Olá, estudante! Nas lições anteriores, focamos nossos esforços em reconhecer como a negociação pode ser uma ferramenta interessante para a construção de negócios e para o atingimento de objetivos. Nesta lição, discutiremos a negociação aplicada aos relacionamentos bem como as implicações de um relacionamento no momento de uma negociação.
A negociação é muito mais ampla, podendo ser utilizada em diversos setores da vida do negociador, e um deles diz respeito aos relacionamentos. Ou seja, é importante saber como negociar com as pessoas que possuímos afeto, pois, em nossa vida profissional, criamos laços de amizade e companheirismo. Negociar com pessoas próximas pode ser um problema se utilizarmos as técnicas de negociação de modo frio e calculista. Mas como negociar, então, nesses casos? Isso é o que veremos no decorrer desta lição!
Uma negociação existe para que determinado dilema seja sanado. Geralmente, precisamos de um negociador experiente quando determinado problema envolve duas ou mais partes. Muitos dilemas podem ser resolvidos de modo racional, buscando a forma mais objetiva e simples de resolver uma questão, mesmo que isso cause insatisfação e, até mesmo, brigas. No entanto, em algumas negociações, a conservação do relacionamento é a principal meta da negociação. Podemos estar falando de um contrato comercial, por exemplo, mas isso também vale para amizades, relações de parentesco ou interesse amoroso. Você consegue identificar algum momento em que você ou alguém próximo de você, como seus pais ou algum familiar, negociou algo com alguém e, devido ao relacionamento que tinham, ou criaram, fizeram um bom negócio?
Criar um relacionamento, ao fazer uma negociação, pode aumentar as chances de fechar um negócio e, também, abrir portas para novos negócios. Esse é um dos motivos pelos quais as pessoas, às vezes, ao fechar um negócio, saem para “comemorar” ou organizam aquele famoso churrasco (muitas vezes, envolvendo, até mesmo, membros da família dos negociantes nesses eventos). O objetivo disso tudo é conquistar a confiança mútua, ou seja, conquistar a confiança entre as duas partes envolvidas no negócio.
Em situações assim, é muito importante que as partes façam concessões, muitas vezes, abrindo mão de parte de seu objetivo principal em prol da manutenção da relação em questão. As partes envolvidas em transações de mercado, tradicionalmente, distributivas, muitas vezes, fazem concessões, adotando posturas extremas, no início do processo, e posições intermediárias, no final. Vejamos como lidar com negociações cujo principal ponto de interesse seja a manutenção de um relacionamento.
Imaginaremos uma situação que, na verdade, é muito comum no ambiente comercial. Considere que você é o(a) gerente comercial da Construtora Souza, uma empresa conhecida no estado do Paraná, por ser referência na construção de casas populares para população, que atua no atendimento às licitações do governo.
Em determinado momento, sua empresa decide mudar o foco dos negócios, deixa de atender o governo e passa a construir edifícios de classe média. Por conta dessa mudança, a empresa precisa criar uma lista de fornecedores que estejam aptos a fornecer produtos com a qualidade necessária para a construção desses edifícios. Bem, em determinado ponto, você encontra dois possíveis fornecedores e marca uma reunião com cada, para que se conheçam melhor e para que sua empresa possa, quando necessário, começar a comprar materiais deles.
A primeira reunião acontece com um fornecedor de máquinas e equipamentos, e, durante a conversa, o representante da empresa diz que está disposto a quebrar algumas leis para que os negócios entre vocês sejam mais proveitosos. Ele diz também que, no setor de construção, sua empresa é conhecida por ter a reputação de infringir a lei, afinal, vocês ganharam muitas licitações com o passar do tempo. A reunião termina, e você fica desconfiado(a), pois, embora possa haver boatos de que sua empresa cometa irregularidades, isso não é real. Além disso, é espantoso que uma pessoa se coloque à disposição para cometer crimes em troca de ganho financeiro. Ou seja, é melhor não fazer negócios com essa empresa, pois não se mostrou nada confiável.
