Entrevista

Buscando um melhor entendimento sobre o processo de chegada e os primeiros cuidados com animais silvestres em locais onde não existem CETRAS (Centros de Triagem e Reabilitação de Animais Silvestres), entrevistamos a médica veterinária Juliana Ramos, que presta serviços ao IEF (Instituto Estadual de Florestas) do estado de Minas Gerais, em parceria com a clínica veterinária "Petstop" no município de Unaí-MG. Na clínica, os animais recebem cuidados de forma adequada para posteriormente serem levados ao CETRAS do munícipio de Patos de Minas- MG. Confira a entrevista completa!

Entrevistador: Bom dia, me chamo Matheus, sou aluno do 6º período do curso de Medicina Veterinária no UNIPAM, e hoje realizarei uma breve entrevista com a Juliana Ramos, Médica Veterinária de Animais Silvestres. Juliana, poderia nos contar um pouco mais a respeito do seu trabalho e há quanto tempo você o exerce?

Juliana: Bom dia, sim claro. O meu trabalho é como analista ambiental do IEF. Eu trabalho aqui desde 2014 e a minha função é trabalhar com processos ligados à fauna e também ao atendimento de animais silvestres.

Entrevistador: E como surgiu o seu interesse em trabalhar com animais silvestres, visto que a maioria das faculdades não disponibilizam matérias com esses animais? Quando e como foi o seu primeiro contato com eles?

Juliana: Bom, os animais silvestres sempre foi uma paixão mesmo, mas, desde a infância eu penso em trabalhar com animais. Sempre disse que queria ser médica veterinária e com o passar do tempo eu fui me interessando mais pela área de silvestres. Meu primeiro contato com os silvestres de fato foi entre o sétimo e oitavo período da graduação, que foi quando eu fiz um estágio no zoológico de Bauru durante as minhas férias, e foi lá que eu consegui realmente botar a mão no bicho e aprender mais diretamente na prática

com os animais silvestres.

Entrevistador: Houve muitas dificuldades no início? Você se recorda do caso mais "desafiador" durante esses anos de trabalho?

Juliana: Sim, sempre a gente tem muita dificuldade trabalhando com animal silvestre, tanto pelas burocracias legais que isso implica, quanto pelo manejo em si. Olha, todos os casos são sempre desafiadores. Os animais silvestres, eles não demonstram sinais clínicos, então isso acaba trazendo para a gente uma certa dificuldade no diagnóstico e no manejo em si. Aqui a gente não tendo a estrutura adequada, todos os casos acabam sendo bastante desafiadores.

Entrevistador: Juliana, hoje estou representando alguns dos meus colegas de classe, pois juntos, estamos realizando um projeto cujo objetivo principal é buscar informações sobre como geralmente funciona o resgate, onde chegam e quais são os primeiros cuidados com animais silvestres em locais onde não existem CETRAS (Centro de Triagem e Reabilitação de Animais Silvestres). Primeiro, gostaríamos de saber quem são os responsáveis por resgatar esses animais e levá-los até a clínica onde são prestados os primeiros atendimentos?

Juliana: Bom, os responsáveis por esses recolhimentos e eventuais apreensões, são os agentes da Polícia Militar Ambiental de Minas Gerais e também do Corpo de Bombeiros. Eventualmente a gente tem esse resgate ou entrega voluntária efetuada por cidadãos comuns.

Entrevistador: E qual situação é mais frequente para a chegada desses animais? Geralmente são animais vítimas de tráfico, queimadas ou são encontrados dentro do perímetro urbano?

Juliana: A situação mais frequente que a gente tem são animais traumatizados. Seja por acidente com máquina agrícola, seja por acidente com um automóvel nas rodovias. E também existe o famoso papagaio da vovó que eu costumo dizer são aqueles animais que foram adquiridos ilegalmente a algumas décadas e o seu tutor veio a falecer ou não tem mais interesse em manter o animal, e esse animal acaba sendo entregue ao Cetras ou até nós.

Entrevistador: Como funciona o processo de chegada dos animais na clínica e quais são os primeiros procedimentos realizados nos mesmos?

Juliana: Bom, depois que há o recolhimento, o corpo de bombeiros ou a Polícia Militar entra em contato conosco do IEF para avisar da situação desse animal e nós determinamos para onde ele deve ir. No momento estamos utilizando a clínica Pet Stop, que é uma grande parceira nossa, então os animais acabam indo para lá, e lá nós damos os primeiros socorros. Como o animal silvestre normalmente não tem um histórico, então não existe a parte da anamnese, nós já partimos para o exame físico e vemos o que é necessário. Se são necessários exames laboratoriais, exames de imagem, e prosseguimos com esses exames pra gente poder dar um prognóstico e assim determinar o destino desse animal.

Entrevistador: Quantas pessoas (médicos veterinários e estagiários) estão envolvidas nesse processo? Há um treinamento para cada novo colaborador que chega na clínica ou apenas algumas pessoas ficam responsáveis pelo manuseio dos animais silvestres?

