Mapas Mental para projetos

15/04/2015 - Maco Mello: "Sobrevivendo na ciencia"

Não é fácil transformar uma curiosidade em um projeto científico. Tudo começa com uma pergunta que você quer responder, mas para gerar conhecimento novo é preciso ir muito além disso. Neste post vou tratar de uma ferramenta excelente para começar com o pé direito: mapas mentais.

Após você ter uma bela sacada e decidir transformá-la em um projeto de pesquisa, é necessário definir uma pergunta de trabalho e então fazer um brainstorming. Nesse primeiro momento, você deve pensar em tudo o que tem a ver com a sacada que teve, refletindo sobre em qual grande quebra-cabeças científico ela se enquadra. Depois você tem que pensar sobre os links entre o tema central e temas correlatos, coisas que já se sabe e lacunas ainda a preencher, atualidade e importância do tema, aplicabilidade dos resultados, e por aí vai. É hora de deixar a sua imaginação voar solta, fazendo as conexões mais criativas que puder.

Depois que tiver feito esse brainstorming, inclusive junto com colegas de confiança, você precisa filtrar e organizar as suas ideias, para definir o foco do projeto. Nesse momento a técnica cognitiva conhecida como mapa mental pode te ajudar muito.

Mas, Marco, o que é um mapa mental? Simples: é um diagrama de fluxo, no qual você organiza suas ideias hierarquicamente, indo das mais gerais às mais específicas.

Há vários tipos de mapa mental. Você pode usá-los, por exemplo, para organizar os seus estudos ou sintetizar o resultado de uma sessão coletiva de discussão, dentre várias outras possibilidades.

Mapa mental de linha de pesquisa

Veja um exemplo de mapa mental abaixo. Ele representa a linha central de pesquisa do meu laboratório, ou seja, o fio condutor que une todos os projetos feitos por mim, meus alunos e meus colaboradores.

Aqui neste post, contudo, vou focar nos mapas mentais usados para organizar o “triângulo básico” de um projeto: ou seja, o núcleo formado por pergunta, hipótese e previsão. Depois vou apresentar mapas mentais para análise de dados.

Projetos que visam não apenas descrever um objeto de interesse, mas também analisar as regras de funcionamento dele, precisam ter uma estrutura lógica bem sólida. Na ciência contemporânea usamos principalmente o método hipotético-dedutivo para esse fim. Bem resumidamente, ele se baseia em contrastar expectativa e realidade, ou seja, hipóteses e dados.

Tudo começa com a pergunta de trabalho, que é o que você quer de fato saber sobre a natureza. A partir dela, você elabora uma hipótese, que é uma das possíveis respostas para essa pergunta, com base em premissas que você tira a partir da literatura, do seu conhecimento pessoal e de conversas com colegas. Presumindo que a hipótese seja mesmo uma boa resposta à pergunta de trabalho, você deriva dela uma previsão, que é algo concreto que você espera observar, uma conseqüência lógica da hipótese, caso ela explique bem a realidade. A hipótese tem um caráter teórico e abstrato, enquanto a previsão tem um caráter operacional e palpável. No fundo, o que testamos diretamente nas ciências naturais são as previsões, não as hipóteses, então as previsões são a ponte que liga a expectativa à realidade.

Esquema geral de um mapa mental de projeto

Tendo definido tudo o que foi falado acima, é hora de construir um mapa mental do seu projeto. Você precisa, pelo menos, dos seguintes elementos: (P) problema geral de interesse, (Q) pergunta de trabalho, (H) hipóteses (uma ou mais), (A) premissas que sustentam a hipótese e (Pr) previsões. Você pode organizar esses elementos como no exemplo abaixo:

Exemplo concreto de um mapa mental de projeto

Costumo usar o exemplo abaixo nas minhas aulas de método científico na UFMG. Vamos imaginar que observamos uma determina espécie de abelha visitando as flores de uma determinada espécie de planta e, com base nisso, elaboramos a seguinte pergunta:

Com base nessa pergunta, nas observações que você fez em campo e no conhecimento acumulado sobre interações entre animais e plantas, você poderia elaborar três hipóteses gerais, dentre muitas possíveis:

Por fim, caso as informações que você tenha em mãos te permitam arriscar um foco na hipótese 1, você poderia tecer algumas previsões testáveis a partir dela:

Exemplo de mapa mental de análise de dados

Você pode ainda usar um mapa mental para explicar a relação entre diferentes variáveis. Essa ferramenta é geralmente usada quando se emprega equações estruturais (SEM) ou um dos seus casos especiais (e.g., path analysis) para desemaranhar as interpretações que se deseja fazer.

Um exemplo concreto desse tipo de mapa mental é o diagrama de caminhos. Usei um diagrama desses em um artigo publicado com colegas há alguns anos (Mello et al. 2004). Nesse diagrama é possível ver como diferentes variáveis influenciam direta e indiretamente a sazonalidade reprodutiva de morcegos da espécie Carollia perspicillata:

Um outro belo exemplo, bem mais recente, é o diagrama de uma equação estrutural publicado em um artigo sobre o efeito de abelhas generalistas nativas e exóticas sobre redes de polinização (Giannini et al. 2015):

Para fazer esse tipo de análise e desenhar automaticamente diagramas de caminho, você pode, por exemplo, usar o pacote sem para R.

Como fazer um mapa mental?

Em um pedido de patrocínio (grant), geralmente as pessoas não incluem um mapa mental, apresentando as ideias apenas como texto corrido. Mas, mesmo que você não insira um mapa mental no corpo do projeto a ser submetido para agências de fomento, empresas e outras organizações, fazê-lo para você mesmo é muito importante.

Ao colocar os seus pensamentos em um diagrama, fica fácil filtrar de cara as ideias que não fazem sentido ou estão muito desconectadas da linha mestra. Um mapa mental permite também enxergar quando há excesso de ideias em um projeto, o que o torna prolixo, enfraquece o seu foco e, assim, diminui suas chances de sucesso. Examinar a estrutura lógica do seu projeto de forma gráfica também ajuda a vislumbrar hipóteses e previsões alternativas, nas quais originalmente você não tinha pensado.

Para começar a fazer mapas mentais, você pode simplesmente usar uma folha de papel grande (A3 ou maior), do tipo que os arquitetos gostam, ou então um bom quadro negro ou branco. Você provavelmente já viu cenas de filmes como “Gênio Indomável” e “A Teoria de Tudo”, em que cientistas debatem ideias uns com os outros rabiscando fluxogramas em grandes quadros negros. Isso não é costume no Brasil, infelizmente, mas é rotina em países mais avançados na ciência. Uma reunião para elaboração de um projeto ou artigo se torna muito mais produtiva, se as pessoas construírem juntas um mapa mental em um grande quadro, ao invés de ficarem apenas falando, sentadas.

Você pode também construir mapas mentais em programas de slides, como Powerpoint, Impress e Keynote, ou em programas gráficos, como Photoshop, Corel e Gimp. Se quiser fazer mapas mentais em programas especializados, que permitem inclusive colaboração e brainstorming online, além de terem funções que facilitam muito o processo de construção, recomendo experimentar o XMind, Freemind, Coggle, Wisemapping ou similares.

Conselho final

Mapas mentais podem parecer infantis à primeira vista, mas são uma poderosa ferramenta para cientistas em todos os níveis da carreira. Experimente-os!

Sugestões de leitura

Mapas Mentais Algumas notas:

Exemplo de mapa mental para iniciar um trabalho acadêmico: