Há algumas décadas, tem sido cunhada uma “conversa na diferença” (Tavares, 2013) entre as pesquisas da Sociolinguística Variacionista e de abordagem discursivas, que tem resultado em uma produtiva agenda de pesquisas, denominada “sociofuncionalista”. (cf. Braga, 2003; Castanheira, 2018; Tavares; Görski, 2015; Görski; Martins, 2021). Suas características são o estudo da língua como um organismo vivo, variável e mutável, a investigação de dados do uso a partir de aspectos sociais, linguísticos e contextuais, a adoção de um olhar pancrônico, o princípio do uniformitarismo, o foco na mudança de modo gradual, sobretudo pelo processo de gramaticalização, e a análise do papel dos fatores pragmáticos e interacionais (cf. Lopes, 2015; Tavares; Brito, 2024). Mais recentemente, seguindo a linha do Funcionalismo norte-americano, os modelos baseados no uso emergiram como uma perspectiva de análise gramatical que toma o contexto comunicativo efetivo como ponto de partida de suas investigações, entendendo que o uso molda e estrutura a gramática, assim como a frequência desempenha um papel importante na organização do sistema. Esses modelos preveem, portanto, uma análise baseada em corpora de dados reais, produzidos em situações efetivas de comunicação, permitindo a apreensão de fatores cognitivos e sociocomunicativos envolvidos no uso e que atuam na estruturação do sistema. Nesta perspectiva, a gramática é vista, portanto, como flexível, emergente das práticas discursivas cotidianas dos falantes, como um reflexo das experiências linguísticas e dos contextos comunicativos em que a língua é usada. Esta abordagem, fundamentada em teorias como as de Bybee (2006), Langacker (1987), Goldberg (1995) e outros, tem se destacado principalmente nos trabalhos sobre Gramática de construções (Goldberg, 1995), Construcionalização e Mudanças Construcionais (Traugott; Trousdale, 2013) e Linguística cognitiva (Langacker, 1987). Nesse sentido, este Simpósio tem como objetivo reunir pesquisas que adotem um olhar variacionista ligado aos pressupostos teóricos funcionalistas, seja por meio do Funcionalismo norte-americano, ou da abordagem Funcional-Cognitiva (ou Linguística Funcional Centrada no Uso) em diferentes corpora ou amostras e com distintos procedimentos metodológicos. Tais trabalhos podem analisar diferentes níveis linguísticos – fonético-fonológico, morfológico, morfossintático, sintático, semântico e discursivo-pragmático. Também são bem-vindas investigações que busquem aplicações pedagógicas em diferentes contextos.
Desde os trabalhos precursores de Tarallo (1987) e Tarallo e Kato (1989), a associação entre os pressupostos teórico-metodológicos da Teoria da Variação e Mudança (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 1968) e os diferentes modelos e desdobramentos da Teoria Gerativa (CHOMSKY, 1970; 1993; 2014 etc.) tem propiciado o desenvolvimento de inúmeros trabalhos diacrônicos inter e intralinguísticos sobre a variação e a mudança no Português Brasileiro. Como geralmente ocorre com pesquisas científicas “de fronteira”, colocar em diálogo duas áreas aparentemente muito distantes não é uma tarefa fácil e muito menos isenta de críticas ao longo da história. No entanto, não se pode negar que a expansão do conhecimento que temos sobre o funcionamento e a estrutura das línguas naturais está intimamente atrelada à abertura dos estudos linguísticos ao diálogo com diversas áreas – e teorias – principalmente nas últimas décadas. Neste sentido, este simpósio temático tem como objetivo reunir pesquisas acerca de variados fenômenos no PB, contrastivas ou não, em desenvolvimento ou concluídas, de natureza descritiva ou aplicada ao ensino de português como língua materna ou ao ensino de línguas adicionais, que caminhem na interface da Sociolinguística com a Teoria Gerativa, independentemente do nível de análise linguística. Pretendemos, assim, incentivar o debate acerca de estudos no âmbito dessa abordagem, incrementando a análise e a descrição mais detalhadas da gramática do Português Brasileiro contemporâneo.
REFERÊNCIAS
CHOMSKY, N. (1970) Remarks on Nominalization. In: R. Jacobs and P. Rosenbaum (eds.), Readings in English Transformational Grammar, Ginn, Waltham, MA, 184-221.
______. (1993). Lectures on government and binding: The Pisa lectures. Walter de Gruyter,
______. (2014) The minimalist program. MIT press. TARALLO, F. (1987). Por uma Sociolinguística Românica Paramétrica: Fonologia e Sintaxe. Ensaios de Linguística, Belo Horizonte, v. 13, p. 51-84.
TARALLO, F; KATO, M. (1989) A. Harmonia trans-sistêmica: variação intra- e inter-lingüística. Preedição 5. Campinas, São Paulo: Editora Unicamp.