Você, então, reúne-se com a segunda empresa fornecedora de máquinas e equipamentos e tem resultados positivos. Ela mostra a você diversos serviços prestados e, por meio de vídeo, os equipamentos. Diz que está disposta a negociar um acordo de fornecimento, pois ouviu coisas ótimas sobre sua empresa. Além disso, ela diz que toda a relação será estabelecida de modo contratual. Sendo assim, essa empresa demonstrou, principalmente, senso de confiança e justiça. Com isso, você decide que ela é a melhor opção de fornecimento. Lembre-se: quanto melhor a reputação, a confiança e o senso de justiça, melhores tendem a ser os relacionamentos a longo prazo.
Bem, para manter um relacionamento, é preciso que duas ou mais partes de uma negociação apresentem algumas características que são imprescindíveis. Pode-se dizer que essas características fazem com que as negociações sejam diferentes, no sentido de serem melhores. A primeira característica é que essas negociações são mais cooperativas e empáticas, afinal, ao focar no relacionamento, buscamos compreender as razões, os motivos e as necessidades das outras partes, fazendo com que tenhamos mais atenção e reciprocidade.
Outra característica interessante é a apresentação de resultados melhores do que a média de outras negociações do mesmo tipo, ou seja, fecham acordos melhores. Isso se deve ao desejo de cooperar, pois, quando queremos cooperar, somos mais assertivos ao escolher caminhos que beneficiem outras partes, assim como a nós mesmos, dessa forma, os resultados tendem a ser melhores. Além disso, o foco em relacionamento faz com que as partes se concentrem nos resultados da outra parte e nos próprios resultados de maneira semelhante (LEWICKI; SAUNDERS; BARRY, 2014).
Outra característica importante é que negociações pautadas em relacionamentos fazem com que as partes invistam mais atenção nas normas desenvolvidas para regulamentar o modo como trabalharão juntas, sendo assim, ao acordar limites e modos de agir, fica mais fácil garantir que todos saibam como comportar-se, quais atitudes são aceitáveis e quais devem ser reprovadas.
Equipes que negociam buscando fortalecer laços são mais propensas a compartilhar informações. Portanto, não há espaço para mentiras ou técnicas de negociação moralmente ambíguas. Além disso, as decisões e o compartilhamento de tarefas tendem a ser mais colaborativos e menos coercitivos (forçados) (LEWICKI; SAUNDERS; BARRY, 2014).
Por fim, negociadores com foco em relacionamento tendem a usar comunicação direta sobre questões conflituosas, desenvolvendo uma estrutura exclusiva para a solução de conflitos. Assim, mostram-se mais dispostos a adotar o comprometimento ou a solução de problemas como estratégia para acabar com um conflito.
Não se pode afirmar que as negociações baseadas na formação de laços estreitos são, realmente, melhores que outras metodologias de negociação. Afinal, essas negociações tendem a ser pautadas pela exclusão de conflitos entre as partes. Assim, é possível que uma das partes deixe de agir para que a outra vença, evitando conflito. No entanto é possível aprender com negociadores que fazem esse tipo de negociação algumas características interessantes. Veja esse exemplo:
Em um estudo com casais israelenses que escolheram uma mediação de divórcio, os homens estiveram mais inclinados a usar argumentos baseados nos princípios da lei e da prática costumeira para lidar com problemas e conflitos na dissolução do casamento, enquanto as mulheres preferiram argumentos baseados na responsabilidade pessoal das partes uma com a outra. Os homens se mostraram mais reservados e pouco emotivos, enquanto as mulheres expressaram sentimentos profundos de ofensa e sofrimento.
Com este caso, podemos perceber que as pessoas enfrentam problemas de modos diferentes, correto? Evidente que, dependendo da cultura e das características sociais e históricas de cada indivíduo, a reação, frente a momentos de crise que exigem negociação baseada em relacionamento, será diferente. Bem, mas como é possível realizar uma negociação baseada em relacionamento duradouro frente a essas dificuldades e diferenças?
