A Paz Estável
Kenneth Boulding
Tradução
Waltensir Dutra
Título Original: Stable Peace
Copyright 1978
Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.
Este livro resultou de um curso que proferi como professor visitante da Cátedra "Tom Slick" de Paz Mundial, na Escola de Assuntos Públicos Lyndon B. Johnson, na Universidade de Texas, em Austin, em 1976-77. Os primeiros quatro capítulos são, essencialmente, constituídos de quatro conferências que fiz na primavera de 1977. O quinto capítulo teve origem num seminário de pesquisa da paz, por mim promovido no outono de 1976. Num sentido mais amplo, é claro que o livro é consequência de quarenta anos de reflexões e escritos sobre a paz e a guerra, mas acredito que ele não se teria cristalizado se não fosse pelo período bastante agradável que passei como professor da cátedra "Tom Slick". Tive um ou dois contatos com Tom Slick em fins da década de 1950 e princípios da década de 1960, quando ambos nos interessávamos pelos problemas da pesquisa da paz. Não posso assegurar que ele teria concordado com este pequeno volume, mas gostaria de considerá-lo como um tributo à sua memória. Era um homem extraordinário, de quem o Texas muito se deve orgulhar.
Este livro procura responder à pergunta: "Se tivéssemos uma política em favor de uma paz estável, como seria ela?" Até agora, a paz foi considerada como um ideal utópico ou como alguma coisa semelhante ao tempo, sobre o qual não temos controle. As necessidades desesperadas da era nuclear nos estão forçando a levá-la a sério, como um objeto de política tanto pessoal quanto nacional. Uma política, porém, exige uma teoria na qual apoiar-se. Não podemos, por exemplo, ter uma política de desemprego sem alguma forma de teoria de desemprego. O livro começa, portanto, com uma teoria, breve e simples, dos sistemas de guerra e paz, em termos de um modelo de tensão, força (resistência à tensão) e hiatos, isto é, a transição seja da paz para a guerra, ou da guerra para a paz. A isso dou o nome de modelo do giz - um pedaço de giz se rompe quando a tensão é demasiado forte para a sua força. A diferença entre a paz e a guerra é definida principalmente em termos da linha de tabu - a linha que divide o que podemos fazer, mas nos abstemos de fazer, daquilo que podemos fazer e realmente fazemos. Na paz, nos abstemos de fazer grande número de coisas fisicamente possíveis que praticamos na guerra, como bombardear cidades ou invadir territórios.
As variáveis dos sistemas de guerra-paz, em particular o sistema internacional, podem ser classificadas, de modo geral, segundo o modo pelo qual contribuem seja para a tensão ou para a força do sistema. O capítulo 1 trata da natureza desses sistemas; o capítulo 2, da sua dinâmica. O conceito de "causas da guerra" é rejeitado e vemos os sistemas de guerra-paz como multicausais, sujeitos a fortes influências fortuitas e a descontinuidades muito acentuadas nos pontos de ruptura. O capítulo 3, sobre a justiça da paz, é dedicado a uma variável extremamente importante, especial, que afeta tanto a tensão como a força: a percepção da justiça do sistema em determinados momentos e lugares.
Além das fases particulares do sistema de guerra e paz, que se distinguem claramente, há também as fases gerais, em particular a guerra estável, a guerra instável, a paz instável e a paz estável. A paz estável é o objeto da política de paz. É uma fase do sistema na qual a força é bem maior do que a tensão, de modo que os movimentos inevitavelmente cíclicos e fortuitos dentro do sistema não nos levam nunca além do limite, e para a guerra. Há um movimento histórico longo, penoso, lento, mas muito persistente, da guerra estável para a guerra instável, desta para a paz instável e a paz estável. O principal objetivo da política de paz é apressar a transição, através da decisão consciente.
Os sistemas de previsão desse tipo são extremamente difíceis, devido à acentuada importância dos fatores fortuitos e das descontinuidades inidentificáveis. Felizmente, a política não exige predição. Exige simplesmente modificações nos parâmetros do sistema que tornam a paz mais provável e a guerra menos provável. No capítulo 4 são sugeridos vários tipos de política com esse objetivo: 1) uma declaração da intenção de adotar uma política de paz e a criação de organizações dentro de um Governo, para colocá-la em prática e acompanhá-la; 2) o desenvolvimento da Iniciativa Gradativa e Recíproca na Redução de Tensão (IGRRT), proposta pelo Professor Charles Osgood; 3) o desenvolvimento de estratégias e organizações para a modificação não-violenta e a resistência às modificações indesejadas; 4) a criação de organizações governamentais internacionais adequadas; 5) o estímulo de organizações não-governamentais internacionais adequadas; 6) o estímulo e desenvolvimento de pesquisa em toda a área da paz e administração do conflito, inclusive o estudo do impacto da política em áreas como desenvolvimento populacional, distribuição e assim por diante que possam afetar o sucesso da política de paz. Concluímos com um capítulo sobre o estado atual da pesquisa para a paz e sugestões para o seu aperfeiçoamento.
Este livro não propõe utopias nem certezas. O problema da política de paz é considerado não sob o ângulo do sucesso imediato e certo, mas da introdução de uma tendência no sistema que o leve à paz estável a um ritmo mais rápido. A política é como a agricultura social: assim como o agricultor ao mesmo tempo coopera com o ecossistema da fazenda, e o deforma, no interesse de certos valores humanos, assim também o elaborador de uma política deve cooperar com a dinâmica geral da sociedade, e deformá-la também. A política de paz aqui proposta é prática e realizável. É importante reconhecer, porém, que ela não está sendo praticada e que as políticas hoje adotadas são muito mais perigosas para a raça humana e contrárias aos valores humanos do que as políticas aqui propostas.
Paz é uma palavra de tantos significados que hesitamos em utilizá-la, com medo de sermos mal-compreendidos. Quando, por exemplo, criamos o Centro de Pesquisas sobre Resolução de Conflitos, na Universidade de Michigan, em 1956, nós o concebemos como um centro para pesquisas de paz, mas deliberadamente evitamos o uso da palavra "paz" no seu nome, devido aos mal-entendidos que poderia provocar. O conceito de paz tem aspectos ao mesmo tempo positivos e negativos. Do lado positivo, a paz significa uma condição de boa administração, resolução ordenada do conflito, harmonia associada a relações maduras, gentileza e amor. Do lado negativo, é considerada a ausência de agitação, tensão, como a ausência de alguma coisa conflito e guerra.
Esses aspectos contrastantes do conceito refletem-se igualmente numa certa ambiguidade em relação à avaliação da paz. Como todos os outros aspectos da vida, nossa avaliação da paz, ou de sua negação, depende do quanto temos. Há uma lei universal de utilidade marginal decrescente, segundo a qual toda virtude se torna um vício quando excessiva, e que nossa avaliação de qualquer bem tende a diminuir na proporção em que sua quantidade aumenta. Todos nós apreciamos a tranquilidade de uma calma noite de verão, ou uma paisagem de Constable. Mas como diz W. S. Gilbert: "Há beleza no bramido da explosão/ Há grandeza no rugir do vendaval."[1] A tranquilidade ganha parte de seu encanto do contraste com a tempestade que a antecedeu.
Uma avaliação negativa da paz reflete-se em certas conotações de palavras como pacificar, pacificação e apaziguamento, todas elas derivadas da palavra latina que significa paz (pax, pacis). Pacificar é acalmar um comportamento infantil. Há uma geração, era costume quase universal colocar na boca de uma criança, quando chorava um objeto que se chamava, em inglês, pacifier (pacificador).[2] Tenho certeza de que isso continua sendo feito em muitos lugares. A pacificação pode ser facilmente sinônimo de impiedosa repressão militar. O apaziguamento goza de má reputação desde Neville Chamberlain e o suposto apaziguamento de Hitler. Numa série ainda mais negativa de valores, a paz é equiparada à morte. Afinal de contas, escrevemos "descansa em paz" em túmulos, embora se diga que W. C. Fields queria colocar em seu túmulo: "Em geral, eu preferia estar em Filadélfia." A paz do vazio, de se criar um deserto e dar-lhe o nome de paz (Tácito), a paz de espírito que é o alheamento em relação à realidade, a paz do transe catatônico, têm muito em comum com a paz da morte. Não é de surpreender que essas formas negativas de paz nos pareçam suspeitas. A raça humana atribui, com frequência, um alto valor à luta, ao conflito, à agitação, à excitação. Identificamos vigor com pressão, com triunfo. Nossos esportes ritualizam o valor de lutar no que chamei de uma dialética ritual, na qual a vitória é valorizada por si mesma. O maior inimigo da paz talvez seja a ideia de que ela é monótona.
Por outro lado, há uma grande avaliação do conceito positivo de paz, considerada como um talento no controle do conflito e desenvolvimento de uma ordem mais ampla do que a existência de grupos em guerra. O inverso desse tipo de paz é, então, considerado como um estado evidentemente patológico de alguma forma de guerra. A guerra, ou a "não-paz", envolve a incapacidade de controlar o conflito, com um certo custo para ambas as partes. Envolve uma dialética disruptiva, confusão desnecessária, querelas infantis, imaturidade da forma política. A paz, nesse sentido mais amplo, mais positivo, é perfeitamente coerente com o conflito e a excitação, o debate e o diálogo, o drama e a confrontação. Mas nos oferece um ambiente dentro do qual esses processos não escapam ao controle, e se tornam patológicos, causando mais problemas do que sendo úteis. Nesse sentido da palavra, a paz é apenas uma das flechas finais do tempo no progresso evolucionário, um produto crescente do desenvolvimento e do aprendizado humanos. Essa interpretação se aproxima de um sentido religioso da palavra paz, o sentido em que São Francisco reza: "Faze de mim um instrumento de tua paz", ou Dante escreve: "em Sua vontade está a nossa paz."
Em todas as grandes religiões há também um conceito transcendental de paz. É particularmente forte no Cristianismo, com o "Dou- vos a minha paz, não a que o mundo deu", de Jesus,[3] e a "paz de Deus, que está acima de todo entendimento"[4]. Talvez haja um pouco desse espírito no conceito do nirvana, no Budismo, que porém se assemelha, por vezes, perigosamente à paz da morte. Uma "paz acima de todo entendimento" talvez constitua um difícil objeto de pesquisa, mas há muita coisa na experiência humana, indicando que há um significado nisso, e que se traduz no comportamento dos mártires e daqueles que sofreram pela sua fé com resignação e com um perdão tranquilo.
Embora esse conceito mais amplo, transcendente, de paz, esteja presente em grande parte da sua angustiada busca em toda a história humana, é a paz num sentido mais estreito que se compreende mais facilmente, que é mais suscetível de pesquisa específica, e mais suscetível também de ser objeto de recomendações de medidas práticas. No que se segue, portanto, pretendo concentrar-me principalmente no conceito da paz como a ausência da guerra. Não se trata de um conceito tão negativo quanto poderia parecer à primeira vista, pois podemos considerar tanto a paz quanto a guerra como fases, ou condições, alternativas da relação entre entidades sociais, particularmente as entidades políticas. A relação entre quaisquer duas entidades sociais — sejam indivíduos, famílias, igrejas, tribos, empresas, Estados-nações, províncias e até mesmo regiões — pode habitualmente ser identificada e sua posição descrita numa escala que tem a paz num extremo e a embora guerra no outro. Quando o fazemos, vemos que haver possa uns poucos casos duvidosos no meio — onde não há exatamente paz, nem há exatamente guerra — verificamos também que há um número predominante de casos nos extremos da escala - seja o da paz ou o da guerra.
Em certas instituições sociais a condição de paz é tão esmagadoramente comum que é difícil pensarmos em guerra. A maioria das famílias, por exemplo, vivem em paz com as famílias vizinhas. Podem discutir e litigar, mas, ainda assim, continuarão em paz. Por vezes, porém, relações entre famílias se agravam e chegam ao que poderíamos chamar de guerra, como nos casos da vendetta e das rivalidades tradicionais entre famílias. Os McCoy e os Hatfield tiveram, tradicionalmente, uma relação que merecia, sem dúvida, o nome de guerra entre famílias. As empresas comerciais, por exemplo, estão quase que universalmente em paz entre si. Houve momentos ocasionais da História quando, por exemplo, a Companhia das Índias Orientais estava em guerra com companhias semelhantes de outros países, mas nesse caso a empresa age como um Estado político. Também as igrejas raramente entram em guerra mútua, embora não seja raro que um Estado entre em guerra com uma Igreja, como nas perseguições aos primeiros cristãos e, na verdade, em todas as fases iniciais de religiões. Há, é claro, guerras religiosas, mas estas ocorrem principalmente quando a Igreja se alia à política, embora por vezes não seja fácil dizer onde termina a Igreja e começa o Estado.
A guerra é muito mais comum entre organizações políticas do que entre qualquer outro tipo de organização social. Na verdade, por vezes se tem a impressão de que para as organizações políticas a guerra é quase a norma — a paz, é a exceção. Bandos, tribos, cidades-Estado, nações e impérios estão, muito frequentemente, em guerra entre si. Não obstante, mesmo nesse caso há uma condição de paz e, se perguntarmos a historiadores especializados num período se o país A estava em paz ou em guerra com o país B, numa determinada data, eles em geral podem dar uma resposta. Haverá casos ambíguos, como o início do envolvimento dos Estados Unidos no Vietnã, a atividade dos guerrilheiros, a guerra fria e assim por diante. Geralmente, porém, a guerra evidencia um padrão de comportamento muito diferente do comportamento em condições de paz. Frequentemente, a transição da paz para a guerra é indicada por um ritual, como a declaração de guerra, e a transição da guerra para a paz é marcada por um armistício ou tratado. Hoje em dia, esses atos rituais se estão tornando menos comuns, devido aos processos de ilegalização da guerra no mundo moderno. Uma guerra não-declarada, porém, pode ser tão facilmente identificada quanto a guerra declarada. Por vezes é um pouco difícil localizar o momento exato da transição, mas em geral ele pode ser fixado num intervalo de tempo relativamente curto.
Tanto a guerra como a paz são estados de um sistema, definíveis de maneira positiva, e cada qual com uma série característica de propriedades. Nenhum deles é simplesmente a ausência do outro. Da mesma forma, estar dormindo e estar acordado são dois estados diferentes, com comportamentos e propriedades descritivas diferentes. Nenhum deles é simplesmente o oposto do outro. Também nesse caso pode haver certos estados de transição, como estar semiacordado, mas estes são mais ou menos raros: a maioria das pessoas pode identificar os momentos em que, digamos, nas últimas 24 horas, estavam acordadas ou dormindo. Nesse sentido, portanto, tanto a guerra como a paz podem ser consideradas como estados alternativos do sistema mais amplo da inter-relação do que se poderia chamar de partes em guerra. O padrão total de relação poderia, dentro de uma perspectiva temporal, ser chamado de sistema guerra-paz.
O sistema guerra-paz é, com frequência, confundido com a estrutura de conflito e não-conflito. Essa relação é ilustrada na Figura 1. As atividades humanas podem ser divididas em atividades conflituais e atividades não-conflituais. Também nesse caso pode haver um terreno intermediário, no qual haja dúvidas quanto à classificação, mas todos os grupos importantes são imprecisos. O não-conflito inclui coisas como comer, beber, dormir, trabalhar, procriar, ler, aprender, caminhar, viajar, etc. Constitui, de longe, a maior proporção das atividades da raça humana. As atividades de conflito são aquelas nas quais temos consciência de que o aumento de nosso bem-estar diminui o dos outros, ou um aumento no bem-estar dos outros pode diminuir o nosso.[5]
Figura 1. A estrutura de conflito e não-conflito
Assim, o conflito é uma situação de redistribuição, na qual há ganho para alguns e perda para outros. A distinção entre guerra e paz não é exatamente a mesma entre conflito e não-conflito. Todo não- conflito é paz, mas o conflito pode ser dividido em guerra e paz, dependendo da natureza dos tabus em causa. Em conflitos pacíficos, os tabus de cada parte impõem limites rígidos aos danos que ela pode causar à outra parte. Nos jogos, por exemplo, é raro que uma parte envenene a outra. Em eleições democráticas, também, frequentemente não há violência física de um partido ou candidato contra o outro. Se ela ocorre, a situação se está transformando de paz em guerra. Na guerra internacional, por sua vez, não há praticamente limites à violência que uma parte pode impor à outra, e quase todos os tabus foram eliminados. Podemos resumir as relações, dizendo que toda guerra envolve conflito, certos conflitos são pacíficos e que toda situação de não-conflito é pacífica.
Devemos, agora, formar em nossa mente uma imagem do sistema mundial total que estamos estudando. Os estudos de guerra e paz tendem a concentrar-se tanto em episódios particulares que não é fácil se ter uma ideia do quadro geral. Imaginemos, então, um mapa do mundo, bastante grande para que cada um dos 4 bilhões de seres humanos possa ser representado por um ponto. Esse mapa terá de ser de cerca de 1,5km por 3km! Podemos colorir os pontos segundo o grau em que cada pessoa se dedica a atos reais de violência num determinado dia. Os pontos representando pessoas que matam, bombardeiam, destroem, etc., terão a cor vermelha viva. Podemos, em seguida, atribuir o rosa aos pontos que representam pessoas que se preparam para a violência potencial, embora não a estejam praticando naquele dia. Isso incluirá as forças armadas do mundo e as indústrias de guerra a elas associadas. Também pode incluir bandidos, criminosos e polícia, em proporções variáveis. Talvez pudéssemos colorir de laranja os pontos que representam pessoas dedicadas ao conflito não-violento: organizadores, manifestantes, advogados, funcionários da justiça, árbitros, negociadores de todos os tipos, etc. E o restante dos pontos representavam as pessoas empenhadas em atividades não-conflituais, e poderiam ser coloridos de azul. Nesse grupo está a vasta massa da raça humana que se dedica à educação, manufatura, viagem e numerosas atividades de lazer, e assim por diante. Suponhamos agora que esse mapa grande seja reduzido, de modo que os pontos individuais já não são perceptíveis, mas se combinam num todo colorido havendo algumas áreas talvez em vermelho-vivo e indo até os vários tons de azul. Suponhamos ainda mapas semelhantes, transparentes, para cada dia da história humana, e os coloquemos na ordem correta dos dias, de modo a termos um enorme cuboide transparente. Teremos então uma imagem da violência humana, tal como se distribui no tempo e no espaço. Nesse mapa tridimensional, a guerra surgirá como um cilindro irregular vermelho ou arroxeado, algo semelhante a um verme, percorrendo a dimensão temporal através de um corte transversal variável ou sequência de mapas.
Se tomarmos então qualquer área desse mapa e a seguirmos através do tempo, em nossa carta tridimensional, poderemos encontrar quatro configurações. Primeiro teremos períodos nos quais o mapa é sempre vermelho, ou pelo menos roxo-avermelhado, onde a guerra é praticamente incessante. Os pontos em vermelho-vivo — as batalhas, os bombardeios aéreos, etc. — serão na verdade bastante raros, mas haverá períodos nos quais a cor geral será o roxo-avermelhado. Segundo, podemos encontrar outros períodos nos quais o verme do tempo é listrado, com períodos alternados de guerra e paz relativa. No mapa, essas listras ou faixas terão as cores roxo-avermelhada e roxo-azulada. Em certos casos, os períodos de guerra podem predominar. É a isso que dou o nome de guerra instável, a situação na qual a guerra considerada como a norma, mas interrompida por períodos de relativa paz. As proporções reais da guerra e da paz não constituem, necessariamente, um índice seguro dessa condição, embora exista sem dúvida uma tendência para que uma situação de guerra instável provoque períodos com uma maior proporção de momentos de guerra. O problema crítico, no caso, é ser a paz ou a guerra considerada como norma.
Podemos encontrar uma terceira condição, também listrada, mas na qual os períodos de paz foram mais prolongados, e que se poderia descrever como a paz instável. É a condição na qual a paz é considerada como a norma, e a guerra, como o colapso da paz, que será restabelecida com o término da guerra. E finalmente podemos encontrar períodos de uma paz estável, de um azul bastante firme, embora com um leve tom arroxeado, se houver preparativos organizados para uma guerra que nunca ocorre. A paz estável é uma situação na qual a probabilidade de guerra é tão pequena que não entra, realmente, nos cálculos de qualquer pessoa envolvida.
Para tornar o nosso mapa do mundo mais de acordo com a imensa complexidade da realidade, devemos indicar o caráter das inter-relações entre os pontos que representam os quatro bilhões de seres humanos. Essas inter-relações são, é claro, de muitos tipos: há delas uma enorme rede que, junto com a produção e o consumo respeitantes a cada pessoa, constitui a estrutura básica da vida econômica. Encontramos relações conflituais, sejam pacíficas ou belicosas; encontramos relações de comunicações, instruções, ordens e ideias, obras de arte ou literatura, telegramas, cartas e livros, ordens do dia. Encontraremos comunicações do passado na forma de registros escritos e artefatos que surgem através da dimensão temporal de nosso cuboide transparente. Encontramos padrões de redes - por exemplo, padrões hierárquicos na rede de comunicações se assemelham a um sistema de raízes, partindo do alto da hierarquia e descendo através de camadas sucessivas. E encontraremos grupos íntimos nos quais todos os membros se comunicam diretamente.
Podemos colorir essas linhas entre os pontos tal como os colorimos: azul para as relações não-conflituais, indo de roxo-azulado até roxo-avermelhado, até róseo e vermelho-vivo, à medida que as relações passam através do conflito pacífico até a guerra. Poderíamos até mesmo denotar a intensidade das relações pela espessura das linhas. Terminamos com um mapa do mundo com uma vasta teia de linhas vermelhas, azuis e. roxas. Muitos dos pontos vermelhos terão linhas azuis ligando-os, como por exemplo os membros do mesmo exército, e linhas vermelhas os ligarão com os membros de outros exércitos. Para os períodos antigos, as linhas se combinarão em grande número de teias isoladas. Há mil anos atrás, por exemplo, veremos redes isoladas nos Andes, no México, na Europa, na Índia, no Japão, etc. Ao avançarmos no tempo, as linhas de ligação aumentarão com o número de pontos, até termos hoje uma rede que cubra todo o mundo, embora certas partes sejam mais densas do que outras.
À medida que o mundo se torna mais interligado, também a guerra se torna mais interligada. Há mil anos atrás uma guerra nas Américas não teria nenhuma ligação com uma guerra na Índia ou na Europa. Essas guerras representariam sistemas independentes, embora pudessem seguir mais ou menos o padrão geral, simplesmente porque são parte da raça humana. Há 200 anos atrás, as guerras na América estavam intimamente ligadas às guerras na Europa, embora houvesse provavelmente guerras na África central não ligadas à Europa. Até mesmo hoje, a violência na Irlanda do Norte pouco tem a ver com a violência em Chipre ou no Líbano, se bem que existam leves linhas de ligação entre tais lugares. Trata-se de um sistema de uma complexidade tão grande que tendemos a cair em duas armadilhas opostas em relação a ele: ou levantamos as mãos desesperados, abandonando todas as tentativas de compreendê-lo e retornamos ao conhecimento folclórico, superstição e mito, ou tentamos uma simplificação tão drástica, como fazem os marxistas e com frequência também os responsáveis pelas decisões, que nosso mapa mental do sistema se torna impreciso e nos leva a erros sérios.
Ao tentarmos descrever o sistema com maior exatidão, temos de reconhecer que cada um desses quatro bilhões de pontos é um ser humano individual de complexidade imensa, e temos de procurar descrever o que é relevante ao problema da guerra e paz. Os pontos azuis e os pontos vermelhos serão semelhantes sob muitos aspectos importantes, diferentes sob outros aspectos, mas temos de perguntar a nós mesmos: qual a diferença essencial entre um grupo guerreiro e um grupo não-guerreiro? A resposta básica a essa pergunta parece encontrar-se na natureza do sistema de tabus das partes em questão. Toda pessoa, em qualquer momento do tempo, tem uma variedade de comportamentos e ações possíveis. A variedade de comportamentos fisicamente possíveis é bastante grande: podemos subir ao telhado e pular dali, ou mergulhar a faca da cozinha no coração de nosso companheiro de jantar. Nem mesmo consideramos tais possibilidades porque estão além do que poderíamos chamar da linha de tabu, isto é, são coisas que poderiam ser feitas fisicamente, mas que estão além de nossa barreira psicológica. Mas, do ponto de vista da parte em guerra, a transição da paz para a guerra é, sobretudo, uma transição na posição da linha de tabu. Há toda uma gama de ações que são tabus na paz, mas que não o são na guerra.
Portanto, na descrição do sistema de tabus, a autoimagem das partes em questão é da maior importância. Ela determina seu comportamento e, em particular, os seus tabus: o que as pessoas não fazem é tão importante quanto o que fazem. Assim, a Ford Motor Company pode estar sofrendo uma concorrência séria da General Motors, mas, se alguma vez ocorreu aos seus diretores assassinar os diretores da General Motors e fazer explodir sua fábrica, é muito pouco provável que tal pensamento tivesse sido ventilado numa reunião da diretoria, simplesmente porque a autoimagem da Ford Motor Company não permite esse tipo de comportamento, embora seja fisicamente possível. As autoimagens modificam-se sob pressão, é claro, e igualmente se apagam e modificam sob a falta de tensão. Maridos e mulheres, por exemplo, brigam com frequência, com frequência se fazem mutuamente infelizes, mas o assassinato de um deles pelo outro é bastante raro (embora seja um dos tipos mais comuns de assassinato) simplesmente porque em geral a autoimagem que cada um deles tem de si mesmo não inclui o tipo do assassino. Ocasionalmente, porém, a pressão chega ao ponto em que a autoimagem cruza aquela barreira terrível, a linha dos tabus avança, e o consequente comportamento torna-se, tragicamente, possível.
No caso dos Estados-nações, a autoimagem do Estado como um causador potencial de guerra é tão comum que chega quase a ser universal, embora existam exceções interessantes nas áreas que podem ser consideradas como de paz estável. Assim, na autoimagem dos Estados Unidos, nas mentes de seus responsáveis pelas decisões, a ideia de uma invasão militar do Canadá está tão distante do horizonte mental a ponto de ser quase, embora não totalmente, inexistente, e o mesmo se aplica aos responsáveis pelas decisões canadenses. Nesse caso, as imagens nacionais são mutuamente compatíveis, a fronteira é desarmada e a probabilidade de guerra extremamente baixa. O mesmo se poderia dizer das relações entre os Estados Unidos e a Grã- Bretanha, pelo menos a partir de um certo ponto do século XIX. Lembro-me de que, quando jovem, em meados da década de 1930, numa conferência sobre agricultura, próximo de Londres, foi apresentada a pergunta sobre se a Grã-Bretanha deveria procurar ser mais autossuficiente em alimentos, à luz de uma possível guerra futura, que na época pairava sobre o horizonte. Recordo-me da voz cansada de um alto funcionário, dizendo: "Se estivermos em guerra com a América, não podemos obter nossa comida; se não estivermos em guerra com a América, podemos conseguir nossa comida. Jamais estaremos em guerra com a América e, portanto, por que não mudamos de assunto?" Foi uma revelação notável, pelo menos para mim, o fato de que o governo britânico tinha de si mesmo uma imagem na qual a probabilidade de guerra com os Estados Unidos era nula.
A relação estável de paz não é a mesma coisa que ter uma língua comum, uma religião comum, uma cultura comum e até mesmo interesses comuns. A língua comum e a cultura semelhante da Grã- Bretanha e dos Estados Unidos sem dúvida não evitaram a Guerra de 1812, ou a Revolução Americana. A língua, cultura e religião comuns dos países de fala espanhola da América Latina, por exemplo, jamais impediram que eles se guerreassem entre si, e na verdade suas guerras foram singularmente sangrentas.[6] Semelhanças e diferenças não constituem garantia de paz, embora não sejam irrelevantes e devam ser consideradas como parte do quadro mais amplo. As únicas garantias de paz são as autoimagens compatíveis. Estas surgiram, ao que se suspeita, em grande parte por acaso, embora ocasionalmente por uma série quase subconsciente de políticas.
