Você já contou alguma mentira para poder conseguir algo? A mentira é uma artimanha muito utilizada atualmente. Não é correto usar-se de mentiras para conquistar vantagens, mas devemos estar atentos, visto que outros negociadores podem se utilizar dessa técnica para conseguirem vantagem em uma negociação. Por isso, nesta lição, compreenderemos o uso de mentiras como estratégia para conseguir vantagem em relação aos outros. Nosso objetivo não é que você use tal artimanha, mas saiba como se defender dela em momentos cruciais de sua carreira como negociador(a).
Alguém já lhe mandou uma mensagem ou falou alguma coisa que fosse mentira e, posteriormente, foi descoberto? Se isso já aconteceu, você deve ter em mente que a sensação é muito ruim. Isso ocorre porque escolhemos confiar nas pessoas, com o objetivo de criarmos mais proximidade. As empresas funcionam de modo similar. Para que consigam atingir seus objetivos, é preciso formar bons relacionamentos. Mesmo quando você deve negociar, levar o processo na camaradagem é algo importante, pois aproxima e fortalece vínculos. Bem, acontece que, em alguns momentos, as negociações caminham por outro sentido. Alguns negociadores recorrem a táticas que tornam o processo de negociação desconfortável. Estamos falando das táticas eticamente ambíguas.
Imagine, por exemplo, que você está comprando seu primeiro carro e, ao escolher o automóvel, observa que ele faz um barulho diferente no motor, mas, como o preço está bom, você continua interessado(a). O vendedor da loja de carros lhe apresenta outros modelos, mas o que você consegue pagar é aquele do barulho diferente. O vendedor percebe sua dúvida e diz que já trabalhou como mecânico por alguns meses e o carro está com o motor funcionando super bem. Segundo o vendedor, o barulho é característico daquele modelo de carro. Mas, por recomendação de um amigo, você resolve levar o carro em um mecânico para confirmar.
Chegando lá, seu mecânico de confiança diz que o motor não está bom e, provavelmente, em breve, fundirá (travará e não funcionará mais), por isso, não seria um bom negócio realizar a compra do carro. Consegue perceber, nessa situação, que o vendedor mentiu sobre o motor do carro, provavelmente, para poder concretizar a venda? Nessa situação, você confiaria em outra indicação do vendedor? Ou buscaria uma outra loja de carros?
Imagine que você é o(a) fundador(a) de uma empresa fictícia de estampas para jovens, a StampaHero. Sua empresa começou com pequenas produções encomendadas por amigos, em que você estampava super-heróis famosos. Com o tempo, a empresa cresceu e se tornou uma referência em estamparia. Recentemente, surgiu uma importante oportunidade: uma outra empresa, que era autorizada a fazer estampas da franquia Polícia das Estrelas, também fictícia, declarou falência publicamente. Você sabe que os fãs dessa franquia estão muito empolgados com o lançamento de um novo filme. Por isso, você acha interessante comprar a autorização de impressão de estampas para poder fazer uma linha de produtos para o lançamento do novo filme.
Você marca uma reunião com um dos sócios da empresa concorrente para poder fechar a compra da autorização de estampas. Ao chegar no prédio da concorrente, você é bem recebido(a). Sobe as escadarias e é levado(a) até uma sala ampla, com vários produtos da franquia Polícia das Estrelas. O sócio chega e vocês começam a conversar. Você explica os motivos de querer comprar a autorização, e ele explica os motivos da falência. Após esse quebra-gelo inicial, ele solicita que você dê a sua oferta. Em resposta, você oferece um milhão de reais.
Ele diz que o valor é interessante, porém é preciso mais. Explica que comprou a autorização diretamente da produtora do filme por quatro milhões de reais. Você fica desanimado(a), pois percebe que não tem todo esse dinheiro. Mas uma ideia vem à sua mente. Você pesquisa, rapidamente, na internet e encontra notícias de que a autorização foi comprada por um milhão de reais e, em breve, ela estará vencida se não for renovada pela concorrente. Você entende que o sócio usou uma estratégia eticamente duvidosa, denominada barganha competitiva tradicional, e, simultaneamente, omitiu que a licença está para vencer. Em resposta, você blefa, dizendo que o negócio não será feito e que você não tem interesse. Em seguida, você se levanta, agradece pela reunião e sai de maneira brusca.
Dois dias depois, o sócio liga querendo fechar negócio, pois percebeu que não conseguiria oferta tão interessante quanto a sua. Esse é um exemplo de uma barganha eticamente duvidosa.
A mentira é uma estratégia antiga, utilizada por negociadores que pretendem ganhar vantagem frente a outros menos preparados. Na lição passada, estudamos a importância da ética nas negociações, e não podemos descartar o uso de mentiras, principalmente quando elas não se tornam problemas legais. O negociador competente pode se beneficiar do uso da mentira em alguns casos.
As bases legais podem abrir brechas para o uso de afirmações falsas ou parcialmente falsas. Do ponto de vista legal, uma mentira só caracteriza um crime comercial quando ela é realizada de modo doloso, ou seja, quando há a intenção de mentir ou omitir parte de uma verdade, e cabe sempre à outra parte comprovar esse dolo. Isso se deve ao fato de a nossa legislação conceber que todos estamos em estado de presunção de inocência, ou seja, uma pessoa é inocente até que se prove o oposto. Além disso, ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo. É a outra parte que deve produzir essas provas apresentando-as em um juízo.
O que é uma mentira, do ponto de vista legal? Mentira é toda informação intencionalmente falsa. Uma representação falsa é uma declaração inverídica sobre algo. A grande questão é que precisamos de provas para comprovar essa falsidade. Como comprovar essa materialidade se ela não está documentada?
Veja o exemplo: imagine que você quer comprar um automóvel. O vendedor faz as contas e diz que você pagará uma taxa de 3% ao mês de juros. Na primeira parcela, você descobre que as parcelas estão mais caras. Ao ler o contrato, descobre que os juros são de 4,5%, e não o valor apresentado anteriormente. Como provar essa inverdade? Infelizmente, não há como, pois não há prova material do fato. Por isso, recomenda-se que toda a negociação seja formalizada via contrato e ambas as partes leiam e estejam cientes de que o contrato contempla todos os pontos da negociação. Outra dica importante é a utilização de mecanismos escritos de comunicação, como Apps de texto, vídeos, chamadas gravadas ou outros métodos de registro.
Além da intenção, é preciso analisar a dependência e a causalidade. Veja, para que uma declaração falsa seja considerada fraude do ponto de vista legal, a vítima precisa provar que confiou na veracidade da declaração e, por isso, teve problemas, ou seja, que a pessoa realmente foi prejudicada por tal mentira. Bem, mas nem sempre a mentira é tão evidente assim. Muitas vezes, a mentira aparece como omissão, negação ao acesso à determinada informação ou como espécie de “torcimento da verdade”, ou seja, quando as informações são modificadas, não são, exatamente, uma mentira, mas também não são verdades. Veja os exemplos:
Uma revelação parcial pode ser considerada enganosa.
As partes têm um relacionamento de confiança.
A parte que não revela informações tem “informações importantes” que são “vitais”.
As partes estão envolvidas em certas transações especializadas, como apólices de seguro.
Além disso, a legislação brasileira é bastante protetora quando o assunto é direito do consumidor. Qualquer omissão, por parte da empresa, do fornecedor ou do vendedor, pode ser considerada propaganda enganosa e vantagem indevida. Portanto, um bem deve ser vendido de modo muito cauteloso, para que a empresa não perca recursos com processos e sanções administrativas.
Bem, mas quais são as táticas eticamente ambíguas mais utilizadas? Conforme o Quadro 1, podemos compreender que existem seis principais formas de táticas eticamente ambíguas. Em várias negociações, essas táticas são utilizadas, inclusive, mais de uma vez.
As seis estratégias apresentadas na figura anterior podem ser utilizadas em barganhas. No entanto duas se mostram amplamente utilizadas, a manipulação emocional e o uso de táticas de barganha competitiva tradicionais. Isso quer dizer que, embora sejam erradas do ponto de vista ético, elas são aceitas, no campo das negociações, como naturais. Nas barganhas competitivas tradicionais, há a possibilidade de não revelar o walkway. Esse termo, em inglês, nesse contexto, pode ser traduzido como fuga, ou seja, é o preço limite ou as condições de encerramento de uma negociação. Para ganhar vantagem, um negociador pode omitir ou mentir sobre esses limites.
Quando cada uma dessas táticas eticamente ambíguas podem ser utilizadas? Veja, toda a tática pode ser utilizada caso não se configure como crime. Isso não quer dizer que as técnicas devem ser utilizadas sempre, de modo corriqueiro. Mantenha essas táticas como cartas na manga, para serem utilizadas em último caso. Por exemplo, se você perceber que a outra parte está blefando, não seria antiético utilizar-se da mesma ferramenta para manter a negociação equilibrada. Ou seja, a utilização de táticas eticamente ambíguas devem ser aplicadas quando houver necessidade. Portanto, você terá que analisar caso a caso.
