As negociações ocorrem a partir de um processo. Na lição passada, foram apresentados os componentes iniciais desse processo, ou seja, a preparação e a abertura. No entanto, a negociação não termina aí. Após estabelecermos as premissas iniciais de uma negociação, devemos começar, efetivamente, a barganhar. Barganha é uma transferência mútua, ou seja, uma troca em que duas partes distintas oferecem algo uma à outra, com o objetivo de vencer divergências e chegar a um acordo.
Você já deve ter realizado uma barganha, não? Já negociou no supermercado, com seus pais ou responsáveis, algo em troca de um chocolate para sobremesa? Pois é, todos nós barganhamos quase diariamente. Assim, vamos abrindo mão de certas coisas em razão de outras. Por isso, nesta lição, você compreenderá como a fase de barganha se estabelece em uma negociação.
As organizações estão recheadas de momentos em que a negociação é possível. No setor de vendas, temos profissionais, tentando bater metas; no setor financeiro, há a negociação com bancos e credores; na produção, há a negociação com os fornecedores; nos recursos humanos, especialistas tentam mostrar aos funcionários a importância do desenvolvimento etc. Poderíamos citar muitos outros momentos em que as pessoas negociam dentro das organizações.
Todas essas negociações têm um sentido. As organizações desejam atingir suas metas para que possam crescer. Por isso, há a negociação. Não é assim em todos os outros ambientes da vida? Quando negociamos, queremos conquistar algo que almejamos. Ocorre que, geralmente, quando isso acontece, o que almejamos está em posse de outra pessoa. Assim, resta-nos barganhar. Ou seja, trocar mutuamente até que os objetivos das partes sejam atingidos.
Assim, se queremos que nossos planos sejam alcançados, precisamos estar dispostos a barganhar. Lembre-se de que, em se tratando de uma negociação, as partes precisam colaborar o máximo possível. Portanto, a barganha deve seguir essa mesma lógica. Assim, não tenha medo de renunciar a algo em busca do seu objetivo, mas deixe evidente que você também exigirá renúncias da outra parte.
Você se lembra dos últimos períodos eleitorais? Se você não se lembra, vou fazer uma narrativa do que geralmente acontece no Brasil. Aqui, as eleições para cargos executivos são realizadas em dois turnos, caso um único candidato não consiga atingir 50% dos votos mais um.
Vamos imaginar a eleição para presidente do país. No primeiro turno, geralmente, diversos partidos lançam candidatos a partir de suas ideologias. Assim, temos dezenas de candidatos com propostas diversas que tentam se eleger.
No segundo turno, a coisa muda e os candidatos que não atingiram votos suficientes para ir ao segundo turno têm duas escolhas. Aliam-se a um dos dois candidatos que disputarão o segundo turno ou tornam-se neutros. É aqui que entra o poder da barganha. A partir das premissas já estabelecidas no primeiro turno, os partidos começam a procurar meios de se aproximar de um dos lados, mas essa aproximação não é gratuita.
Vamos supor que exista um dos partidos que foi para o segundo turno, chamado Partido da República, e um que não foi, chamado Partido da Igualdade. Seus dirigentes marcam uma reunião para negociar o apoio do partido que está fora da disputa eleitoral a um dos que irá para o segundo turno.
O Partido da República vê com bons olhos essa parceria, pois o outro partido obteve muitos votos, o que viabilizaria sua vitória. Nesse sentido, ao sentar-se à mesa para as negociações, o Partido da Igualdade estabelece que, para apoiar o partido vencedor, espera receber quatro ministérios em troca.
Essa proposta é muito complexa, pois o Partido da Igualdade deseja colocar apenas técnicos como ministros. Então faz uma contraproposta, que seria a de assumir parte das propostas de governo do Partido da Igualdade.