Um problema, no caso, e como iremos ver mais detalhadamente adiante, é que cada parte de uma relação tende a criar a autoimagem da outra num processo de aprendizado mútuo muito complexo. Em proporções desalentadoras, cada parte numa relação mútua é criação de seus inimigos. De certa forma, Napoleão criou Bismarck, Bismarck criou Clemenceau, Clemenceau criou Hitler, Hitler criou o Pentágono, Stalin criou a CIA. Talvez uma razão para a recomendação bíblica de amar os nossos inimigos é que eles nos fazem. Uma das perguntas críticas é: o que pode romper esse ciclo? É um verdadeiro enigma. Surge a tentação de se formular uma espécie de lei de entropia social, segundo a qual a ordem natural das coisas é, para tudo, ir de mal a pior. Loucura, ilusão e má vontade de uma parte provocam maior loucura, ilusão e má vontade da outra, e isso por sua vez provoca ainda maior loucura, ilusão e má vontade na primeira parte, e assim por diante, numa espiral sempre crescente, que só pode terminar em catástrofe.
No lado mais otimista, porém, parece haver outro processo em atividade, embora seja menos bem compreendido. Assemelha-se aos processos mais amplos de evolução, no qual o aprendizado progride, e o conhecimento e o know-how aumentam. Há pelo menos certas evidências, tanto da evolução biológica como da história humana, de que esses longos, lentos processos de aprendizado de habilidades, embora só possam ocorrer, por assim dizer, nas fendas do sistema, são tão persistentes que acabam predominando, apesar da tendência de uma crescente entropia social em muitas das partes estruturadas do sistema. Esse talvez seja um significado da visão poética e religiosa de que "Sua vontade é a nossa paz". É muito difícil descrever esse processo de aprendizado precisamente em termos de nosso mapa simples. Não obstante, é algo muito real. Eu estava convencido disso quando, em meio ao episódio de Watergate, aconteceu-me ir ver Macbeth. Ocorreu-me que Macbeth era Watergate, mil anos antes, e mil anos mais sangrento, e que nesse intervalo houve um processo de aprendizado social e político.
Uma das fontes de esperança é precisamente o fato de que além de um certo limiar a guerra tende a alternar com a paz. Essas transições são bastante nítidas. Os Estados Unidos estavam em guerra com o Japão em 1944; não estão em guerra com o Japão, agora. Nem estão em guerra com a União Soviética, apesar dos sérios conflitos entre eles. Uma guerra fria é paz, e não guerra, embora possa não ser uma paz de qualidade muito alta e possa ser instável. Dois países em paz podem espionar-se, impor várias restrições, tarifas sobre seus produtos mútuos, praticar uma corrida armamentista, preparar planos para a destruição mútua, mas, enquanto estiverem em paz, não colocam tais planos em execução. Na paz há, realmente, certos tabus: países não bombardeiam cidades de outros países, não invadem outros países; embora possam concentrar forças armadas nas fronteiras, não atravessam tais fronteiras; não afundam navios. Na guerra, esses tabus são eliminados. A transição da paz para a guerra é um movimento agudo e descontínuo da linha de tabus, isto é, o limite que divide as coisas que a autoimagem permite que se façam, das coisas que não permite.
Mesmo na guerra, perdura ainda alguma coisa da linha de tabus. Há leis de guerra que são observadas com frequência, em relação ao tratamento de prisioneiros, o uso de certas armas, etc. Na Segunda Guerra Mundial, por exemplo, nenhum dos beligerantes usou o gás venenoso, embora dele dispusesse. Esses tabus, porém, são precários e especialmente sob a tensão de uma derrota iminente, é fácil a sua eliminação, para permitir práticas antes não permitidas. Podemos observar isso se contrastarmos as guerras do século XVIII com as do século XX. Em geral, as primeiras foram travadas por semiprofissionais, soldados de classes inferiores, dirigidos por generais e estadistas profissionais de classes superiores, e a destruição foi limitada, com frequência, por tabus observados por ambas as partes. Nas guerras do século XX, esses tabus desapareceram em grande parte, havendo uma matança generalizada de civis. Parte disso talvez se deva ao aparecimento de armas pouco familiares, em relação às quais não se haviam ainda criado tabus. E parte também à fragilidade essencial dos tabus nas próprias situações bélicas.
Um aspecto da realidade que é difícil incluir em nosso mapa, mas que é de grande importância, em particular nas decisões que levam a uma transição da guerra para a paz, ou da paz para a guerra, é a estrutura da tomada de decisão e do poder. Alguns dos seres humanos em nosso mapa têm, evidentemente, muito mais poder do que outros, no sentido de que suas decisões afetam a condição e comportamento de grande número de outros. Isso tem muito a ver com a natureza da estrutura hierárquica e a estrutura das comunicações. Pessoas poderosas tendem a situar-se no alto das hierarquias e ter, a partir daí complexas estruturas de comunicações. Há o mito de que a guerra é uma atividade de toda a nação e que toda a nação resolve fazer a transição da paz para a guerra, ou da guerra para a paz. Isso, porém, não é muito exato, devido à concentração de poder político. Em todas as nações, mesmo nas sociedades democráticas, o poder de decisão em relação à guerra e à paz está altamente concentrado, embora seja sempre modificado, até certo ponto, pelo medo das possíveis consequências para os responsáveis pelas decisões. Nas sociedades monárquicas, os monarcas têm, é claro, o poder de declarar guerra e fazer a paz, embora tal poder possa ser limitado pelo medo que têm das consequências dessas decisões, seja para si mesmo ou sua família, colaboradores, amigos ou mesmo para todo o país, em relação ao qual podem sentir uma certa responsabilidade de direção. As proporções nas quais o Presidente Johnson pôde envolver os Estados Unidos numa guerra no Vietnã, sem qualquer declaração formal pelo Congresso, sugere que, pelo menos em relação ao sistema internacional, os Estados Unidos se assemelham muito mais a uma monarquia do que se pensa habitualmente. E mais uma vez o princípio de que a imagem de um país é criada pelos seus inimigos parece aplicar-se, pois os poderes do presidente dos Estados Unidos sem dúvida excedem os de George III à época da Revolução Americana! É uma ironia que a Revolução Americana pareça ter produzido uma sociedade muito mais monárquica nos Estados Unidos do que na Grã-Bretanha, que em 1776 era uma oligarquia limitada e nos 200 anos que se seguiram avançou um pouco no sentido de uma oligarquia menos limitada.
Infelizmente, é difícil deduzir princípios gerais sobre a descrição e classificação das transições da paz para a guerra, ou da guerra para a paz, porque são o que poderíamos chamar de decisões liminares, sendo sempre muito difícil dizer o que determina o limiar. Antes da deflagração da guerra, há quase inevitavelmente um período de crescente tensão. Pode haver exceções a isso, nas guerras de surpresa cuidadosamente planejadas, quando as intenções do agressor são mantidas em segredo até o momento mesmo do ataque, mas isso é raro. Podemos considerar o período de pré-guerra como uma fase na qual a probabilidade de guerra aumenta gradualmente, até que um dia os dados dizem "guerra" e a decisão fatal é tomada. Há um forte elemento fortuito em todo o complexo processo de decisão, especialmente a decisão por pessoas poderosas.
No sistema internacional temos, portanto, algo que se assemelha ao sistema da atmosfera da terra, no qual surgem certas probabilidades, mas o curso real do tempo depende em grande parte de circunstâncias ocasionais num determinado momento. Há uma grande resistência a essa visão do mundo, porque a raça humana parece ter uma grande intolerância pelo que é fortuito, em particular com relação a coisas que nos são próximas e importantes. É por essa razão que tendemos constantemente à superstição, que é a percepção da ordem em situações em que não há, realmente, ordem alguma. A superstição é, na realidade, uma tentativa de racionalizar o ocasional e fortuito. Isso se pode ver particularmente na superstição política, que é quase universal. Há a tendência a acreditar-se em conspirações e causas sutis econômicas, psicológicas, diabólicas, ou quaisquer outras. Parece-nos muito difícil admitir o fato de que em muitos sistemas o elemento ocasional é bastante forte.
Outro paralelo às transições da guerra para a paz, ou da paz para a guerra, pode ser estabelecido com os acidentes automobilísticos. Se temos automóveis, há uma probabilidade positiva de que em determinado período um certo número deles se venha a chocar. A guerra é uma espécie de acidente automobilístico do sistema internacional. Com uma determinada série de capacidades e motoristas, podem-se talvez estabelecer certas probabilidades, embora exista um acentuado elemento fortuito na determinação exata do momento em que, e onde, o acidente ocorre. O paralelo não é perfeito, é claro, porque no sistema internacional não há muitos automóveis, e um motorista bêbado pode provocar danos facilmente previsíveis. Mas continua sendo válido o princípio de que a busca de "significado" numa determinada guerra é, com frequência, inútil. A guerra do Vietnã é um bom exemplo. Poderíamos atribuí-la a uma série de decisões infelizes, que poderiam ter sido, todas elas, tomadas em sentido oposto. A ilusão da necessidade, porém, impõe-se com frequência ao sistema, pois nesse caso as expectativas são, com frequência, autojustificadas. Se duas nações esperam ir à guerra entre si, a probabilidade de que isso aconteça aumenta consideravelmente. Se não esperam ir à guerra, a probabilidade do conflito é reduzida proporcionalmente.
Uma complexidade adicional do sistema é a interação da dinâmica dos processos domésticos dentro das nações com a dinâmica de suas relações internacionais. A conexão é mais frouxa do que habitualmente se pensa. O sistema internacional tem, decerto, uma dinâmica própria, que com frequência é bastante independente do que ocorre dentro das respectivas nações. Raramente é verdade, por exemplo, que tenhamos uma corrida armamentista para resolver problemas internos de desemprego, ou que a guerra seja uma tentativa deliberada de criar a unidade nacional frente a alguma forma de desintegração nacional interna. É provável que fatores como esses tenham um papel ocasional, mas a noção de que tenham um papel predominante ou determinante é outro exemplo de superstição política.
A teoria de que a guerra e a paz são determinadas pelos conflitos de interesse econômico é particularmente insustentável. O padrão do interesse econômico não é fácil de descrever em nosso mapa do mundo, mas é quase certo que tenha uma forma muito diferente do padrão da guerra e da paz. O interesse econômico é uma matriz extremamente complexa, que atravessa quase todos os grupos organizados ou autoconscientes, como classes ou nações. Qualquer ação ou programa divide teoricamente a raça humana em três grupos de interesse: os que são afetados de maneira favorável, os que são afetados de maneira desfavorável e os que não são afetados. Esses três grupos, porém, em geral ultrapassam todas as unidades conscientes e raramente correspondem a uma organização, classe, nação, religião ou grupo autoconsciente.
Os grupos ocupacionais são os que se aproximam mais dos grupos de interesse, e deles o mais significativo, do ponto de vista da guerra e da paz, são os próprios militares e a indústria bélica que os abastece. O crescimento da indústria bélica, ao ponto de tornar-se uma parte substancial das economias nacionais, e que realmente só ocorreu nos últimos cem anos, é um importante fator novo na incidência da guerra e da paz, e nas transições entre a guerra e a paz, não sendo porém fácil avaliar seu impacto. Bruce Russett, por exemplo, fez um estudo que mostrou que os gaviões no Congresso dos Estados Unidos não vêm, em geral, dos distritos e estados nos quais a indústria bélica estava localizada, e que não havia relação estatística — ou talvez uma relação negativa — entre a proporção do distrito eleitoral ou economia estadual dedicada à indústria bélica, e a belicosidade dos representantes (deputados) e senadores.[7] O efeito que poderia haver é completamente superado pelo fato de que a indústria bélica se concentra nos setores mais industrializados que tendem a produzir representantes e senadores mais sofisticados. Parece haver uma acentuada relação entre as pessoas das zonas rurais e o militarismo, talvez porque exista alguma coisa na proximidade da terra que produz uma consciência de territorialidade.
Em relação a duas nações e para qualquer período de tempo determinado, é relativamente fácil medir que proporção do tempo é gasta na guerra, e que proporção é dedicada à paz. O estudo estatístico da incidência da guerra e da paz foi feito primeiro por Lewis Richardson em seu famoso Statistics of Deadly Quarrels. As tentativas de encontrar correlações com essa incidência foram, porém, frustrantes e decepcionantes. Por exemplo, os estudos da dimensionalidade das nações, feitos pelo Professor Rudi Rummel, embora tenham usado os métodos estatísticos mais modernos, não apresentaram nenhuma correlação clara da incidência da guerra e da paz.[8] Os estudos de Vern Bullough e Raoul Naroll[9] sobre a incidência da guerra numa amostra histórica de sociedades em todo o mundo lançaram graves dúvidas sobre o velho adágio segundo o qual quem deseja a paz deve preparar-se para a guerra, pois a maioria das sociedades preparadas para a guerra parece chegar a ela, o que não é de surpreender. Por outro lado, as correlações sobre a incidência da paz são enganadoras. Os casamentos reais parecem ser úteis, mas mesmo tal relação é bastante imprecisa, e somos tentados a concluir que pelo menos no mundo dos últimos cinco mil anos, aproximadamente, a melhor maneira de ter paz é ter sorte e estar numa situação geográfica e social na qual as forças integradoras sejam mais fortes do que as desintegradoras.
Outra série de dados, bastante grande, que deveríamos realmente incluir em nosso mapa do mundo (é provável que teríamos de aumentá-lo para isso) é a localização dos estoques e itens de artefatos humanos de todos os tipos. Uma série de artefatos humanos particularmente relevantes para os problemas da guerra e paz é a dos arsenais, embora os estoques de alimentos, roupas, abrigos e meios de transporte também sejam relevantes, já que os exércitos têm de ser alimentados, vestidos, abrigados e movimentados. Esses artefatos se modificam com o tempo. As modificações técnicas nos armamentos tiveram grande impacto sobre a natureza e a incidência da guerra e da paz, embora os efeitos tenham sido, com frequência, extremamente complexos. Uma arma nova, ou uma nova forma de organização militar, como o exército de Alexandre, pode provocar a ascensão e queda eventual de impérios. Já argumentei que o alcance do míssil mortífero é uma das variáveis mais importantes que afetam o volume das partes em guerra, pois, quanto maior o alcance do míssil, maior deve ser o tamanho mínimo viável da parte em guerra.[10]
Com flechas e lanças, cidades-Estado e barões feudais eram viáveis dentro das muralhas de sua cidade ou castelo. A descoberta da pólvora, aumentando substancialmente o alcance do míssil mortífero, destruiu praticamente a viabilidade do barão feudal e da cidade-Estado, embora esta última tenha a tendência a reviver sob circunstâncias daquilo que se poderia chamar de viabilidade condicional, como Cingapura, ou Hong Kong, ou mesmo Mônaco, que uma unidade maior poderia destruir, mas que prefere não fazê-lo. O desenvolvimento do míssil dirigido dotado de ponta nuclear, porém, oferece à raça humana um problema sem precedentes, pois destruiu a viabilidade incondicional até mesmo dos maiores países. Quando o alcance do míssil mortífero chega a cerca de vinte mil quilômetros, ou metade da circunferência da Terra, é evidente que um marco fundamental foi ultrapassado e que a própria guerra já não é uma instituição viável.
Uma das vantagens de pensarmos no mundo como um grande mapa tridimensional no espaço e tempo é que isso pode contribuir para que não incorramos em duas importantes falácias. A primeira é a nossa tendência de dividir o mundo em duas, e apenas duas, partes. O pensamento dicotômico ignora sempre a multiplicidade do mundo e a complexidade extrema de suas inter-relações. Isso influi até mesmo em nosso pensamento sobre a guerra e a paz, que sem dúvida parece bastante dicotômico. A segunda falácia é nossa incapacidade de perceber as quantidades e proporções do sistema. Nossa atenção se concentra a tal ponto em coisas excepcionais, visuais e espetaculares, que tendemos a sobrestimar a sua importância. Já observamos, por exemplo, que embora a guerra e a paz sejam fases de um comportamento conflitual, o comportamento não-conflitual é de importância quantitativa muito maior. O comportamento conflitual tem, na verdade, de ser visto como uma espécie de periferia muito colorida, de uma grande massa, bastante comum, de comportamento não-conflitual. Mesmo quando dois países estão em guerra, uma grande parte do comportamento dos habitantes é totalmente desligada da guerra - dormir, comer, fazer amor, ter filhos, produzir bens civis, e assim por diante. É certo que houve um aumento na proporção da atividade da sociedade dedicada à guerra, à medida que as sociedades se tornaram mais ricas, e puderam fazê-lo. Adam Smith diz: "Entre as nações civilizadas da Europa moderna, apenas uma centésima parte dos habitantes de qualquer país pode ser empregada como soldados sem arruinar o país que arca com o ônus de seus serviços."[11] 99 10 Na Segunda Guerra Mundial, as partes em conflito dedicaram mais de 40% de seu produto nacional bruto à guerra. Mas o produto nacional bruto representa apenas uma fração do comportamento humano total - apenas um quarto e portanto, em termos de comportamento, o maior esforço de guerra na história humana não é provavelmente superior a 10% do comportamento total das partes em luta e constitui uma proporção muito menor do comportamento de toda a raça humana. Em períodos anteriores, o impacto geral da guerra foi muito menor.
No desenrolar da história humana, as probabilidades de se morrer numa guerra têm sido realmente muito pequenas. Até mesmo no beligerante século XX, o número total de mortes humanas deve ter sido de cerca de 1,5 a 2 bilhões. Praticamente todas as pessoas que estavam vivas em 1900 estão hoje mortas, bem como uma proporção considerável daquelas que nasceram, desde então. Todas as guerras do século XX até hoje não mataram mais do que 80 milhões de pessoas, ou cerca de 4% do número total de mortos. A proporção de mortes prematuras provocadas pela guerra seria, é claro, maior - isto é, mortes antes da velhice mas é de duvidar que fosse superior a 10%. A destruição de bens pela guerra também deve ser comparada com a depreciação que ocorre sempre. Isso é ainda mais difícil de calcular do que a proporção de mortes provocadas pela guerra, mas eu ficaria surpreso se, mesmo no século XX, a destruição dos artefatos humanos, edifícios, máquinas, bens de todos os tipos, etc. em consequência direta da guerra fosse superior a 5% da depreciação de capital. Mesmo nas sociedades adiantadas, por exemplo, o estoque total de capital é da ordem de três ou quatro anos de renda total. Isso significa que o estoque total de capital é destruído numa média de cada quatro anos, embora alguns itens sobrevivam, é claro, muito mais tempo.
As perdas devidas à guerra são de dois tipos. Há a destruição altamente visível de vida e de bens, de que temos plena consciência. Por outro lado, há os não-nascidos e o que não foi feito, isto é, seres humanos que não entram em existência devido ao declínio das taxas de natalidade provocado pela guerra, e os bens que não são criados porque os recursos foram absorvidos pela indústria bélica. Em termos do impacto da guerra sobre a população humana, o número dos que não nasceram pode ser na realidade superior ao número dos mortos, embora isso provavelmente não tenha ocorrido durante a Segunda Guerra Mundial. A quantidade de bens não-criados - isto é, casas e hospitais, fábricas e bens de consumo de todos os tipos que deixaram de ser feitos em consequência da energia dedicada à indústria bélica, tanto na paz como na guerra - excede de muito a destruição real provocada pela própria guerra. Isso é particularmente exato desde a Segunda Guerra Mundial. As guerras, nesse período, foram bastante pequenas, esporádicas e bem localizadas. O dano real que causaram é uma proporção muito pequena da produção mundial total desse período. Por outro lado, nesse mesmo período, a indústria bélica mundial representou provavelmente, em média, cerca de 6 a 10%, ou talvez mais, do produto mundial total. Somando-se isso durante trinta anos, conclui-se que a raça humana perdeu pelo menos dois anos completos, talvez mais, de seu produto total, e que poderiam ter sido dedicados a fazer com que todos ficassem mais ricos. São esses, essencialmente, os custos do sistema de dissuasão e são custos muito altos, embora a dissuasão possa provocar uma paz instável.
Podemos imaginar o mundo do passado, portanto, como um pequeno segmento de guerra-paz da atividade humana, e um segmento produtivo muito maior que plantou, colheu, fez, consumiu, desfrutou, apreciou, e assim por diante. Admito que minha terminologia seja um pouco controversa. Poder-se-ia argumentar que o segmento guerra-paz da atividade humana é a sua única parte dramática, emocionante e interessante e que o drama, emoção e interesse que desperta podem valer seu custo em vidas humanas e em bens. É um argumento que tem sido examinado a sério. O economista, porém, está sempre interessado em como obter as coisas mais baratas e, particularmente nesse caso, como obter satisfação do drama, luta, conflito, dialética, etc., a um custo menor em vidas e bens. Além disso, o nosso mundo se tem modificado. Até o presente, o segmento guerra-paz da atividade humana tem sido relativamente pequeno e não interferiu a sério no desenvolvimento humano no todo, embora isso tenha ocorrido em certos momentos e em certos lugares. Enfrentamos agora uma situação na qual o setor guerra-paz da atividade humana tende a se expandir de forma cancerosa e ameaçar ativamente o setor produtivo, ao ponto mesmo de que o drama evolucionário nesse planeta poderia chegar a um fim. O problema de se controlar o setor guerra-paz, portanto, se está tornando de importância primordial para a sobrevivência humana. Esse setor já não pode ser considerado como uma aberração menor do desenvolvimento humano, e o problema de seu controle tornou-se uma prioridade básica.
Num sistema tão complexo como o que vimos descrevendo, o conceito de causa e efeito, em qualquer sentido simples, é de valor muito duvidoso. Entre outras coisas, o sistema tem fortes elementos fortuitos, sendo apenas em parte indeterminado. Não pode ser descrito em termos simples como os da mecânica celeste. Pequenas causas por vezes provocam grandes efeitos, as grandes causas têm por vezes pequenos efeitos. O sistema está cheio de limiares e descontinuidades, e qualquer tentativa de apresentá-lo como um sistema determinado simples é uma violação da realidade. Não obstante, nem tudo é caos. Ele tem fortes estruturas não-fortuitas, bem como fortuitas, cabendo à ciência identificar as primeiras e determinar seus padrões.
Aquilo que buscamos se assemelha a uma teoria de fases. Vemos no sistema guerra-paz pelo menos duas séries de estruturas. Uma delas é a alternação da paz e guerra, cada qual representando uma fase diferente de uma relação e conglomerados alternativos, ou padrões de comportamento. Poderíamos chamá-las de fases especiais do sistema. Estamos particularmente interessados nas condições subjacentes que geram a transição, seja da paz para a guerra, ou da guerra para a paz, bem como o tipo de comportamento que caracteriza cada condição do sistema. Estamos procurando alguma coisa que poderia ser chamada de função de probabilidade de transição, com a probabilidade de transição da paz para a guerra, se o sistema estiver em paz, ou da guerra para a paz, se o sistema estiver em guerra, expressa como uma função dependente de certas outras características do sistema. Também procuramos categorias úteis dessas outras características.
Além das fases especiais do sistema de guerra e paz, temos também, como dissemos no capítulo anterior, fases gerais — descritivas da possibilidade, ou distribuição geral, de guerra e de paz no sistema — que poderiam ser descritas como guerra estável, guerra instável, paz instável e paz estável. Buscamos também características e descrições do sistema que contribuam para determinar em qual dessas fases gerais ele se encontrará.
É possível reunir a maioria das características desses sistemas sob duas classificações gerais, que poderíamos chamar de tensão e força. Sob a denominação de tensão colocamos os elementos do sistema particularmente suscetíveis de conduzir à modificação de fase - nesse caso da paz para a guerra, ou da guerra para a paz. Talvez não seja possível atribuir uma medida global exata à tensão, pois é um grupo de fatores mais ou menos heterogêneos. Não obstante, ela é uma propriedade do sistema, claramente passível de estimativa qualitativa e de que podemos falar em termos ordinais de "mais" ou de "menos".
Da mesma forma, há uma série de propriedades dos sistemas sociais que se poderiam identificar como força, sendo força a capacidade de resistir ao tipo de rompimento que ocorre sob a tensão. Compreende coisas como a natureza das estruturas integrativas, o grau de senso de comunidade, as proporções nas quais as pessoas se sentem boas ou más umas para com as outras, e assim por diante. A medida da força do sistema é o grau de tensão que pode suportar, mas, como a medida da tensão é o grau em que ela pode superar a força, é difícil ter medidas independentes dessas características. Vemos isso, por exemplo, no problema de engenharia da força dos materiais. Ela se mede habitualmente aplicando diferentes graus de tensão a materiais e vendo quando se rompem. Mas isso exige uma medida independente de tensão em termos de metros/quilos, ou algo semelhante. Sem isso, jamais saberíamos se o material rompeu-se porque a força era pouca, ou a tensão demasiada.
Devemos admitir que nos sistemas sociais é difícil encontrar medidas independentes de força e tensão, embora os conceitos tenham um significado claro. Isso leva a perturbadoras dificuldades de interpretação. Devemos esclarecer aqui um ponto semântico. Uso a palavra "força" não no sentido frequente de capacidade de criar tensão por meio da violência, por exemplo, mas em termos da capacidade de resistência à tensão. São dois significados muito diferentes da palavra. Infelizmente, parece-me difícil encontrar outra palavra. É curioso como o nosso vocabulário é ambivalente quanto a isso. Até mesmo a palavra "duro" tem dois significados: o de ser muito resistente à tensão ou, num sentido humano, capaz de criar uma tensão, como na expressão "um sujeito duro". Pode haver alguma significação profunda nessa ambiguidade semântica, mas não é meu objetivo examinar se há forças subconscientes e psicanalíticas profundas e subjacentes às ambiguidades da língua. Essa ambiguidade, porém, criou dificuldades reais nas reflexões sobre esses problemas. No que se segue, portanto, usarei a palavra "força" no sentido de resistência à tensão, a menos que indique claramente que também me refiro à sua segunda acepção.
Há outra ambiguidade no uso da palavra "força" nos sistemas de guerra-paz. A transição da paz para a guerra ocorre quando a tensão no sistema de paz é demasiado grande para a sua "força de paz". A transição da guerra para a paz ocorre quando a tensão no sistema de guerra é demasiado grande para a sua "força de guerra" - significando isso, novamente, não a capacidade de qualquer das partes de travar a guerra, mas a força do sistema total de manter a guerra, que habitualmente depende da disposição de uma das partes de buscar a paz. A força de guerra, nesse sentido, talvez possa ser considerada como a recíproca da força de paz, pois, quando uma sobe, a outra desce. Não são, porém, simplesmente o inverso uma da outra, pois as condições que levam a resistência à transição da paz para a guerra são, sob muitos aspectos, diferentes daquelas que levam a resistência à transição da guerra para a paz. Para simplificar a exposição, porém, ignoro essa diferença, pois não modifica a configuração básica do modelo.
O modelo da tensão-força-ruptura tem ampla aplicabilidade. Se quebro um pedaço de giz, é porque a tensão foi demasiado grande para a força do material. Se uma ponte ou um edifício desaba, o mesmo modelo pode ser aplicado. Se um casamento se dissolve em divórcio, também nesse caso se aplica o modelo: a tensão sobre a relação foi demasiado grande para a sua força. O princípio também poderia ser aplicado ao colapso de uma relação trabalhista, com a consequente greve, o colapso de uma comunidade que leva ao motim ou guerra civil, e, da mesma forma, o colapso de uma condição de paz entre dois países, e que leva a uma condição de guerra.
Em sistemas de guerra-paz, dos quais o sistema internacional é, decerto, o mais destacado, o modelo de tensão-força-ruptura tem dois níveis de aplicação. Pode aplicar-se, como iremos ver mais adiante, às transições nas fases gerais do sistema - por exemplo, de paz instável para a paz estável. É também útil para explicar o processo de transição entre as fases especiais, isto é, da paz para a guerra e da guerra para a paz, em condições de guerra instável ou de paz instável.
Podemos pensar, aqui, em termos da tensão sobre os principais responsáveis pelas decisões do sistema, aqueles que têm o poder de declarar guerra ou negociar um armistício e fazer a paz. Nem sempre é fácil identificar tais pessoas, pois há diferenças sutis entre poder e influência, e a decisão de quem ocupa uma posição de poder formal na hierarquia, como um monarca ou primeiro-ministro, é sempre influenciada pelas comunicações recebidas daqueles que o cercam, e de outras fontes de informação, como telegramas de diplomatas, comunicações com a imprensa, e assim por diante. Em condições de paz, observamos com frequência um aumento das tensões e um comportamento tenso da parte de adversários potenciais, que parecem ameaçadores. O aumento da tensão é quase sempre mútuo e, na realidade, é autogerador, pois um aumento na tensão de uma parte tende a produzir um comportamento que aumenta a tensão da outra, até ultrapassar certo tipo de limiar da força no sistema e seja tomada a decisão fatídica de ir à guerra, mobilizar um exército na fronteira, invadir, ou dar outro passo irreparável que precipita passos semelhantes da outra parte, e a transição da paz para a guerra se efetua.
A transição da guerra para a paz tem certas semelhanças com a transição da paz para a guerra, mas há também diferenças importantes. Voltando à metáfora do giz, quebrar um pedaço de giz é uma operação um pouco diferente de colar os dois pedaços, e por isso não é de espantar que existam certas assimetrias entre a transição paz-guerra e a transição guerra-paz. Também há semelhanças nas duas transições, do ponto de vista do responsável individual e poderoso pela decisão. Também nesse caso podemos visualizar o padrão guerra-paz como aquele em que a tensão do próprio sistema de guerra aumenta e se torna intolerável, até que uma das duas partes não se dispõe mais a continuar a luta e inicia comunicações que levam a um cessar-fogo, a alguma forma de cessação das hostilidades, um armistício e, finalmente, à paz. O iniciador desses atos é habitualmente considerado como o derrotado. Se suas gestões são aceitas, o vencedor provavelmente estará em posição de fazer a paz dentro de suas condições. Devido à grande incompreensão da dinâmica social, por parte de quase todos os poderosos responsáveis pelas decisões, ocorre com frequência que o perdedor da guerra acaba ficando em melhores condições do que o vencedor, durante uma ou duas gerações. Mas o importante no momento da transição da guerra para a paz é que a tensão sobre o responsável pela decisão, de um lado ou do outro, supera a força do sistema bélico e a disposição de continuar a guerra.
Do ponto de vista do sistema como um todo, a transição da guerra para a paz também representa um aumento na força do sistema, considerada como uma estrutura integrativa. Isso pode surgir simplesmente do cansaço com a guerra, o sentimento talvez inconsciente, de um lado ou de outro ou de ambos, de que a guerra simplesmente não vale o custo e que ambas as partes estariam melhores se chegassem a um entendimento e colaborassem entre si. A menos que isso aconteça, o sistema continuará na fase de guerra e se tornará um sistema de guerra estável, fato esse que não é desconhecido na história humana.
Podemos expressar essas mudanças de fase da guerra para a paz e vice-versa pela Figura 2, onde mostramos o ciclo de guerra-paz. Medimos no caso a força do sistema horizontalmente, sem nos preocuparmos, a essa altura, em defini-la muito exatamente, e medimos a tensão sobre o sistema verticalmente. Qualquer ponto do diagrama representa uma combinação particular de força e tensão. Postulamos então um limite da fase OA, que divide o campo em uma fase de guerra e uma fase de paz. Na Figura 2, estabelecemos esse limite a partir da origem, supondo que, com forças muito pequenas, mesmo uma tensão muito pequena levará o sistema da paz para a guerra. O limite não precisa ser uma linha reta, mas parece provável que seja razoavelmente linear. A linha interrompida mostra, então, um ciclo guerra-paz. Suponhamos que partimos do ponto B em que o sistema está em paz, com uma força de OH e uma tensão de HB. Suponhamos agora que a tensão se eleve, devido a uma dinâmica interacional do sistema ou mesmo devido a modificações fortuitas, e que muitos dos fatores que criam a tensão também diminuem a força. O sistema passa de B para C e atravessamos o limite da fase, chegando à guerra. A essa altura, há a possibilidade de uma aguda descontinuidade: a tensão aumentará muito rapidamente sob o colapso dos tabus, a incidência de atrocidades, etc. A força do sistema provavelmente declinará a D. À medida que a guerra se desenvolve, a tensão sobre o sistema pode continuar a crescer, mas a força subjacente de paz aumentará mais depressa à medida que perde a sua legitimidade, os militares se desacreditam e as pressões pela paz aumentam. No ponto E, atravessamos novamente a fronteira da fase para a paz. Também nesse caso haverá, provavelmente, uma acentuada descontinuidade, uma súbita redução de tensão, talvez mesmo um aumento da força. A medida que a paz se prolonga, porém, a força do sistema declina velhas hostilidades se reafirmam, surge o revanchismo, há um descontentamento crescente com as condições de paz, particularmente, talvez, por parte do derrotado, mas também da parte do vencedor, pois a vitória na guerra é sempre decepcionante. Assim, a força do sistema declina gradualmente ao ponto B, onde todo o ciclo recomeça novamente. O ciclo jamais se repete exatamente da mesma maneira, é claro.
Figura 2. O Ciclo guerra-paz
É possível ao ciclo colocar-se totalmente de um lado ou de outro do limite das fases. Isso se vê na Figura 3. Se a tensão sobre o sistema for muito grande e a força for muito pequena, teremos a guerra estável, como no ciclo BCDE. Partimos, digamos, de B, um ponto de tensão razoavelmente baixa, mas a tensão se eleva e a força cai para C. Pode haver então certo cansaço com a guerra. Mesmo que a tensão continue a subir, a força aumenta um pouco para D. A tensão pode mesmo cair enquanto a força aumenta para E. Mas nunca atravessamos a fronteira da paz. A força então declina junto com a tensão, e descemos novamente para B. Em qualquer sistema de paz estável (mostrado no ciclo B'C'D'E'), partindo de B' a força do sistema declina e a tensão sobe para C'. À medida, porém, que nos aproximamos da fronteira, as partes se tornam muito conscientes disso, e preocupam-se com o problema, tomando medidas para aumentar a força do sistema, de modo a aumentá-la, e ela sobe para D'. Então a tensão diminui ante uma força crescente de E', a força diminui com uma tensão crescente para B' e o ciclo começa novamente. Como o ciclo nunca realmente atravessa o limite da fase, há a possibilidade de haver menor descontinuidade. Se há um aumento secular continuado na força do sistema, independente da tensão — como resultado, digamos, de um aumento de comunicações, maior união política, maior senso de comunidade — o ciclo se movimenta num tipo de espiral, como na Figura 4, de guerra estável através de guerra instável, até a paz instável e a paz estável.
Em escala um pouco maior, o modelo tensão-força-ruptura se pode aplicar às transições do sistema em geral entre as quatro fases delineadas acima — guerra estável, guerra instável, paz instável e paz estável. A ruptura pode não ser um acontecimento dramático, pode mesmo passar despercebida na época por qualquer das partes, e pode ser difícil dizer quando a transição real ocorreu. Representa, porém, uma transição de um sistema geral de relações de guerra-paz para outro sistema geral.
Também podemos representar esse modelo por um diagrama de fases, como na Figura 5. Com alta tensão e baixa força, temos uma guerra estável, com um limite de fase AB entre guerra estável e guerra instável. Da mesma forma, com alta força e baixa tensão, temos uma paz estável, com um limite de fase CD entre ela e a paz instável. Há um limite impreciso entre a guerra instável e a paz instável, EF. Se partirmos de uma posição de guerra estável em H, poderemos chegar à paz estável em K por uma simples diminuição de tensão, sem qualquer aumento na força do sistema. Poderíamos também partir de He passar à paz estável em L por um simples aumento de força, sem uma diminuição de tensão. A trajetória mais provável seria uma linha irregular como HM, com uma diminuição de tensão proporcional ao aumento de força.
A América do Norte, nos últimos 200 anos, é uma interessante ilustração desse tipo de processo. O desenvolvimento de uma paz estável entre os Estados Unidos e o Canadá pode ter relação com o fato de que ambos se estavam expandindo num enorme território, o que reduziu a tensão entre eles. Por outro lado, o aumento na força do sistema de relações em termos de um processo de aprendizado político, o desenvolvimento de uma comunidade, e assim por diante, é um fator a ser considerado. É claro que a partir de, digamos, 1776, até pouco depois de 1812, o sistema geral de relações entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha e suas colônias, como o Canadá, era de paz instável. Essa paz instável transformou-se em guerra em 1812. Não chegou à guerra em 1844 ("54-40 ou luta"), nem se transformou em guerra durante a Guerra Civil Americana, quando os ingleses quase intervieram, mas isso porque a tensão nas relações não chegou ao ponto em que teria superado a força. O sistema, porém, continuou sendo de paz instável até quase certamente depois da Guerra Civil Americana, no sentido de que a tensão poderia ter sido demasiado grande para a força do sistema e a guerra entre a Grã-Bretanha e os Estados Unidos teria um certo grau de probabilidade nos três primeiros quartéis, digamos, do século XIX. Depois da Guerra Civil Americana, porém, essa probabilidade diminuiu tanto que a certa altura — é difícil dizer quando exatamente, talvez entre 1875 e 1890 — era tão reduzida a ponto de podermos dizer que o sistema havia feito a transição de paz instável para paz estável. Depois desse ponto, a probabilidade de guerra entre a Grã-Bretanha e os Estados Unidos não passou a fazer parte, a sério, dos cálculos militares ou políticos de nenhum dos dois países.
O mesmo é provavelmente certo quanto à relação entre os Estados Unidos e o México, pouco depois de 1848, embora seja um pouco difícil de dizer quando. Durante a Guerra Civil Mexicana (1910- 1919), houve uma intervenção, embora não um estado de guerra formal entre os Estados Unidos e o México, mas se a tensão tivesse sido um pouco maior, não é impossível que a guerra pudesse ter irrompido. Depois de 1919, porém, o virtual desarmamento da fronteira, e realmente um nível muito baixo de armamentos do México, criaram uma situação na qual a probabilidade de guerra, novamente, era tão reduzida que virtualmente não poderia ser levada em conta numa relação internacional.
Figura 3. Os ciclos da paz estável e da guerra estável
Figura 4. O movimento da guerra estável para a paz estável
Vemos um movimento semelhante na Escandinávia, a partir talvez do século XVIII, mas sem dúvida perceptível após 1815. A imagem que a Suécia tem de si mesma, de um país neutro, tornou muito reduzida a probabilidade de sua intervenção mesmo na Dinamarca, quando esse país estava em guerra com a Alemanha. A separação pacífica entre a Noruega e a Suécia em 1905 foi um marco na história ocidental. Houve uma probabilidade positiva de que isso resultasse em guerra civil se o grupo beligerante na Suécia fosse mais forte, mas a longa tradição de neutralidade do país e a fraqueza relativa do grupo belicoso, talvez porque essa neutralidade havia sido acompanhada de um desenvolvimento econômico muito bem sucedido nos 50 anos anteriores, fizeram com que a tensão do sistema não chegasse ao ponto de superar a força. Não houve guerra, e sem dúvida ambas as partes se beneficiaram com a separação.
Na Europa Ocidental vimos um aumento substancial na força do sistema internacional desde a Segunda Guerra Mundial, com o desenvolvimento do Mercado Comum. No momento, sem dúvida, a probabilidade de guerra entre, digamos, a França e a República Federal da Alemanha parece tão baixa que poderíamos dizer que elas fizeram a transição de uma paz instável para uma paz estável. A relação entre os Estados Unidos e a União Soviética é mais dúbia, mas mesmo nesse caso podemos ver, no movimento em direção à détente, um certo movimento na direção da paz estável. Ainda é muito cedo para se dizer que esta tenha sido alcançada. Na verdade, suspeita-se que não terá sido realmente atingida a menos que exista um desarmamento substancial e efetivo, especialmente da fronteira europeia. Parece-me que as relações entre os Estados Unidos e a União Soviética são mais ou menos semelhantes às que predominavam entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, aproximadamente em, digamos, 1850. A probabilidade de guerra é bastante baixa, mas não é insignificante, e uma tensão suficiente sobre o sistema nos poderia empurrar por sobre o para- peito. Mas a transição para a paz estável não é, de forma alguma, inconcebível. Com uma combinação de boa sorte e boa orientação, seríamos capazes de fazer isso.
As transições entre outras fases do sistema são mais difíceis de identificar, e talvez não sejam tão importantes quanto a transição final para a paz estável. Poderíamos dizer, por exemplo, que a situação no Oriente Médio, a partir de 1948, foi de guerra instável e não de paz instável isto é, num certo sentido a guerra foi considerada como a norma, devido ao alto nível de hostilidade das partes envolvidas, e, embora tenha havido intervalos de paz bastante longos, estes tendem a ser usados para os preparativos para a próxima guerra. O sistema vem oscilando em torno do ponto de rompimento, no caso tanto da paz como da guerra, não sendo de surpreender, portanto, que tenha ultrapassado o limite em três ou quatro ocasiões, por ter alguém, responsável pela decisão, considerado a tensão como intolerável e dado um passo na direção da guerra. Fez também a transição da guerra para a paz, em várias ocasiões, à medida que a tensão da guerra tornou-se demasiado grande e o medo do que poderia acontecer, se a guerra continuasse, tornou-se maior do que o medo da paz. Se o sistema está agora se aproximando de uma fase de paz instável, e não de guerra instável, é um ponto discutível, embora existam indícios claros de que isso possa estar acontecendo.
Figura 5. As fases gerais de um sistema de guerra-paz
O fato de que os sistemas de guerra-paz são realmente sistemas de fase (quer isso envolva a transição imediata entre guerra e paz, quer envolva as fases mais amplas da guerra ou paz estáveis ou instáveis) significa que a discussão das causas da guerra é quase universalmente insatisfatória. Somos tentados a dizer, com ressalvas menores, que todo o conceito de causas da guerra é inútil, e que a tentativa de encontrar essas causas, que deu origem a uma grande literatura pouco compensadora, é tão fútil quanto se tentar encontrar uma causa para o êxito de uma operação de jogo. A guerra e a paz são parte da vasta dança de Shiva do universo, em que tudo tem causas múltiplas e efeitos múltiplos, na qual a tentativa de identificar a causa única de alguma coisa está destinada ao fracasso. Voltando ao pedaço de giz, rompeu-se ele porque a tensão era demasiada ou porque a força era insuficiente? No sentido literal, é uma pergunta quase que sem sentido. O giz rompeu-se porque a tensão era demasiado grande para a força existente.
Se, porém, estivermos começando a falar de uma política para o futuro (por exemplo, decisões que levarão a não quebrar o giz no futuro), certamente haverá sentido em se saber se deve ser aumentada a força ou reduzida a tensão. Eu poderia pegar um pedaço de giz e não quebrá-lo, simplesmente não colocando demasiada tensão nele. Por outro lado, é muito difícil aumentar a força do giz. Se o fizermos forte demais, ele provavelmente não escreverá no quadro-negro. Com uma barra de aço no meio, ele arranhará o quadro-negro. Se o colocarmos num envoltório de madeira, continuará a gastar-se e ainda assim não escreverá no quadro. É óbvio que para termos uma política de não quebrar o giz ela certamente deverá ser dirigida para a redução da tensão, e não para o aumento da força. Questões semelhantes podem ser formuladas sobre qualquer política social, mas é surpreendente como esse tipo de pergunta é raro. Tendemos a supor, por exemplo, que a única maneira de lidar com o crime é aumentar a polícia. Acreditamos que isso aumenta a força do sistema e sua capacidade de resistir à tensão imposta pelos criminosos. Mas raramente perguntamos se um aumento da polícia não aumentará também a tensão, bem como a força, ou se podemos fazer alguma coisa para diminuir a tensão em termos de intervenção direta na subcultura do criminoso em potencial.
É muito importante, portanto, tentar estabelecer as dimensões, tanto da tensão como da força, em todas as relações sociais, em especial na relação guerra-paz. Isso não é fácil de ser feito. As dimensões são numerosas e com frequência intimamente relacionadas entre si, sendo portanto difícil dizer se um aumento em uma delas não pode ser compensado por uma redução na outra. Podemos postular, teoricamente, uma função de tensão na qual a tensão é escrita como uma função de grande número de variáveis relevantes. Podemos igualmente postular uma função de força. Isso não nos levará muito longe, se não pudermos identificar as variáveis das funções e as relações entre elas. A lista que se segue é muito experimental. O campo exige ainda muita pesquisa. Cada um desses grupos de variáveis relevantes para a tensão ou a força pode ser dividido em duas categorias amplas. Uma poderia chamar-se variáveis estruturais, que descrevem a estrutura e a configuração geral do sistema; a outra, as variáveis dinâmicas, que criam um aumento ou decréscimo de tensões e forças. É uma divisão imprecisa: as duas categorias se sobrepõem parcialmente, mas trata- se apenas de uma maneira de organizar nosso pensamento sobre o problema.
Examinando primeiro, portanto, as variáveis estruturais do sistema de tensão, temos as imagens do passado, em particular a lembrança das guerras, injustiças e opressões passadas. Quando elas são fortes, o sistema tem uma elevada tensão estrutural. Vemos isso, por exemplo, em tensões antigas e tradicionais como as existentes entre franceses e alemães nos últimos 150 anos, entre protestantes e católicos em Ulster, gregos e turcos em Chipre, muçulmanos e cristãos no Líbano, muçulmanos e hindus na Índia — a lista pode, infelizmente, ser multiplicada, pois é difícil encontrar uma única parte do mundo na qual imagens do passado, desse tipo, não tenham sido perpetuadas. Com demasiada frequência, elas são reforçadas por novas explosões de hostilidade e repressão. Essas imagens de erros antigos se desgastam — embora de forma lenta, infelizmente — quando se passa o tempo sem que sejam reforçadas, mas o provável é um reforço periódico, contínuo. Se as modificações na ideologia ou no sistema moral podem abrandar tais lembranças e imagens, é uma questão importante, embora infelizmente difícil de ser respondida. Poderia prevalecer uma ideologia de esquecer Álamo, e esquecer as centenas de Álamos na história humana? Então o presente poderia ser liberado de sua escravização iníqua ao passado. Não podemos ser demasiado otimistas a respeito disso.
Outra variável estrutural importante que reflete tensão é o grau de profissionalização do conflito, tal como representado, por exemplo, nas forças armadas organizadas, forças policiais, a Máfia, movimentos missionários competitivos, sindicatos de patrões e operários, advogados. Há, quanto a isso, um grande dilema social. A existência de tensão e a existência de probabilidades positivas de um colapso que leve a um conflito aberto devem produzir inevitavelmente a profissionalização de pessoas cuja função primordial é enfrentar o conflito, quando ele ocorre. O êxito profissional dessas pessoas, porém, depende do conflito e elas têm um interesse profissional em mantê-lo, pelo menos no nível que exija os seus serviços. Em compensação, há uma certa ética profissional e política, e os lutadores profissionais não devem promover, eles próprios, lutas. O impacto dessa ética não é, de forma alguma, desprezível. Um exemplo disso é o lento crescimento do controle dos militares pelos civis. Essa tendência, embora com frequência ainda precária, é significativa na história humana e tem uma influência modificadora.
Isso não equivale a dizer que as guerras sejam sempre mais prováveis quando os militares controlam uma sociedade. Por vezes isso é verdade, mas, outras vezes, não. Não há muitas provas de que os Estados nos quais os militares estão subordinados a um poder civil sejam muito menos beligerantes e exista menor possibilidade de que venham a provocar guerras do que os Estados governados pelos militares. É mais ou menos certo que, ocasionalmente, foram provocadas guerras pelos militares - em busca de aventura e justificação para a sua existência ou pelos fabricantes de armas, procurando expandir seu comércio, mas não é certo que isso constitua um fator importante na incidência da guerra e da paz, em geral. Esse problema não se limita de forma alguma ao sistema guerra-paz. Infelizmente, é do interesse econômico dos médicos promover a doença; dos dentistas, a cárie, dos advogados, o litígio; e dos professores, a educação, sempre acima de um ponto ótimo. O impacto da ética profissional nesses casos, porém, é claramente perceptível. Na realidade, os médicos promovem a saúde pública, os dentistas promovem a fluorização, os advogados podem ser proscritos se promoverem o litígio em certas circunstâncias, embora eu confesse não conhecer nenhum exemplo de um professor que tenha enfrentado problemas por ter promovido educação demais.
Outro padrão estrutural da sociedade que pode afetar a tensão no sistema guerra-paz é a estrutura política, em particular a forma pela qual papéis poderosos na sociedade são preenchidos e organizados. Como já vimos, as decisões sobre a paz e a guerra são habitualmente tomadas dentro de um grupo muito reduzido, por vezes na cúpula da hierarquia de uma sociedade. Por vezes tais decisões são provocadas por outras, tomadas em escalão muito inferior na hierarquia. Todo o problema de provocar as decisões no sistema é, na verdade, muito interessante. A decisão de um terrorista de assassinar um arquiduque em Sarajevo em 1914 provocou uma série de acontecimentos que levaram à Primeira Guerra Mundial. Poderíamos argumentar, é claro, que se isso não tivesse acontecido então poderia acontecer no ano seguinte a partir de algum outro incidente, já que o mecanismo estava preparado para esse resultado. A teoria do dominó, em relação a decisões poderosas, não é totalmente absurda, sendo porém extremamente difícil dizer onde estão os dominós e, se um deles deixa de cair, isso naturalmente interrompe toda a sequência. É praticamente impossível prever — ou mesmo estudar — esses não- acontecimentos, pois é muito mais fácil saber o que de fato aconteceu do que o que não aconteceu.
Outro problema é saber quais as estruturas capazes de colocar lunáticos em posições de poder. Uma personalidade psicótica como Hitler ou Amin pode criar grande tensão no sistema internacional, independentemente de quaisquer padrões de interesse ou conflito. Poderíamos presumidamente avaliar os vários processos em diferentes sociedades pelos quais as pessoas ascendem a papéis de poder, a fim de vermos como as personalidades psicóticas poderiam ser eliminadas de posições de força. É certo que as eleições, como nos Estados Unidos, constituem uma certa salvaguarda contra as personalidades psicóticas em posições de poder, devido à extraordinária publicidade que cerca os processos eleitorais. Os Estados Unidos elegeram vários patifes para a presidência, mas pelo que sei, não elegeram nunca um louco. Pessoas que se aproximam muito da psicose, como Joseph McCarthy, acabam sendo derrotadas, porque o brilho da publicidade é capaz de revelar suas tendências psicóticas antes que seja demasiado tarde. No caso de situações revolucionárias, porém, e sistemas políticos que permitem golpes, e também no caso de monarquia hereditária, as defesas contra o aparecimento de pessoas psicóticas no poder são mais fracas. A revolução é um método particularmente perigoso de levar gente ao poder, sob esse ponto de vista. Praticamente todas as revoluções colocaram pessoas psicóticas em posição de poder, fossem elas Hitler, Stalin ou Robespierre, e à luz das catastróficas políticas do Grande Salto à Frente e da Revolução Cultural, não podemos afirmar que Mao não se inclua entre elas. Uma monarquia hereditária pode produzir até mesmo defeitos genéticos se houver muito cruzamento consanguíneo, como entre os Habsburgos, embora isso pareça ter produzido mais incompetência do que psicose.
Há uma proposição a que dei o nome de teorema sombrio da ciência política — as capacidades que levam ao poder, quase invariavelmente, pessoas inadequadas ao seu exercício. Isso é particularmente certo quando a ascensão ao poder resulta de uma transformação revolucionária. Até mesmo nas democracias, o princípio não é desconhecido, embora felizmente não seja universal. O princípio de freios e contrapesos, introduzido na Constituição Americana, é uma tentativa de oferecer proteção contra o abuso de poder. Como já vimos no caso do Presidente Nixon, o sistema por vezes funciona, mesmo que imperfeitamente, e representa uma invenção social real da parte dos fundadores da república americana. A Revolução Americana parece ser, realmente, a única grande exceção ao princípio de que as revoluções colocam no poder pessoas peculiarmente inadequadas ao seu exercício, pois não foi seguida de um Napoleão ou de um Stalin. Talvez isso aconteceu por ter sido uma revolução pequena e tenha modificado poucas das instituições básicas da sociedade.
Outra das características estruturais da sociedade que podem afetar a força da paz do sistema é o ethos predominante, a ideologia, poesia, história e processos educacionais da sociedade que podem ser resumidos em seu esprit ou espírito. O espírito de uma sociedade pode ser belicoso ou pacífico, imperial ou retraído, reativo ou plácido, aristocrático ou burguês, em relação a uma ampla gama de características que, porém, tendem a reunir-se em torno do contínuo da força da paz. Como, porém, as sociedades adquirem o espírito que têm é um verdadeiro enigma. Há muitos exemplos históricos de sociedades que começaram de maneira muito semelhante, mas seguiram — ao que parece, frequentemente por acaso — caminhos que as levaram a posições muito diferentes. Pode até mesmo haver um certo movimento cíclico entre forças de paz elevada e baixa. Assim, a Suécia passou de uma sociedade militarista e imperial, com uma força de paz muito reduzida sob Gustavo Adolfo para uma sociedade retraída, pacífica, ainda mesmo no século XVIII. Isso deu excelentes resultados nos séculos XIX e XX, quando ela deixou de ser um dos países mais pobres da Europa, em 1860, para ser quase o mais rico, hoje. A Grã- Bretanha e a França, depois de séculos de militarismo e imperialismo, inclinaram-se acentuadamente na direção sueca, depois de 1945. A Alemanha tem sido notavelmente instável: devastada pela Guerra dos Trinta Anos de 1618 a 1648; relativamente pacífica e centro arquitetônico e musical da Europa no século XVIII e princípios do século XIX; imperial e militarista, de 1870 a 1945; novamente pacífica a partir de 1945. A dinâmica do esprit é misteriosa. A derrota militar, por exemplo, pode por vezes provocar um afastamento do militarismo, como parece ter acontecido na Suécia no século XVII; ou pode fortalecer esse militarismo, como aconteceu na Alemanha entre 1919 e 1945. Com frequência, um único líder carismático pode dar o tom a toda uma sociedade. É um problema que exige ainda muito maior pesquisa histórica e teórica.
Se examinarmos agora os processos dinâmicos que podem aumentar ou diminuir a tensão, o mais dramático é sem dúvida a corrida armamentista. É um processo muito familiar e sua teoria foi bem desenvolvida por Lewis Richardson, entre outros.[12] As nações aumentaram seus armamentos em tempos de paz por se sentirem inseguras com o nível existente de armamentos face a seus inimigos potenciais. Mas, quando uma nação aumenta seus armamentos, seus inimigos potenciais sentem diminuída a sua segurança e tendem a aumentar também os seus arsenais. Isso pode provocar novo aumento na primeira nação, e novos aumentos nas outras, e assim por diante, numa espiral ascendente. Esse processo pode chegar a um equilíbrio, de guerra, se as partes reagirem com menor intensidade, isto é, se o aumento de uma unidade nos armamentos de um país provocar um aumento inferior a uma unidade nos armamentos do outro.[13] Esse O equilíbrio pode ocorrer devido à crescente tensão sobre o sistema interno, provocada por um aumento nos armamentos, e o sacrifício que isso exige para o povo do país, em termos de bens e serviços.
O perigo, no caso, é que, quanto mais rica a sociedade, mais pode gastar em armas e maior a tendência, portanto, de que a corrida armamentista continue. À medida que ela prossegue, porém, pode aumentar a tensão no sistema, até levá-la à margem da guerra. Mostrei que, quanto mais numerosos os participantes de uma corrida armamentista, mais rigorosas as condições que permitem um equilíbrio e mais provável que a corrida leve à guerra. Se há uma posição de equilíbrio ou não, depende muito dos coeficientes de reatividade, isto é, do volume de aumento de armas de um país, em comparação com o aumento realizado por outro. Quanto maior o número de países envolvidos, menor deve ser esse coeficiente, para que se alcance qualquer equilíbrio.[14] Essa proposição ressalta o perigo desesperado da proliferação nuclear, pois se um grande número de países dispõe de armas nucleares, cada um deles está, por assim dizer, à mercê de qualquer um dos outros, e as probabilidades de estabilidade são muito pequenas.
Outro processo dinâmico que tem alguma coisa em comum com a corrida armamentista poderia ser chamado de corridas repressivas. Ele é particularmente característico de Estados com diferentes ideologias, cada um deles procurando subverter a ideologia do outro, como acontece por exemplo na Coréia do Norte e do Sul. Cada Estado é levado, pelo medo do outro, a políticas internas cada vez mais repressivas, e que por vezes acabam sendo derrotistas, porque produzem uma tensão interna, que por sua vez produz tensão externa nas relações internacionais. Não se pode determinar com precisão até que ponto a tensão internacional reflete a tensão interna. O senso comum sugere, sem dúvida, que esse reflexo existe em certo grau, e provavelmente se poderiam encontrar casos nos quais os governantes de nações se lançaram em aventuras no exterior, para afastar a atenção de suas deficiências internas. A pesquisa, porém, sugere que esse padrão não é necessariamente muito generalizado, e que não se trata de um elemento muito destacado na função de tensão,[15] embora maior trabalho sobre a natureza e os efeitos da tensão interna possa vir a modificar tal conclusão.
