Jornal O Baluarte

2024_02_Sobre as regionais e o nosso futuro

Marienses, escrevo estas palavras na sequência das eleições regionais enquanto candidato. Julgo ter algumas considerações que possam ser pertinentes para a reflexão de quem a quiser fazer. Talvez começar por observar os resultados e depois algumas preocupações.

Em Santa Maria, à semelhança do arquipélago, houve uma diminuição da abstenção, tendo mais 244 cidadãos votado do que em 2020. Um dado interessante é as mesas de voto reportarem uma afluência jovem maior. Julgo que estes dois indicadores são globalmente positivos.

Quanto ao resultado, assistimos a uma bipolarização, o que já era expectável pela existência da coligação e estas eleições serem uma espécie de desforra. Combinando os votos do PSD, PPM e CDS de 2020, assistimos a um aumento de 16 votos, sendo que o PS também aumentou 43 votos. Apesar de uma descida dos «socialistas» em termos percentuais, continuam a ser a força mais forte em Santa Maria. Na verdade, o cenário mariense voltou ao que era antes de 2020 (quando o PPM capitalizou o descontentamento do PSD e o BE mobilizou eleitores).

Desta feita, BE perdeu votos para o PS, devido ao apelo no voto útil «socialista», sendo a maior perda da noite, apesar de, pela primeira vez, ser a terceira força na ilha e ter o melhor resultado do partido nos Açores. O grande aumento de votos foi no CH e IL, que, segundo parece, mobilizaram os jovens e a abstenção.

É interessante que, apesar de ser um cenário de bipolarização, há mais gente a votar noutros partidos (não tantos como em 2020), num aumento de duas centenas de votos em relação a esta década e mais quatro centenas se formos andando para trás. As pessoas, por protesto ou concordância, têm abraçado novos projetos.

O grande desafio é eleger projetos alternativos por círculos eleitorais mais reduzidos, como Santa Maria, onde só a partir dos 17% começa a existir a possibilidade de eleição. Não obstante, esta conclusão tem mais de mentalidade e cultura do que de pragmatismo.

Além disso, e que particularmente afeta ilhas pequenas, está o derrotismo: se se acha que não elege, não se vota. A verdade é que 1+1 são 2, as urnas começam vazias. Votemos em quem nos revemos. Felizmente, graças ao círculo de compensação, são muito poucos os votos não aproveitados.

Muitas vezes me disseram para ir para um partido «grande», se quisesse realmente fazer algo pela minha terra. Faz algum sentido ir para um partido com ideais que não me revejo para ter a oportunidade de trabalhar pela nossa terra? Nos Açores há muita gente extremamente capaz e séria que é fiel a si própria e, por isso, se submete à frustração de partir mais pedra que o vizinho e, provavelmente, não ter resultados. Uma em cada quatro horas que estive acordado desde o início de dezembro dediquei-as à campanha, as ações e divulgações do programa. Eu e muitos outros. Fi-lo porque considero a criação de uma alternativa séria serviço público – é fácil falar no café ou no sofá, difícil é criar um programa coerente, divulgá-lo e defendê-lo. Julgo ser compreensível não poder estar sempre a ser candidato «até calhar». Santa Maria fez as suas decisões e, como qualquer democrata, respeito-as.

E esta é outra grande frustração: é agora que melhoramos o presente e preparamos o futuro. As decisões tomam-se agora. Se eu aqui estou hoje, é para ter uma palavra hoje. Eu, tal como qualquer outro jovem na política, não quero ser decoração, nem espécime à espera de «ter idade». Este paternalismo só prejudica a visão de futuro que a nossa política deve ter, além da hipocrisia de vir, não raras vezes, de quem diz que os jovens não querem saber.

Como nota final, a tristeza de ver que uma força vazia de programa, ideias e, até, de caras, sem se dignar a aparecer em debates, conseguiu um resultado assinalável. Esta força com jargões inconsequentes, como se viu nos últimos três anos, apenas mobiliza aquele ódio cego que temos dentro de nós – muitas vezes com a cobardia de atacar aqueles que vemos como já sendo mais frágeis, virando-nos uns contra os outros, sem vermos o real problema. Olhemos para a política construtivamente, por muito que dela estejamos desiludidos. É que, muitas vezes, quem berra a dizer que é antissistema é o pior que ele tem – além de que há alternativas que o são de facto e com proposta de mudança.

Apelo à preservação da memória mariense

«A escrita faz a mente preguiçosa» dizia Sócrates aos seus discípulos, mas a verdade é que só através dela conseguimos preservar o conhecimento para as gerações futuras. Com base nesta ideia, Carl Sagan afirmou «os livros dão a prova de que os Homens conseguem fazer magia».

É justamente por considerar de extrema importância a preservação da memória coletiva que faço este apelo de forma a haver um esforço no sentido de criar e manter um local digital que sirva de arquivo para histórias, informações e análises, históricas ou contemporâneas. Não nos podemos esquecer que é por via de contributos e esforços individuais que conseguimos atingir este objetivo.

Desta forma, uma mobilização de pessoas com reconhecido trabalho na divulgação histórica, mas também de quem queira contribuir em torno de um site democrático, apoiado pela Câmara Municipal, poderá ser um projeto de enorme riqueza e importância.

Façamos um depósito do património histórico, pessoal, cultural e intelectual mariense.

