Lição 9: A percepção e a Cognição
em uma negociação
em uma negociação
Olá, estudante! Nesta lição, você compreenderá a importância da percepção humana para as negociações. Além disso, aprenderá a transformar suas percepções em ideias e estratégias, por meio do pensamento e da lógica, a fim de conseguir atingir objetivos determinados em uma negociação. Aprender sobre esse assunto é importante, pois, em uma negociação, o negociador precisa estar atento ao ambiente e monitorar os acontecimentos, para que tenha subsídios suficientes ao determinar qual será a melhor escolha perante uma decisão.
Você já pensou ter visto ou ouvido algo e, na verdade, esse “algo” nunca ocorreu? Muitas vezes, esquecemos de instruções, não percebemos certos estímulos ou, até mesmo, ignoramos fatos que ocorreram por diversos motivos. A percepção psicológica se relaciona com o processo de negociação, com atenção especial às formas da distorção perceptiva que dificultam a compreensão e o entendimento por parte dos negociadores. Em uma negociação, a percepção é fundamental, pois só por meio dela podemos compreender quais são as implicações existentes em uma negociação.
Imagine-se observando um quadro. Quantos elementos existem nele? As cores, as expressões, os detalhes, a luz, as sombras, os elementos, etc. Você conseguiria perceber os elementos de um quadro em sua totalidade? A maioria de nós não conseguiria. O mesmo ocorre em uma negociação, ou seja, alguns aspectos ficam ocultos. Após o estágio de percepção, um negociador utiliza as informações para tomar decisões sobre táticas e estratégias. O processo de decisão, por sua vez, é chamado cognição. Ou seja, o modo como a percepção é processada em nossa mente, tornando-se um conjunto de ideias. Dessa forma, estamos falando aqui de um processo racional, pelo qual um conjunto de impressões sobre a negociação se transforma em estratégia, que, por sua vez, transforma-se em ações. Além disso, existem erros ligados tanto a percepções equivocadas quanto ao meio como pensamos as estratégias. Esses erros são muito comuns nas negociações e podem comprometer o desempenho do negociador. Assim, é importante compreender o papel dos vieses cognitivos em uma negociação.
Pense que, certo dia, você chega à escola, senta-se no lugar costumeiro e percebe que dois colegas, no fundo da sala, falam o seu nome. Você fica um pouco pensativo(a), mas deixa para lá. Afinal, pode ter sido um engano. No outro dia, ao chegar na escola, antes de entrar na aula, você percebe que os mesmos colegas do dia anterior estão rindo de algo. Com cuidado, você olha para eles e percebe que eles estavam olhando para você. Logo que eles percebem que você está olhando, param de rir e buscam olhar para outro lugar. Você fica um pouco nervoso(a), pois acredita que eles estavam rindo de você.
Na hora do intervalo, outro colega chega até você e pergunta se você estaria na escola na sexta-feira. Você responde que sim, pois haveria prova na próxima semana e não gostaria de ir mal, dessa forma, não pretendia faltar à aula. Depois de um tempo, durante o intervalo, você percebe que aqueles colegas estavam conversando sobre algo de maneira muito animada.
No outro dia, na quinta-feira, um dos colegas vai ao banheiro e deixa o celular sobre a mesa e coincide com o momento em que você se levanta para apontar o lápis. Ao passar pela mesa, percebe que o celular daquele colega está aberto em uma dessas plataformas de vídeos curtos e que ele estava vendo diversas pegadinhas realizadas com alunos em outras escolas.
Bem, após todos esses acontecimentos, você cria uma teoria em sua cabeça: os colegas estão tramando pregar uma peça em você na sexta-feira, então, por isso, decide faltar na aula. Você acorda na sexta-feira, mais tarde do que o de costume, afinal, você faltou à aula. Quando abre o celular encontra diversas mensagens de pessoas diferentes perguntando se você não iria para aula. Uma dessas pessoas diz que a sala estava organizando uma festa surpresa para você, e que alguns colegas estavam encarregados de comprar as coisas e descobrir se você iria à aula sexta-feira, pois seu aniversário estava chegando.