Duas fontes dinâmicas da tensão interna devem ser mencionadas. Uma delas parece mais importante nos movimentos a curto prazo: é o súbito agravamento das condições econômicas gerais, como na fase de depressão de um ciclo econômico, ou dos ciclos políticos que são o flagelo das economias planificadas centralmente. A Grande Depressão da década de 1930 foi a maior delas em épocas recentes, sendo fora de dúvida que teve certa relação com a ascensão de Hitler na Alemanha e a marcha para a Segunda Guerra Mundial. A primeira coletivização da agricultura na União Soviética, no mesmo período, embora tenha provocado um agravamento ainda mais desastroso da economia, com a perda de cinco milhões de pessoas e quase metade de seus rebanhos, não parece ter provocado maiores modificações na ideologia, embora possa ter produzido a reação de Krushev, de adotar uma posição mais pacífica. Também nesse caso a reação à adversidade é altamente imprevisível e se pode fazer na direção da paz ou do militarismo.
A segunda fonte de tensão interna ocorre a longo prazo, sendo com frequência imperceptível a curto prazo. É o relativo crescimento populacional de segmentos da sociedade, considerado como característico, seja por motivos de raça, religião, ocupação, classe, ou qualquer outro traço. A esse problema poderíamos chamar de "cruzamento externo". A migração diferencial de grupos diversos poderia ser considerada como parte do mesmo problema. Qual o papel que isso tem desempenhado na história da guerra e paz não é fácil determinar, particularmente porque os dados demográficos do passado são tão precários. Há várias áreas do mundo de hoje nas quais esse fenômeno é importante - Sri Lanka, Guiana, Fiji e até mesmo, em menores proporções, a Grã-Bretanha, a União Soviética e os Estados Unidos. Tende a surgir uma crise no ponto de pico, quando uma minoria anterior se transforma numa maioria ou, mais geralmente, quando a base demográfica de um velho grupo dominante sofre uma erosão a ponto de propiciar o aparecimento de um novo grupo dominante.
O crescimento diferencial, não só da população, mas também da riqueza e poder, é uma fonte importante de tensão no sistema internacional. Em qualquer momento, o sistema internacional tende a ter uma espécie de ordem de bicadas, como galinhas num quintal, que se reflete em formas sutis de protocolo e comportamento. Essa ordem de bicadas reflete uma certa classificação de poder, isto é, o poder de dar bicadas. Ele é função de muitas coisas, especialmente do poder econômico, mais ou menos refletido no produto nacional bruto em preços constantes, modificado pelo que denominei em outro contexto, e com uma certa crueldade, um coeficiente de desagradabilidade, intimamente relacionado com o componente imperialista ou pacífico do esprit. A desagradabilidade, porém, flutua de maneira irregular, como dissemos antes. O produto nacional bruto é capaz de longos períodos de crescimento, estagnação, declínio. A dinâmica relativa do crescimento econômico, portanto, tem um efeito profundo sobre as ordens de bicadas no sistema internacional e pode criar períodos de tensão cumulativa. Há um momento particularmente perigoso, quando uma nação alcança a outra, seja em seu PNB ou na classificação do poder de bicar. Certas guerras podem ser classificadas, histórica e experimentalmente, de guerras de equiparação. As Guerras Napoleônicas representaram a equiparação da Grã-Bretanha à França em consequência da revolução industrial britânica. A Guerra Franco- Prussiana de 1870 pode representar a equiparação da Alemanha à França. O Japão alcançou a Rússia, pelo menos no Leste da Ásia, no início do século XX. Os Estados Unidos alcançaram a Europa na Primeira Guerra Mundial, o Japão alcançou a Europa na Segunda Guerra Mundial, e os Estados Unidos ultrapassaram todos. Por outro lado, há por vezes uma ultrapassagem que resulta não em guerra, mas numa transformação pacífica em imagens e interesses nacionais. Assim, os Estados Unidos ultrapassaram a Grã-Bretanha em cerca de 1870, o que não resultou em guerra, embora a Guerra Civil Americana se tivesse aproximado disso. Quando chegamos ao grau de maturidade que reconhece ser a ordem de bicadas literalmente para as aves, e que as guerras são um método absurdamente oneroso de testá-las, essa fonte de tensão pode diminuir. É muito importante reconhecer que o interesse nacional, do qual tanto tem falado certos autores nesse campo, é uma variável do sistema, não uma constante, e que o interesse nacional é aquilo pelo que uma nação se interessa. E, na verdade, uma propriedade da imagem nacional, que se modifica constantemente. Pode ter limites objetivos em termos de bem-estar e sobrevivência, mas são em geral amplos, e dentro desses limites o interesse nacional é um fenômeno essencialmente subjetivo
Outro elemento de tensão que poderia ser incluído seja nos fatores estruturais ou nos fatores dinâmicos é a estrutura do conflito tal como é vista. A sabedoria convencional acredita que existem conflitos reais e que estes têm certo efeito na determinação do padrão das Guerras, e o acredita a tal ponto que parece quase absurdo desafiá-la, sendo na verdade difícil encontrar uma sabedoria convencional que não encerre certa verdade. A estrutura do conflito real na sociedade, porém, é tão complexa que pode haver pouca relação entre a intensidade do conflito percebido e algum tipo de estimativa objetiva dos conflitos reais na sociedade.
Como dissemos no capítulo 1, podemos dividir teoricamente a população humana em três grupos de interesse, com relação a qualquer política ou evento particular. Há os que são atingidos de forma favorável, os que são afetados de forma desfavorável e os que não são atingidos. É fácil postular essa divisão, mas é extraordinariamente difícil fazê-lo, e parece não haver dúvida de que os grupos reais de interesse na sociedade são muito diferentes daqueles que são como tal considerados. Mas só os interesses percebidos, sejam comuns ou divergentes, podem afetar o comportamento humano. Não será absurdo supor que há alguma tendência para que os interesses percebidos se inclinem para o interesse real, mas a tendência é com frequência fraca, devido à dificuldade de identificar as fontes, seja de modificação favorável ou desfavorável na condição percebida.
Os conflitos de interesse econômico são de identificação particularmente difícil, devido à complexidade ecológica do sistema social. Grupos ocupacionais como carpinteiros ou plantadores de trigo talvez sejam os que se aproximam mais de um grupo de interesse econômico, no sentido de que o aumento no preço de seu produto tenderá a beneficiar o grupo, às expensas de todos os demais, em proporções variáveis. Suspeita-se, portanto, que o conflito econômico em qualquer sentido real é uma variável muito fraca da função de tensão, embora o conflito percebido possa constituir uma variável importante. Nossas percepções são capazes de depender muito mais de percepções simbólicas e ideológicas da diferença ou ameaça do que de quaisquer interesses econômicos reais. Isso é válido para o conflito de classe bem como para o conflito nacional. Não há praticamente nenhum acontecimento que beneficie a classe operária como um todo e cause dano à classe empregadora, ou capitalista. Não há, praticamente, nenhum evento que beneficie todo o povo de um país e prejudique todo o povo de outro.
Um estudo cuidadoso do imperialismo revela uma ligação surpreendentemente fraca entre o comportamento humano e qualquer tipo de interesse real. Vários estudos deixaram muito claro que — pelo menos no século XIX — o imperialismo quase sempre prejudicou o poder imperial, ou pelo menos a maioria das pessoas nele, e as pessoas que se beneficiaram do poder imperial foram poucas.[16] A perda de império resultou sempre no enriquecimento do poder imperial e por vezes também no enriquecimento das colônias. A ideia de que as riquezas do poder imperial vêm da exploração das colônias simplesmente não resiste a qualquer exame.
Há certas exceções possíveis a essa regra da disseminação do conflito econômico. Um cartel, como a Organização dos Países Exportadores de Petróleo, pode provocar uma redistribuição da renda claramente a seu favor e em detrimento dos compradores de seu produto, e isso pode aumentar a tensão no sistema internacional. Historicamente, houve na verdade guerras para o uso de recursos, dos quais as longas guerras dos invasores europeus contra os índios americanos seriam um exemplo. As guerras que levaram à criação do Estado de Israel podem ser outro. Essas guerras, porém, foram sempre entre grupos acentuadamente desiguais, do ponto de vista da tecnologia da organização, produção e armamentos. As guerras de conquista de recursos parecem menos prováveis na era moderna, embora talvez não possamos eliminá-las totalmente. Por certo, olhos ambiciosos se voltaram para os países petrolíferos árabes, com seus recursos imensos e suas pequenas populações. Até agora, porém, os perigos conhecidos da intervenção militar parecem ter criado uma situação na qual a força do sistema foi maior do que a tensão, embora em um ou dois momentos nos tenhamos, ao que parece, aproximado perigosamente do limite da fase. Mesmo no caso da invasão europeia da América do Norte, devemos notar que houve muitas ocasiões nas quais a compra de terra foi mais barata e teve mais êxito do que a conquista.
As funções de força são mais complexas do que as funções de tensão. É muito difícil identificar as variáveis particulares que são significativas na construção da força de paz de um sistema guerra-paz, em parte porque muitas das variáveis que afetam a tensão do sistema também afetam sua força. As lembranças do passado são, também nesse caso, importantes. Como a guerra, a paz pode tornar-se um hábito nos países que se mantiveram em paz durante várias gerações, como o Canadá e os Estados Unidos, e o hábito da paz se torna tão forte que mesmo as tensões no sistema são tratadas facilmente. Isso constitui, na realidade, uma fonte certa de otimismo: quanto mais tempo a paz persiste, melhor oportunidade tem de persistir, simplesmente porque a paz por si só aumenta a força do sistema.
Há também especializações profissionais que aumentam a força estrutural do sistema de conflito: mediadores e conciliadores, por exemplo, nas relações trabalhistas; conselheiros matrimoniais na vida familiar; e diplomatas no sistema internacional. Talvez a diplomacia seja a guerra continuada por meios pacíficos, mas é pacífica, e a longa história da ascensão da diplomacia pode mostrar que ela tem um papel na promoção do movimento da guerra instável para a paz instável, e mesmo para a paz estável. É muito difícil dizer, claro, quanta diplomacia é necessária para substituir uma guerra, e pode haver momentos em que ela exacerba um sistema e aumenta a tensão e não a força. No todo, inclinamo-nos a considerar bom o seu desempenho, apesar da tendência de corromper as informações. Um pouco relacionada com a diplomacia está toda uma série de estruturas que envolvem coisas como casamentos reais e a rede de relações integrativas entre os governantes. Isso não impediu, certamente, a Primeira Guerra Mundial na Europa, mas constitui algo como uma estrutura e há indícios, por exemplo, de que foi importante historicamente."[17]
Outro elemento do sistema que pode aumentar a força é a intensificação das viagens e comunicações, embora seus efeitos possam ser ambíguos. Por vezes, as viagens na realidade estreitam a mente. Por outro lado, parece haver uma certa relação entre o volume de comunicações entre dois países e sua oportunidade de continuar em paz. É, porém, uma relação imprecisa, e não devemos atribuir-lhe demasiada confiança. Por exemplo, como dissemos no capítulo 1, são poucos os indícios de que um idioma comum seja uma fonte de força.
A rede de interdependência econômica é, sem dúvida, uma variável significativa tanto estrutural como dinamicamente, embora seja muito complexa e nem sempre seja fácil ver em que direção se inclina. Como dissemos, a dependência da importação de alimentos pode aumentar a força de um sistema. Os economistas clássicos sem dúvida pensavam que o comércio traria a paz, simplesmente porque produziria a dependência mútua. Sob esse aspecto, porém, houve uma decepção. Mas os efeitos podem continuar existindo. O rompimento de relações comerciais e de investimento é um dos custos da guerra, e espera-se que, quanto mais alto o custo da guerra, maior a força do sistema. Trata-se, na realidade, de uma fonte de otimismo modesto, já que o aumento no custo da guerra pode diminuir a disposição guerreira e com isso aumentar indiretamente a força do sistema, embora isso também se possa compensar por um aumento na tensão.
Um problema preocupador é se um aumento na força do sistema não poderia, na realidade, aumentar a probabilidade de guerras e catástrofes sérias, impedindo uma sucessão de pequenos ajustes. Há um problema mais ou menos semelhante na prevenção das enchentes, pois as medidas protetoras contra enchentes menores podem estimular a construção de casas nas áreas protegidas, tornando com isso mais destruidora a grande enchente que não pode ser controlada. Um sistema de dissuasão pode ser particularmente perigoso sob esse aspecto: aumentando o custo da guerra, pode contribuir para a estabilidade a curto prazo, como o mostraram os últimos trinta anos. Por outro lado, um sistema de dissuasão deve ter sempre, em si, uma probabilidade positiva, mesmo pequena; sem isso, deixaria de dissuadir. Se a probabilidade de que as armas nucleares explodissem fosse zero, evidentemente elas deixariam de ter um efeito dissuasório. Para que o tenham, deve haver pelo menos uma pequena probabilidade positiva de que entrem em ação. Mas, por menor que seja a probabilidade, se esperarmos o suficiente, elas explodirão. Há no caso uma proposição muito fundamental de que um evento com uma probabilidade anual de n quase certamente ocorrerá dentro de 10/n anos. No momento, a guerra nuclear se parece com uma enchente de cem anos, isto é, sua probabilidade anual quase certamente não é superior a 1%. Mas a probabilidade de que a enchente de cem anos venha a acontecer dentro de qualquer período de cem anos é cerca de 63%, e de sua ocorrência dentro de mil anos é de 99,995%: torna-se, portanto, praticamente uma certeza.
As modificações mais produtivas que devemos buscar em relação à dinâmica a longo prazo de aumento da probabilidade de paz e redução da probabilidade de guerra, são, sem dúvida, as que ao mesmo tempo aumentem a força do sistema e diminuam a tensão nele existente. Dessas, o movimento das imagens nacionais no sentido da compatibilidade, em particular em relação às fronteiras, terá uma grande prioridade. Do ponto de vista de resolução de conflito e continuação da vida em geral, é bastante claro que há uma margem ótima de apatia. As crianças tendem a ser muito exigentes: tudo tem que estar absolutamente como querem, ou elas criam um caso. Mas, à medida que crescemos, aprendemos a diminuir nossas exigências e torná-las menos fortes. Várias situações diferentes nos servem igualmente bem. Toleramos coisas e deixamos de criar caso. No processo de amadurecimento, suspeitamos que até mesmo as nações aprendem a viver assim. E que, à medida que baixamos dos altos e perigosos picos do heroico, as tensões sobre o sistema diminuem, as forças aumentam e as possibilidades de paz melhoram. As fronteiras são uma questão particularmente sensível e, quanto mais depressa forem retiradas de todas as agendas, melhores serão as possibilidades de paz.
Em suma, um otimismo cauteloso em relação à paz é possível. Nos últimos 150 anos, aproximadamente, vimos o desenvolvimento de ilhas de paz estável no sistema internacional, no meio de uma matriz geral de paz instável, com algumas ilhas de guerra instável, também. A guerra estável tornou-se bastante rara. Talvez o Vietnã, por mais de trinta anos, tenha sido quase que o único exemplo claro, e mesmo este agora desapareceu. As vantagens da paz estável no mundo moderno são muito altas, e esperamos que isso crie um processo de aprendizado que aumente gradualmente as áreas de paz estável. Há um ponto crucial nesse processo, no qual passamos de uma situação de ilhas de paz estável no meio de um oceano de paz instável para uma situação em que as ilhas crescem até se juntarem e temos lagos de paz instável no meio de um continente de paz estável. Talvez estejamos mais próximos disso do que pensamos e nos devemos proteger contra demasiada projeção do passado. O fato de que tivemos um mundo de paz instável, na melhor das hipóteses, por mil anos, não significa que isso tenha de continuar para sempre. É possível haver uma modificação profunda, embora frequentemente imperceptível, na natureza do sistema que nos leva, por assim dizer, a uma paisagem social muito diferente. Comparei, com frequência, o movimento da paz aos trabalhos de Sísifo — empurramos a pedra morro acima, e ela nos escapa continuamente e rola para baixo e temos de começar tudo novamente. Mas o morro não é infinito e tem uma linha divisória, e algum dia a pedra rolará por sobre essa linha e estaremos correndo atrás dela, em lugar de a empurrar.
A raça humana vem-se empenhando numa longa e frustrante busca de paz, embora não tenha sido totalmente sem êxito. Essa busca, porém, é perseguida pelo espectro da guerra justa. Vimos que a guerra e a paz são duas fases bem distintas no sistema social. Um comportamento que seria totalmente tabu na paz é estimulado na guerra, por isso não é de surpreender que a literatura esteja cheia de justificativas de tal comportamento. É um dilema agonizante. Benjamin Franklin disse que "nunca houve uma guerra boa ou uma paz má". E disse também: "Até mesmo a paz pode ser comprada a um preço demasiado alto." Lembro-me dos grandes debates sobre a paz, na Inglaterra, na década de trinta. A União do Compromisso da Paz foi acusada de desejar a "paz a qualquer preço". O Reverendo Dick Sheppard, seu fundador, respondeu que acreditava no "amor a qualquer preço". Sem a legitimação da guerra, ela seria impossível. Toda vez que é tomada a decisão fatal de atravessar o limite da paz e entrar na guerra, deve haver uma legitimação interna, uma convicção de que a causa da luta é justa. A única justificativa para um comportamento que em si mesmo é monstruosamente mau é um senso esmagador de um objetivo justo.
Outra fonte de legitimidade da guerra foi o perigo e o sofrimento que impõe aos participantes. Argumentei que o próprio sacrifício cria um senso de legitimidade, simplesmente porque se fizemos grandes sacrifícios por alguma coisa não podemos admitir para nós mesmos que eles foram em vão, pois isso seria uma profunda ameaça à nossa identidade. Chamo a esse sacrifício de uma armadilha, na qual o sacrifício exige novos sacrifícios.[18] O passado pode ser passado para a mente racional do economista, mas não para a pessoa em busca de identidade. É precisamente o investimento de coisas do passado que cria a identidade. Tal como o sangue dos mártires é a semente da Igreja, assim o sangue dos soldados é a semente do Estado. A legitimidade do soldado vem não do fato de que ele mata pelo seu país, mas de que morre por ele. São os nomes daqueles que morreram pelo seu país, e não a contagem dos inimigos abatidos, que são inscritos nos monumentos de guerra. O sacrifício cria a tristeza, e uma das motivações ocultas e subconscientes da guerra é aumentar a santidade do Estado nacional, bem como a credibilidade de suas ameaças, pelo sacrifício não só de soldados, mas, nos dias modernos, também dos civis.
As modificações na tecnologia da guerra internacional, porém, corroeram em grande parte a sua legitimidade. As canções de guerra talvez constituam o melhor indicador social disso. A Primeira Guerra Mundial produziu canções dramáticas, que quase não surgiram na Segunda. A Guerra do Vietnã só produziu canções contra a guerra. Parte disso resulta da mecanização, que distancia os portadores das armas e as vítimas. Nos dias da espada e do combate corpo a corpo, o matador corria um grande risco de ser morto, o que num certo sentido legitimava o comportamento guerreiro de ambos os lados. Nestes dias de Dresden, Hiroshima e Vietnã, há uma separação total entre o bombardeador e as vítimas. Não podemos ignorar também a distância entre os generais, políticos e responsáveis pelas decisões, e as suas vítimas. Há uma erosão em toda a estrutura da legitimidade da empresa da guerra.
O fracasso dos Estados Unidos no Vietnã é um testemunho notável da esmagadora importância da legitimidade. Na Coréia, os Estados Unidos tinham pelo menos uma aparência de legitimidade, proporcionada pelas Nações Unidas. No Vietnã, não tinha nenhuma, embora sua presença ali fosse talvez inspirada mais pelas considerações morais e o desejo de preservar a sociedade livre do que pelas considerações de vantagens econômicas, que eram desprezíveis e, na verdade, negativas. Não obstante, os métodos usados destruíram totalmente a legitimidade do objetivo. Os comunistas, embora representando uma ideologia que considero como um guia totalmente inadequado do aperfeiçoamento humano, representavam também a pátria contra os invasores, e foram capazes de assumir uma legitimidade enorme, que toda a riqueza e poderio destrutivo dos Estados Unidos não conseguiram superar. Por terem perdido o senso de sua própria legitimidade, os Estados Unidos não puderam exercer seu poderio militar potencial. A Guerra do Vietnã nunca absorveu mais de 3% do PNB e foi um excelente exemplo de que não se podem usar armas cuja legitimação é impossível, mesmo que delas se disponha.
Na verdade, a deslegitimação da guerra internacional quase que certamente diminuiu a probabilidade das guerras pequenas, mas isso ainda significa que a guerra total tem uma pequena probabilidade que chega a se transformar numa necessidade, num longo período de tempo. A legitimidade da guerra interna, porém, não foi ameaçada pelas novas armas, pois as guerras internas continuam a ser feitas na base da luta direta, da guerra de guerrilha. Portanto, para fins revolucionários ou mesmo para a transferência do poder de um grupo interno para outro, a doutrina da guerra justa ainda é muito forte. Dificilmente alguém diria hoje que um holocausto nuclear é uma guerra justa, e na guerra internacional o conceito vem sendo cada vez mais rejeitado. Mas ainda há, em todo o mundo, a guerra interna: Belfast, Chipre, Rodésia, Uganda e um grande número de outros lugares. Até mesmo nos Estados Unidos, bombas e assassinatos de motivação política não são desconhecidos, embora ocorram em escala tão pequena que raramente afetam a vida dos cidadãos comuns. Mesmo em torno do mundo, os automóveis e as escadas são mais perigosos à vida humana do que os guerrilheiros. Não obstante, um colapso de sociedades, que leve à guerra interna, pode constituir no futuro próximo um perigo mais provável do que a guerra internacional. Na África, por exemplo, poucas guerras poderiam ser consideradas como internacionais, fora do Egito, nos últimos 25 anos, até a guerra entre Etiópia e Somália em 1977, mas Biafra, Burundi, Uganda, Sudão, Angola, Moçambique e muitos outros são, todos eles, exemplos de guerra interna. A experiência da Guerra Civil Americana e da Guerra Civil Mexicana de 1910 a 1919 mostra que as sociedades sofisticadas não estão imunes a essas lutas internas.
A percepção da justiça e da injustiça forma, claramente, um aspecto importante tanto da tensão quanto da força no sistema de guerra-paz. Um sistema de paz que, para um número crescente de participantes, tem elementos de injustiça, estará sujeito a uma tensão crescente. A força do sistema pode depender de várias características bastante contraditórias. Se a parte dominante de um sistema for autoconfiante, tiver seu moral elevado, pleno de um senso de sua própria legitimidade, e disposta a fazer ameaças e colocá-las em prática, o sistema poderá ser razoavelmente estável, mesmo sob um forte senso de injustiça. Pode haver uma certa mistura de ameaças, legitimidade e vantagens que sejam instáveis, e um pequeno deslize pode provocar o desmoronamento de toda a estrutura. Por vezes isso ocorre muito rapidamente, como na Rússia em 1917, ou na França em 1789.
A força do sistema pode ser intensificada pelos símbolos da legitimidade: coroas, cetros, mantos, procissões, trombetas, uniformes de gala, coroações, rituais e coisas semelhantes. A legitimidade dos símbolos pode, porém, desgastar-se e tornar-se inútil se a tensão sobre o sistema for demasiado grande. Da mesma forma, o terror, a ausência de tabus sobre a tortura e assassinato podem, durante algum tempo, fazer com que as pessoas hesitem em enfrentar o sistema e pode até mesmo dar-lhe uma espécie de força generalizada. Mas isso aumenta a tensão sobre o sistema e aprofunda o ressentimento que é transferido de geração para geração. O senso de injustiça acaba por desgastar toda a legitimidade do sistema e este desaba. O poder político que não se baseia na profunda aceitação subjacente traz em si as sementes de sua própria destruição final. Não se pode enganar a todos durante todo o tempo, mas talvez se possa enganar um número lamentavelmente grande de pessoas durante um tempo desanimadoramente grande.
É muito importante perguntar, portanto, quais as características de um sistema social que criam um senso de injustiça, o que é quase o mesmo que uma negação da legitimidade. A natureza psicológica e a história de cada indivíduo são cruciais para a determinação da diferença de sentimento de injustiça, de uma pessoa para outra. Por outro lado, esses sentimentos não são arbitrários ou fortuitos, havendo certas configurações no mundo exterior que provavelmente serão consideradas como mais injustas do que outras. Podemos postular uma função de justiça: J =ƒ[universo relevante. Em outras palavras, J pode ser definida como a mais provável percepção da justiça ou injustiça do universo relevante. A função é mais fácil de definir para os níveis inferiores de J. Vemos a injustiça com muito mais facilidade do que a justiça, tal como sentimos a ausência de ar respirável muito mais rapidamente do que a sua presença, que aceitamos sem pensar. Não é possível definir qualquer medida de J em termos de indicadores sociais, embora a maioria das pessoas com um certo conhecimento do mundo seja capaz de apresentar uma ordem muito imperfeita e incerta das diferentes sociedades na escala de justiça. Essa ordem pode diferir de lugar para lugar, e com a ideologia de quem a estabelece, é claro. As pessoas têm a tendência de valorizar muito a sua própria sociedade. A maioria dos americanos considera a União Soviética como uma sociedade extremamente injusta, e a maioria dos cidadãos da União Soviética retribui o cumprimento. Nenhum conceito de sintonia perfeita é possível. A maioria das pessoas concordam em que Uganda é hoje uma sociedade muito injusta, mas teriam dificuldades em dizer se o Canadá é uma sociedade mais justa do que os Estados Unidos.
É muito importante indagar sobre as variáveis consideradas como relevantes às percepções do nível de justiça numa sociedade. Há, no caso, necessidade de pesquisa empírica. John Rawls argumentou detalhadamente e com considerável persuasão que um senso de imparcialidade talvez seja o principal valor da função de justiça,[19] embora eu não tenha certeza de que isso vá muito além de rebatizar o conceito. Rawls sugere uma experiência intelectual muito engenhosa como contribuição para a avaliação subjetiva da justiça das diferentes sociedades. Ele nos pede que imaginemos em que sociedade preferiríamos nascer, se não soubéssemos quem iríamos ser. Nos Estados Unidos, poderíamos ser um agricultor meeiro, ou um Rockefeller; na União Soviética, poderíamos ser um preso no campo de trabalho escravo ou membro do politburo. O problema com esse tipo de teste é que a maioria das pessoas provavelmente votará em suas próprias sociedades porque a conhecem melhor. Temos a tendência a preferir o diabo que conhecemos ao diabo que não conhecemos, mas pode haver exceções a isso.
Qualquer tentativa de identificar as variáveis da função de justiça concluirá que a equidade é um de seus componentes. Trata-se de um conceito complexo com várias definições. Talvez a mais importante seja o tratamento igual para casos iguais. Em termos de lei, isso significa que os mesmos crimes devem receber as mesmas penas, que pessoas com as mesmas responsabilidades devem pagar os mesmos impostos, que não deve haver nenhuma discriminação arbitrária em empregos ou promoção devido a características irrelevantes à situação. O que é irrelevante, porém, pode constituir uma questão delicada. O movimento contra a discriminação racial, sexual e religiosa é claramente motivado pelo sentimento generalizado de que a exclusão arbitrária de certos grupos, em relação a alguns dos benefícios oferecidos pela sociedade, não tem justificativa. A discriminação, por estranho que pareça, representa a incapacidade de discriminar, a incapacidade de tratar casos iguais da mesma maneira, e casos diferentes de maneira diferente, o que constitui uma violação do princípio fundamental da equidade.
A extensão do princípio de equidade sugere outro princípio, o da igualdade de oportunidade. É um problema muito complicado, simplesmente porque levanta toda a questão da herança e o direito da família, em oposição à comunidade maior e aos direitos dos proprietários em geral. A desigualdade de oportunidade surge simplesmente porque as pessoas nascem de famílias diferentes. Uma criança de uma família rica, com pais bem-educados e ricos, tem todas as probabilidades de encontrar maiores oportunidades de desenvolver o seu potencial do que o filho de uma família residente numa favela. A maioria das sociedades mais ricas procura reduzir o impacto da herança familiar oferecendo uma herança social, na forma de educação pública gratuita, programas especiais, ajuda a crianças dependentes, etc., mas em nenhum país esses programas conseguem compensar mais do que uma pequena parte da enorme desigualdade de oportunidade que surge das diferenças de situação entre as famílias. Isso ocorre tanto nos países socialistas como no mundo do livre mercado. Crianças nascidas em famílias bem situadas terão oportunidades muito melhores de chegar a um lugar de destaque em todas as sociedades do que os filhos de camponeses, de dissidentes ou de sectários. Por outro lado, praticamente todas as sociedades relutam em abandonar a família como instrumento de transmissão, tanto da estrutura nutricional e genética como do conhecimento e das habilidades sociais. Temos, no caso, um exemplo claro do conflito da equidade com outros valores, tornando-se necessária uma espécie de troca. Um dos princípios da ciência normativa é o de que os valores particulares não são absolutos, e o problema desse tipo de troca é universal.