O Partido da Igualdade não vê com bons olhos essa sugestão. Afinal, tais propostas poderiam ser “furtadas”, deixando de pertencer ao partido para comporem a candidatura de outro governo. Eis que as propostas do Partido da Igualdade, em sua maioria, contemplavam a saúde, e o grupo faz outra sugestão.
O Ministro da Saúde será o candidato do Partido da Igualdade, que possui uma ampla experiência na área. Assim, o Partido da República não precisa dispor de muitos cargos nem da sua premissa de indicar apenas ministros técnicos, e o outro partido tem a oportunidade de colocar suas políticas em prática.
Temos aqui um caso de barganha bem-sucedida.
Segundo Martinelli, Ghisi e Martins (2010), a palavra barganha pode soar negativamente. No senso comum, barganha tem uma conotação ruim, como se as partes envolvidas estivessem trocando algo ilegal ou imoral. Mas não é bem assim. Martinelli, Ghisi e Martins (2010, p. 47) afirmam que:
“Apesar de muito questionada em um processo de negociação por ter uma possível conotação negativa, o aspecto positivo da barganha ressalta que os negociadores devem se concentrar nas necessidades reais de ambos os lados, a fim de buscar opções de ganhos mútuos que os levem para uma negociação de resultados positivos, e não visando simplesmente ao seu próprio interesse” (MARTINELLI, GHISI; MARTINS, 2010, p. 47).
Tal qual o caso dos partidos políticos acima, não há nada de errado, imoral ou ilegal em negociações que beneficiem ambas as partes. Seja no âmbito público ou privado. É evidente que toda a barganha deve ser realizada, usando como premissa a ética. Ou seja, as partes devem concordar que valores importantes como honestidade não sejam colocados de lado no momento em que o negócio é fechado.
Como vimos, anteriormente, o processo de negociação consiste em um sistema de transformação de entradas em saídas. No caso anterior, vimos diversas rodadas de discussão. Cada uma delas consistiu em um processo de entrada de informações, processamento e uma saída que poderia ser uma divergência ou um acordo.
Uma negociação não pode durar para sempre. É preciso estabelecer um limite. Do contrário, iremos perder as oportunidades. Ou seja, embora a Figura 3 sugira que entradas, processamentos e saídas possam ocorrer eternamente até que se encontre um acordo, na vida real, não é bem assim.
Uma boa negociação, portanto, não pode ser excessivamente rápida. Ela, porém, não pode demorar muitas e muitas rodadas, pois as pessoas começam a perder o foco e é possível que o acordo seja jogado fora.
Como fazer com que sua barganha seja potente o suficiente para que uma negociação seja fechada com um acordo? Bem, a melhor forma é apostar em uma barganha com posição ganha-ganha.
A barganha ganha-ganha é aquela em que ambas as partes abrem mão de algo, mas, em contrapartida, também ganham algo. Ou seja, é uma troca cujo valor final é positivo para ambas as partes. Existem duas outras opções, a barganha ganha-perde e a barganha perde-perde.
Em casos muito específicos, quando o negociador tem a certeza de que vai ganhar uma determinada negociação, ele poderá exercer a barganha ganha-perde. Por exemplo, um banco pode perdoar uma dívida em troca de um bem da pessoa. A pessoa está perdendo algo significativo enquanto o banco está ganhando.
A barganha perde-perde pode ocorrer em casos também muito específicos, quando a negociação falha e a única saída é a pior opção para ambas as partes. Imagine uma dupla de assaltantes que foi pega. Um não pode ajudar o outro. Assim, o que se pode fazer é colaborar com a polícia. No final, ambos irão presos. Não há outra opção. Quando uma empresa dá um desconto em uma venda por insistência do cliente também é uma barganha perde-perde. Isso, porque o produto terá menos qualidade, o cliente tende a ficar insatisfeito e a empresa não obterá lucro.
Bem, para melhores negócios, vamos focar nas barganhas ganha-ganha. Como podemos ter a certeza de que nossa negociação está caminhando pela via interessante da barganha ganha-ganha?