Nesse caso, podemos ver como a percepção enviesada da realidade fez com que você perdesse uma surpresa muito agradável. Isso é comum no mundo das negociações, vejamos o porquê!
O que você entende por percepção? Você sabe o que essa palavra significa? Bom, caso você não consiga responder às perguntas realizadas, digo que a percepção consiste no processo pelo qual as pessoas se relacionam com o ambiente em que vivem. Muitos fatores influenciam o modo como nós percebemos o mundo, como não saber nosso papel no mundo, o nosso estado de espírito e a compreensão que temos de eventos passados. É por meio da percepção que os seres humanos são capazes de dar sentido à vida. As pessoas interpretam o ambiente em que vivem para se capacitar a reagir de forma adequada a ele. Ambientes são complexos, fornecendo uma infinidade de estímulos para os sentidos humanos, cada qual com características próprias, como intensidade, cor, forma, textura, cheiro etc. (ACUFF, 2004).
Essa complexidade impossibilita processar todas as informações em um ambiente e, por essa razão, tornamo-nos seletivos aos estímulos existentes nele, sintonizando alguns e negligenciando outros. Essa percepção seletiva evolui mediante numerosos “atalhos” da percepção, que permitem processar informações com rapidez. Esses “atalhos” são chamados de vieses cognitivos (LEWICKI; HIAM, 2003).
Em toda negociação, as necessidades, os desejos, as motivações e as experiências pessoais do negociador podem gerar uma predisposição a certas ideias. Essa predisposição se torna preocupante quando leva a vieses e erros na percepção e, consequentemente, na comunicação. É importante que você saiba quatro desses efeitos, os mais comuns, que acabam atrapalhando muito a visão sistêmica e completa de uma negociação, sendo eles: a estereotipagem, o efeito halo, a percepção seletiva e a projeção (LEWICKI; HIAM, 2003).
A estereotipagem ocorre quando um indivíduo atribui características a outro, exclusivamente, com base na inserção deste em um contexto social ou demográfico específico. Muitos grupos são estereotipados, como pessoas de diferentes raças, religiões ou orientações sexuais. Esses estereótipos tendem a se formar de acordo com um mesmo mecanismo. As pessoas encaixam um indivíduo em um grupo com base em informações perceptivas. Por exemplo, quando dizemos frases preconceituosas, como “loira burra”, quando tendemos a dizer que alguns trejeitos que uma pessoa tem, ao fazer algum gesto, são típicos de “homossexual” etc., esse tipo de ação, embora comum, é extremamente desrespeitoso, podendo, inclusive, ser caracterizado como crime de calúnia, difamação e, até mesmo, racismo.
O efeito halo ocorre quando as pessoas generalizam uma variedade de atributos com base no conhecimento de uma característica de um indivíduo. Vejamos, você pode ver uma pessoa sorridente e, em comparação com uma pessoa carrancuda, achar que ela é mais honesta que a outra. Na verdade, uma coisa não tem nada a ver com a outra, mas acabamos criando essa correlação. O efeito halo pode ocorrer para atributos negativos e positivos.
A percepção seletiva, por sua vez, ocorre quando o ser negociador isola algumas informações que dão suporte ou reforçam uma convicção anterior e, simultaneamente, filtra informações que não a confirmam. Por exemplo, um sorriso inicial da outra parte consegue levar o negociador a acreditar que ela é sincera ou cooperativa, mas também pode induzi-lo a dar menos importância às posturas de competência ou competitividade.
Por fim, temos a projeção, que ocorre quando uma pessoa atribui suas características ou sentimentos a outra. De modo geral, a projeção emana da necessidade de proteger o conceito que alguém tem de si mesmo. É comum os negociadores assumirem que a outra parte reage da mesma maneira que eles reagiriam se suas posições fossem invertidas. Por exemplo, um negociador que esteja muito incomodado com os atrasos nas negociações e precisa avisar à outra parte que haverá mais um atraso inevitável, provavelmente, esperará que ela demonstre frustração com a notícia.
