossa capital, poderemos perceber uma variedade grande de formas de culto e interpretações da Umbanda, desde aquelas mais próximas ao Candomblé (pela maior presença dos Orixás e forma “descontraída” do culto), até aquelas que mais assimilaram o Kardecismo (menor presença de imagens, velas, roupas e músicas características da Umbanda).

Considerado um dos terreiros mais tradicionais e antigos de nossa capital, o Centro Espírita Anjo Ismael pode ser considerado exemplo de um trabalho “tradicional” de Umbanda, o que podemos perceber pela descrição feita no trabalho de Josivânia Alves:

O altar tem um formato de triângulo, composto de imagens dos santos católicos e símbolos das divindades afro e indígenas. (...) Na hierarquia religiosa tem-se o diretor espiritual que é o senhor Luiz. (...) Ele é auxiliado pelos ogãs, mãe de terreiro, mãe pequena e pelos médiuns. (...) [Em dia de trabalho,] os médiuns e os cambonos chegam cedo, colocam suas vestes brancas e ficam descalços. (...) As mulheres usam saias longas e rodadas. O ritual se inicia com a purificação do local através de incenso. (...) No espaço da gira em círculo o pai-de-santo começa o canto que se chama pontos cantados. (...) Na oração cantam várias músicas, pedem permissão a Oxalá, Iemanjá, Ogum e outras entidades para dar início aos trabalhos. Logo em seguida, os médiuns entram em transe e incorporam as entidades espirituais. (...) Cada médium depois de incorporado traça no chão os símbolos de suas entidades e recebem seus equipamentos de acordo com a entidade que vai representar. Inicia-se o aconselhamento e cura dos que estão na assistência. (SILVA, 2007: 67).

Pela descrição, podemos perceber todos os elementos mais comumente encontrados num trabalho de Umbanda, que sempre fazem referências ao Candomblé, como a denominação “pai-de-santo”, “mãe pequena”, “ogãs”, e o louvor aos Orixás, como “Oxalá, Iemanjá, Ogum”; elementos do Kardecismo, como as denominações de “médiuns”, “incorporam”, as noções de “entidades espirituais”; e por fim elementos típicos da Umbanda, possivelmente herdados da antiga macumba, como os “pontos cantados e riscados”, a “defumação”, a denominação de “cambonos”, e as próprias entidades que aparecem no trabalho, os “preto-velhos e caboclos”.

Este é um exemplo de terreiro que estaria bem no centro do continuum mediúnico por nós proposto no item anterior, sincretizando e incorporando elementos de religiões dos dois pólos, ou seja, tanto do Kardecismo quando do Candomblé. Seria um exemplo do processo sincrético que chamamos de fusão, ou seja, incorpora diversos elementos de religiões distintas (católicos, candomblé, kardecismo), dando origem a um culto totalmente novo e que não se assemelha a nenhum dos anteriores.

Como já informamos, este terreiro apresenta todos os três elementos que o definem como Umbanda, e o diferenciam das outras religiões consideradas por nós como “mediúnicas”. Em um dos pólos deste continuum, encontramos terreiros que de tão influenciados pelo Kardecismo, apresentam um ritual totalmente destituído destes elementos que aqui consideramos típicos da Umbanda. É o caso do centro Irmãos do Caminho, localizado no St. Pedro Ludovico. Seu culto é dividido em duas partes, uma pública em que não há incorporação de entidades, apenas os médiuns dispostos em círculo realizam o que os espíritas chamam de “passe magnético”, uma técnica que visa, pela utilização das mãos e da manipulação de energias, retirar da pessoa as energias negativas que possam a estar envolvendo.

A segunda parte do trabalho ocorre em uma sala separada nos fundos do templo, e é aí que percebemos alguns elementos da Umbanda.

Este trabalho é direcionado apenas aos casos mais graves, geralmente de espíritos obsessores, que necessitam de uma atenção especial para conseguir alcançar êxito (geralmente apenas casos de saúde). Ao entrar na sala, a pessoa é conduzida a uma cadeira, e as entidades da Umbanda (Caboclos, Preto-velhos e Exus), incorporadas nos médiuns retiram estes espíritos obsessores e aconselham a pessoa para que ela não tenha mais problemas. Mesmo ali nesta sala não há a presença de elementos característicos da Umbanda, apenas os fumos e bebidas dos Exus.

Podemos perceber pela descrição feita acima, que a influência kardecista neste caso acaba por redefinir a dinâmica do trabalho umbandista. É um caso de sincretismo por assimilação, em que a ótica espírita condiciona o trabalho umbandista. Aqui já não há o contato do freqüentador do terreiro com o fenômeno da incorporação das entidades da Umbanda. Seu contato com as entidades é mínimo, e reservado para pouquíssimas pessoas. O restante, que não tem acesso a este trabalho, somente têm contato com a parte “kardecista” do trabalho.