Segundo Martinelli, Ghisi e Martins (2010), é possível atingir uma barganha ganha-ganha por meio de um conjunto de valores. Primeiramente, é preciso verificar o ambiente em que se está inserido. Ou seja, pesquise o ambiente, compreenda quem é a outra parte, como ela costuma se comportar e qual é o seu histórico de negociações com as outras partes. Assim, você terá um indicativo de onde está pisando e por onde as negociações irão se desenrolar.
Para mostrar o quanto conhecer a outra parte é importante, apresentamos uma citação muito famosa de um antigo estrategista chinês que diz: “Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se você se conhece, mas não conhece o inimigo, para cada vitória ganha, sofrerá também uma derrota. Se você não conhece nem o inimigo, nem a si mesmo, perderá todas as batalhas” (TZU, 2019, p. 35).
No entanto, não basta conhecer a si mesmo e o inimigo, é preciso conhecer o ambiente. Ou seja, tudo aquilo que está fora do processo de negociação. Todas as forças e especificidades, que estão além do controle direto das partes – pode ser um mercado, um país ou região, o setor de uma empresa, dentre muitas outras possibilidades –, devem ser analisadas.
Compreendemos a importância de se conhecer o ambiente e a outra parte envolvida na negociação, mas como essas informações sustentam uma barganha bem-sucedida? Lembre-se de que a negociação é como um sistema, tais dados representam a entrada, isto é, o input. Quanto mais você souber, maior será o seu poder de barganhar.
No entanto, há outra qualidade essencial para se construir uma barganha vencedora. É a flexibilidade. Segundo Martinelli, Ghisi e Martins (2010), a flexibilidade consiste na capacidade que o negociador possui de fragmentar sua vontade, a fim de que uma fração dela seja trocada com a outra parte. A flexibilidade é importante, pois sem ela as ofertas se tornam inflexíveis e cristalizadas.
Em cada rodada de negociação, ou seja, cada processamento elaborado pelo sistema, as informações vão sendo transformadas em propostas. Tratam-se das contrapostas. A parte positiva de cada uma é mantida, e a parte que desagrada aos negociadores é substituída. Assim, as várias rodadas vão tornando o acordo cada vez mais viável, pois a flexibilidade torna possível que as propostas mudem. Assim, as saídas, ou propostas, são novamente transformadas em inputs.
Martinelli, Ghisi e Martins (2010, p. 133) explicam que “os inputs e os outputs irão se retroalimentar por meio de feedback, atuando no processo em questão e em novos que surgirão. O feedback é o componente mais importante do aprendizado do processo de negociação”.
Ou seja, para que o processo de barganha seja assertivo, é preciso que os feedbacks sejam utilizados de modo correto. Existem três aspectos que são fundamentais no feedback: precisão, rapidez e especificidade.
Precisão diz respeito ao grau de confiabilidade do feedback. Imagine que você diga a um amigo que gostaria de comprar um bolo no intervalo da escola. Ele gostaria de um bolo de cenoura de que você gosta muito, mas, por medo de ser zoado, diz que quer o de chocolate. Você acaba fazendo o mesmo. Assim, os dois comem bolo de chocolate quando, na verdade, gostariam de comer um bolo de cenoura. Quando o feedback não é confiável, ou quando ele carrega incertezas ou informações equivocadas, ele poderá influenciar negativamente a negociação.
Rapidez consiste na velocidade com que as informações são trocadas. Quanto mais veloz é o feedback, mais tempo as pessoas têm para pensar sobre a proposta. Além disso, há menos apreensão. Assim, é importante que as partes recebam as informações de modo veloz e seguro.
Especificidade consiste no grau de variabilidade das informações. Imagine um feedback longo, com diversas informações. Por mais que sejam verdadeiras, elas podem fazer com que o processo de análise demore muito, ou que as partes fujam dos objetivos traçados. Assim, produzir feedbacks limpos, melhor dizendo, específicos, é uma boa oportunidade de se produzir barganhas ganha-ganha.