Um princípio que não se deve confundir com o de igualdade de oportunidade é o que poderíamos chamar de princípio da plena realização do potencial. Toda criança nasce com um certo potencial genético de crescimento, conhecimento, talento, amor, felicidade e assim por diante. Para a grande maioria das crianças, talvez para todas, esse potencial nunca se realiza plenamente devido às limitações de pobreza, falta de capacidade dos pais, ambientes pouco cordiais, educação precária, restrição de informações, etc. Quando há um forte senso de não-realização do potencial humano devido ao ambiente que cerca a pessoa, há um senso de injustiça ou pelo menos de descontentamento. A realização do potencial humano, porém, pode ser muito mais uma função da riqueza média e situação da sociedade do que de qualquer distribuição interna. Uma sociedade pode ser igualitária no sentido de que toda criança nascida nela tem mais ou menos a mesma série de oportunidades, e não obstante essas oportunidades podem ser altamente restritas pela pobreza geral ou patologia cultural da sociedade. O nível geral de riqueza, competência, habilitações e produtividade da sociedade é um elemento importante na função de justiça. Isso está além da equidade, que se ocupa principalmente da distribuição.
Devemos ter cautela, porém, com as medidas convencionais do nível geral de desenvolvimento da sociedade, como o PNB per capita. O ser humano tem grande potencial de mal e de patologia, assim como o tem para o bem e a sanidade. É necessária uma crítica do tipo de potencial que se realiza. A sociedade com um alto PNB per capita pode estar cheia de pessoas alienadas, angustiadas, miseráveis, enquanto uma sociedade que, pelos padrões de medida de renda seria muito mais pobre, pode produzir pessoas mais saudáveis, mais interessantes e mais realizadas. Mas há pelo menos uma certa relação entre a riqueza e a capacidade de realizar o potencial, embora esse potencial possa ser usado de forma errada.
Fizeram-se tentativas de definir a equidade em termos de inveja.[20] Também isso é muito complicado. A inveja, como todos os pecados mortais, tende a ter uma relação não-linear, um tanto parabólica, com a bondade. Um pouco de inveja pode estimular a uma realização, mas a inveja também se pode tornar um sentimento corrosivo e totalmente destrutivo, provocando neuroses e decadência íntima. A exigência de igualdade que se baseia exclusivamente na inveja não me parece uma base muito satisfatória para uma boa sociedade. O radicalismo que surge do ódio e da inveja ao rico tem resultados muito diferentes daquele que é provocado pela compaixão pelo pobre. Outra fonte de frustração na exigência de justiça é aquilo que chamei de ilusão do bolo. É uma metáfora que os economistas amam — a de que existe um bolo estático de bens que é dividido entre os membros da sociedade, presumidamente por uma manobra muito hábil de facas. Nesse caso, a única maneira de ajudar os pobres seria tirar dos ricos. A realidade, porém, é muito mais complexa. Não há um bolo único, mas uma enorme combinação de pequenos bolos, que crescem ou diminuem em ritmos próprios. Os que estão crescendo ficam mais ricos; os que diminuem ou permanecem estacionários ficam mais pobres. Alguns deles podem estabilizar-se num bom nível, outros em nível de miséria. Isso não quer dizer que não se possa promover maior igualdade pela redistribuição - há certa transferência de um bolo para ou- - mas é difícil, sendo fácil destruir-se mais do que se distribui.
A igualdade num sentido absoluto não é defendida por ninguém. Por outro lado, é evidente que há graus de desigualdade numa sociedade que ameaçam sua legitimidade e estabilidade. Podemos usar novamente a experiência de Rawls e perguntar: "Você preferia viver numa todos fossem igualmente pobres ou numa sociedade em que algumas pessoas fossem tão pobres quanto na outra sociedade, mas houvesse também os muito ricos?" A maioria das pessoas preferiria a segunda hipótese. Prefere uma possibilidade de ser rica a nenhuma possibilidade. Mas por outro lado suponhamos que tivéssemos de escolher entre uma sociedade na qual certas pessoas fossem desesperada e miseravelmente pobres e outras fossem excessivamente ricas (creio que a maioria das pessoas definiria como excessivamente ricas aquelas que tivessem o dobro do que têm) e uma sociedade na qual houvesse um limite para a pobreza, de modo que ninguém passasse miséria, embora outros pudessem ser ricos. Quase que certamente votaríamos pela segunda. Preferiríamos uma sociedade onde não houvesse possibilidade de ser desesperadamente pobre do que outra na qual houvesse uma possibilidade de ser desesperadamente pobre, muito embora houvesse também a possibilidade de ser muito rico. Essa análise parece levar à conclusão de que uma sociedade moderadamente desigual, onde há um mínimo abaixo do qual ninguém desce, parece ser a preferida, e deve poder estabelecer uma legitimidade substancial e uma estabilidade interna.
Outra série de variáveis, com frequência relevantes à percepção da justiça, é o que poderíamos chamar de escala de opressão-libertação. A opressão existe quando uma pessoa, ou grupo de pessoas, se coloca em melhor situação às expensas de outro grupo dominado. O domínio e a submissão são considerados como variáveis importantes. Há nisso algo como um dilema, já que a dominação legitimada, ou subordinação legitimada, é essencial a qualquer organização hierárquica de grande escala, e como isso se legitima é muito importante na explicação da dinâmica da sociedade. Por exemplo, a legitimação explica parcialmente o êxito dos colonizadores europeus em desalojar a população indígena. Na verdade, os europeus trouxeram consigo um "hábito de subordinação", como disse Adam Smith, que lhes permitia formar grandes organizações.[21] A feroz independência dos habitantes indígenas lhes impedia a formação de organizações muito maiores do que a família ou a tribo, e por isso raramente puderam oferecer uma resistência unificada.
Minha própria opinião é que a opressão sem dúvida existe como causa secundária da miséria humana, mas que toda a libertação do mundo pouco contribuirá para resolver os problemas humanos ou a dinâmica da condição humana. Não obstante, a retórica tem uma atração poderosa. É reconfortante pensar que tudo o que não dá certo conosco é por culpa de alguma outra pessoa. Cresci numa tradição segundo a qual se alguma coisa estava errada comigo era provavelmente por minha própria culpa, pelo menos como uma primeira abordagem, e a opinião de que pudesse ser culpa de outrem era apenas uma segunda explicação. Parece-me que no todo essa tradição era psicologicamente sadia e muito mais capaz de levar ao aperfeiçoamento humano do que a opinião inversa. Não obstante, há casos importantes de opressão como razão da miséria humana — como se vê pelos ditadores em todo o mundo, como vimos na escravidão, na servidão tanto feudal quanto comunista, e nas tiranias de todos os tipos, desde a de um cônjuge ou pai até a tirania política. Não é fácil dizer como se deve resolver esse problema, pois a libertação cria, com demasiada frequência, novos opressores. Inclino-me muito mais pelos lentos processos ecológicos que gradualmente desgastam a legitimidade e as fontes do poder tirânico.
Um elemento final na função de justiça é a alienação, um termo popularizado pelos marxistas. Em seus escritos, a palavra tende a adquirir um sabor de um dos sete pecados mortais. Certamente, a concepção marxista de que a alienação surgiu quando de algum modo os trabalhadores perderam o produto de seu trabalho no grande esgoto da troca sempre me lembrou um pouco a teoria psicanalítica de que nossos problemas devem-se ao fato de que nosso primeiro produto foi lançado fora pela descarga da privada. Não obstante, o conceito é importante, pela luz que lança sobre aquela eliminação de tabus que é a fonte primordial da violência. Suspeita-se de que em todas as épocas uma grande maioria das pessoas não esteve particularmente alienada de suas próprias sociedades e na realidade aceitam sua vida e seu ambiente mais ou menos como uma ordem da natureza. O descontentamento que tais pessoas possam ter sentido deve ter sido superado pela premente necessidade de ganhar a vida e de vivê-la. Mas a minoria que se sentiu alienada foi uma fonte importante de modificação social, embora fosse um grande erro pensar que todas essas modificações nasceram da alienação. Inclino-me a pensar que as maiores transformações — o aumento do conhecimento, o desenvolvimento da ciência e sociais das artes, o calidoscópio perpétuo da moda — são provocadas por pessoas que não estão alienadas da sociedade, mas que trabalham dentro dela de forma silenciosa e não espetacular. É na realidade possível criticar uma sociedade e ainda não estar alienado dela, isto é, ainda sentir-se parte dela. Estar alienado é sentir-se como um estrangeiro. Grande número de pessoas participa de grupos, circunstâncias e subculturas nas quais esse sentimento pode surgir, e há certamente situações em que nos sentimos mais à vontade do que em outras. A alienação é um sentimento tão desagradável e desanimador que a maioria das pessoas o transforma em pelo menos uma aceitação insatisfeita. Pode-se dizer certamente que o cidadão de segunda classe está mais alienado do que o de primeira classe e que a alienação é uma questão de grau, mas até mesmo a auto percepção de um cidadão de segunda classe é a percepção de um cidadão.
Não obstante, a alienação é uma fonte importante de violência. Vemos isso na guerra internacional, que só é possível porque o inimigo é definido como um estrangeiro e não um membro da sociedade. Cada parte de uma guerra internacional é estranha à outra, e somente quando esse tipo de alienação aumenta ao ponto de ultrapassar a barreira normal do tabu e transformar-se em violência é que a guerra pode ocorrer. Na guerra interna, da mesma forma, a alienação é de grande importância. Os membros do Exército Republicano Irlandês que colocam bombas que matam inocentes só o podem fazer se estiverem profundamente alienados não só de sua própria sociedade, mas, num certo sentido, também de qualquer sociedade. Se pensassem em suas vítimas como pessoas reais, é de duvidar que conseguissem praticar tais atos. Felizmente, na maioria dos seres humanos a alienação quase nunca chega a tal nível.
Infelizmente, muito pouco sabemos sobre as fontes da alienação no indivíduo. Isso ocorre em parte porque a alienação extrema é um fenômeno raro e, portanto, difícil de estudar. Ela não é descoberta pelos levantamentos por amostragem. Os antropólogos raramente aplicam os métodos de observação participante a grupos guerrilheiros. A alienação extrema é, claramente, o resultado de experiências particulares e peculiares dos indivíduos em questão, em termos de traumas de infância, rejeição por pessoas que veem como representativas da sociedade, etc. Mas pode também ser uma função da natureza e estrutura da própria sociedade. É uma hipótese pelos menos razoável a de que as sociedades heterogêneas, em particular aquelas em que certos grupos se visualizam como ocupando uma posição desvantajosa, são excepcionalmente suscetíveis de provocar a alienação. Os grupos que se consideram prejudicados podem não ser necessariamente minorias, como por exemplo as mulheres, que não são minoria em nenhum lugar, e não obstante podem sentir-se legitimamente em desvantagem. As sociedades que são homogêneas em cultura, móveis em relação a classe e tolerantes em relação à diversidade, como Suécia e Japão, são talvez as menos capazes de produzir a alienação. As sociedades heterogêneas, estratificadas, rígidas e intolerantes, são mais capazes de produzi-la.
O problema da justiça, complexo e difícil como é, é parte de um problema mais amplo do aperfeiçoamento do homem. O aperfeiçoamento humano não é fácil de definir, e ainda mais difícil de se chegar a um acordo quanto a ele, mas, não obstante, é algo com sentido. Nós, na verdade, avaliamos o estado do mundo, como algo que passa de melhor para pior, ou de pior para melhor. Percebemos, no curso da história do planeta, que o processo de evolução parece ter uma flecha do tempo na direção de uma complexidade cada vez maior e na direção do aumento do controle ou inteligência, alguma coisa de que os seres humanos têm mais e uma ameba menos, e o cristal ainda menos. No processo evolucionário, alguma coisa parece estar crescendo. Mas ficar maior não é, necessariamente, ficar melhor. A melhoria implica uma avaliação, pelos seres humanos, do estado do mundo que os cerca, inclusive de si próprios, e de seus artefatos. Esse estado se modifica a todo tempo, segundo a dinâmica geral do sistema, e essas modificações estão sendo constantemente avaliadas. A maioria das pessoas avaliam apenas a si mesmas e seu ambiente imediato. Se hoje estão de boa saúde, têm um ambiente material agradável, estão bem alimentadas, seguras com suas famílias, e satisfeitas em seu trabalho, o presente será, é claro, avaliado de forma positiva. Se amanhã ficarem doentes, perderem o emprego, se divorciarem, perderem um ente querido ou forem rebaixadas, passarão a visualizar essa situação como pior. Habitualmente, não atribuímos números a essas avaliações — só os economistas têm coragem de fazer isso. Temos, porém, um sentido bastante forte da direção da modificação de valor, isto é, se as coisas se estão tornando melhores ou piores, e temos um certo senso das proporções em que se estão tornando melhores ou piores.
As proporções do ambiente avaliadas pelas pessoas diferem bastante. Há pessoas que não hesitam em avaliar todo o estado do mundo, desde a baleia azul até a CIA. Outras limitam-se ao estado de seu país ou de sua vizinhança ou de sua família ou de seu estado de espírito e de corpo. Quanto mais poderosa é uma pessoa, mais provável é que avalie ambientes grandes. Nestes dias de comunicações rápidas e divulgação em massa, até mesmo pessoas em locais distantes e condições de rigorosa pobreza podem ter um sentimento de serem parte de um ambiente muito maior, em relação ao qual formulam certas avaliações. Quase todas as pessoas, hoje em dia, ouvem notícias, e estas podem fazer-nos sentir melhor ou pior em relação ao mundo embora não se deva confiar muito nelas, pois tendem a dar destaque ao pior, pois isso é mais concentrado, espetacular e interessante do que a maioria das boas coisas que acontecem. É realmente um pensamento consolador o de que, se os valores vêm da escassez, o fato de que as notícias refletem catástrofes, desastres, acidentes, guerras e perturbações, em proporções muito maiores do que outros acontecimentos, sugere que tais coisas são relativamente raras e infrequentes e que as boas coisas não são noticiadas simplesmente porque são comuns e desinteressantes. Quando um jornal só noticia boas coisas, é então que nos devemos preocupar, pois isso sugere que as más notícias são demasiado comuns para serem publicadas.
O estado do mundo é tão complexo que tentamos reduzi-lo a metáforas, indicadores e números. Um dos grandes problemas na avaliação do estado do mundo é que nossa experiência pessoal constitui uma amostra muito pequena e tendenciosa dele. Daí, passarmos a conclusões sobre o estado do mundo, com base nessa experiência pessoal, pode levar-nos a erro sério. Uma das principais funções das Ciências Sociais é, na realidade, a partir de uma boa amostragem, oferecer uma descrição do estado do mundo, bastante abstrata para ser compreensível, sem violentar demais a realidade. Não obstante, fizemos algum progresso — o desenvolvimento de coisas como as estatísticas da renda nacional e dos indicadores sociais nos últimos 50 anos, por exemplo, tiveram um efeito profundo em nossa imagem do mundo e em sua expansão além de nossa própria experiência pessoal. Devemos reconhecer, porém, que qualquer imagem abstrata e quantitativa do mundo está fadada a ser uma representação muito imperfeita da realidade. Se números como o PNB ou outros indicadores sociais forem tomados demasiado literalmente, podem prejudicar a realidade de nossa imagem do mundo. Se forem usados com prudência e discriminação, porém, podem dar-nos um quadro muito mais exato do mundo do que poderíamos formar com a nossa experiência pessoal e as notícias.
Devemos lembrar sempre que a imagem que temos do mundo não é uma avaliação dele. Um aumento do PNB, por exemplo, não significa necessariamente que as coisas estejam melhores; pode significar apenas que algumas coisas estão maiores. Se essas coisas maiores incluírem uma grande indústria bélica, bem como a atividade econômica para remediar os danos da poluição, um aumento no PNB pode ser muito enganoso. Apesar disso, ele representa uma informação e há uma concordância geral de que, até certo ponto, o aumento no nível médio da renda real, por exemplo, é algo de positivo. Pode haver sempre exceções a isso, especialmente em casos individuais. Se, porém, um aumento no PNB per capita for acompanhado de uma modificação na distribuição da renda considerada como negativa, isso pode neutralizar o aumento no PNB per capita na avaliação geral. É muito comum, por exemplo, que um aumento no PNB per capita seja acompanhado de um agravamento real no estado do setor mais pobre de uma sociedade. Não seria ilógico definir isso como uma mudança para pior, apesar do fato de que 75% das pessoas estejam em melhor situação. Da mesma forma, se o aumento no PNB per capita for acompanhado de uma maior repressão, ditaduras políticas, supressão de minorias ou falta de individualidade nas artes e ciências, como ocorreu com frequência, bem poderíamos fazer uma avaliação negativa da modificação geral.
Podemos postular uma função de excelência, E = ƒ[universo relevante], semelhante à função de justiça. No lado direito, J será uma das variáveis. Avaliamos E, a excelência total do estado de "nosso" mundo, definindo excelência como aquilo que sobe quando as coisas melhoram e baixa quando as coisas pioram. Fazemos isso primeiro descrevendo o estado do mundo, em seguida atribuindo pesos de excelência — mais ou menos como aquilo que os economistas chamam de preços-sombra — a todas as descrições diferentes. Esses pesos de excelência serão positivos para as coisas consideradas como boas, e negativos para as coisas consideradas como más. Suponhamos que A suba e B desça. O impacto geral disso sobre as nossas estimativas de excelência depende dos pesos atribuídos a A e B. A excelência subirá se a soma das avaliações positivas exceder a soma das negativas.
Pode-se objetar que essas avaliações gerais não são feitas por simples adição, havendo certa razão na crítica, especialmente porque uma modificação nas quantidades dos diferentes elementos do estado do mundo modificarão seus índices de excelência. Há uma extensão do princípio econômico da utilidade marginal decrescente segundo o qual, quanto maior a abundância de alguma coisa, menos provável que um aumento nessa quantidade represente um aumento de excelência. Há também o famoso princípio da média aristotélica, segundo o qual toda virtude se torna vício quando em excesso. O peso da excelência será demasiado alto para pequenas quantidades de alguma coisa, mas declinará e acabará por tornar-se negativo à medida que a quantidade aumenta.
Há quem sustente, com efeito, que certos pesos de excelência são infinitos. Na verdade, Rawls aproxima-se perigosamente disso ao argumentar em favor de um valor absoluto para uma melhoria na situação dos mais pobres da sociedade. Os economistas, porém, fogem de quaisquer valores infinitos e insistem sempre em que deve haver alguma troca. Pode haver justiça demais, bern como liberdade demais, ou igualdade demais, ou pouca alienação demais, em relação às alternativas que são sacrificadas.
Surge um problema sério porque cada indivíduo pode ter uma avaliação diferente do estado do mundo e dos pesos de excelência atribuídos a vários itens. Isso suscita todo o problema político da organização e coordenação social. É um problema demasiado amplo para ser explorado em detalhe, aqui. Há, porém, três processos gerais na vida social pelos quais essas coordenações de diferentes valores e diferentes pessoas são realizadas, pelo menos aproximadamente. Sinto-me tentado a chamá-los de os três Ps: preços, policiais e pregações. O economista observa que as diferentes preferências dos indivíduos são coordenadas através do mercado e do sistema de preços relativos na troca. Há proposições segundo as quais a livre troca e os mercados competitivos produzem uma situação melhor para todos, pelo menos na estimativa de cada um, à época. Há algumas questões legítimas em relação a esses teoremas, mas elas tendem a tomar a forma mais de modificações do que de negativas diretas, e a utilidade da troca e a estrutura de preços na coordenação das diferentes avaliações de diferentes indivíduos sem conflitos sérios sugerem que o sistema de trocas é um instrumento social muito valioso.
Outro instrumento de coordenação é o policial, isto é, o aparato coercivo do Estado e suas unidades subordinadas. A lei envolve principalmente um corpo de proibições, isto é, tabus, com as respectivas sanções. Na medida em que isso cria um sistema de impostos, temos também uma economia de subvenções públicas, capaz de construir organizações e afetar o comportamento humano por meio de recompensas — por exemplo, contratamos pessoas para fazer um trabalho, pagando-as com o dinheiro do Governo. O Direito é uma enorme agressão — inclusive o costume e o direito consuetudinário, o precedente jurídico e a legislação — que representa, por assim dizer, as decisões acumuladas do passado legitimadas publicamente de alguma forma. A atividade dos órgãos legislativos, e de certa forma também dos órgãos judiciais, reflete um aparato do consenso limitado, consenso pelo menos no sentido de que os atos dos legisladores não produzem alienação ao ponto da desobediência e revolta organizadas. Podemos ver o desenvolvimento político como um processo pelo qual a sociedade desenvolve instituições e cultura política que permitem a expressão e a modificação ordenadas desse consenso, de modo que os indivíduos em posições de poder podem ser substituídos de maneira ordeira e a sociedade pode movimentar-se de forma constante e organizada no sentido de um sistema jurídico que pelo menos não violenta o consenso, embora possa deixar uma boa margem de acomodação.
Uso a palavra pregações como uma metáfora para as comunicações morais e éticas de todos os tipos, desde o enrugar da testa e a leve aspereza na voz, que são reações a uma quebra da etiqueta, até os clamores dos demagogos, as sugestões dos psicanalistas e o drama jurídico dos naderistas[22]. Parece fácil aos intelectuais subestimar o volume e significação da crítica ética, mas isso tem profunda significação no aprendizado de avaliações. Todos os grupos constituídos de pessoas em forte interação tendem a produzir um ethos comum que se opõe ao inconformismo. Num nível um pouco mais elevado, temos os grupos de interação, mas isso segue mais ou menos o mesmo tipo de princípio. A linguagem e ethos de quase qualquer grupo nos Estados Unidos diferem perceptivelmente da linguagem e ethos de grupos semelhantes na União Soviética. Uma sociedade nacional, e mesmo uma sociedade mundial, cria certas pressões de conformidade entre grupos.
Outra questão é o papel do sistema de guerra-paz, seja internacional, interno ou mesmo interpessoal, no longo processo evolucionário na direção da justiça e do aperfeiçoamento humano. Tomando, simplesmente, uma amostra do registro histórico, podemos sem dúvida encontrar amplas diferenças nas avaliações do papel da guerra e da paz no aperfeiçoamento humano. Num extremo, encontraremos aqueles que veem na paz um estado de sociedade que levará, quase inevitavelmente, à deterioração moral, luxúria debilitante, decadência da vontade, declínio do moral, processo esse que só pode ser curado pelo tratamento de choque da guerra ocasional. Tais pessoas veem na guerra algo que limpa e purifica pelos sacrifícios que acarreta e mesmo pela pobreza que produz.
No outro extremo da escala — e devo confessar que ali me situo — estão os que consideram a guerra como uma violação da comunidade humana, na qual as virtudes militares da coragem e auto-sacrifício embora reais, são simplesmente as cores refletidas na superfície de uma vasta piscina de sujeira e miséria humana indizíveis. A paz, por outro lado, é considerada como o estado normal e adequado da humanidade, levando o processo evolucionário na direção da realização do potencial biológico da raça humana, em termos de artefatos e atividades culturais, livre de ameaças patológicas e de destrutividade. A modificação na tecnologia da guerra certamente levou grande número de pessoas no sentido dessa segunda posição. A injustiça perpetrada pela guerra contra suas vítimas é tão monstruosa que obscurece todas as injustiças da paz. A guerra destrói a equidade, pois os iguais são tratados de forma brutalmente desigual, e tem sido historicamente uma das principais fontes de desigualdade, que se deve em grande parte às heranças das conquistas passadas.
Restam algumas questões intrigantes. Há, por exemplo, a questão das instituições de defesa contra mudanças indesejadas. Nem toda mudança é para melhor, e o problema da defesa contra a mudança indesejada é perfeitamente legítimo. Por outro lado, quase sem exceção, as instituições de defesa parecem tender ao patológico ou, pelo menos, ter uma potencialidade muito fácil de se tornarem patológicas. Mesmo no corpo humano, a defesa pelos anticorpos pode causar muitos problemas e bem pode ocorrer que algumas formas de câncer, e outras formas de colapso, reflitam uma patologia do sistema defensivo do corpo contra os organismos que o invadem. No nível psicológico, os mecanismos defensivos têm má reputação. A agressão parece, infelizmente, ser muito mais sadia, do ponto de vista psicológico, do que a defesa, embora provoque a defensiva nos outros. A resolução desse paradoxo parece ser o desenvolvimento de uma identidade positiva capaz de auto-expressão compassiva e defesa não-patológica. No sistema internacional, a defesa é uma patologia social profunda que, mesmo em épocas de paz, consome de 6 a 10% do produto total, extremamente necessário para outras coisas. A indústria da guerra cria-se a si mesma numa simbiose monstruosa. As forças armadas de dois países opostos são os principais aliados uma da outra, e as suas vítimas são os seus próprios civis. Trata-se, porém, de um sistema altamente refratário. O problema geral da organização criativa da defesa talvez se constitua no mais perigoso dos problemas não-resolvidos do homem.
Finalmente, formulo uma pergunta raramente feita, o que é de surpreender: que importância tem, quantitativamente, o sistema guerra-paz na evolução e aperfeiçoamento gerais da raça humana? Minha resposta é que esse sistema é por vezes importante, mas muito menos do que a maioria das pessoas, em especial historiadores e políticos, acredita. Essa pergunta pode tomar a seguinte forma: "Com que frequência é realmente importante ganhar uma luta?" Para os participantes, com frequência importa muito - há um vencedor e um perde- dor - mas mesmo nesse caso as consequências finais não são absolutamente claras. Na verdade, em termos do desenvolvimento econômico no século XX, foram os perdedores de guerras os que mais lucraram, e os vencedores, os que mais perderam: o Japão e a Alemanha são os exemplos mais óbvios. Não obstante, houve casos nos quais a perda de uma guerra destruiu uma classe dominante ou mesmo eliminou uma cultura, embora esses casos sejam surpreendentemente raros. Os neandertalenses talvez? Cartago? Os astecas? Mohenjo-Daro? Não há muitos casos bem delineados. Se as grandes batalhas da história mundial tivessem concluído de outra maneira, teria a história da raça humana sido muito diferente? Creio que não, no todo, embora é claro que, em detalhe, sim.
Estou convencido de que é no campo por mim chamado de não-conflito — trabalho, produção, compra, venda, aprendizado, reflexão, culto, amor, procriação — que a corrente principal da humanidade segue. Isso foi verdade durante toda a evolução biológica, quando a luta é muito rara e relativamente insignificante, o que não afasta porém a possibilidade de que por vezes o fato de quem vence uma luta tenha importância. Isso pode ocorrer através do que poderíamos chamar de divisor de águas, quando uma luta pode determinar o tipo de potencial evolucionário que guiará o curso do próximo período. Todos os divisores de água, porém, terminarão no oceano, e realmente não sabemos o que importa a longo prazo.
Quando a paz prosperou e o sistema social caminhou na direção da paz estável, foi em geral em consequência de uma dinâmica um tanto acidental do sistema e raramente - creio que poderíamos dizer nunca - resultou de uma política a longo prazo, cuidadosamente planejada. Não obstante, identificamos subsistemas na história do planeta nos quais se processou um movimento para a paz estável, e esta foi alcançada. No século XIX, ela foi atingida na América do Norte e Escandinávia, havendo outros exemplos um pouco menos seguros na história anterior. Vemos o mesmo fenômeno nas relações internas. Tem havido, embora hesitante, um movimento das sociedades onde havia violência interna sangrenta, como na Escócia de Macbeth ou na França do massacre de São Bartolomeu, para sociedades nas quais o nível de violência interna é baixo e a sociedade não é ameaçada por ele. Segundo a primeira lei de Boulding — a de que tudo o que existe é possível — processos dinâmicos benignos desse tipo devem ser possíveis, e se são possíveis devem ser estimulados e acelerados através de políticas, isto é, de decisões tomadas tendo em vista um processo social consciente e em grande escala. Os movimentos que foram de mal a pior, em vez de mal para melhor, como na Alemanha de Hitler, na Rússia de Stalin ou em Uganda de Amin, não devem constituir motivo de desespero, mas de esperança de que por um processo de aprendizado e através de políticas deliberadas possamos aumentar a probabilidade de movimentos benignos e diminuir a probabilidade de movimentos malignos.