No mundo dos negociadores, acredita-se que a mentira e a falsidade utilizadas de modo irrestrito e recorrente devem ser penalizadas. Ou seja, a mentira recorrente jamais deve ser utilizada, por seu caráter nocivo às relações entre negociadores. Entenda que quem mente a todo o tempo não pode ser confiável. Assim, é impossível pensar em objetivos comuns quando a outra parte está tão empenhada em mentir.
Poderiam essas mentiras serem utilizadas de alguma maneira? Veja, em momentos iniciais, os blefes e outras técnicas podem ser utilizados para mensurar o grau de flexibilidade da outra parte. Ou seja, podemos utilizar as fases iniciais de uma negociação de modo investigativo. Assim, um blefe, por exemplo, não teria o sentido de prejudicar a outra parte, mas, sim, de verificar como a outra parte se comportaria frente a esse conjunto de informações. Se há pouca confiança entre as partes, por que não as testar?
Outro ponto importante, para nossa reflexão, é que táticas enganosas podem ser utilizadas de forma ativa ou passiva. Vejamos, então: imagine que você esteja em uma negociação, e a outra parte, sem que você saiba, utilize um blefe. Chamamos essa utilização de ativa, visto que a sua utilização foi proposital e, racionalmente, colocada. Agora, imagine que, ao receber tal fala, você também utilize-se de um blefe para se contrapor a ele. Nesse caso, temos uma ação passiva, ou seja, uma ação que só existe como contrapartida para uma posição já estabelecida.
Independentemente se a utilização é ativa ou passiva, deparar-nos-emos com negociadores que utilizam técnicas eticamente ambíguas. Nesse contexto, é preciso compreender em que momento é importante revidar e em que momento é importante deixar de lado todo o tipo de provocação, a fim de que a negociação ocorra da melhor maneira possível.
Para auxiliá-lo(a) na tomada de decisão, proporemos um modelo, que pode ajudar a explicar como um negociador decide se usa, ou não, táticas enganosas. Imagine que você é um(a) negociador(a) e, nesse momento da negociação, precisa utilizar táticas para influenciar a outra parte. Portanto, estamos falando de um impasse. Ou seja, um momento em que a outra parte está se negando a cooperar. Nesse contexto, é importante compreender o perfil da outra parte, de modo que seja possível traçar um plano adequado. Assim, É importante que você identifique os possíveis caminhos pelos quais é possível trilhar. Não havendo alternativa válida, devemos recorrer às táticas eticamente ambíguas. A escolha e o uso de uma tática podem ser influenciados pelas motivações do próprio negociador e por suas percepções e julgamentos sobre a integridade dela.
Para escolher qual técnica é mais eficiente, o negociador deve considerar:
O funcionamento da negociação e o resultado esperado.
O modo como o negociador se sente ao adotar a tática.
O modo como ele pode ser julgado pela outra parte ou por terceiros.
Ou seja, se há espaço em uma negociação para tais táticas, você deverá pensar se isso fará com que você e a outra parte se sintam confortáveis com os resultados. Se ambas as partes entendem que a utilização de tais atos fazem parte do processo, não há motivos para essas técnicas não serem utilizadas.
No fim das contas, você precisa pesar suas ações. Do ponto de vista econômico, vale a pena utilizar uma técnica pouco recomendada? Por outro lado, espera-se que as partes voltem a negociar ou que ambas se aproximem e confiem uma na outra? Se há retorno financeiro e não há expectativa da continuidade do relacionamento, não há problemas.
Por outro lado, se a tendência é que as partes negociantes se aproximem, é preciso pensar duas vezes. Como você se sentiria se um provável parceiro se utilizasse de práticas duvidosas para ganhar vantagem em uma negociação? Pois a questão é justamente essa. Saiba bem em que momento a utilização de tais ações é realmente necessária para o sucesso de uma negociação e lembre-se, não a utilize de qualquer modo, pois essas práticas são perigosas.
Você precisará negociar, muitas vezes, em sua carreira. Independentemente da posição que ocupe, no mercado atual, há uma busca por pessoas que saibam tomar para si responsabilidades. Assim, você precisará negociar com colegas de trabalho, fornecedores, clientes, entre muitas outras pessoas. Muitas dessas pessoas farão negociações corretas, pautadas por valores morais, mas nem sempre é assim. Algumas pessoas tentarão utilizar meios que fogem do eticamente esperado. Nesses momentos, você precisa usar a inteligência para saber negociar com essas pessoas sem colocar seus objetivos a perder. Por isso, esta lição é tão importante. Aqui apresentamos uma metodologia para agir frente a esses momentos, garantindo o sucesso de sua negociação.
LEWICKI, R. J.; SAUNDERS, D. M.; BARRY, B. Fundamentos de Negociação. Porto Alegre: Grupo A, 2014.