PARTE 1
PEDRO MERGELLO
No estado de Pernambuco
Havia um cabra afamado
Que desconhecia o medo
E matava onça a machado.
Seu nome era Pedro Mergello
(Caboclo bom e respeitado).
Sua história é verdadeira,
Mui fiel é o seu legado.
Já faz bem mais de cem anos,
Mas o fato ainda é lembrado.
Pedro Tinha uma cadelinha cotó
Que atendia pelo nome Baleia.
Pequenina, fiel e valente, não tinha dó
Dizem que a bichinha era pêia.
Amiga dedicada pra toda hora
– Debaixo d’água ou no fogo –,
Na alegria ou mesmo na tristeza.
Afinal, como reza o ditado do povo,
“Melhor um cachorro amigo
Do que um amigo cachorro”
PARTE 2
UMA PREDADORA EM AÇÃO
Certo dia, um desiludido fazendeiro
Contratou Pedro Mergello
Para matar uma onça terrível
Que estava causando um flagelo.
Dizimando o seu precioso rebanho
E fazendo um estrago danado.
Na região, espalhava o terror
Devorando todo o gado.
Pedro aceitou a incumbência
E amolou bem o seu precioso machado.
PARTE 3
A trilha da EMBOSCADA
Depois de estudar a trilha
Por onde a onça passava,
Pedro armou a sua rede
Quando a noite já despontava.
Acendeu um fogo do lado
Pra preparar um bom café torrado,
Enquanto Baleia contemplava
Seu senhor e amigo, homem de fé.
Coitadinha, nem sonhava
O quão covarde a morte é.
Lá pras tantas da noitinha,
Baleia, sobressaltada, ficou alerta
E disparou logo a latir alvoroçada,
Pois a danadinha era mesmo esperta.
Pedro Mergello, sem pressa de partir,
Pensou com a calma de quem tem fé:
“Vem, bichinha, vem [pra mim]...”
E da rede, sem pressa pra ficar de pé,
Agarrou então o seu machado
E terminou de tomar o seu café.
PARTE 4
A HORA DO MATADOR
Ao terminar, suspirou e adentrou a mata
Seguindo na trilha felídea do som
Os latidos ecoavam, vindo de longe
– Era o próprio som do armagedom.
Quando chegou ao local procurado,
Pedro levou um susto danado,
Pois a onça era um colosso,
Sendo que o monstro estava sentado
Indiferente e muito confiante,
Como dona do osso a balançar o rabo.
O caboclo não quis perder tempo,
Pois isso era arriscar-se um bocado.
Aproveitando a onça entretida
Com Baleia e seu latido esganiçado
- Era o momento mais propício
(A fera estava concentrada em seu malefício)
Então o homem aprumou bem o machado,
Mas de repente o felídeo percebeu e rugiu
Dando uma súbita patada no pobre diabo
PARTE 5
O HEROÍSMO DE BALEIA
O machado voou não se sabe pra onde.
Pedro, num baque violentíssimo,
Caiu em cheio por terra,
Tonto e meio desorientado.
A onça saltou sobre ele,
Pronta e decidida a devorá-lo.
Mas a cachorrinha Baleia,
Valente e no intento de salvá-lo,
Mordia o rabo da fera,
Que muito incomodada,
Adiou a ideia de matá-lo.
PARTE 6
O SACRIFÍCIO DE BALEIA
Baleia se embrenhou na mata
Tentando escapulir da iminente morte.
A onça correu em seu encalço,
Louca pra decidir sua sorte.
Talvez pensasse: “Maldita cadela!
Agora é uma questão de honraria!
Depois eu devoro o homem,
Pois sou muito mais forte.”
A noite era sinistra e sombria,
Digna da morte que vinha em grande porte.
Dominado por um ódio de orgulho indomado,
O homem tateava pelo chão,
Sentindo-se de fato muito humilhado.
Tentando a esmo localizar seu machado
– Ele inalara o próprio hálito da morte
E perdera a força até para respirar.
Por apenas um triz não virara comida
Devorado pela onça em seu jantar.