Talvez que até o século XX não tenha havido nenhuma necessidade real de uma política para a paz. A guerra tem sido um mal, fez recuar as coisas em muitos lugares. Criou um grande volume de sofrimento humano desnecessário. Mas não foi fatal para a evolução da raça humana. Podemos ver um certo paralelo, talvez, na questão do meio ambiente. Até o século XX, a poluição e a perturbação ambiental eram essencialmente questões locais, que nunca ameaçaram a raça humana como um todo. Mas com o desenvolvimento de uma população mundial de 4 bilhões, e que ameaça passar a 8 ou mesmo 12 bilhões antes que seu crescimento possa ser contido, e com a maior produção de bens e a consequente maior produção de males, é claro que a raça humana tem de criar uma política de vida no planeta, em lugar de destruir o seu próprio nicho.
A situação no século XX não tem precedente, sob muitos pontos de vista. As lições da história devem ser aprendidas com muito cuidado. Elas nos mostram muito sobre subsistemas, mas não muito sobre a Terra como um sistema total, e é isso que ela se está tornando. O perigo de um sistema total da Terra é muito grande. Enquanto a Terra for dividida em grande número de subsistemas isolados, como acontecia antes da era moderna, uma catástrofe poderia acontecer num subsistema sem que o resto do mundo chegasse a saber, como a grande catástrofe que destruiu o império maia. Mas, se a Terra tornar-se um único sistema, tudo nela poderá ir mal, se alguma coisa for mal. As catástrofes podem ser facilmente toleradas numa Terra de sistemas isolados e diversos, porque é pouco provável que aconteçam em todos os lugares ao mesmo tempo e as áreas que não foram atingidas podem repovoar e restabelecer as que o foram, mas uma catástrofe que envolvesse toda a Terra poderia ser fatal. A probabilidade dessa catástrofe pode ser muito pequena, mas, à luz do constante progresso tecnológico dos meios de destruição, não podemos ter certeza de que não haverá uma máquina do Dia do Juízo.
Quando a probabilidade de catástrofe é pequena, porém, tendemos a avaliá-la na prática como zero. É por isso que as pessoas viajam de avião, vivem em planícies inundáveis, nas encostas de vulcões, em áreas sujeitas a terremotos e num sistema de dissuasão nuclear. A dissuasão nuclear deve ter uma probabilidade positiva de fracasso, por menor que seja. Se a probabilidade de as armas nucleares explodirem fossem zero, isso equivaleria a não tê-las; se existem, deve haver alguma probabilidade de que explodam. Nos Estados Unidos, acredita-se psicologicamente que tal probabilidade seja zero, tal como os moradores do Canyon Big Thompson se comportavam como se fosse de zero a probabilidade de uma dessas enchentes que só ocorrem a cada cem anos. Se realmente acreditássemos que a probabilidade de guerra nuclear fosse bastante acentuada a ponto de afetar o nosso comportamento, nós nos teríamos dedicado maciçamente à defesa civil, o que aumentaria drasticamente a própria probabilidade de guerra nuclear. Da mesma forma, os projetos de controle de enchentes aumentam a probabilidade de uma catástrofe importante, simplesmente porque estimulam as pessoas a construir nas planícies sujeitas a inundações.
Uma política é constituída de muitas coisas diferentes, não havendo um conceito único que a compreenda. Significa, primeiro, uma estratégia da decisão, isto é, uma decisão que constitua uma norma para outras no futuro. Barbear-se pela manhã é uma decisão. Por vezes, quando fico em casa e não vou receber ninguém, resolvo não barbear-me. Barbear-se, porém, é uma política, e deixar crescer barba é outra política, que limita severamente a decisão tomada a cada manhã. Se minha política é raspar a barba, barbeio-me normalmente; mas, se minha política for de ter uma barba, não me barbearei. Mesmo nesse caso, alguma forma de imagem de um sistema do mundo está em causa — por exemplo, a da tendência que têm os cabelos do rosto de crescer. A política também pode envolver a criação de organizações para fazer coisas e tomar decisões. O casamento é uma política que envolve a criação de uma organização familiar. Da mesma forma, as políticas do Governo envolvem decisões sobre decisões e podem envolver também a criação de organizações para fazer coisas que afetam novamente as decisões.
Podemos, portanto, considerar a política como existente em pelo menos três níveis. Há, em primeiro lugar, a política de um indivíduo. Ela se envolve profundamente com a identidade do indivíduo e a sua escolha de identidade. Num certo sentido, a escolha da identidade é em si uma política. Temos então a política no nível de organizações, em decisões tanto de formar organizações como de guiá-las depois que tenham sido formadas. Podem ser organizações particulares, mas o conceito também é válido para as suborganizações dentro do Governo. O chefe de um departamento, por exemplo, pode ter certa margem de ação em relação às políticas adotadas, e o futuro será um pouco diferente, dependendo da diretriz escolhida. Finalmente, há uma política no mais alto nível de Governo, que é estabelecida por um processo muito complexo. Tem, como pano de fundo, o consenso geral em que se baseia todo Governo, mas aguçado e modificado e colocado em termos mais exatos no curso dos processos pelos quais as pessoas poderosas tomam decisões. Nesse nível, as políticas podem não ser muito explícitas, podem não ser nem mesmo muito coerentes. Todo aquele que é responsável por decisões, porém, deve ter uma política fundamental subjacente dentro da qual certas decisões são mais prováveis do que outras.
A política pessoal com relação a um sistema guerra-paz varia muito de pessoa para pessoa. Num extremo da escala está o pacifista, cuja política é abster-se da violência em todas as relações pessoais e recusar-se a aceitar qualquer papel que envolva violência, como o do soldado. O pacifismo, nesse sentido, é um pouco como a abstenção de bebidas alcoólicas ou o celibato. Isto é, é uma regra de vida que envolve certos tabus, tal como ter uma barba crescida envolve uma regra de vida com um tabu sobre o barbear-se. Nesse sentido, o pacifismo não é uma filosofia política, embora em geral resulte de certas imagens do mundo e certas avaliações desse mundo, em particular aquelas que atribuem um valor político muito reduzido à violência. Pode representar simplesmente uma atribuição de um valor muito baixo à ação política de qualquer tipo, embora tal interpretação não seja, de maneira alguma, universal entre os pacifistas. Os Amish, por exemplo, que simplesmente se retraem do mundo e criam sua própria cultura com um mínimo de contato com o mundo fora deles, são um exemplo de pacifismo desse tipo. Se isso é realizável ou não, depende da natureza da sociedade. Foi possível nos Estados Unidos por 200 ou 300 anos. Por vezes esse pacifismo total entra em colapso, como na Rússia da época da primeira coletivização, quando os menonistas foram, em grande parte, destruídos pela fúria de Stalin. Trata-se, porém, de um princípio perfeitamente geral, o de que a capacidade de sobrevivência de qualquer espécie depende de seu meio ambiente. O pacifismo de um tipo menos retraído, como o dos quacres na Pensilvânia antiga, envolve dilemas morais sérios, mas não estamos nunca livres desses dilemas, qualquer que seja a política pessoal que escolhemos.
É uma área na qual estou profundamente envolvido como indivíduo e também como cientista social. Espero que possa examiná-la objetivamente como parte do grande ecossistema da sociedade. As experiências pessoais que levam ao pacifismo, como as que levam à alienação e ao IRA, são em geral especiais ao ambiente particular da pessoa. Há, aí, um campo de estudo interessante e um tanto inexplorado. Mesmo em meu próprio caso, eu teria dificuldade em dizer quais as experiências de infância que me convenceram, à idade de 14 anos, a escolher uma identidade que me levou a ser quacre. Refletindo sobre isso, parece-me ter sido um senso quase inconsciente de que eu havia sido enganado, quando criança, pelo fervor patriótico da Primeira Guerra Mundial. Não há destruidor mais poderoso da legitimidade do que um senso de ter sido enganado e de ter ouvido mentiras. Mas nunca me senti livre para fazer um julgamento ético dos que escolheram outras identidades, exceto talvez aqueles cujas identidades envolvem o engano. Na verdade, creio que sempre me senti mais próximo do soldado honesto do que do pacifista escorregadio. É uma questão de política individual e cada um deles deve estabelecer a sua, embora afetado pelo ambiente que os cerca, bem como escolher uma identidade de conformista ou não-conformista.
Os efeitos gerais da política pessoal sobre a sociedade são difíceis de avaliar. Os pacifistas, por exemplo, foram sempre um grupo muito pequeno. Foram por vezes acusados de provocar a guerra, sabotando a dissuasão, embora fosse difícil encontrar exemplos disso. Sua influência na deslegitimação da guerra como instituição foi, possivelmente, grande. Por vezes, é preciso apenas uma criança para dizer que o imperador está nu. Quando a instituição está madura para deslegitimar-se, uma pessoa apenas, como Martin Luther King, pode ter um impacto enorme.
No extremo oposto do pacifista temos o militarista, a pessoa cuja política e identidade envolvem a aceitação sem críticas da guerra como uma instituição social necessária, da qual o indivíduo participa com sinceridade. Pode ser apenas um pacifismo "moral", embora também possa estar sujeito à corrupção pelos que têm na guerra uma legitimação do sadismo e da maldade, e uma desculpa para a devassidão sexual e o roubo. Entre os dois extremos está todo um espectro de política pessoal, que vai desde o serviço não-combatente à sabotagem silenciosa da atividade militar (um número surpreendente de soldados na Guerra da Coréia não disparavam seus fuzis) até um desempenho penoso e constrangido de um dever desagradável e moralmente duvidoso e até o militarista convicto. A distribuição dessas políticas pessoais na população pode ser um elemento importante na capacidade de uma nação, por exemplo, de conduzir uma guerra. Não há dúvida de que no Vietnã os Estados Unidos foram impedidos de exercer mais do que uma fração de seu poderio militar, devido à impopularidade da guerra e ao caráter influente e ativo dos dissidentes. Também nesse caso a destruição da legitimidade do Presidente Johnson no espírito de muita gente que se sentiu enganada, porque as declarações por ele feitas durante a campanha eleitoral não representavam a sua verdadeira posição, teve certo impacto na deslegitimação da operação.
O sonho dos pacifistas, de que "algum dia alguém fará uma guerra e não aparecerá ninguém" talvez seja irrealista, mas o impacto da deslegitimação da guerra através da política pessoal não deve ser subestimado. A guerra pode ser relegitimada, é claro, por um senso de crise, de profunda ameaça aos valores prezados, e assim por diante. Na dinâmica da sociedade, vemos uma espécie de gangorra entre o cansaço da guerra e a deslegitimação da guerra e a inclinação à guerra e a sua relegitimação, mas à medida que os custos da guerra se tornam cada vez mais onerosos suspeitamos que o equilíbrio da dinâmica da legitimação se fará do lado da paz.
A política organizacional em relação à paz envolve uma grande variedade de organizações. Num extremo, temos as organizações do movimento de paz — pequenas, dispersas e com frequência em luta entre si. Até mesmo no movimento pela paz, a paz é instável, embora as formas de conflito sejam muito moderadas. Um fato significativo no século XX foi o aparecimento de organizações para a resistência não- violenta, embora tenham sido habitualmente esporádicas e de vida curta. Isso está documentado, em detalhe, no trabalho de Gene Sharp,[23] Gandhi e Martin Luther King são, é claro, os expoentes mais conhecidos, mas há atualmente uma grande história de não-violência organizada, e que teve com frequência certa eficiência em conseguir a independência nacional, no caso da Índia, e a transformação social, nos Estados Unidos. Baseia-se numa visão do sistema social mais holística e integrada do que a da teoria militar convencional. Explora os fatores integrativo e legitimador no sistema de uma forma que a ação violenta seja da guerra interna ou externa inevitavelmente não consegue fazer. A não-violência, porém, ainda é parte do sistema de ameaça, mesmo quando envolve a não-submissão às ameaças, pois seu poder está na deslegitimação da ameaça autoritária. Como em qualquer outra invenção social, pode haver abusos nela, mas tem a virtude peculiar de que, quando o abuso ocorre, dificilmente é muito intenso, pois seu poder depende do recurso à legitimação e ilegitimação latentes e, a menos que estas estejam presentes, ela será impotente. Mesmo quando provoca a violência, como ocorre por vezes, a situação total terá, mais provavelmente, uma dinâmica proveitosa que levará à integração final, ao contrário do que pode fazer o apelo inicial à violência. O poder de Gandhi, por exemplo, estava em sua capa- cidade de solapar a confiança dos britânicos na legitimidade de seu próprio império. Se o império não lhes fosse um ônus econômico, como quase certamente foi; talvez Gandhi tivesse menos êxito. Mas o ônus econômico existe com frequência por um longo tempo, apoiado pelo hábito e vaidade, a menos que sua legitimidade possa ser destruída.
Além do movimento da paz, devemos também examinar as organizações privadas de apoio à instituição da guerra, como a Liga da Marinha, a Legião Americana e os grupos de pressão dos fabricantes de armas e da indústria bélica. Na maioria das sociedades, tais grupos parecem ser muito mais poderosos do que as organizações do movimento da paz, talvez porque a guerra envolve as pessoas de uma forma intensa e sacrificadora, que raramente encontra paralelo nas organizações do movimento da paz. Vemos, também nesse caso, o princípio da armadilha do sacrifício. A prisão e o exílio para os que fazem objeções de consciência à guerra em geral contribuem para aumentar sua dedicação ao movimento da paz e aumenta a legitimidade deste. O sofrimento e a morte dos que têm objeções de consciência são, porém, pequenos se comparados, ao sofrimento e morte dos soldados, não sendo surpreendente que tal sacrifício crie um forte sentimento de identificação com as instituições militares. Isso ocorre particularmente com as pessoas da zona rural e da classe operária, entre as quais o movimento da paz é em geral muito fraco, e para as quais a participação na guerra com frequência é a experiência mais intensa da vida delas. A exigência de sacrifício espetacular cria a lealdade.
Chegamos, então, à política das próprias forças armadas, na medida em que elas dispõem de uma margem para realizar políticas diferentes daquelas que o Governo tem. As sociedades diferem muito em relação ao poder das forças armadas de determinar suas próprias políticas. Nos Estados Unidos, por exemplo, a tradição de controle civil é muito acentuada, embora o poder real do Governo civil só ocasionalmente se evidencie - como por exemplo na demissão do General MacArthur pelo Presidente Truman. Na maioria dos países pobres, mas nem todos, a ditadura militar é a regra, embora com alguns intervalos de Governo civil. Nem sempre acontece, porém, que os Governos militares favoreçam os militares como organização, pois os cuidados e responsabilidades do Governo civil podem, por vezes, afastar os militares das tarefas e políticas militares. É bem possível que as organizações militares e paramilitares de um Governo Civil, como a CIA nos Estados Unidos, tenham maior poder sobre a política do Governo do que as organizações semelhantes num país onde há, oficialmente uma ditadura militar. Isso é difícil de saber.
Há uma tendência crescente para que os militares sejam profissionais altamente especializados, que desenvolvem uma espécie de ética profissional. Por outro lado, como outros profissionais, não são avessos à expansão de seu poder, influência e renda. Nas sociedades democráticas o orçamento militar é, em última instância, uma decisão do Legislativo. Os militares têm considerável poder nos Legislativos através de suas organizações de pressão parlamentar. Acredita-se que exista um representante do Pentágono, encarregado de exercer pressão, para cada dois membros do Congresso, pelo menos, mas seu poder é limitado pelas percepções dos legisladores em relação à situação internacional. A ideia de que os países têm um grande orçamento militar devido ao seu desejo de evitar o desemprego ou acalmar um ponderável setor da economia é, em grande parte, uma ilusão, embora tenha ocasionalmente elementos de verdade, especialmente em relação aos projetos de legisladores particularmente poderosos.
No todo, as decisões sobre os orçamentos militares tendem a ser guiadas pelas percepções de ameaças do exterior ou de instabilidade geral do sistema internacional, e não por considerações rigorosamente internas. Como dissemos no capítulo 1, os gaviões no Congresso dos Estados Unidos, por exemplo, não vêm de distritos com acentuada porcentagem de indústria bélica, mas do Sul e de áreas rurais, onde a ideologia militar tende a ser a norma moral. Isso não elimina o fato de que há certos legisladores com determinados interesses econômicos nas organizações militares, mas eles tenderão a ser impotentes sem um sentimento generalizado de ameaça à segurança nacional. Não é de surpreender que os militares tentem criar um sentimento de insegurança nacional, pois dele se beneficiam. Estimativas dos armamentos russos, por exemplo, feitas pelos militares americanos e pela CIA, são muito maiores do que as estimativas feitas pelo Instituto Internacional de Pesquisa de Paz, de Estocolmo. É uma fonte profunda de instabilidade do sistema internacional, pois cada nação tende a considerar a ameaça de outra nação como maior do que é na realidade - daí, cada nação aumenta sua própria contra-ameaça proporcionalmente.
Finalmente, chegamos à questão de se um Governo nacional pode ter uma política de promoção da paz autêntica e bem-sucedida. Essa política não deve ser necessariamente julgada pelo critério de um sucesso de 100%. Uma das coisas que provavelmente contribuem para que uma política de paz não seja levada a sério é não ser ela considerada, em termos de probabilidades, como um plano para diminuir as possibilidades de guerra, mas julgada em termos absolutos, de forma que um colapso que leve à guerra pode desacreditá-la totalmente. Outro obstáculo a uma política de paz adequada é o sentimento generalizado de que o sistema guerra-paz é um ambiente essencialmente incontrolável, ao qual as nações podem reagir individualmente, mas que na verdade não podem controlar, tal como não podem controlar as condições atmosféricas. Devemos lembrar, porém, que as depressões costumavam ser chamadas de tempestades econômicas.
No passado, a política de paz frustrou-se devido aos modelos inadequados e excessivamente simplificados do sistema internacional, que impediram abordagens ao problema baseadas em políticas refinadas, pertinentes e específicas. A primeira grande falácia é o axioma clássico de que a paz é garantida pelo equilíbrio de poder. Trata-se, essencialmente, de uma teoria de dissuasão. Pode provocar a estabilidade temporária, particularmente numa situação de razoável bipolaridade. Numa situação multipartidária, torna-se virtualmente impossível, devido à probabilidade de alianças variáveis. É o problema clássico do jogo de n pessoas. A metáfora do equilíbrio de poder é uma simplificação exageradamente grosseira da complexidade do sistema internacional e do processo de decisão que dele faz parte.
Há uma teoria oposta de que a paz é preservada pela preponderância do poder. Pode haver casos em que essa teoria se sustente por algum tempo, mas também se pode mostrar a sua instabilidade, simplesmente devido ao alto custo de manter o predomínio. Ser uma grande potência é extremamente caro e quase sempre prejudicial para as economias dos países que têm essa ambição, embora a própria ambição surja, com frequência, do êxito da economia no passado. Quase que poderíamos resumir a questão no aforismo de que a riqueza cria poder e o poder destrói a riqueza. A transitoriedade do império é um dos fenômenos mais notáveis na história humana, e a ocasional Pax Romana ou Pax Britannica foi onerosa para a potência imperial, de curta vida e não muito pacífica. A Pax Americana, na realidade, nunca chegou a existir.
Outra falácia, que poderíamos chamar de falácia do tudo ou nada, é a de que a única resposta à guerra é um Governo mundial e a destruição total da soberania nacional. A existência de ilhas de paz estável entre Estados soberanos sugere que o Governo mundial não é absolutamente necessário à paz. Além disso, a tendência constante para a decomposição de federações, ou mesmo de que os Estados federados entrem em guerras civis, sugere que uma federação não é, de maneira alguma, uma receita para a paz. Um Governo mundial seria, na realidade, tão fantasticamente heterogêneo, em particular no atual nível da comunidade mundial, que quase inevitavelmente degeneraria numa tirania de um partido ou de um grupo sobre os outros ou acabaria numa luta civil mundial. A analogia de 1789, usada com frequência pelos defensores do Governo mundial, é muito dúbia. As 13 colônias da América do Norte tinham uma cultura razoavelmente homogênea, uma mesma língua, uma herança comum, um inimigo comum e na década de 1860 já dispunham de cerca de 90 anos de história comum. Mas nem todo o aparato do Governo federal pôde impedir que a união se desagregasse na guerra civil, devido à sua heterogeneidade cultural.
Nos últimos trinta anos, a tendência foi realmente no sentido do desmembramento dos impérios e federações, e a criação de grande número de novos Estados soberanos, muitos deles extremamente heterogêneos, com fronteiras totalmente arbitrárias, em particular na África. Mesmo dentro dos velhos Estados soberanos, os movimentos separatistas aumentaram de força, como o dos galeses e escoceses na Grã-Bretanha, os bascos e bretões na França, os franceses em Quebec, os maias no México, os bengalis em Bangladesh — um dos poucos movimentos separatistas que teve êxito — os ibos na Nigéria, que foram o germe da abortada rebelião de Biafra, e assim por diante, em todo o mundo. E pergunta-se quanto tempo a União Soviética pode resistir como a última relíquia dos impérios do século XIX, frente à sua enorme heterogeneidade.
Parece, portanto, que teremos de buscar soluções dissociativas para o problema da paz, e não soluções associativas, durante muito tempo ainda. Na verdade, há muito a dizer do ponto de vista da política interna de uma nação. As nações pequenas e homogêneas são muito mais fáceis de administrar e menos capazes de cometer erros sérios em política interna. A única instituição que se assemelha a uma federação bem-sucedida é o Mercado Comum Europeu. Mas ele não parece capaz de levar a uma federação política, e talvez em organizações com um objetivo especial, como esta, encontremos as soluções associativas, e não num sistema federal geral de Governo regional, ou mesmo mundial.
Outra política de paz que é também ilusória é a doutrina wilsoniana da segurança coletiva. A sua ideia básica era a de um tipo de contrato social hobbesiano de todos contra o agressor. Foi essa, na realidade, a teoria da Liga das Nações. Ela falhou, primeiro, devido dificuldade de fazer com que as nações concordassem na percepção e definição da agressão. O que A considera como agressão, B vê como defesa. A segunda dificuldade foi a situação que Garrett Hardin chamou de "uma tragédia dos comuns", na qual não havia direitos de propriedade definidos no sistema de defesa mútua nem qualquer organização comunitária com poder de distribuição. Talvez o fracasso da Liga das Nações se deva em parte à má sorte, bem como à má administração e má organização, pois teve de enfrentar uma situação muito excepcional com Hitler, que poderíamos talvez descrever como uma enchente dessas que ocorrem a cada mil anos, no sistema internacional, isto é, um acontecimento improvável. O problema da sustentação de um sistema sob uma catástrofe improvável é, decerto, muito real, mas um sistema que falhou nessas condições poderia ter sobrevivido em circunstâncias melhores. Não obstante, toda a visão wilsoniana do sistema internacional era um modelo excessivamente simplificado da agressão e resistência coletiva a ela, exigindo desse sistema uma considerável boa sorte para ter êxito.
A interpretação que proponho é uma abordagem modesta, um tanto fragmentária, mas, ao que espero, realista, de uma política de paz a longo prazo capaz de sobreviver a decepções e falhas ocasionais. É mais capaz de um crescimento a longo prazo do que os esquemas grandiosos que não têm muitas possibilidades de existir ou poderiam facilmente ser de uma instabilidade catastrófica, mesmo que viessem a existir. Ela examina o problema em termos de uma redução da tensão sobre o sistema e de um aumento de sua força de resistir à tensão, dependendo esta última, e muito, da convenção e do tabu. O objetivo não é produzir um sistema de força infinita capaz de resistir a toda tensão, mas simplesmente de reduzir a tensão e aumentar a força, e com isso intensificar a probabilidade de que o sistema resista à tensão.
A estratégia geral ressalta não só os contratos sociais positivos, como tratados, acordos, uniões e organizações políticas mundiais, mas também o que poderíamos chamar de contratos sociais negativos, isto é, acordos que podem ser tácitos e não documentados, de retirar certos pontos das agendas. Um acordo para abster-se de qualquer ação é, com frequência, muito mais fácil do que um acordo para agir. Estamos tão hipnotizados pelo poder do pensamento positivo e a suposta necessidade de sermos ativos, que subestimamos o enorme poder do tabu e da passividade. Lembramos a história apócrifa segundo a qual Eisenhower teria dito certa vez a Dulles: "Não faça nada, apenas fique aí."
Parece por vezes que a apatia é o maior poder do mundo, e a apatia quando representa uma abstenção de cometer o mal tem muito a recomendá-la. É um problema interessante saber se a apatia pode ser promovida pela política positiva. É certamente difícil fazer um discurso vigoroso em favor dela. Por outro lado, uma política positiva e explícita em favor do entendimento tácito é perfeitamente possível. Thomas Schelling mostrou que uma razoável margem de acordo é possível mesmo na ausência de comunicação entre negociadores.[24] Supomos, com demasiada facilidade, que tudo tem de ser explícito. Um modelo mais rico e mais realista do sistema social e internacional revelaria a enorme importância daquilo que não é dito, não é assinado, mas silenciosamente aceito como uma regra de comportamento. Sem esse elemento na vida social, todas as sociedades desmoronariam quase que da noite para o dia. O que procuro, aqui, é uma política de paz quase semiconsciente, comunicada por movimentos de cabeça, sorrisos e franzir de testa, e uma atmosfera de entendimento que sublinhe os acordos, tratados e declarações e com frequência represente toda a diferença entre fracasso e êxito.
O primeiro ponto dessa política geral seria a eliminação das fronteiras nacionais das agendas políticas, exceto em circunstâncias de forte acordo mútuo. Uma proporção muito grande da guerra internacional surge do descontentamento com as fronteiras existentes e das tentativas de modificá-las. A paz interna entre os estados dos Estados Unidos surge mais do fato do simples absurdo das fronteiras estaduais, que as elimina das preocupações de todos, do que da existência de um aparato federal que poderia resolver esse tipo de disputa, se surgisse. Em disputas sérias entre os estados, o Governo federal provavelmente seria impotente. É uma situação na qual a força do sistema não é muito grande, como a Guerra Civil mostrou, mas uma convenção de comportamento diminui a tensão e com isso preserva a paz. Os federalistas podem interpretar erroneamente a falta de tensão como força.
Há duas situações nas quais as fronteiras são removidas das agendas. Uma delas é quando as fronteiras são naturais e correspondem aos limites culturais, de modo que cada país é razoavelmente homogêneo e não tem irredentistas, isto é, populações que se identificam com ele, mas vivem em países vizinhos. Talvez fosse possível interpretar as duas guerras mundiais do século XX na Europa como métodos muito onerosos de estabelecer Estados razoavelmente homogêneos. Os Estados europeus de hoje são muito mais homogêneos do que eram em 1914, quando tivemos os grandes impérios heterogêneos da Áustria-Hungria e Rússia, bem como numerosos irredentistas em todo o mapa-múndi. Hoje, praticamente todos os alemães vivem numa das duas Alemanhas; quase todo os franceses estão na França, embora ali também estejam alguns não-franceses; quase todos os italianos estão na Itália, embora infelizmente a Itália compreenda também alguns austríacos no Tirol; e quase todos os poloneses estão na Polônia. Há húngaros na Romênia, mas isso é porque os romenos ocupam uma rosca, com húngaros no meio. Isso torna muito difícil o estabelecimento de fronteiras culturais. A situação presente significa que a tensão em relação a modificações fronteiriças reduziu-se muito na Europa, embora a migração recente das populações dos países europeus pobres, principalmente do Sul, inclusive a Turquia, para os países mais ricos do Norte, criou dificuldades potenciais para o futuro. Da mesma forma, a imigração de jamaicanos, paquistaneses e outros para a Grã-Bretanha criou certa heterogeneidade interna. Essas pessoas, porém, não são irredentistas, pois não criam problemas de fronteira.
Na África, temos a situação oposta. Como nos Estados Unidos, os limites dos novos países africanos são tão absurdos que quase toda gente recua ante a tentativa de modificá-los. São restos da era colonial, resultantes de erros geográficos dos europeus, e eles dividem muitos grupos culturais e linguísticos. Não obstante, não houve praticamente nenhuma guerra internacional na África na última geração, com exceção do Egito e do Oriente Médio, que é uma parte totalmente diferente da floresta. Houve várias sangrentas guerras internas — por exemplo, na Nigéria, Sudão, Congo (hoje Zaire) e Burundi — mas os incidentes com fronteiras internacionais foram pequenos, até a pressaga guerra entre Etiópia e Somália em 1977. É de esperar que essa paz internacional relativa venha a continuar. Certamente, qualquer tentativa, a esta altura, de retificar as fronteiras africanas em geral resultaria num caos total.
Na América do Sul, os problemas de fronteira diminuíram desde o século XIX, embora ainda existam alguns deles, subterrâneos, como por exemplo Bolívia, Peru, Chile e Paraguai. Na Ásia, a situação é muito complexa porque quase todos os países asiáticos têm considerável grau de heterogeneidade cultural. A Índia é uma enorme colcha de retalhos de nações potenciais, estando ainda em aberto a questão de se ela pode manter unidade suficiente para evitar a divisão. Se ela se dividir, as próprias populações talvez fiquem em melhor situação, com Estados mais controláveis. Birmânia, Tailândia e, em menores proporções o Vietnã, são também muito heterogêneos. A China é mais homogênea, embora Cantão seja muito diferente de Pequim e exista na China 50 milhões de povos não-chineses. Como a URSS, ela também representa um império do século XIX, pelo menos no Tibete e no extremo oeste. A União Soviética, como observamos, é extremamente heterogênea. A fronteira russo-chinesa é na verdade uma importante fonte potencial de conflito. Representa historicamente o auge da expansão tzarista.
Um segundo aspecto da política de paz seria a busca coerente daquilo que o Professor Charles Osgood chamou de "Iniciativa Gradual e Recíproca de Redução de Tensão".[25] Isso envolve uma imagem consciente do sistema internacional como processo de ação e reação numa sucessão constante, instável e dinâmica de decisões, atos, decisões provocadas, atos provocados e assim por diante, indefinidamente. Essa visão do mundo reduz o conceito de equilíbrio que com frequência dominou o pensamento sobre tais assuntos, embora sem negar que há um processo desse tipo que pode chegar pelo menos a um equilíbrio passageiro, que é difícil de modificar. Qualquer equilíbrio, porém, é um convite a imaginar novos padrões de comportamento que voltassem a provocar o processo de modificação. O processo de détente entre os Estados Unidos e a União Soviética, que remonta pelo menos a Eisenhower e Krushev, e começou talvez com a doutrina deste último, da coexistência pacífica, tem muitos aspectos do processo do Professor Osgood. Sua história ainda está por ser escrita. Esses processos não são novos e remontam a um período muito distante na história humana, embora nem sempre tenham sido reconhecidos como uma espécie de processo no campo geral do aprendizado da paz.
O processo do Professor Osgood começa por uma afirmação bastante específica, talvez mesmo dramática, ou um ato, dirigido contra um inimigo potencial (como a visita de Sadat a Israel em 1977), com o objetivo de reassegurar, e talvez mesmo indicar ou deixar implícito, um ato que poderia ser praticado como reação, embora isso seja um pouco perigoso, se o ato sugerido for demasiado específico. Se o inimigo potencial reage, então um terceiro ato pela primeira parte, um quarto ato pela segunda, e assim por diante, produziria uma dinâmica de ajuste de imagens nacionais, até que as imagens se tornem compatíveis. Se houver um equilíbrio nesse processo, será na direção da compatibilidade das imagens nacionais. E isso, ao que se suspeita, pode ser especificado com muito maior detalhe do que se faz atualmente. A maioria das negociações e interações no nível de sistemas internacionais é conduzida numa atmosfera de imagens nacionais implícitas, que com frequência podem ser muito ilusórias. Uma troca de informações sobre tais assuntos teria mais ou menos o mesmo papel no sistema internacional que tem o conselheiro matrimonial no conflito familiar, quando o sistema de comunicações produz, com frequência, imagens mutuamente falsas da outra parte. Em qualquer conflito de duas partes, A e B, há pelo menos quatro imagens em causa - a imagem que A tem de si mesmo, a imagem que A tem de B, a imagem que B tem de A, e a imagem que B tem de si mesmo — e podem ser muito diferentes. Não se segue, é claro, que se a imagem que A tem de B é igual à que B tem de si mesmo, e se a imagem que B tem de A é a mesma que a imagem que A tem de si, o conflito estará resolvido. Mas, se tais imagens forem muito diferentes, é possível que se sigam conflitos desnecessários e absurdos.
Uma dinâmica de paz não basta, por mais importante que seja. Num certo ponto a dinâmica tem de tornar-se explícita numa política de paz, expressa primeiro, talvez, numa declaração e num ato público dramático. Isso poderia ser iniciado por um único país, de preferência uma das superpotências. Poderia ser parte de uma declaração ou tratado das Nações Unidas, que todas as nações seriam convidadas a subscrever. Um primeiro passo poderia ser uma declaração pública de um Governo importante, afirmando o conceito de paz estável e fazendo dele um dos principais objetivos da política nacional. A principal função de uma declaração ou manifesto é criar hipocrisia, que é um poderoso agente da transformação social, pois quando a política real é considerada como demasiado diferente da política professada isso cria uma possibilidade de modificação no sentido desta última. Os manifestos, porém, tendem a ser pouco eficientes, a menos que resultem numa organização. Nem a Declaração de Independência nem o Manifesto Comunista teriam representado muito se não tivessem produzido organizações que lhes deram realidade e os propagaram.
O primeiro passo numa política de paz, depois do manifesto, portanto, deve ser a criação de um Departamento de Paz dentro do Governo, com várias missões. Deve educar o público e o Governo sobre o significado da paz estável e a dinâmica da política de paz através de escolas, imprensa, rádio, televisão, publicações, etc. Deve desenvolver um instituto de pesquisa nas técnicas de realização da paz estável, parte do qual poderia constituir uma operação interna, modelada talvez no Instituto Internacional de Pesquisa da Paz, de Estocolmo, e parte do qual poderia ser uma fundação, como a Fundação Nacional de Ciências, dos Estados Unidos, para estimular a pesquisa nas universidades e outros lugares. Parte dessa tarefa deveria ser a permanente coleta e melhoria de dados sobre os aspectos conflituais do sistema mundial. Parte disso seria um programa permanente na descrição e dinâmica das imagens nacionais, com o objetivo de aumentar- lhes a compatibilidade. Deveria haver também um programa como a atual Agência de Controle de Armas e Desarmamento, de preferência em escala muito maior.
Um terceiro elemento de uma política de paz compreenderia a exploração séria, tanto na teoria como na prática, de reações não- violentas a ameaças de violência, juntamente com a formação de organizações para desenvolver essas atividades não-violentas. A não- violência não constitui, de maneira alguma, uma panaceia universal, sendo porém um dos instrumentos do aperfeiçoamento humano que merecem ser mais claramente compreendidos e preparados, em relação tanto a seus limites quanto a suas potencialidades. Existe uma ampla e séria literatura sobre o assunto.[26] Já não pode ser considerada como uma excentricidade dos santos. Deve ser parte do currículo de toda academia militar. Deve haver institutos para seu estudo e organizações para ensiná-la. A não-violência representa uma expansão da agenda, ou repertório, dos responsáveis pelas decisões em muitos tipos diferentes de sistemas sociais. Pode ocorrer, como me disse um alto funcionário da defesa indiana, que ela seja muito mais adequada à agressão do que à defesa, mais adequada para provocar, por exemplo, a transformação social adequada do que para a defesa contra uma modificação social indesejada. Isso, porém, tem de ser investigado. O mais premente é que a não-violência seja levada a sério.
Um quarto aspecto de uma política para a paz compreenderia uma transformação gradual do papel dos militares, no sentido de soldados sem inimigos. Isso já está sendo feito em experiências como as forças das Nações Unidas no Oriente Médio, Chipre, Congo, etc., e em organizações como a Academia Internacional de Paz do General Rikhye.[27] É uma verdadeira invenção social. Seu uso, até agora, tem sido muito pequeno, em comparação com as enormes despesas em soldados com inimigos e em forças armadas nacionais. Não obstante, ela representa uma expansão lógica do papel e da cultura dos militares numa direção que tem um potencial enorme para o futuro. É de duvidar, porém, que as organizações militares existentes possam ser transformadas dessa maneira. O conceito do inimigo é tão fundamental para o ethos, a legitimidade e o moral militares, que o novo conceito seria sem dúvida considerado como uma ameaça às subculturas militares existentes. É significativo, porém, que grande parte da iniciativa no desenvolvimento de organizações em favor de soldados sem inimigos venha dos próprios militares, como Harbottle, que foi comandante das forças das Nações Unidas em Chipre.[28] É possível que transformações desse tipo sejam bem recebidas pelos militares inteligentes e sensíveis e que se sentem perturbados pelo fato de que o ethos e a cultura militares tradicionais se tenham transformado numa ameaça ao bem-estar humano, com as modificações da tecnologia militar e as novas condições do mundo. O impacto destruidor da Guerra do Vietnã sobre o moral e a legitimidade do estabelecimento militar dos Estados Unidos é o sinal de advertência de que o ethos militar tradicional talvez esteja na iminência de colapso e que algo de novo é necessário.
O quinto ponto de uma política para a paz seria as políticas nacionais que visassem ao fortalecimento da estrutura das organizações políticas mundiais, particularmente as intergovernamentais. As organizações internacionais não-governamentais só marginalmente estão dentro do âmbito da política nacional, embora existam problemas relacionados com sua operação dentro da nação. O grande furo na estrutura das organizações políticas mundiais é a ausência de qualquer organização para negociar o desarmamento. Os Estados Unidos e a União Soviética vêm fazendo tentativas pouco resolutas nas conversações SALT, que nada fizeram, porém, para reduzir o nível geral de armamentos ou mesmo reduzi-los em pontos em que poderiam causar mais problemas, ou seja, as fronteiras. Uma Organização das Nações Unidas para o Desarmamento, que em inglês teria a deliciosa sigla UNDO (desfazer), poderia agir como uma espécie de conselheiro matrimonial, como intermediário entre os vários responsáveis pelas decisões, esclarecendo os entendimentos, ampliando as agendas e eliminando obstáculos ao acordo. Poderia também desempenhar certo papel no policiamento, na inspeção de acordos, uma vez celebrados, e como observadora de toda a indústria bélica, como faz hoje o Instituto Internacional de Pesquisa da Paz, da Suécia, em menores proporções.
As negociações bilaterais de desarmamento são extraordinariamente difíceis na ausência de qualquer agência mediadora. Não é de surpreender que tenham realizado tão pouco. Há muitos lugares no mundo em que o desarmamento parcial e incompleto, a retirada de tropas da fronteira, a inspeção e a cooperação entre as forças armadas poderiam provocar uma redução na tensão e um aumento na força do sistema. A eficiência de uma organização de desarmamento seria evidentemente determinada em parte pelo seu próprio pessoal, e em parte pelo apoio a ela dado pelos vários Governos. Não há dúvidas, porém, de que ela se faz desesperadamente necessária. A proliferação quase inevitável de armas nucleares e a grave instabilidade potencial de um sistema multipolar tornam ainda maior a necessidade de uma Organização das Nações Unidas para o Desarmamento.
Eu gostaria de ver também uma Organização das Nações Unidas para a Espionagem, que espionaria todos e publicaria os resultados imediatamente. O sigilo no sistema internacional é, em si mesmo, uma causa muito importante de tensão. Produz equívocos e ilusões extraordinários. Na verdade, não há segmento do sistema social no qual as imagens do mundo, nas mentes dos poderosos responsáveis pelas decisões, sejam mais deliberadamente formadas por informações tendenciosas e inexatas. Mesmo que não pudéssemos ter uma Organização das Nações Unidas para a Espionagem, no estado atual da mitologia do sistema internacional, poderíamos ter pelo menos uma Organização das Nações Unidas para a Informação, para estudo e publicação de indicadores sociais de tensão no sistema e, com mais dificuldade, de sua força. Com as atuais técnicas de análise dos dados relativos a acontecimentos, e análise de conteúdo, muito se poderia fazer para apresentar a imagem corrente do sistema internacional, à medida que se modifica dia a dia, em termos relativamente livres de tendenciosidade e baseados numa amostragem objetiva. É de esperar que isso complementasse e talvez finalmente suplantasse o enorme aparato de informação tendenciosa recolhida e processada através de espiões, diplomatas, ministérios do exterior, etc.
As organizações de informação pública são, na realidade, necessárias a muitas esferas da vida, para compensar a inevitável corrupção da informação, à medida que flui através de uma grande organização para os poderosos tomadores de decisões. Um amigo meu visitou certa vez um alto oficial no sétimo andar do Departamento de Estado e o encontrou separando os telegramas para serem encaminhados ao presidente, mas selecionando apenas os favoráveis. Isso parece repetir-se em todos os Governos e toda grande hierarquia no mundo, não sendo de surpreender que tantas decisões más sejam tomadas por pessoas poderosas. Poderíamos imaginar o que seria a política econômica se confiássemos, para nossa informação econômica, em espiões que recolhessem rumores nas câmaras de comércio e escritórios de sindicatos. É uma paródia perfeitamente reconhecível de como a chamada comunidade de informação funciona.
Talvez pudéssemos até mesmo visualizar uma Organização das Nações Unidas para Transmissão de Imagem, que se dedicaria ao estudo e ampla publicação das imagens que cada país tem de si mesmo e dos outros e buscasse deliberadamente induzir os Governos nacionais a modificar imagens na direção da compatibilidade. Tenho dúvida de que essa organização pudesse ser muito eficiente, mas poderia constituir-se num símbolo de uma deliberada política de modificação de interesses nacionais. Uma parte importante da teoria do sistema internacional é que o interesse nacional é uma variável, e não uma constante, do sistema. As modificações nas imagens que uma nação tem de seus interesses são de uma importância enorme para se determinar se o sistema funcionará bem, sendo por isso absurdo considerar o interesse nacional como algo fixo e quase dado por Deus. As discussões generalizadas em todo o mundo sobre quais deveriam ser os interesses nacionais poderiam abrir uma nova era de flexibilidade e uma melhor possibilidade de que essas imagens do interesse nacional se inclinem para a compatibilidade através de políticas deliberadas.
Um sexto ponto de uma política para a paz seria uma posição dos Governos em relação às organizações não-governamentais e as políticas dessas próprias organizações. O aumento de seu número é um dos fenômenos mais notáveis dos últimos 150 anos, a começar com a União Postal Universal em meados do século XIX. Há agora cerca de cinco mil delas. Muitas são oficialmente reconhecidas pelas Nações Unidas. A sua variedade é, decerto, imensa. Vão desde organizações científicas a organizações profissionais, organizações religiosas, organizações de paz e organizações políticas. Como a maioria delas são apoiadas por alguma forma de subvenção, econômica ou filantrópica, tendem a escapar do tipo de investigação e avaliação recebido pelas organizações comerciais. Elas quase certamente contribuem mais para a força da estrutura mundial do que para a tensão, mas isso não as deve eximir de exame. Não poderíamos esperar que as Nações Unidas tivessem um serviço de avaliação de filantropia, mas poderia ser criado um sistema de informação e observação que não fosse indevidamente restritivo e ainda assim ajudasse os indivíduos a decidir quais as organizações a apoiar. A competição dessas organizações para filiação e apoio é sadia, se as informações a seu respeito forem dignas de fé.
Um sétimo e último ponto numa plataforma de política de paz é, como se poderia esperar, uma ênfase sobre a pesquisa. Uma ênfase sobre a pesquisa é uma operação minúscula se comparada com as somas imensas que são dedicadas à pesquisa e ao desenvolvimento militares. Há apenas umas poucas centenas de pessoas empenhadas naquilo que poderíamos chamar de pesquisa de paz, em todo o mundo. Se essa pesquisa se expandisse substancialmente, não há dúvida de que parte do dinheiro seria desperdiçado. Mas dificilmente poderíamos pensar em uma forma melhor de desperdiçar o dinheiro, à luz dos possíveis resultados. Há cerca de 25 anos participo do movimento de pesquisa da paz, que tem sido com frequência desanimador, mais difícil de financiar do que qualquer outra operação numa universidade. Isso reflete, em parte, o estranho limbo em que nos encontramos hoje, em que nem a paz nem a guerra é legítima. As atitudes que nos vieram de um sistema de paz instável tornam mais difícil às pessoas acreditar que um trabalho científico concentrado e sério poderia contribuir para levar o mundo para uma paz estável. O próprio movimento de pesquisa da paz não é uma empresa unida. Não obstante, produziu no decorrer dos anos uma literatura substancial. Grande parte dela é exploratória e experimental. Não podemos pretender nenhum êxito grande, como o ADN ou as construções pré-fabricadas. É absurdo supor, porém, que o sistema social em geral e o sistema internacional em particular não são assuntos adequados à indagação científica cuidadosa. Nosso sistema de informação pode ser muito melhorado e o mesmo pode ocorrer com nossas estruturas teóricas. À luz da enorme premência do problema, e da ameaça que a guerra representa hoje para a continuação da existência da raça humana, seria de pensar que nossa estratégia para a distribuição dos recursos de pesquisas daria à pesquisa da paz uma alta prioridade, em lugar das magras bagatelas que atualmente recebe. Esses problemas serão explorados mais detalhadamente no capítulo seguinte.
Estas sete propostas são modestas, todas atingíveis dentro de um razoável período de tempo, e constituem uma direção de modificação. Talvez o maior inimigo da raça humana seja o sentimento muito disseminado de que seus problemas devem ser resolvidos de uma vez por todas por algum golpe dramático. O universo não é assim. A raça humana é uma continuação de um grande processo evolucionário que se vem processando nesta parte do universo há bilhões de anos e que provavelmente continuará em algum outro ponto do universo por outros bilhões de anos. Na evolução, não há coisas certas, não há equilíbrio, há apenas mutação constante e interação ecológica. A busca de paz deve ser parte de um processo evolucionário. Sofrerá intermináveis reveses e decepções. O importante é que tenha uma direção em termos de aperfeiçoamento humano. O processo evolucionário está pontilhado de catástrofes, mas o processo em si sempre sobreviveu. A evolução é essencialmente um processo de aprendizado. Uma boa ideia ou um ideal é como um nicho vazio num ecossistema - alguma coisa acabará por vir a ocupá-lo. Assim como a estrutura genética da Terra aprendeu a fazer um olho nos organismos humanos e a fazer laboratórios espaciais, algum dia aprenderá a fazer a paz. É um processo penoso e só aprendemos com os fracassos, mas há uma assimetria nele: o erro pode ser descoberto; a verdade, não. O mal, quando descoberto, é rejeitado; o bem, quando descoberto, não é. É essa assimetria que dá à evolução uma direção, uma seta do tempo. Em nossa época, a seta aponta clara e inequivocamente na direção da paz.
A pesquisa, como uma atividade humana especializada na coleta de informação e produção de conhecimento, bem pode ter começado no sistema internacional quando os governantes antigos mandaram espiões e diplomatas recolher informações sobre inimigos potenciais e com isso melhorar a própria imagem que tinham de seu ambiente político. Caleb e Josué e seus companheiros que foram enviados por Moisés para espionar a terra de Canaã[29] são um exemplo antigo de uma equipe de pesquisas, embora fosse mais de pesquisa de guerra do que de paz. O número de pessoas e o volume de recursos dedicados à pesquisa aumentaram quase que exponencialmente nas últimas centenas de anos e são hoje um elemento importante da sociedade, sobretudo nos países desenvolvidos. Colocamos mais de um terço de nossos recursos na chamada indústria do conhecimento.
Há pelo menos três níveis de atividade humana dedicados ao aumento do conhecimento, isto é, a melhoria de nossas imagens do mundo, de maneira a torná-las mais próximas da realidade exterior. O primeiro desses processos produz o que poderíamos chamar de conhecimento folclórico, ou o conhecimento que adquirimos nos assuntos comuns da vida. É principalmente o conhecimento de nosso meio ambiente imediato — nossa própria casa, nossa família, a cidade onde vivemos, as pessoas com as quais temos contato íntimo. Todos nós temos uma imagem da geografia de nossa cidade, por exemplo, e que está sendo constantemente revista no curso de nossas experiências, à medida que vamos a lugares que acreditávamos estar ali, e verificamos que se modificaram: um itinerário de ônibus foi modificado, os correios foram transferidos de lugar, uma rua de mão dupla passou a ter mão única, e assim por diante. O conhecimento folclórico é habitualmente muito preciso porque a reparação dos erros é muito rápida. O conhecimento folclórico das outras pessoas pode ser menos preciso do que o conhecimento de lugares, pois as pessoas são tão complicadas que há ampla margem de mal-entendidos e interpretações errôneas de sinais.
A segunda forma de atividade cognitiva poderia ser chamada de conhecimento literário. Começa antes da escrita, com o desenvolvimento dos contos folclóricos e poetas e cantores especializados, que transmitem o folclore e a história acumulados de seu grupo. Com o advento da escrita, o conhecimento literário expande-se enormemente. É representado pelos registros, histórias, jornais, telegramas diplomáticos, relatórios de espiões, memorandos internacionais, etc. O conhecimento literário pode originar-se em qualquer lugar, na experiência pessoal direta, mas essa experiência se traduz em linguagem, que é então retransmitida e retraduzida muitas vezes. O conhecimento literário é muito mais extenso do que o conhecimento folclórico. É necessário para que tenhamos um conhecimento de coisas que estão além de nossa experiência pessoal imediata, mas o que ganha em extensão tende a perder em precisão e atualização. Um erro em nossa imagem da cidade em que vivemos é facilmente corrigido. Um erro num relatório ou documento tende a perpetuar-se. O conhecimento literário, portanto, tende a ser julgado pela coerência interna, e não pelo teste direto. Isso, porém, leva facilmente à perpetuação do erro, pois a coerência pode significar simplesmente a coerência com nossas noções preconcebidas. Todos aqueles que recebem um conhecimento literário tendem a filtrá-lo através de uma imagem preconcebida do mundo, e as coisas que são incoerentes com essa imagem são habitualmente rejeitadas, a menos que tenham um poder e uma força lógica extraordinários. Nos tempos antigos, os portadores de más notícias eram, com frequência, mortos para que não se tivesse de lhes dar crédito.
O conhecimento literário é de grande importância no sistema internacional, o que explica talvez por que esse sistema é tão notavelmente suscetível de más decisões. As imagens que os poderosos tomadores de decisões têm do mundo tendem a ser corrompidas pelo seu próprio poder, pelos seus próprios pressupostos e pelo medo em que são mantidos pelos que lhes fornecem informações. Consequentemente, todo responsável por decisões opera num universo imaginário diferente. Não é de surpreender que as decisões se chocam ou frequentemente são catastróficas para aqueles mesmos que as tomaram.
O terceiro processo cognitivo envolve a produção de conhecimento científico. É uma tentativa, pela comunidade científica, de desenvolver conhecimento de grandes sistemas além de nossa experiência pessoal, estendendo-se na verdade até os limites mesmo do universo. Por isso, o conhecimento científico tem, quase que certamente, uma porcentagem maior de erro do que o conhecimento folclórico, mas também envolve processos pelos quais essa porcentagem de erros é sistematicamente reduzida, por meio de observação cuidadosa e instrumentada, através de registros permanentes e bem planejados, experiências pelas quais determinadas proposições podem ser testadas em situações artificiais e por meio de métodos matemáticos lógicos, pelos quais os sistemas teóricos podem ter a sua coerência submetida à prova. Enquanto o conhecimento literário repousa sobretudo na autoridade do autor e do transmissor, o conhecimento científico é uma tentativa de voltar à imediação do conhecimento folclórico em escala maior e em sistemas maiores.
A ciência caminha sobre duas pernas, a observação e a experiência, e todas as ciências encerram certas combinações dessas duas atividades. Algumas delas, como a Astronomia, recorrem mais à observação, enquanto outras, como a Química, se valem muito mais da experimentação. A revolução científica, cujas raízes remontam às civilizações antigas, desenvolveu-se num crescimento explosivo do conhecimento, a partir de Copérnico, há cerca de 500 anos atrás. A instrumentação teve um papel muito importante nesse processo: o desenvolvimento do telescópio, microscópio, máquina fotográfica e instrumentos elétricos ampliou de muito a capacidade de observação da raça humana, muito além do que poderia ser proporcionado pelos nossos sentidos desarmados. Isso nos obrigou a reajustes constantes da imagem que temos do mundo e do universo. A quantificação tem sido um elemento importante nessa expansão da observação, embora a ciência não se limite a uma simples redução de tudo a números, ao contrário do que pensa a convicção popular. Ela também compreende a descrição topológica e as estimativas qualitativas.
O movimento da ciência caracterizou-se por ondas nas quais aspectos particulares do universo foram subitamente iluminados e nosso conhecimento expandiu-se muito rapidamente em pouco tempo. Associamos um grande impulso na Astronomia com Copérnico, Kepler, Tycho Brahe e Galileu; na Mecânica, com Newton; na Química, com Dalton; na Biologia, com Darwin, e assim por diante. No século XX, vimos essas ondas na Física com Einstein, na Economia com Keynes, na Biologia Molecular com Crick e Watson, na Geologia com a tectônica de placas e na Astronomia com receptores de rádio e raios X. Há uma opinião comum de que a Física desenvolveu-se primeiro, a Biologia em seguida e as Ciências Sociais depois, sendo a Física a mais bem-sucedida, a Biologia depois e as Ciências Sociais ainda em sua infância. Isso é, em grande parte, ilusório. A Ciência Econômica, por exemplo, é mais antiga do que a Química, que ainda lutava com o flogisto, na época de Adam Smith. Além disso, a classificação das ciências em termos de sua segurança, isto é, a probabilidade de grandes modificações em sua imagem do universo, depende principalmente do tamanho da amostra recolhida, em relação ao universo total de seu discurso. Sob esse aspecto, as Ciências Sociais são provavelmente as mais seguras e as menos sujeitas a modificações radicais, com a possível exceção da Psicologia, ao passo que a Física e a Astronomia provavelmente recolheram uma amostra que é apenas uma pequena parte de seu universo total de vinte bilhões de anos e podem sofrer modificações muito radicais no futuro.
A pesquisa da paz é um movimento intelectual, principalmente dentro das Ciências Sociais, para que se apliquem os métodos da ciência aos problemas do conflito, à guerra e paz, e à melhoria desses processos. Como uma disciplina autoconsciente e um "colégio invisível" não tem muito mais de 25 anos. Um livro de Theodore Lentz, Towards the Science of Peace, publicado em 1952, é um marco importante na origem do movimento, que em bases mais esporádicas remonta, é claro, a um período muito anterior e herda uma longa tradição de estudos filosóficos, históricos e literários de guerra e paz e uma literatura clássica em muitas sociedades, no estudo do Direito Internacional e da Filosofia Política. Pensadores como Erasmo, Grócio, Kant, William Penn, e assim por diante, representam uma longa história do pensamento e preocupação humanos com os problemas de guerra e paz.
Quase todos os movimentos do conhecimento literário e filosófico na direção da ciência foram acompanhados por melhorias na instrumentação. O impacto do telescópio e agora dos receptores de rádio e raios X na Astronomia, e o microscópio e o microscópio eletrônico na Biologia, dificilmente pode ser exagerado. Nas Ciências Sociais, o século XX viu um aperfeiçoamento substancial na instrumentação, através do desenvolvimento de levantamentos de amostras, censos aperfeiçoados, estatística da renda nacional, indicadores sociais, etc. Isso resultou, primeiro, num substancial aperfeiçoamento no registro histórico, tal como o telescópio fez na Astronomia. Isso talvez se observe de forma mais dramática nos dados econômicos; antes de 1929, existia quase que exclusivamente umas poucas séries de preços históricos, dados sobre impostos e dados de comércio internacional recolhidos através dos postos alfandegários. A partir de 1929 nos Estados Unidos, e um pouco mais tarde em outros países, temos estatísticas da renda nacional que nos dão, ano a ano, trimestre a trimestre, um quadro permanente dos principais componentes da economia. A taxionomia está longe de ser perfeita, e há muitas coisas que não sabemos, mas ainda assim a melhoria é superior a tudo o que tivemos antes, e teve um impacto profundo na política econômica. Não podemos imaginar um presidente americano propondo hoje um aumento de impostos em meio de uma grande depressão, como fez Herbert Hoover em 1932, quando o desemprego era de 25%. Ainda somos fracos em informações sobre estruturas de capital e muito fracos em informações relacionadas com os impactos distributivos, mas esperamos melhorá-las na próxima geração. O desenvolvimento dos indicadores sociais tem sido menos bem sucedido do que a melhoria dos indicadores econômicos, simplesmente devido à grande complexidade e às dificuldades de medida dos aspectos não-econômicos do comportamento e organização humanos. O dinheiro, usado como medida, proporciona à ciência da Economia uma certa vantagem na quantificação, embora com frequência esta seja enganosa, pois a realidade é uma estrutura multidimensional que desafia a descrição em simples termos numéricos.