Bem, agora que já sabemos o que é percepção e os principais vieses cognitivos conhecidos, compreenderemos como um indivíduo forma juízo, ou seja, como ele compreende o mundo ao seu redor, dando significado a ele. Damos o nome a esse processo de compreensão de enquadramento.
O enquadramento é definido como o mecanismo subjetivo pelo qual as pessoas avaliam e dão significado a situações e que lhes permite adotar ou evitar diferentes ações no futuro. O enquadramento ajuda a explicar como os negociadores interpretam uma sequência de eventos. Parte desse processo ocorre quando observamos determinada ação com base em nossas experiências passadas.
A importância do enquadramento está no fato de que duas ou mais pessoas envolvidas em uma mesma situação, ou em um problema complexo, têm visão ou definição sobre de modos diferentes. Isso é natural, afinal, passamos por experiências diferentes. Por exemplo, você e seu amigo assistem a um filme separadamente. É muito possível que as suas opiniões sobre o filme não sejam iguais. É possível que você tenha gostado, e ele não. Isso se chama enquadramento, ou seja, o modo como significamos algo que acontece ao nosso redor.
Os enquadramentos são importantes no contexto das negociações porque muitas disputas têm caráter indefinido e estão abertas a interpretações distintas, por conta das diferenças de origem, história pessoal e experiências passadas. Assim, um enquadramento é uma maneira de rotular essas diferentes interpretações da situação. Portanto, podemos dizer que uma negociação é bem-sucedida quando os enquadramentos das partes se aproximam. Isso quer dizer que precisamos pensar sempre igual à outra parte? Não é bem assim. Podemos partir de lugares diferentes em uma negociação, podendo, inclusive, divergir em relação à forma como os objetivos serão atingidos. No entanto, gradualmente, esse enquadramento inicial pode mudar, dependendo de como a negociação será trabalhada.
Portanto, compreender a dinâmica do enquadramento ajuda os negociadores a alavancar o processo de forma consciente, o que lhes permite controlá-lo de forma efetiva. Os negociadores que entendem como enquadram um problema têm uma noção mais completa do que eles e a outra parte estão fazendo e de como é possível controlar o processo. Assim, as partes podem cooperar, a fim de que novos enquadramentos surjam. Por exemplo, motivos, a princípio, antagônicos podem tornar-se complementares, pois, a partir de análises, discussões e processos de racionalização, aqueles quadros iniciais mudam. Portanto, compreender os acontecimentos e os modos como os outros estão pensando sobre esses acontecimentos ajuda a estabelecer aproximação.
Vieses, no entanto, podem atrapalhar o modo como estabelecemos esse enquadramento. Por exemplo, quando um negociador deixa se levar por vieses, ele pode agir de modo irracional, mesmo não percebendo. Trata-se de um fenômeno psicológico, chamado intensificação do comprometimento, que se manifesta como a tendência de tomar decisões com base em um curso de ação fracassado ou enviesado (ACUFF, 2004).
No campo militar e no empresarial, isso é muito comum. Por exemplo, quando um país insiste em destinar recursos militares a um conflito armado que não tem chances de vencer, ou quando um investidor injeta dinheiro em um estoque de ações em queda, esperando que uma virada na sorte aconteça.
Vieses são muito perigosos para as negociações — eles levam à irracionalidade. A intensificação do comprometimento se deve, em parte, aos vieses em percepções e julgamentos individuais. Uma vez que um curso de ação foi escolhido, os negociadores buscam evidências que confirmem ou deem suporte a essa escolha, ao mesmo tempo em que ignoram ou não conseguem encontrar evidências em contrário (LEWICKI; HIAM, 2003).
Geralmente, esses vieses agem no começo de uma negociação. Após estabelecidos, esses padrões de pensamento se consolidam de forma irrevogável, e um desejo por consistência impede que os negociadores os alterem. Esse desejo, muitas vezes, é provocado pela vontade de manter a reputação e causar uma impressão de negociador experiente no controle da situação. Uma das maneiras de combater essas tendências consiste em recorrer a um consultor que sirva de ponto de referência para a realidade (LEWICKI; HIAM, 2003).