Para auxiliá-lo no processo de criação de uma boa barganha, você pode utilizar a técnica de hierarquia das questões. Imagine que você tenha um conjunto de objetivos que precisa atingir e que a outra parte também possui o dela. Ao elaborar uma lista escrita, você pode enviá-la à outra parte. Assim, ambos podem escolher aquilo que consideram ser o mais importante.
A partir dessas escolhas, é possível elaborar uma proposta inicial, que contemple os principais pontos existentes nas duas listas. Além disso, essa técnica ajuda na compreensão do que é realmente importante. Muitas vezes, as questões e exigências são tão numerosas que as partes não conseguem propor um acordo viável. Portanto, foque no que é mais importante e esteja disposto a deixar o que é menos importante de lado.
Bem, agora que entendemos como o processo de barganha ocorre, é importante salientar a importância da ética para o estabelecimento de uma barganha ganha-ganha. Vejamos um exemplo muito comum. Quando alguém pergunta qual limite se pode chegar em uma negociação, e a parte questionada não diz à pessoa que a interrogou o verdadeiro limite, ela está sendo antiética. Afinal, está usando de um blefe para poder ganhar vantagem na negociação.
Na prática, não se pode afirmar com tanta certeza quais posturas são éticas e quais são antiéticas. Isso se deve ao fato de que não sabemos cem por cento daquilo que ocorre na cabeça dos negociadores, nem mesmo temos como prever grande parte das ações dos outros. Assim, sempre nos encontramos limitados.
Martinelli, Ghisi e Martins (2010), no entanto, propõem um conjunto de questões que servem para indicar se algo é ético ou não em uma negociação. Os autores chamam essa ferramenta de matriz de análise ética. Os campos dessa matriz são:
Comportamentos que não são éticos nem legais.
Comportamentos que são éticos, porém não são legais.
Comportamentos considerados legais, porém não éticos.
Comportamentos que são legais e éticos, segundo os padrões daquele grupo.
Devemos escolher sempre os comportamentos que são legais e éticos, segundo os padrões daquele grupo. Na impossibilidade disso, podemos recorrer a comportamentos legais e não éticos. Por fim, tome cuidado, jamais utilize de fins ilegais em suas negociações. Isso pode trazer problemas muito graves no médio e longo prazo.
Nossa vida é cheia de momentos propícios para barganha. Nesta lição, você pôde compreender como ela é importante para todos nós. Independentemente da carreira que você siga, os conhecimentos apresentados aqui podem ser colocados em prática. No setor público, por exemplo, existem os mediadores de conflito que tentam resolver problemas entre duas ou mais partes para que a justiça não seja ativada por causas pequenas.
Nos ambientes organizacionais, temos vendedores, tentando fechar negócios. Espera-se que o vendedor não seja antiético e que as relações estabelecidas sejam sempre ganha-ganha. Compreenda que a barganha ganha-ganha é uma poderosa ferramenta de negociação para que você possa vencer diferentes tipos de problemas cotidianos, na vida pessoal, nos negócios ou em outros ambientes.
Atualmente, há muitos conflitos emergindo nas organizações. Ter alguém que saiba lidar com esses conflitos é muito importante. Aliás, gestores de conflitos são essenciais e exercem o papel de moderar relações exacerbadas. Você, portanto, poderá utilizar a barganha ganha-ganha como um fator determinante para o sucesso das organizações.
Agora é com você. Imagine um objetivo que você deseja atingir. Pense em como a barganha ganha-ganha pode te ajudar. Crie um plano de negociação para tentar atingir esse objetivo.
MARTINELLI, D. P.; GHISI, F. A.; MARTINS, T. M. Negociação: conceitos e aplicações práticas. São Paulo: Saraiva, 2010.
TZU, S. A arte da guerra. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2019.