No pólo oposto, temos a apresentação do trabalho de Umbanda mais influenciada pelo Candomblé. Um exemplo deste tipo de terreiro em Goiânia é o Ile Ase Alaketu Omi Osolufon, liderado pelo pai-de-santo Kênio de Oxalá, se caracterizando como um terreiro de Candomblé, mas realizando também trabalhos na Umbanda. Por conta disto, o trabalho de Umbanda lá realizado é bastante influenciado pelo Candomblé, como podemos perceber na descrição a seguir:

Os assistentes são dispostos ao redor do pilar central, todos vestidos de branco e com roupas cheias de adornos, como saias de baianas para as mulheres e batas indianas para os homens. O ritual se divide em três partes. A primeira delas é a dos pontos cantados, que se inicia com a chegada do pai-de-santo. Três assistentes tocam os atabaques enquanto os outros ficam em círculo ao redor do pilar e começam a entoar os pontos cantados ao mesmo tempo em que dançam e giram. Após executarem os pontos cantados de vários orixás, é iniciada a segunda parte do trabalho, destinada às orações. Os assistentes abrem o círculo e os freqüentadores são convidados a integrarem-no, ficando todos de mãos dadas. Coordenadas pelo Pai Kênio, várias pessoas são convidadas a fazer uma oração, decorada ou espontânea. Após várias orações o pai-de-santo faz um pequeno discurso, uma espécie de pregação, falando sobre coisas do outro mundo e sobre o papel da religião e dos orixás na vida das pessoas. A seguir é iniciada a terceira parte do trabalho: o ritual de incorporação. Novamente são cantados os pontos, os freqüentadores são convidados a se sentarem em seus lugares e os médiuns começam a receber as entidades, se espalhando ao redor do salão. (NOGUEIRA, 2005: 51-52).

Pela descrição feita, podemos perceber a enorme distância entre um trabalho deste tipo e o realizado pelo Irmãos do Caminho, por exemplo. Aqui os elementos do Candomblé são utilizados, em um sincretismo por assimilação, e redefinem o trabalho da Umbanda, que passa a contar com a presença dos atabaques, e de uma gira para os Orixás, antes do fenômeno da incorporação em si. Além disto, as próprias entidades trabalham com recursos do Candomblé, recomendando aos freqüentadores a feitura de um Ebó, ou que se consultem com os Búzios.

O estabelecimento destes dois pólos do continuum mediúnico, porém, não significa que estas sejam as únicas matrizes religiosas a fornecer elementos para a Umbanda. Recentemente, novas religiões vêm sendo utilizadas na composição dos rituais umbandistas, fazendo com que este continuum não tenha apenas duas, mas sim várias pontas, se configurando não em uma linha, mas várias linhas entrelaçadas. Como exemplo podemos citar a influência das religiões da Nova Era ou Holísticas, e de práticas e idéias orientais.

Podemos perceber esta possibilidade no trabalho de Sandra Maria Machado, intitulado Umbanda: reencantamento na pós-modernidade?. Como o próprio título deixa claro, Sandra trabalha com a idéia weberiana do desencantamento da sociedade moderna, colocando a Umbanda como um veículo que permite ao fiel que a busca, um reencantamento, ou seja, uma busca pelo mágico, pelo encanto religioso, que a sociedade moderna havia deixado de lado e substituído pelo saber científico.

Para ratificar sua hipótese, Sandra analisa um centro espírita dos mais recentes na história de nossa cidade, localizado em um bairro de classe média da capital, intitulado Centro Espírita Mensageiros da Caridade (CEMEC). Neste centro podemos notar como a Umbanda vêm utilizando elementos das religiões holísticas ou místicas, incluindo em seu repertório, além daqueles elementos tradicionais citados anteriormente, novos elementos que a tornam ainda mas diversificada. É o caso deste CEMEC, cuja presidente, Sra. Tânya, é formada pela Universidade Holística de Brasília (UNIPAZ), e procura incorporar, paralelamente aos trabalhos de Umbanda realizados na casa, técnicas das religiões holísticas e tratamentos alternativos, como percebemos neste trecho:

(...) [No CEMEC] se observa a influência dos movimentos da Nova Era (como resultante da diversidade da pós-modernidade), conseqüência da formação holística da dirigente da casa, [como a utilização] da cromoterapia [através das] luzes azul e verde para “criar” o ambiente adequado; [e da] nomenclatura: “energia positiva”, os guias orientais [etc.] (...). (MACHADO, 2003: 94).