Outro acontecimento comum é que muitos negociadores assumem que todas as negociações envolvem montantes fixos. Com frequência, eles abordam oportunidades para uma negociação integrativa como se fossem situações de soma zero ou barganhas ganha-perde. Aqueles que acreditam na existência de montantes fixos pressupõem que não existem possibilidades para acordos integrativos e trade-offs, mutuamente, benéficos e suprimem os esforços em busca desses acordos (ACUFF, 2004).
Há outros dois padrões de comportamento mental que acabam atrapalhando uma negociação, sendo eles: o ancoramento e o ajustamento. Eles estão relacionados ao efeito do padrão (ou âncora), contra o qual ajustes subsequentes são feitos durante a negociação. Um exemplo clássico de uma âncora em uma negociação consiste em escutar a oferta inicial da outra parte e pensar, “puxa, essa oferta está muito abaixo do que eu esperava. Talvez eu tenha entendido mal o valor e deva reconsiderar minhas metas e táticas” (LEWICKI; HIAM, 2003).
Âncoras como essas colocam uma armadilha no caminho do negociador da outra parte, porque a escolha de uma âncora pode ser baseada em informações incompletas, portanto, essa âncora seria enganosa. Contudo, uma vez que a âncora foi definida, as partes tendem a tratá-la como um padrão de referência real e válido pelo qual todos os outros julgamentos devem ser ajustados, como o valor do objeto da negociação ou a dimensão de uma contraoferta (LEWICKI; HIAM, 2003).
Imagine concorrentes no setor de compra e venda de imóveis. É comum que os avaliadores de uma casa sofram forte influência do preço pedido. Esse preço serve como âncora conveniente a ser usada em uma estimativa do valor da casa. Em uma negociação, as metas, realistas ou não, também, podem atuar como âncoras. Elas podem ser visíveis, ou não, à outra parte e, pela mesma razão, a pessoa pode estar ciente, ou não, de que tem uma âncora (LEWICKI; HIAM, 2003).
Com a ajuda da preparação e de conselhos de um negociador experiente ou de uma pessoa que observe a realidade com outros olhos, o negociador consegue evitar erros de ancoramento e de ajustamento. Chamamos essa técnica de “advogado do diabo”, ou seja, alguém que deve estar atento ao aparecimento de vieses que podem atrapalhar ou destruir os esforços construídos em uma negociação (ACUFF, 2004).
A racionalidade é muito importante em negociações, afinal, muitos de nós caímos em armadilhas cognitivas, ou seja, deixamos que nossos vieses nos levem por caminhos que não são reais. Imagine uma negociação de paz entre dois grandes países. Não pode haver espaço para vieses cognitivos, pois a guerra pode se tornar, ainda mais, sangrenta. Assim também ocorre em negociações de outros tipos, comerciais, políticas ou sociais, dessa forma, negociações bem-sucedidas devem lidar com os vieses de modo sério, usando a razão como saída para possíveis enganos.
Para lidar com vieses, é preciso ter flexibilidade. Se tivermos padrões de pensamento muito cristalizados, acabaremos perdendo. É preciso ter confiança em uma verdade, mas sempre ter em mente que não sabemos tudo! Esse é o primeiro passo para criar enquadramentos mais satisfatórios para as partes envolvidas. Além disso, é importante ouvir as outras partes de modo que as informações se tornem cada vez mais completas. Lembra-se do exemplo do começo desta lição, de uma pessoa observando um grande quadro? Pois bem, é provável que, sozinho(a), você entenda apenas uma parte do quadro, mas, quando conversa com diversas pessoas e colhe informação, é muito mais fácil compreender.
ACUFF, F. L. Como negociar qualquer coisa em qualquer lugar do mundo. 2. ed. São Paulo: Senac, 2004.
LEWICKI, R. J.; HIAM, A. MBA compacto: estratégias de negociação e fechamento. Rio de Janeiro: Campus, 2003.