Juliana: Bom, “quantas pessoas são” é difícil quantificar isso. O número de estagiários varia, então normalmente a gente não consegue determinar esse número, mas normalmente é um médico veterinário e alguns estagiários. Atualmente não há um treinamento específico para cada novo colaborador. Então o atendimento principal sempre fica mais restrito ao médico veterinário mais experiente dentro da clínica e ele repassa as informações aos estagiários. Respeitando os protocolos de segurança a gente sempre consegue que o estagiário coloque de fato a mão no bicho para poder aprender, porque é sempre também uma intenção nossa que isso aconteça.

Entrevistador: Qual a média de animais que chegam na clínica mensalmente e quais espécies surgem com mais frequência?

Juliana: Nos últimos dois anos a média de animais tem sido seis animais por mês. E as espécies mais frequentes são as espécies de aves que chamamos de Psitacídeos que são os papagaios, as maritacas e as araras.

Entrevistador: Podemos imaginar que diversas espécies já passaram pela clínica, mas temos uma curiosidade: qual foi a espécie mais "diferente" já atendida?

Juliana: Bom, todas as espécies são bastante peculiares, cada uma tem a sua particularidade. Que eu me recordo até hoje nesses sete anos, a espécie mais rara que nós atendemos até hoje, atendemos só um exemplar, foi a Cuíca. A Cuíca e um pequeno marsupial encontrado aqui no Cerrado, ela é de pequeno porte e difícil de ser encontrada.

Entrevistador: Existe uma estrutura para o recebimento de animais silvestres, visto que, outras espécies também são recebidos na clínica?

Juliana: Não, não existe uma estrutura diferenciada para o recebimento dos animais. A gente possui apenas algumas gaiolas que são exclusivas para o uso dos Silvestres, mas quando chegam animais maiores, a gente precisa utilizar outras estruturas e isso em caráter temporário.

Entrevistador: Durante a permanência desses animais na clínica, há um local onde possam ficar alojados evitando o estresse?

Juliana: A gente sempre faz esse manejo de maneira a evitar o estresse, então isso também depende da espécie que chegou. Por exemplo, quando a gente atende um veado, os cervídeos são muito sensíveis ao estresse. Então a gente procura alojar ele num lugar onde não vai haver barulho não vai haver animais domésticos por perto e isso é conforme a demanda da clínica também. É o espaço que a gente tem disponível, que com animais silvestres a gente não consegue prever quando eles vão chegar e nem condições que eles vão chegar. Então a gente tem que trabalhar com o que a gente tem no momento. Por enquanto essa é a nossa realidade.

Entrevistador: Há quanto tempo a clínica presta esses serviços em conjunto com o IEF?

Juliana: A clínica Pet Stop é parceira do IEF desde o início dos trabalhos de 2014. E o que eu sei é que a clínica também prestava esse serviço antes. Antes dessa passagem da competência do Ibama para o Estado que aconteceu em 2011, então eu sei que a clínica faz esse trabalho antes, mas não posso dizer como que era feito antes da chegada do IEF.

Entrevistador: Em casos de animais peçonhentos, qual o protocolo usado?

Juliana: Olha isso é até uma curiosidade, até hoje não recebemos nenhum animal peçonhento que necessitava cuidados, então a gente não tem um protocolo claro quanto a isso, mas sempre preconizado o uso de equipamentos de proteção individuais e também o manejo por um menor número de pessoas possíveis, apenas pessoas experientes e treinadas utilizando ganchos herpetológicos pensando nas serpentes e tomando todos os cuidados para que não aconteça nenhum tipo de acidente.

Entrevistador: Para o atendimento dos animais em geral, existem protocolos de biossegurança que devem ser seguidos?

Juliana: Bom, sim os protocolos de biossegurança são sempre muito importantes, como eu disse anteriormente. O uso de equipamentos de proteção individual é indispensável e isso varia para cada espécie, e também preconizamos a imunização de quem estiver manuseando esse animal com a vacina da raiva. Esse protocolo é bastante importante porque os animais silvestres eles têm sempre essa suspeita. A gente sempre tem que levar isso em consideração, visto que, a raiva é uma doença altamente fatal.

Entrevistador: Por fim, como funciona o processo de transferência desses animais até o CETRAS mais próximo e por quem ele é realizado?

Juliana: O transporte até o Cetras é realizado conforme o prognóstico do animal. Por exemplo, se há um animal que a gente sabe que vai ter um longo período de reabilitação até a soltura, é muito provável que esse animal vá diretamente ao Cetras assim que possível. Poucos casos nós conseguimos reabilitar até o fim e proceder à soltura.

Então a maioria das vezes esse transporte é realizado por nós funcionários do IEF. Embora seja uma competência legal da Polícia Militar de Meio Ambiente, nós prestamos esse favor aqui por questões de veículo e questões de pessoal.

Entrevistador: Encerramos assim a nossa entrevista. Gostaria de agradecer à Juliana pelo tempo cedido e pelo esclarecimentos de todas as dúvidas, com certeza essa entrevista foi de grande valia para o crescimento profissional de todos envolvidos nesse projeto, muito obrigado!

Agradecemos de forma especial à médica veterinária Juliana Ramos e ao IEF (Instituto Estadual de Florestas) do estado de Minas Gerias, pela oportunidade e pelo fornecimento de informações que agregaram valor ao projeto!