Abstenção: o caso mariense

Política. Trata-se de uma palavra com origens gregas que parece deixar os nossos cidadãos gregos ao ponto de terem horror às urnas. Por isso vou-me precaver e afirmar: se se preocupa com o tema, mas não está com especial vontade em aprofundar, resumo desde já a conclusão, infelizmente óbvia: a abstenção em Santa Maria é um grave problema cada vez mais vincado, no entanto tem uma solução simples - ir votar!

 

Para aqueles com interesse tal para despender o seu tempo a ler a análise de um leigo, o meu obrigado e desejo de bom proveito.

 

Com vista a conseguir ter uma mais organizada e intuitiva perspetiva sobre o tema dispus-me a construir um gráfico com o número de abstencionistas e eleitores inscritos em cada uma das eleições realizadas após o 25 de abril.[1]

 

Antes mesmo de analisar o resultado final da infografia algo se destacou quando o elaborava: o número de eleitores nos anos setenta está abaixo do que eu esperava, uma vez que correspondem a um valor oscilante entre 4237 (1979) e 4766 (1976), enquanto que o Instituto Nacional de Estatística aponta, em 1981, para os 6500[2], sendo que desde 1960 a população veio a diminuir[3]. Ainda pensei que se poderia tratar do facto de que estavam a ser contabilizados indivíduos que não são residentes, estando de passagem laboral pela ilha, contudo estes dados são provenientes dos censos, pelo são contabilizados os residentes. Se alguém tem uma justificação gostaria de a ouvir, porque não consegui chegar a nenhuma conclusão.

 

Passando uma vista de olhos rápida percebe-se que a abstenção está a aumentar, o que se pode traduzir como um desentusiasmo democrático. Só as eleições autárquicas no nosso passado mais recente quebram a norma dos recordes absolutos da abstenção nos vários momentos eleitorais.

 

Conclusões que se podem inferir aplicando regressões lineares:

- As eleições com maior abstenção tendem a coincidir com aquelas cujo epicentro é geograficamente mais afastado (por ordem decrescente: europeias, presidenciais, legislativas nacionais, legislativas regionais e autárquicas).

- Só a partir dos anos 90 é que esta tendência se manifesta, antes, por ordem decrescente de abstenção, as eleições podiam ser assim organizadas: europeias, autárquicas, presidenciais, regionais e nacionais.

 

Quando comparamos a taxa de abstenção de Vila do Porto com os restantes municípios nas várias eleições percebemos que só não fomos campeões nas eleições autárquicas (mas ficámos no pódio). A abstenção é um fenómeno enraizado na ilha. Nas tabelas pode-se analisar os vários lugares ocupados no ranking[4], devendo ter-se em conta que existem 308 concelhos a nível nacional e 19 na região

 

Contudo, existem exceções visíveis, aliás, pelo facto da tendência não se manter inalterada desde o início. Estas exceções relacionam-se, na sua maioria, com os momentos de viragem política:

- Nas autárquicas de 1982 e 2009, com destaque para estas últimas, foram duas das que tiveram menor abstenção, tendo-se visto uma mudança de cor política na Câmara Municipal.

- Nas autárquicas de 1993 não houve alteração na cor da Câmara, mas o intervalo entre as duas principais forças foi reduzido a 500 votos.

- Nas regionais de 1980 é registada o menor valor absoluto de abstencionistas das várias regionais em Santa Maria, sendo que um terceiro partido que não os principais conseguiu eleger e ficar em segundo lugar (ambos fenómenos peripécias singulares na nossa História).

- Nas presidências de 1996 não houve uma mudança de partido do Presidente da República, mas tratou-se de uma eleição competitiva e fraturante, levando a que candidatos desistissem para apoiar outro.

 

Curiosamente não parece existir uma maior adesão às legislativas regionais e nacionais em função da possibilidade de mudar a cor política do governo.

 

Se nas eleições regionais de 2016 tivesse a abstenção se traduzido em lugares vazios, neste momento só teríamos um deputado (2 lugares vazios) pelo círculo de Santa Maria. Com esta perspetiva simulei o nosso hipotético hemiciclo regional com lugares vazios: dos 57 assentos só 22 seriam ocupados. Para além do PS (11) e PSD (8), CDU (1), PPM (1) e CDS-PP (1) estariam representados, no entanto este último só o seria devido ao círculo de compensação (onde também se teve em conta a abstenção). Só o Corvo não teria lugares vazios.

 

A boa notícia é que a abstenção tem um teto que não pode passar: os 100%. A parte negativa é que isso significa que perdemos o poder enquanto povo e, portanto, a democracia. Mais do que obrigar os cidadãos a votar é necessário essencialmente desburocratizar o voto à distância e

 

Afinal de constas, «O Homem é, naturalmente, um animal político» (Aristóteles), não é?

 

Pedro Gaspar Amaral

(petergasparamaral@gmail.com)

 

Todos os grafismos apresentados são da autoria do autor.


[1] Os dados podem ser consultados em http://eleicoesapp.azores.gov.pt/.

[2] Valor acessível em https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_publicacoes&PUBLICACOESpub_boui=65587858&PUBLICACOESmodo=2.

[3] Conclusão retirada da análise de https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_publicacoes&PUBLICACOESpub_boui=66632414&PUBLICACOESmodo=2 e https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_publicacoes&PUBLICACOESpub_boui=72846651&PUBLICACOESmodo=2.

[4] Dados acessíveis em https://www.pordata.pt/Subtema/Municipios/Assembleias+Legislativas+Regionais-258.