WEINREICH, U.; LABOV, W.; HERZOG, M. (1968). Empirical foundations for a theory of language change. In: LEHMAN, W.; MALKIEL, Y. (eds.). Directions for historical linguistics. Austin: University of Texas Press, p. 97-195.
O Seminário Sociolinguística e ensino: interfaces de análise tem por objetivo reunir propostas didáticas e/ou pesquisas sobre ensino de Língua Portuguesa às quais subjaz a perspectiva da variação e mudança linguísticas. Serão aceitos, portanto, trabalhos que a) apresentem a elaboração e/ou aplicação de produtos educacionais fundamentados em pressupostos sociolinguísticos; b) desenvolvam pesquisas sociolinguísticas a partir das quais sugiram procedimentos didáticos; e c) articulem princípios da Sociolinguística a outras abordagens teóricas para a elaboração de atividades e/ou materiais didáticos. Em função desses eixos, serão aceitos resumos articulando gramática, variação e ensino; produção textual, variação e ensino; leitura, variação e ensino. Quanto aos produtos educacionais, são bem-vindas dinâmicas lúdicas (manuais ou digitais) com base em fenômenos variáveis do português; materiais didáticos que se valem de análises sociolinguísticas apoiadas em gêneros digitais nativos e, por consequência, em redes sociais; materiais e atividades que permitam a aplicação de resultados de pesquisas sociolinguísticas para a solução de desafios pedagógicos e/ou conflitos linguísticos em salas de aula diversas. Em relação aos contextos educacionais em foco, esperamos receber trabalhos não só no âmbito do português falado por alunos brasileiros de regiões urbanas e não-urbanas, mas também em circunstâncias trazidas por pesquisas que demonstrem resultados sobre a língua portuguesa em situação de contato linguístico com outras línguas. A expectativa é fomentar discussões acerca das diferentes possibilidades de análise de fenômenos variáveis relacionados ao ensino de Língua Portuguesa, de modo a evidenciar o comprometimento de docentes e pesquisadores com as práticas linguísticas na escola e fora dela. Embora a relação entre Sociolinguística e ensino consista em um tema presente em debates tanto do ponto de vista teórico quanto da prática, a dinâmica social, intensificada pelo uso da tecnologia, impõe a emergência de novos estudos e interfaces de análise, o que justifica este Seminário. Dessa forma, espera-se contribuir para a formação de professores de Português, evocando a relação entre o fazer professoral e a abordagem científica da língua, na interface com abordagens teórico-metodológicas baseadas no paradigma da Sociolinguística.
Este simpósio parte da realidade de muitos pesquisadores que, ao abordar a variação e a mudança, deparam-se com o “abismo entre a norma idealizada e a norma efetivamente praticada [...] trazendo a necessidade de repensar o nosso código gramatical e atualizá-lo” (CALLOU, 2007, p. 21), o que demanda, para além do estudo de fenômenos linguístico, estudos sócio-históricos e historiográficos sobre a formação do pensamento gramatical, que elucide esse abismo, apontado pela linguista Dinah Callou. Desse expediente, serão acolhidos trabalhos que, mesmo reconhecendo as normas efetivamente praticadas, explorem as normas prescritas, isto é, os saberes metalinguísticos brasileiros, sistematizados e instrumentalizados em duas principais tecnologias: dicionários e gramáticas, como propõe o conceito de gramatização (AUROUX, 1992). Vale dizer que a materialização dessas tecnologias é um produto histórico, resultado da interação das tradições e do contexto (AUROUX, 1992, p. 14). É por essas tecnologias que seria possível identificar sob que formas se constitui, no tempo, o saber linguístico e como essas formas se criam, evoluem, se transformam ou desaparecem (AUROUX, 1992, p. 13). Respeitando essas diretrizes, é possível conceber diversos modelos de construção historiográfica (BATISTA, 2013, p. 53-54): (1) uma visão cumulativa em torno da perspectiva de progresso linear; (2) uma postura que identifica correntes principais e correntes alternativas; (3) uma historiografia de continuidades e descontinuidades; e (4) uma análise de fatores extralinguísticos. Dentre as muitas possibilidades, serão bem-vindos, por exemplo, trabalhos que explorem a variação linguística em verbetes ou tópicos gramaticais, ou que considerem as ideias que justifiquem a disponibilização de determinados itens nos dicionários e nas gramáticas para a composição de enunciados; personagens importantes para a formação do pensamento gramatical e/ou lexicográfico brasileiro; temas ou momentos decisivos para a compreensão da metalinguagem brasileira; a relação entre gramáticas/dicionários e ensino, sempre numa perspectiva historiográfica, quando possível, considerando as suas esferas de atuação (SILVA, 2006, p. 63), como a esfera intratextual, em que a metalinguagem procura explicar as variantes; a esfera intertextual, em que a metalinguagem reconhece as ideias subjacentes a uma determinada proposta; e a esfera contextual, em que a metalinguagem se orienta pelo contexto histórico, fundamental para compreender a formação do discurso historiográfico.
