Capítulo 7
De mãos dadas com a lenda
Durante a viagem para a capital do estado, de onde embarcaria com seus três companheiros de volta para o Sudeste, a doutora Nieyde permaneceu reflexiva à janela do clássico aviãozinho Piper Cherokee. Olhava absorta para a selva exuberante que se estendia infinitamente até desaparecer no horizonte nevoento. Não conseguia parar de pensar na velha Hermínia Marieta e a maneira concludente e enfática como a idosa sustentava sua aparente veracidade concernente às declarações sobre o “homem de barro” que supostamente vira.
Mesmo para uma pessoa extremamente culta como a doutora Nieyde, certas situações exigiam ponderação e flexibilidade. Não podia se manter impassível e incrédula. Isso seria ignorância demais. Tantos são os mitos que desde gerações remotas nos encantam e assombram. E é possível que em cada um deles existam vestígios de verdade. Por que então lançar improbabilidades sobre o relato da anciã dona Hermínia Marieta com relação ao tal “homem de barro”? No entanto, por mais que a doutora Nieyde não quisesse, as dúvidas eram persistentes e a atormentavam. Estavam ali, atreladas à sua recém-nascida credulidade. Tudo soava como uma sombria e insondável incógnita. Seria possível que o tal “homem de barro” e o “homem do granito” estivessem de algum modo relacionados?
Mas ela estava exausta demais e acabou adormecendo em meio a seus pensamentos mais confusos. Não seria a última vez que a doutora Nieyde voltaria àquele lugar. Outras vezes se seguiriam, na busca ao “homem do granito”, ou o “homem de barro”, como o chamavam o povo simplório da região. Ela não conseguia desistir, como uma obsessão. Não obstante, anos e mais anos de investigação fervorosa, indo e vindo, e ficando cada vez mais, não poderiam se passar sem que ela se apegasse ao lugar e ao povo local. E dessa forma, ela não apenas acabou por mudar-se para a aconchegante e sossegada cidadela, como acabou por fundar um museu na cidade. O “Museu do Homem do Granito”. Era inevitável que a minúscula cidade crescesse em torno de sua lenda. Atualmente, em sua única praça, duas estátuas chamam a atenção dos visitantes. Duas estátuas em tamanho natural, de mãos dadas. A doutora Nieyde e o “Homem do Granito”. Foi a maneira que a população encontrou de homenagear sua cidadã mais ilustre, que trouxe nome e prosperidade à cidade, e seu personagem mais famoso.
Hoje, aos setenta e cinco anos de vida, a doutora Nieyde continua em plena forma. Está em plena atividade e no auge de sua carreira. Seus trabalhos arqueológicos são reconhecidos mundialmente.
Recentemente decidiu-se fazer um funeral simbólico em nome do “homem do granito”, ou como o nomeara a velha Hermínia Marieta, o “homem de barro”. Ele foi aclamado, honrado e sepultado, e finalmente a doutora Nieyde se resignou e o deixou descansar em paz.