Existem três variáveis que podem auxiliar muito em uma negociação baseada no relacionamento, são elas: a reputação, a confiança e a justiça. Tratam-se, portanto, de variáveis cruciais cuja importância é indiscutível em toda negociação. Vejamos cada uma delas a seguir.
A reputação consiste no retrato de experiências que outras pessoas partilharam com você, ou seja, é a soma das experiências de outras pessoas que se relacionam com você. Portanto, tem mais a ver com a opinião dos outros do que como você realmente é. Essa visão tende a influenciar o modo como os outros lidam com você (LEWICKI; SAUNDERS; BARRY, 2014) .
Pode-se dizer que a reputação é como um legado, ou seja, uma carta de apresentação pela qual os outros desenvolverão um primeiro conceito sobre você. As reputações são impressões altamente subjetivas por natureza. Como dissemos anteriormente, pode ser que o modo como os outros veem você não seja real. No entanto não importa se é real ou não, os outros o(a) verão por sua reputação.
Um indivíduo pode ter diversas reputações ou, mesmo, conflitantes. Isso se deve ao fato de mudarmos com o tempo e nos relacionarmos com pessoas em situações distintas. Ou seja, é possível que algumas pessoas tenham uma reputação negativa sobre você, enquanto outras, positiva. É importante tentar mudar aspectos negativos da sua reputação, por mais que isso seja difícil.
Pode-se dizer que existem dois tipos de reputação, a reputação direta, que se refere ao que as pessoas que trabalharam com você sentem sobre você, e a reputação “indireta”, que é construída sobre as experiências de terceiros, ou seja, aquilo que as pessoas acham sobre você. As reputações diretas têm muito mais força no julgamento sobre você do que as indiretas.
A confiança, por sua vez, consiste em uma convicção e uma disposição individual de atuar segundo as palavras, as ações e as decisões do outro. De modo mais simples, confiar significa acreditar que o outro é verdadeiro em suas ações. Sem dúvida, a confiança é o principal ponto para que uma negociação baseada em relacionamento se estabeleça de modo correto.
Três aspectos contribuem para que um negociador deposite confiança no outro: uma constante disposição pessoal de confiar nas pessoas, os fatores situacionais e a história do relacionamento entre as partes.
Quando um relacionamento é novo, ele tende a ser estabelecido sobre um nível de confiança muito profundo. Na verdade, esse nível é ilusório, visto que esse relacionamento não foi testado e experienciado na profundidade necessária. Ou seja, relacionamentos muito recentes não devem receber elevado grau de confiança. A confiança virá com o tempo.
A confiança leva ao comportamento cooperativo. As partes que confiam uma na outra tratam-se com uma postura cooperativa. Portanto, a confiança predispõe as partes a um relacionamento mais estreito e cooperativo. As motivações individuais, também, influenciam a confiança e as expectativas sobre o comportamento da outra parte. Um negociador que demonstra maior motivação para atuar de forma cooperativa alega ter uma confiança inicial mais alta na outra parte e impressões iniciais mais positivas sobre ela, comparado a um negociador com uma disposição individualista.
Tanto aqueles que depositam quanto os que recebem a confiança se concentram em aspectos diferentes à medida que o sentimento se fortalece. A princípio, os que depositam confiança se preocupam com os riscos inerentes ao ato de depositar sua confiança em alguém, e os que recebem confiança se concentram nas vantagens dessa condição.
Por fim, o terceiro fator principal nos relacionamentos diz respeito à justiça. A justiça é mais um dos tópicos amplamente investigados nas ciências organizacionais. Em uma organização, as pessoas discutem se o salário é justo, se o tratamento que recebem é bom ou se algum grupo está sendo tratado com parcialidade (por exemplo, as mulheres, as minorias e os integrantes de outras culturas). Quando falamos em justiça, não estamos falando de algo fácil de conceituar. Assim, existem diversas maneiras de conceituar o que é justiça. Vejamos algumas diferenciações.