Se comparada aos demais níveis de análise linguística, a fonologia se destaca por propor, desde cedo, modelos teóricos pelos quais fosse possível relacionar a face variável de realização da língua (a fonética) à face invariável e subjacente de abstração (a fonologia). A partir do estudo pioneiro de Weinreich, Labov e Herzog (1968), a variação deixa de ser vista como um fenômeno aleatório e passa a ser considerada um pressuposto essencial para a mudança nas línguas, agora compreendidas como instituições sociais. Com a publicação de “Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança linguística”, reconhece-se que as escolhas dos falantes não são ocasionais, mas motivadas. Entende-se a variação como reflexo de subsistemas em competição, de heterogeneidade ordenada, das realidades social do indivíduo e contextual do fenômeno, do grau de formalidade do discurso, dentre outros fatores. Labov (1972) investiga as alterações dos ditongos /ay/ e /aw/ na comunidade da ilha de Martha’s Vineyard, em Massachusetts, e estabelece a relação entre o desenvolvimento de uma mudança linguística e a vida social da comunidade em que ela ocorre. Desde então, a sociolinguística tem norteado uma série de estudos no âmbito da variação sonora. É o caso do trabalho pioneiro de Bisol (1981) sobre a harmonização vocálica no português brasileiro. Nele, a autora comprova que a elevação das vogais médias pretônicas é estimulada por uma vogal alta adjacente (tônica ou pretônica) e que não daria saltos. Nas últimas décadas, a variação em fonologia vem sendo observada sob a ótica de modelos teórico-metodológicos diversos, como a teoria da otimalidade e a sociofonética, ramo que abrange investigações tanto no nível segmental quanto suprassegmental. Este simpósio se propõe a reunir pesquisas sobre aspectos fonéticos, fonológicos e prosódicos da variação e da mudança linguísticas. Serão aceitas propostas que abordem, principalmente, variedades do português, visando a uma compreensão mais profunda desses sistemas de comunicação, tanto sincrônica quanto diacronicamente.
O presente simpósio, que se insere no campo dos estudos sociolinguísticos e funcionalistas, pretende reunir trabalhos que versem sobre fenômenos morfossintáticos variáveis em qualquer uma das variedades do Português, considerando as modalidades falada e/ou escrita. Nas últimas décadas, muitas pesquisas, utilizando-se do arcabouço teórico-metodológico da Sociolinguística Variacionista (Weinreich; Labov; Herzog, 2006 [1968]) e da Linguística Funcional (Bybee, 2010, 2015; Givón 2012 [1979]; Hallyday (1985); Traugott e Trousdale (2013), vêm descrevendo o Português em suas diferentes variedades, muitas das quais contrastam em vários pontos com a chamada norma-padrão codificada em instrumentos normativos. Partindo de resultados científicos acerca de fenômenos variáveis na morfossintaxe do Português, espera-se que o simpósio constitua um fórum importante para reflexões sobre as estruturas gramaticais que não são canônicas, mas que representam as efetivas normas de uso, a fim de ampliar o conhecimento acerca da diversidade da língua portuguesa e combater o preconceito linguístico. Além disso, é de interesse deste simpósio promover a reflexão de uma gramática como molde do discurso no sentido de compreender que as normas de uma língua natural se adéquam aos projetos de texto sensíveis aos espaços e ao tempo de sua produção e recepção. Com base nos estudos sociolinguísticos e funcionalistas, a comunidade científica pode privilegiar fenômenos morfossintáticos diversos, considerando tanto estruturas prototípicas da fala quanto construções que se encontram em textos escritos, com diferentes graus de formalidade e com maior ou menor compromisso com o que seria prototipicamente caracterizador da escrita padrão. A descrição desses fenômenos permitirá traçar um continuum de variação no âmbito da morfossintaxe do Português, que contemplaria desde o que idealmente se concebe como a norma culta manifestada pelos indivíduos escolarizados em situações de monitoramento, sendo esta também heterogênea como qualquer variedade linguística, até as normas populares. Poderão contribuir para este simpósio trabalhos concluídos ou em andamento que atendam a um dos seguintes requisitos: (i) apresentem resultados de pesquisa sobre algum fenômeno morfossintático variável em uma variedade do Português ou em mais de uma variedade de forma contrastiva; (ii) relatem uma experiência de mediação pedagógica bem-sucedida em sala de aula em torno de algum tópico da Morfossintaxe contemplando a variação. Entende-se que, dessa forma, este simpósio cumpre parte do papel que cabe à Sociolinguística, à semelhança do caso do julgamento da escola Ann Arbor (Labov, 1982): divulgar e ensinar variação linguística. Já em termos funcionalistas, entende-se que este simpósio abriga o olhar teórico da Linguística Funcional como propulsor da reconfiguração metodológica das práticas de análise linguística, considerando a própria língua em função tanto do ponto de vista cognitivo como do ponto de vista social.
Palavras-chave: Morfossintaxe; Variação; Fala; Escrita.