Existe, portanto, na Umbanda, uma abertura para o “novo”, para a incorporação de elementos e práticas de matrizes religiosas relativamente recentes, como as religiões da Nova Era. Isto é possível pelo caráter totalmente aberto desta religião. Não existindo uma maior institucionalização e um código doutrinário e ritualístico que seja aceito e reconhecido por todos os praticantes da Umbanda, cada centro ou terreiro dispõe dos elementos religiosos à sua volta da maneira que acharem mais adequado. No caso descrito acima temos um exemplo do sincretismo feito por associação, ou seja, trata-se apenas da incorporação de técnicas holísticas concomitantemente ao trabalho de Umbanda.

Mas há casos em que este sincretismo da Umbanda com religiões holísticas, alternativas e orientais extrapola a simples associação, e passa a um caso de ressignificação dentro de seu ritual. É o caso do que vem sendo chamado recentemente de “Umbanda esotérica”, ou mais especificamente de “linha do oriente da Umbanda”. Em estudo recente sobre a presença desta linha em Goiânia, Welthon Rodrigues demonstra como elementos orientais encontram espaço receptivo nos trabalhos de Umbanda, que passam a incorporá-las sob a denominação de linha do oriente. Na maioria dos casos, tratam-se de trabalhos realizados com entidades de ciganos, que incorporam nos médiuns juntamente com os tradicionais preto-velhos e caboclos, e prestam assistência aos que os procuram, realizando curas e até mesmo cirurgias espirituais.

Welthon faz a análise em três terreiros localizados na Grande Goiânia, sendo dois terreiros localizados em Aparecida e um em Goiânia. Todos apresentam uma linha de ciganos, que segundo o autor “são formas mais simplificadas e com menos grau de especialização” (CUNHA, 2004: 79) do que os “mestres orientais” propriamente ditos. No entanto, a presença dos ciganos já nos dá uma idéia de novas formas de apresentação do culto umbandista, já que elementos considerados “orientais” ou “esotéricos” aparecem nestes trabalhos ressignificados e incorporados ao trabalho de Umbanda, como ele deixa claro na descrição destes trabalhos:

[No Centro Espírita Reino dos Orixás] os médiuns incorporados com os ciganos usam lenços na cabeça e (no caso das entidades femininas) saias longas e coloridas. As entidades falam muito, com um sotaque característico, fumam cigarros, bebem cerveja, vinho e usam varetas de incenso, cristais, moedas e baralhos. (CUNHA, 2004: 73).

Mais a frente ele descreve uma festa de ciganos realizada no Centro Espírita de Umbanda João Grande:

Na frente do altar tradicional foi colocado um outro [altar], com a imagem da Santa [Sara, considerada “padroeira do povo cigano”, diversas frutas, cálices com vinho, flores, varetas de incenso e cristais. Todo o centro foi decorado com tecidos e véus para dar a “sensação de se estar numa tenda”. As músicas de Umbanda foram substituídas por fitas de música árabe e indiana. O “cigano Pietro” incorporado no seu médium [e presidente da casa, Adriano] e a “cigana Gaetana” incorporada na médium Aurilene foram os mais procurados, ambos orientais. (CUNHA, 2004: 78).

Podemos perceber assim, que não são apenas as influências estudadas por Cândido Procópio e outros autores que atingem a Umbanda. Mas, pelo seu caráter extremamente dinâmico e aberto, esta religião tem a capacidade de se adaptar e incorporar aos seus cultos elementos diversos, de várias formas religiosas distintas. Assim, este continuum deve ser ressignificado também. Ao invés da linha proposta por autores como Cândido Procópio e Lísias Negrão, apresentamos um quadro onde várias linhas se entrelaçam, podendo dar origem a inúmeras combinações diferentes, dependendo da matriz religiosa que se utiliza, mas mantendo as características principais que a definem, a saber, o fenômeno da incorporação, o trabalho com as entidades consideradas “marginalizadas” de Caboclos, Pretos-Velhos e Exus, e o contato direto destas entidades com os freqüentadores do culto, fazendo curas e receitando remédios para seus males.

Nossa teoria é a de que o caráter aberto da Umbanda se deva à própria história de sua formação. Praticada pelos negros, ex-escravos e mestiços, que procuravam dar vazão à sua religiosidade, as macumbas e calundus que proliferaram por praticamente todo o Brasil, uniam em seus rituais elementos diferentes das matrizes religiosas que estavam disponíveis à época, como o catolicismo e as práticas mágicas africanas e indígenas. Posteriormente, tais macumbas receberam a influência do espiritismo kardecista, que veio da Europa trazido pelos intelectuais e pela elite da época.

A Umbanda, portanto, é o resultado de todas estas misturas. E as observações que realizamos em terreiros de nossa capital demonstram que os umbandistas não pararam de misturar e sincretizar seus cultos, mas pelo contrário, agora buscam novas fontes e novos elementos para incrementarem sua prática e assim conseguirem responder de maneira mais satisfatória aos anseios dos que os procuram. Esta é a verdadeira essência da Umbanda, uma religião em constante mutação,..."

Texto de Léo Carrer Nogueira

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