A primeira é a justiça distributiva. Ela diz respeito à distribuição de resultados. Em negociações, existe a preocupação de que uma parte esteja ficando com mais do que a outra. Assim, é importante que os resultados sejam distribuídos de maneira justa. Muitas vezes, será difícil fazer com que as partes ganhem a mesma quantidade de benefícios, mas, mesmo assim, essa divisão deve seguir parâmetros de satisfação.
A segunda é a justiça processual. Pode-se dizer que ela representa a noção de que os métodos utilizados para se atingir a um fim são corretos. Existe a preocupação de que as partes não tenham se tratado de modo justo, de que não tenham se dado uma oportunidade de apresentar um ponto de vista ou uma versão melhor de suas posições, ou de que não tenham se tratado com respeito.
A terceira é a justiça interacional. Ou seja, estamos falando da relação entre as partes. As partes exigem um tratamento condizente. Quando esses padrões são desrespeitados, quando a outra parte é rude ou faz perguntas inadequadas, por exemplo, a outra parte se sente ofendida. Por fim, existe a noção de justiça sistêmica. Esse aspecto diz respeito ao modo como as organizações tratam grupos de indivíduos e às normas que desenvolvem para essa finalidade. Quando alguns grupos são discriminados, excluídos ou maltratados, as outras pessoas tendem a se voltar contra essa organização. Além disso, é preciso lembrar que existem normas e leis que garantem a dignidade do indivíduo, enquanto ser humano e trabalhador, e elas jamais devem ser descumpridas.
As discussões sobre justiça estão em alta. Seja na vida pública, seja na privada, agir de maneira justa é uma das formas mais importantes para manter e fortalecer relacionamentos. Além disso, estudos demonstram que o envolvimento no processo de definição de uma estratégia de negociação aumenta o comprometimento com ela e a disposição em adotá-la. Vemos aqui um exemplo evidente da importância da justiça processual, na qual as partes envolvidas no processo de definir uma decisão estão mais comprometidas com ela.
Lembre-se, a justiça consiste, em suma, no estabelecimento de regras concretas que evidenciem os meios corretos pelos quais as pessoas devem seguir uma negociação. Lembre-se, só é possível dizer que algo é justo quando todos os envolvidos participam da definição desse algo. Ou seja, é preciso ser democrático, envolvendo as partes de uma negociação para não haver um sentimento de injustiça.
Nesta lição, falamos sobre uma difícil arte, a de criar, gerir e fortalecer relacionamentos. Em negociações, o relacionamento entre as partes é um dos fatores mais importantes, primeiro, porque é pelo nível de relacionamento que se espera da outra parte que as estratégias sejam desenvolvidas e, segundo, porque, em algumas formas de negociação, relacionamentos fortes e duradouros são necessários.
Por exemplo, imagine dois países vizinhos. Se esses países não criam um relacionamento forte e sadio, ambos podem configurar um problema mútuo. Pode haver retaliações, guerras e outros problemas. Um exemplo disso é a contenda entre Ucrânia e Rússia, que se transformou em uma guerra em 2022. A guerra não aconteceu do nada, foram anos de más relações e escolhas hostis mutuamente que levaram à retaliação mútua.
No mundo das empresas, o relacionamento também é importante. É preciso criar relações duradouras com clientes e fornecedores, sócios, investidores e, até mesmo, com o governo e seus agentes. Uma organização que não preza por esses relacionamentos tende a ter diversos problemas, chegando até mesmo a falir. Portanto, cabe ao negociador estabelecer relações pautadas em valores positivos, pois, quando surgirem problemas entre as partes, a resolução se tornará mais fácil de ser implementada. Para que conflitos possam ser resolvidos, é preciso que as partes façam concessões, abrindo mão de parte de seu objetivo principal em prol da manutenção da relação em questão. Assim, um bom negociador sempre criará estratégias com base nas três variáveis que estão envolvidas na construção de relacionamentos, que são a reputação, a confiança e a justiça.
LEWICKI, R. J.; SAUNDERS, D. M.; BARRY, B. Fundamentos de Negociação. Porto Alegre: Grupo A, 2014.