Mas se todo homem decide sua hora,
A de Pedro Mergello ainda haveria de chegar.
O machado enfim foi encontrado.
Então sem perder tempo, ele se embrenhou na mata.
(“O destino do homem é ele quem faz”)
Ao longe se ouvia os latidos de Baleia
Que demonstrava fúria voraz.
Pedro, insano, virara um animal
Com pouca diferença de uma fera.
Corria rumo a uma luta mortal
E nem sentia os pés sobre a terra.
Perdera a noção humana ou de quem era.
Seguindo o som que se expandia na noite,
Pedro corria veloz contra o tempo.
De repente, um abrupto silêncio
Ficou um tanto quanto agourento.
Não demorou muito e ele pôde ver
Que a onça enorme estava abaixada
Sobre a cachorrinha imobilizada e sem alento,
Sob o poder da fera, esmagada
Como o vento, Pedro avançou com seu machado,
Tendo como intento a fronte da esfomeada.
PARTE 7
A hora da fera
Ao percebê-lo, a onça tentou revidar,
Mas tombou diante do aço profano
Que em sua testa foi penetrar.
O bicho caiu num espasmo insano,
Enquanto o homem - humano tirano,
Numa atitude selvagem e inclemente
(Igual carniceiro demente e inumano),
Golpeou novamente para acabar de matar,
Pois ele ansiava socorrer sua amiga Baleia
(Quem sabe ainda estivesse a respirar?)
PARTE 8
O pranto do matador
Morrendo de dó e pesada exaustão,
O sertanejo, cheio de lágrimas no olhar,
Arfando de cansaço e dor no coração,
Ajoelhou-se no chão cheio de penar.
Constatando a morte da cachorrinha,
Mas ainda incrédulo – sem acreditar –,
Começou a chorar sem cessar,
Pois perdera sua fiel amiga querida.
Ora, Pedro nunca havia chorado por ninguém,
E eis ele ali, chorando pela cadelinha amiga.
PARTE 9
Apresentações finais
Quem serviu como fonte dessa história original,
Foi ninguém menos que o neto daquele meu ancestral.
Seu nome, José Sebastião da Silva Mergello,
Carpinteiro talentoso com o martelo
E genro de Caciano Manoel de Souza
(Um ex-jagunço infernal);
Homem que despreza cabras frouxos
(Principalmente os de sangue Mergello),
E se não vai bem, nunca diz que está mal,
Pois é macho que balança, mas não cai.
E se Pedro¹ é tão seu quanto meu ancestral,
Então José Sebastião² só podia mesmo ser o meu amado pai.
fim
Nota
¹ Não se sabe a data específica do nascimento de Pedro Mergello. No entanto, tomando-se como base sua idade aproximada por volta de seu falecimento em meados de 1943, aos cerca de 80 anos, conclui-se que ele tenha nascido por volta de 1863.
Pedro Mergello teve uma vida intensa, vindo a falecer em paz. Seu nome foi sem sombra de dúvidas, uma homenagem de seus pais, Francisco Mergello (o Chico) e Dona Ana, aos Imperadores D. Pedro I ou D. Pedro II, haja vista o nascimento de Chico Mergello ter ocorrido por volta de 1831, ano da abdicação de D. Pedro I, sendo que o Príncipe Herdeiro tinha apenas cinco anos de idade à época, portanto pouco mais velho que Chico Mergello.
Quando Pedro nasceu, D. Pedro II já reinava há mais de duas décadas e a monarquia brasileira cairia sob a República em cerca de 26 anos. No ínterim, a homenagem se estenderia também ao filho de Pedro Mergello, Sebastião Pedro (1906 –1979), meu avô.
² José Sebastião da Silva Mergello (meu pai) faleceu no último dia 08 de outubro de 2020, quatro meses e doze dias após completar 89 anos de uma vida digna e de batalha.
José Sebastião da Silva Mergello
Nascimento: 27 de maio de 1931
Local: Crato, Ceará, Brasil
Falecimento: 08 de outubro de 2020
Local: Tacaratu, Pernambuco, Brasil