A indexação e a interpretação dos índices continuam sendo problemas cruciais nas Ciências Sociais. A realidade, fora de nós, consiste em padrões estruturais muito grandes, multidimensionais, mas temos uma grande necessidade de saber se uma determinada modificação neles representa um aumento ou decréscimo de alguma propriedade agregada. As propriedades agregadas, porém, são sempre enganosas, a menos que tenhamos consciência da estrutura heterogênea que tentam descrever. Assim, medimos o crescimento do corpo por um peso geral, sem nos preocuparmos se se trata do cérebro, de músculos ou de gordura. Da mesma forma, representamos o produto global da sociedade pelo PNB, sem considerarmos o fato de que o crescimento no PNB pode representar maior poluição, gastos supérfluos do Governo, ou maior produção de armas. Representamos o crescimento da população por um único número, sem levarmos em conta que ele pode indicar um aumento nos incompetentes, nos incapacitados ou nos dependentes. Representamos a inflação por um aumento no nível de preços, sem consideração com o fato de que isso envolve sempre modificações na estrutura do preço relativo, em que certos preços sobem mais depressa do que outros, e alguns até mesmo caem. Somamos o volume total de energia usado pela sociedade, sem pensarmos no fato de que esse uso se faz de muitas formas diferentes e com muitas finalidades diferentes, e que se podem modificar. Até mesmo a estabilidade em qualquer desses índices pode mascarar modificações na estrutura que lhes é subjacente, e devemos sempre ter consciência disso. O que não significa serem os indicadores inúteis: na verdade, são muito úteis, mas devem ser usados com grande cuidado.
Parece haver uma certa tendência nas disciplinas científicas de oscilarem entre o que poderíamos chamar de fase da bibliografia e a fase do manual didático. Na primeira, há uma grande fermentação intelectual, muita publicação, e surgem grandes bibliografias. Há talvez dois testes de uma disciplina nessa fase: um, tem ela uma bibliografia, e dois, pode-se prestar exame dessa matéria? Segundo qualquer um desses testes, a pesquisa da paz é uma disciplina bem desenvolvida, com ampla bibliografia, e, se alguém quisesse prestar exame dela, eu teria satisfação em testar seu domínio da bibliografia. Na fase do manual, o fermento intelectual produziu uma infusão homogênea, que pode ser resumida num livro didático. A disciplina dos estudos de conflito e paz, como vem sendo chamada, ainda não chegou a essa fase, mas espero que isso aconteça nos próximos dez anos. Consolidou- se como um campo de estudos em colégios e universidades, havendo hoje mais de 50 instituições que oferecem programas nessa área.
Outra característica de uma disciplina em sua primeira fase é o aparecimento de revistas especializadas e sociedades. Também sob esse aspecto é evidente que a pesquisa da paz é uma disciplina em ascensão. As Nações Unidas recolhem dados sobre especialistas em pesquisa de paz, bem como sobre institutos e publicações que a ela se dedicam. Em 1973, por exemplo, 14 países - dois na América do Norte, 10 na Europa e dois no resto do mundo - tinham 297 especialistas, 78 institutos e 483 publicações. Desses números, os Estados Unidos eram responsáveis por 70 especialistas, 43 institutos e 89 publicações. Há hoje um número considerável de revistas científicas sobre o assunto. A mais antiga talvez seja o Journal of Conflict Resolution, atualmente publicado pela Universidade Yale, e o Journal of Peace Research, publicado em Oslo. Há uma Associação Internacional de Pesquisa da Paz que se reúne a cada dois anos. Tem cerca de 14 anos de existência e publica a International Peace Research Newsletter. Sua contrapartida americana é o Consortium on Peache Research, Education and Development, que tem cerca de 10 anos de existência e coordena o trabalho de um substancial grupo de estudiosos.
A comunidade dedicada à pesquisa de paz não é apenas internacional, mas também interdisciplinar. Numa área como essa, nem sempre é fácil identificar a que disciplina se dedica um autor, mas uma estimativa aproximada sugere que cerca de 20% são sociólogos, outros 20% são cientistas políticos, cerca de 10% são psicólogos e psicólogos sociais, e o resto são educadores, físicos, biólogos, economistas, filósofos, historiadores, teólogos, advogados, cientistas militares e antropólogos. O conteúdo da pesquisa de paz é, decerto, muito menos interdisciplinar do que a grande variedade de seus participantes poderia sugerir. Os cientistas políticos tendem a se ocupar de Ciência Política, os sociólogos tendem a ocupar-se de Sociologia, os economistas, de Economia, e isso não nos deve surpreender. A pesquisa da paz é antes uma interdisciplina do que uma disciplina. Não tem a homogeneidade de disciplinas mais antigas como a Economia ou a Sociologia. Não obstante, podemos perceber o início de uma estrutura teórica comum que tende a lhe ser imposta pela subsérie do sistema social real de que se ocupa primordialmente. Se os estudos de conflito e paz constituem uma subsérie razoável no mundo real, deveríamos sem dúvida esperar que, qualquer que seja a estrutura e homogeneidade que tenha, será incorporada aos modelos com os quais tentamos compreendê-lo.
Um problema na taxionomia das ciências pode causar certa preocupação, se não for compreendido. Todas as ciências consistem em séries que se entrecruzam. Há, por exemplo, disciplinas intersticiais, como a Bioquímica e a Psicologia Social, e qualquer ciência A aplicada se entrecruza com grande número das ciências mais puras. A expressão "estudos de conflito e paz" sugere a existência de uma disciplina no estudo geral do conflito e sua solução. Na verdade, os franceses lhe dão um nome: polémologie. O conflito é um fenômeno universal nos sistemas sociais, existe dentro do indivíduo, das famílias, em todas as organizações, entre indivíduos, entre organizações, entre Estados, e assim por diante. Todos esses casos evidenciam semelhanças e diferenças, mas pode-se sem dúvida argumentar que as diferenças são bastante grandes de modo que os estudos de conflito constituem uma disciplina útil para o estudo do conflito, onde quer que ocorra. A Economia, por exemplo, gira em torno do fenômeno da troca, ou da produção, consumo e transferência de bens trocáveis, e pode-se argumentar que o estudo dos conflitos é uma disciplina com uma grande base teórica comum e amplas aplicações, tal como a Economia. Em seu aspecto comparativo, ela estuda as diferenças entre vários campos de conflito.
Temos também uma disciplina de estudos internacionais que tem como campo o sistema internacional. Este consiste nos Estados nacionais e suas dependências, especialmente a parte de sua atividade que se relaciona com suas relações mútuas. Também inclui as organizações governamentais internacionais, centralizadas em torno das Nações Unidas, bem como organizações internacionais não- governamentais, inclusive as empresas comerciais. No sentido amplo, inclui qualquer atividade que atravesse as fronteiras nacionais — comunicações, turismo, e assim por diante. O conflito é parte importante desse sistema, baseado em grandes proporções na ameaça mútua, mas não é todo o sistema, no qual existem muitos elementos não-conflituais. Há um grande cruzamento, portanto, entre o campo dos estudos internacionais e o campo dos estudos da paz e conflito. Cada campo tem também partes que não pertencem a esse cruzamento, em especial as partes não-conflituais do sistema internacional e as partes não-internacionais do sistema de conflito. A pesquisa da paz, no sentido limitado do estudo da paz como fase do sistema internacional, contrastando com a fase oposta da guerra, ocupa principalmente o cruzamento entre estudos internacionais e os estudos de conflito. Mas os limites não são claros, e no sentido mais amplo poderíamos quase argumentar que a pesquisa da paz deve ser a união dessas duas séries e não seu cruzamento, pois nem mesmo o conflito pode ser compreendido fora do contexto de um elemento não-conflitual bastante amplo no sistema social.
Outra série de problemas envolve a pesquisa da paz como uma disciplina aplicada como as relações trabalhistas ou os estudos sobre negros. Em qualquer campo aplicado, a questão é sempre esta: o que e a quem é aplicado? Um campo aplicado implica sempre uma estrutura de valor, por serem algumas coisas consideradas melhores do que outras. Portanto, o objetivo do campo aplicado é aumentar nosso conhecimento dos processos dinâmicos do mundo real ao ponto em que podemos, com mais habilidade, transferir o sistema de mal para melhor, e não de mal para pior.
No campo aplicado dos estudos de conflito, os problemas de valor são bastante difíceis e criam considerável conflito em si mesmos. É mais provável que cheguemos a acordo sobre os valores instrumentais, isto é, coisas que têm valor porque nos dão o poder generalizado de realizar várias outras coisas, em relação às quais pode haver desacordo. Nos estudos de conflito, o valor instrumental mais reconhecido seria a minimização do custo do conflito. Todo conflito envolve certo custo no sentido de que absorve recursos que poderiam ser usados para outras coisas, e o próprio conflito - seja não-violento ou violento - envolve uma diminuição do bem-estar do adversário. O custo é bastante claro em conflito violento, quando os recursos são usados pelos participantes para destruir os respectivos bens, mas de uma maneira mais sutil também pode ocorrer no conflito não-violento, quando a negação do consentimento impõe um custo àqueles que dele se beneficiaram. O comportamento de conflito é determinado, decerto, pela percepção dos custos e benefícios e estes podem ser pouco realistas. Uma das principais funções dos estudos de conflito é revelar situações nas quais a vitória não beneficiará o vencedor, embora todas as partes em conflito o suponham, ou o conflito não continuaria. Uma tarefa permanente da pesquisa do conflito é, portanto, a de revelar os conflitos ilusórios. Isso não significa, é claro, que todos os conflitos sejam ilusórios, e bem pode haver conflitos nos quais a pesquisa revele ser real aquilo que antes se considerava ilusório e que com isso intensifique o conflito.
Há uma acentuada diferença entre o valor da redução do custo do conflito e o valor da vitória. Poderíamos, sem dúvida, descrever dessa maneira a diferença entre a pesquisa da paz e a pesquisa da guerra - a primeira ocupa-se do custo decrescente do conflito, não importando quem vença, enquanto a segunda se dedica a vencer, não importando os custos. No mundo real, esses valores tendem a se misturar, tornando confusa a situação. Mas, quando a confusão é característica do mundo real, não há sentido em termos modelos que não a incluam.
Há uma controvérsia importante dentro do movimento de pesquisa da paz entre o que poderíamos chamar de visão limitada, que ressalta a importância da paz negativa, isto é, a paz como a ausência da guerra no sistema internacional, e o que poderíamos chamar de visão ampla, que ressalta a paz positiva, ou a eliminação da violência estrutural. Essa última posição está particularmente associada a um notável pesquisador de paz norueguês, Johan Galtung. Os europeus preferem, de certa maneira, a visão ampla, enquanto os americanos, a limitada, embora tal regra tenha muitas exceções. Galtung começou definindo a violência estrutural como qualquer estrutura na sociedade que produza expectativas de vida abaixo da expectativa normal de, digamos, mais ou menos 70 anos. O conceito expandiu-se rapidamente, porém, e, como definiu um crítico levemente hostil, "define a violência estrutural como qualquer coisa de que Galtung não goste". Até certo ponto, trata-se de uma disputa semântica sobre a definição da pesquisa da paz, embora exista no caso uma questão de substância, a de os processos que produzem a paz no sentido limitado serem ou não bastante semelhantes aos que produzem uma diminuição da violência estrutural, qualquer que seja a sua definição, de modo que possam ser reunidos numa disciplina única.
Parece estar-se formando o consenso de que a pesquisa da paz é uma subsérie imprecisamente definida de uma área muito maior de investigação, e que chamo de ciência normativa. É uma investigação, pelos métodos e ética da comunidade científica, das avaliações humanas e sua coordenação, de questões como o que se deve entender ao afirmar-se que as coisas vão de mal para melhor, e não de mal para pior, e, se podemos chegar a alguma limitação desse significado, que processos na sociedade levam realmente as coisas de mal para melhor, em vez de mal para pior? É, naturalmente, um estudo muito amplo. Inclui coisas como a pobreza, a opressão, o uso ilegítimo do poder, a defesa contra abusos do poder, a distribuição e a equidade, e assim por diante. É evidente que a pesquisa da paz no sentido limitado é uma subsérie desse tema mais amplo, embora uma subsérie muito importante, particularmente na época moderna, em que a incapacidade de resolver o problema da paz negativa pode resultar num enorme agravamento da condição humana e numa redução muito grande da paz positiva, em qualquer sentido da palavra.
Há um limite curiosamente vago entre a pesquisa da paz, e o que poderíamos chamar de pesquisa da guerra, não tanto no nível da pesquisa de desenvolvimento de armas — que é evidentemente pesquisa da guerra e consome um volume tão grande de recursos intelectuais e humanos — mas naquilo que se chama, com frequência, de estudos estratégicos, que é a abordagem da ciência social do problema de "como ganhar". Na realidade, a diferença nos valores básicos entre os pesquisadores da paz e os pesquisadores da guerra tem menos importância do que se poderia pensar para o conteúdo real da pesquisa.[30] Isso ocorre, presumidamente, porque ambos os grupos de pesquisadores estão investigando certos aspectos do mundo real e, embora os valores sejam parte do mundo real e certamente o modifiquem, há também um segmento muito grande desse mundo que é independente dos valores dos pesquisadores. Esses valores podem filtrar a percepção que eles têm do mundo real, mas não obstante esse mundo real tem uma tendência constante de romper os preconceitos que temos a respeito dele, não sendo portanto de surpreender que pesquisadores honestos (e supomos que a maioria deles o seja) que abordam um segmento semelhante do mundo real com valores diferentes podem obter uma considerável semelhança em seus resultados fatuais. As conclusões quanto ao comportamento ótimo ainda podem ser muito diferentes, pois isso depende dos valores aplicados.
Historicamente, grande parte do impulso psicológico da pesquisa da paz foi dada pelos membros mais ou menos descontentes do movimento de paz, que eram também cientistas sociais e que talvez sentissem que, embora o movimento de paz constituísse uma procura perfeitamente legítima de paz, não encerrava uma oferta. Esperava-se que a aplicação das Ciências Sociais a esses problemas poderia ser proveitosa, orientando a procura de paz para a oferta, isto é, para as políticas e decisões práticas mais capazes de promover a paz. Apesar de suas fortes ligações com o movimento de paz, a pesquisa da paz não é necessariamente pacifista no sentido habitual da palavra, ou seja, a de pessoas para as quais a violência é tabu. Consequentemente, as descobertas da pesquisa de paz podem ter utilidade até mesmo para aqueles que rejeitam os valores que lhe podem ter dado origem. A recíproca também é verdadeira: as descobertas dos pesquisadores da guerra podem ter considerável aplicação para os pacifistas, levando-os a expressões políticas mais realistas de seus valores pessoais.
As três grandes tarefas de qualquer disciplina científica são: primeiro, a formulação de estruturas teóricas; segundo, o desenvolvi- mento de um sistema de coleta de dados no segmento do mundo real de que se ocupa a disciplina; e, terceiro, a aplicação dos dados aos testes das teorias, e das teorias ao aperfeiçoamento dos dados. Em todas as três, a pesquisa da paz se destaca como uma disciplina viva, mas um tanto imatura. Não há para ela uma teoria única, universalmente reconhecida, internamente coerente. Quando houver, ela terá chegado à fase do manual didático. Há indicações de que essa fase não está muito distante e há na realidade um corpo considerável de teoria que evidencia pelo menos uma coerência moderada. A teoria que está surgindo é, surpreendentemente, também de grande relevância para a ciência normativa em geral, e a teoria da paz poderá vir a ser uma seção da história geral da ciência normativa.
As várias peças começam a combinar-se. Uma delas é a teoria dos jogos, em particular a teoria dos jogos de soma não-zero. Essa teoria foi formulada primeiro por John von Neumann e Oskar Morgenstern, nenhum dos quais pode ser classificado como pesquisador da paz, por nenhum esforço de imaginação, mas que não obstante fizeram uma importante contribuição para a teoria coerente do conflito. Talvez não seja por acaso que a obra clássica nesse campo seja intitulada The Theory of Games in Economic Behavior.[31] A Economia tem uma estrutura teórica considerável, aplicável ao conflito, em particular a teoria da competição entre os poucos. A teoria das corridas armamentistas de Lewis Richardson se enquadra bem nesse padrão, tal como a expus em meu livro, Conflict and Defense.
Outra teoria importante deve muito a Galtung: a distinção entre soluções associativas e soluções dissociativas para os problemas do conflito, sendo as primeiras as organizações políticas, o governo e a reunião de pessoas, e consistindo as segundas em propriedades e "boas cercas fazem bons vizinhos". Ambas são importantes para alguns dos problemas maiores da ciência normativa, como o que Garrett Hardin chamou de "tragédia dos comuns", onde a ausência de soluções associativas ou dissociativas leva ao desperdício de recursos e ao agravamento da situação de todos. Outro desses processos dinâmicos contumazes, como os chamo, é o dilema do prisioneiro, estudado em detalhe por Anatol Rapoport e Albert Chammah[32], no qual a racionalidade a curto prazo leva novamente a posições nas quais todos têm sua situação agravada. São, essencialmente, problemas de redução do custo do conflito, e não de vencer o conflito. Se as teorias ainda não parecerem muito coerentes, devemos refletir que se trata de uma condição geral das Ciências Sociais, onde os sistemas gerais teóricos da sociedade estão apenas começando a aparecer. Até agora, cada disciplina teve de desenvolver suas próprias estruturas teóricas, em grande parte na ausência de qualquer contribuição de outras disciplinas.
Com relação a coleta e processamento de dados, foram feitos progressos consideráveis nos últimos 25 anos. O Instituto Internacional de Pesquisa da Paz, de Estocolmo, por exemplo, recolheu um grande volume de dados sobre a indústria bélica mundial e tópicos correlatos. Os Professores Edward Azar e Thomas Sloan, da Universidade da Carolina do Norte, desenvolveram uma técnica para analisar "dados de eventos"[33] extremamente útil para organizar o padrão dos acontecimentos em processo no sistema internacional, dando-lhe configurações mais ou menos simples. O Professor David Singer e seus colaboradores da Universidade de Michigan analisaram a incidência da guerra e da paz, desde o início do século XIX.[34] O Professor Rudi Rummel, da Universidade do Havaí, desenvolveu um método muito elaborado de análise do fator, para descrever a dimensionalidade das nações.[35] Há muitos estudos importantes dos padrões de crise, e assim por diante. Existe um impressionante volume de trabalho empírico, a começar com os estudos de Lewis Richardson sobre as estatísticas das querelas mortíferas.
Prever o futuro da pesquisa é sempre uma tarefa precária, pois o conhecimento tem sempre de ser surpreendente. Se pudéssemos prever o que vamos saber dentro, digamos, de 25 anos, já o saberíamos agora. Podemos, porém, examinar as falhas em nosso conhecimento presente e que parecem ter uma razoável possibilidade de serem superadas pelos tipos de pesquisas que conhecemos atualmente. Talvez a maior falha esteja no estudo do processo de aprendizagem humano, do qual derivam as imagens que temos do mundo e os nossos valores. Uma falha importante, sob tal aspecto, está em nosso conhecimento dos fatores que sublinham as coerções íntimas do comportamento humano. Como sugeri nos capítulos anteriores, são com frequência os tabus, aquilo que as pessoas não fazem, que têm importância na criação da paz, e não se sabe ainda muito bem como esses valores internos são fixados. A diferença entre um Amin e um Nyerere está muito mais em seus tabus, aquilo que Nyerere se abstém de fazer e Amin não faz, e não em suas filosofias positivas e seus programas. Como se processam essas enormes modificações na estrutura do tabu, quando a guerra é deflagrada, é algo que realmente não compreendo.
Precisamos de muito mais estudos históricos de casos em que a paz estável foi alcançada. No todo, os historiadores se interessaram muito mais pela guerra do que pela paz, e na verdade tiveram a tendência de considerar a guerra como o estado de coisas normal, e a paz como uma aberração. Mas já há agora um número suficiente de casos de paz estável, para tornar compensadores os estudos cuidadosos. É bem possível que a pesquisa de paz se afastará um pouco da Economia onde os principais problemas não parecem demasiado difíceis e mesmo da Sociologia e Ciência Política, aproximando-se da Psicologia básica, do estudo do aprendizado e da História.
A questão final é talvez a mais importante de todas, é o grau em que a pesquisa da paz afetou as políticas nacionais no passado, ou é capaz de afetá-las no futuro. O efeito no passado, devemos confessar, foi muito pequeno. Os Governos ainda se valem de espiões e diplomatas para suas informações principais em relação ao sistema internacional, apesar de ser esse sistema notoriamente corrupto e muito mais capaz de produzir informação inadequada do que a verdade. Não obstante podemos perceber uma certa diferença na qualidade dos sistemas internacionais de hoje e o que eram há 25 anos, digamos, e ainda mais do que eram há cem anos. Henry Kissinger, por exemplo, embora seu trabalho se situe um pouco além da margem daquilo que consideramos habitualmente como pesquisa da paz, foi um ativista do sistema internacional muito mais sofisticado do que, digamos, John Foster Dulles ou o Sr. Kellogg, do Pacto Kellogg. A Guerra do Vietnã, porém, demonstrou a extraordinária inadequação da chamada comunidade de informações oficiais na produção de informações fidedignas capazes de guiar as políticas governamentais. Voltando- nos para o futuro, as atuais propostas no Congresso, que parecem ter possibilidades de êxito, para a criação de uma Academia Nacional de Paz, poderiam ter um efeito muito significativo a longo prazo, semelhante talvez ao do Conselho de Consultores Econômicos, criando um elo oficial entre a comunidade de pesquisa da paz e do conflito e os responsáveis governamentais pela decisão. Não devemos esperar muito dela, e há certo receio de que venha a ser corrompida. Não obstante, essas modificações institucionais com frequência introduzem uma tendenciosidade e uma assimetria no curso dos acontecimentos que aumentam a possibilidade de que as coisas passem de mal a melhor, e não de mal a pior.
Os próximos cem anos podem ser os mais cruciais que a raça humana já teve de enfrentar em toda a sua história. Uma guerra nuclear séria nos faria recuar muito, e de forma talvez irrecuperável, é certo. A explosão demográfica dos trópicos, bem como as perspectivas de um aumento constante nos preços da energia e das matérias-primas, a possível produtividade decrescente da pesquisa, e o declínio na taxa de aumento do conhecimento, sugerem que estamos na iminência de entrar num período de tensão crescente. Nessas circunstâncias, a pesquisa adquire importância esmagadora e pode representar a diferença entre a sobrevivência e a catástrofe. Admite-se ser a pesquisa de energia e matérias-primas, conservação e produtividade, de importância crucial para compensar o esgotamento dos recursos conhecidos. O que não se admite com a mesma facilidade é que a indústria bélica mundial, e ainda mais a sombra da futura guerra mundial que ela cria, diminua de muito nossa possibilidade de sobrevivência. Seria de pensar que a pesquisa das formas de diminuir o conflito e liberar esses recursos teria uma grande prioridade, mas infelizmente isso não acontece. O movimento de pesquisa da paz operou sempre com poucos recursos, e nunca teve muitas verbas. Nosso lema parece ser os milhões para os meios de destruição, mas apenas os tostões para a pesquisa sobre como economizar os milhões. Talvez seja preciso que ocorra uma catástrofe para despertarmos para a nossa loucura. Esperamos que não, mas devemos estar prontos quando chegar a oportunidade.
[1] W.S. Gilbert, The Mikado.
[2] Ou seja, a chupeta, em português. (N. do T.)
[3] João, XIV, 27.
[4] Filipenses, IV, 7.
[5] Na linguagem da teoria dos jogos, poderíamos dar a isso o nome de jogo da redistribuição. Não é exatamente a mesma coisa que o jogo da soma zero, no qual um aumento no bem-estar de A é igual a uma diminuição no bem-estar de B, pois há jogos de soma positiva (nos quais há um aumento no bem-estar total de ambas as partes) que são redistributivos, no sentido de que o lucro de uma parte e, claramente, a perda da outra. Assim, suponhamos que temos uma situação na qual o lucro de A é +5 e a perda de B, -3. É um jogo de soma positiva, mas ainda assim redistributivo. Num jogo de soma zero, se o lucro de A for +5, o prejuízo de B deve ser -5. No jogo de soma negativa, A lucra e B perde mais do que o lucro de A.
[6] Lewis F. Richardson, Statistics of Deadly Quarrels (Pittsburgh: Boxwood Press, 1960).
[7] Bruce Russett, What Price Vigilance? The Burdens of National Defense (New Haven: Yale University Press, 1970), pp. 56-90.
[8] Rudi J. Rummel, The Dimensions of Nations (Beverly Hills: Sage Publications, 1972)
[9] Vern Bullough e Raoul Naroll, Deterrence in History (Nova York: State University of New York Press, 1969).
[10] Kenneth E. Boulding, Conflict and Defense: A General Theory (Nova York: Harper, 1962).
[11]Adam Smith, The Wealth of Nations, edição Modern Library (Nova York: Random House, 1937), pp. 657-658.
[12] Lewis F. Richardson, Arms and Insecurity: A Mathematical Study of the Causes and Origins of War (Chicago: Quadrangle Books, 1960).
[13] Kenneth E. Boulding, "The Parameters of Politics", University of Illinois Bulletin, 63 (15 de julho de 1966): 1-21.
[14] Ibid
[15] Ver especialmente Ted R. Gurr e Vaughn F. Bishop, "Violent Nations, and Others", Journal of Conflict Resolution, 20 (março de 1976): 79-110. Ver também Jonathan Wilkenfeld, org., Conflict Behavior and Linkage Politics (Nova York: McKay, 1973).
[16] Kenneth E. Boulding e Tapan Mukerjee, orgs., Economic Imperialism (Ann Arbor: University of Michigan Press, 1972).
[17] Bullough e Naroll, Deterrence in History.
[18] Kenneth E. Boulding, The Economy of Love and Fear: A Preface to Grants Economics (Belmont, Calif.: Wadsworth, 1973).
[19] John Rawls, A Theory of Justice (Cambridge, Mass.: Belknap Press, 1971).
[20] H. R. Varian, "Distributive Justice, Welfare Economics and the Theory of Fairness", Philosophy and Public Affairs, 4 (1975): 223-237.
[21] Smith, The Wealth of Nations, p. 532.
[22] Colaboradores e partidários de Ralph Nader, que promoveu investigações e estudos sobre questões de interesse público relacionadas principalmente com a defesa dos direitos do consumidor, nos Estados Unidos. (N. do T.)
[23] Gene Sharp, The Politics of Nonviolent Action (Boston: Porter Sargent, 1973).
[24] Thomas C. Schelling, "Bargaining, Communication, and Limited War", Journal of Conflict Resolution, 1 (março de 1957): 19.
[25] Charles E. Osgood, An Alternative to War or Surrender (Urbana: University of Illinois Press, 1962).
[26] Ver especialmente Sharp, The Politics of Nonviolent Action, p. 413.
[27] Ver as publicações da Academia Internacional de Paz, 777 United Nations Plaza, New York, N. Y., 10017
[28] Michael Harbottle, The Impartial Soldier (Londres, Oxford University Press, 1970).
[29] Números, XIII.
[30] Ver Kenneth E. Boulding e Elise Boulding, "The Homogeneity of International Studies: A Preliminary Analysis of the Content of Journals in the Field of International Studies", trabalho apresentado a uma conferência geral da UNESCO, Paris, 21-26 de julho de 1969.
[31] John von Neumann e Oskar Morgenstern, The Theory of Games in Economic Behavior, 2a ed. (Princeton: Princeton University Press, 1947).
[32] Anatol Rapoport e Albert Chammah, Prisoner's Dilemma: A Study in Conflict and Cooperation (Ann Arbor: University of Michigan Press, 1965).
[33] Edward E. Azar e Thomas J. Sloan, Dimensions of Interaction: A Source Book for the Study of the Behavior of 31 Nations (Pittsburgh: International Studies Association, 1975).
[34] J. David Singer e Melvin Small, The Wages of War, 1816-1965: A Statistical Hand- book (Nova York: John Wiley & Sons, 1972).
[35] Rummel, The Dimensions of Nations