Under the gaze of Ulysses

Species, words and other landscapes

a TRAVEL NOTEBOOK by Manuel Valente Alves


HOME | SPECIES | WORDS | STARS IN MY POCKET | GRAINS OF SAND | ABOUT | CONTACT

“Photographs, especially instantaneous photographs, are very instructive, because we know that they are in certain aspects exactly like the objects they represent. But this resemblance is due to the photographs having been produced under such circumstances that they were physically forced to correspond point by point to nature. In that aspect, then, they belong to the second class of signs, those by physical connection.” – C. S. Peirce, Collected Works (1931-1958)

“[...] escrever por intermédio de outrem, para quem é escritor, acaba por tomar a figura de não se poder viver por si, de viver sempre por outro, transformando-se o ser 'medium' para receber, para deixar passar, colocado num limiar em que o próprio vazio do presente se torna matéria impressionável para as ressonâncias alheias. A citação constitui, assim, para aquele que se confronta tão firmemente com esse vazio, um momento purificador, um propósito anárquico de revolucionar o presente, demonstrando a intransmissibilidade do passado como um todo e assegurando, ao mesmo tempo, que unicamente esta operação de recolha entre os restos possibilita a sua preservação.” – Maria Filomena Molder, "A paixão de coleccionar em Walter Benjamin"

“Palavras. Tudo o que eu tentava comunicar daquela experiência eram e são perífrases. Para aquilo que falava a partir de mim nós não temos nomes. Eu era o seu porta-voz, não de livre vontade. Aquilo que me dominava primeiro, antes que eu dissesse o que me ditava. Que eu dizia 'a verdade' e que vocês não me queriam ouvir - isso são os boatos que o inimigo espalhou. Não era por maldade, é que não entendiam mais do que isso. Para os gregos só pode haver verdade ou mentira, certo ou errado, vitória ou derrota, amigo ou inimigo, vida ou morte. Eles pensam de maneira diferente. O que não é visível, cheirável, audível, palpável, não existe. É a outra coisa, o que eles esmagam entre as duas claras distinções, aquela terceira coisa que para eles não existe, o que é vivo e sorri, que é capaz de se gerar continuamente a partir de si próprio, o indiviso, espírito da vida, vida no espírito. Anquises dizia uma vez que mais importante do que a invenção do malfadado ferro teria sido para eles o dom da compreensão.” – Christa Wolf, Kassandra (1983)

“In poetry, a fondness for description, and in painting, a fancy for allegory, has arisen from the desire to make the one a speaking picture without really knowing what it can and ought to paint, and the other a dumb poem, without having considered in how far painting can express universal ideas without abandoning its proper sphere and degenerating into an arbitrary method of writing.” – Gotthold Ephraim Lessing, Laocoon: An Essay upon the Limits of Poetry and Painting (1766)

“A igualdade straubiana não é a do fundo que absorve ou da cor que enaltece, é a igualdade do movimento de um corpo que se ergue para se apropriar da palavra, para afirmar, graças ao domínio do que a língua possui de mais sublime, a capacidade de acção e a força do pensamento daqueles a quem chamamos dominados.” – Jacques Rancière, "Os quartos do cineasta" (2004)

“Here, with all the weight of its dullness, enters the philistine's concept of art, to whitch any technical development is totally foreign, which with the provocative challenge of the new technology, feels its own end nearing. Neverthless it was this fetishistic, fundamentally anti-technological concept of art with which the theoreticians of photography sought for almost a hundred years, naturally without coming to the slightest result.” – Walter Benjamin, "A Short History of Photography" (1931)

“Quando na praia apanhamos uma concha aquilo que tão profundamente nos toca é isto: a forma que temos na mão é uma forma que não podia ser de outra maneira. É como se na concha estivesse escrito o pensamento do universo. Ele é verdadeiramente o fruto dum Kosmos, o fruto dum mundo ordenado, a palavra que confirma a nossa confiança.” – Sophia de Mello Breyner Andresen, O nu na Antiguidade Clássica (1975)

O termo species, que significa ‘aparência’, ‘aspecto’, ‘visão’, deriva de uma raiz que significa ‘olhar, ver’ e que se encontra em speculum, espelho, spectrum, imagem, larva, perspicuus, transparente, que se vê com clareza, speciosus, belo, que se dá a ver, specimen, exemplo, signo, spectaculum, espectáculo. Na terminologia filosófica, species é utilizado para traduzir o grego eidos (como genus, género, para traduzir genos); daqui o sentido que o termo adquirirá nas ciências da natureza (espécie animal ou vegetal) e na língua do comércio, onde termo significaria ‘mercadorias’ (em particular no sentido de ‘drogas’, ‘especiarias’) e, mais tarde dinheiro (espèces).” –– Giorgio Agamben, Profanações (2003)

“A tudo quanto sentimos e pensamos, a tudo o que é e o que somos, subjaz uma unidade eterna, superior, infinita. [...] A língua aponta a essa imensurabilidade com a palavra Deus. Esse algo Supremo manifesta-se como algo interior e exterior a nós na Razão e na Natureza, no entanto enquanto parte dessa manifestação, isto é, enquanto seres naturais e racionais, nós próprios sentimo-nos como um todo que leva em si natureza e razão, e nessa mesma medida, como algo divino. Graças ao qual se torna possível seguir duas direcções na via superior do espírito: ou bem nos esforçamos por reverter à sua originária unidade divina a multiplicidade e infinitude da Natureza e da Razão, ou, ao tornar-se o próprio Eu criador, representa a unidade interior mediante a multiplicidade exterior. Neste caso, o que se manifesta é o saber fazer, naquele, o conhecer. Do conhecer procede a ciência; do saber fazer, a arte. Na ciência o ser humano sente-se em Deus, na arte sente-se a si próprio Deus.” –– Carl Gustav Carus, "Dez cartas sobre a pintura de paisagem, com doze suplementos e uma carta de Goethe como introdução (1815-1835)"

“It is no more necessary to the understanding of a proposition that one should imagine anything in connection with it, than that one should make a sketch from it.” –– Ludwig Wittgenstein, Philosofical Investigations (1953)

“Nas montanhas de Delphos, sob o voo lento, pesado e quase imóvel das águias, ao meio dia, quando cantam todas as cigarras, quando se vê tremer o calor, a água que corre entre o arvoredo é gelada, e a sua frescura é radiosa como uma aparição. E na manhã de Epidauro a leveza, a transparência, a luz, a sombra, a doçura dos frutos, a forma perfeita das pequenas pinhas que rolam entre os cardos roxos, dão a cada instante uma paz apaixonada onde o espírito reconhece a possibilidade divina da sua própria existência. O ar esculpe cada som e ouvimos as palavras sílaba por sílaba. E no mar as ilhas aparecem rodeadas por um halo azul, por um arco-íris todo azul, que é como que a respiração dos deuses, a irradiação de uma felicidade divina interior ao universo.” – Sophia de Mello Breyner Andresen, O nu na Antiguidade Clássica (1975)

“Every efficient cause acts through its own power, which it exercises on the adjacent matter, as the light [lux] of the sun exercises its power on the air (which power is light [lumen] diffused through the whole world from the solar light [lux]). And this power is called 'likeness', 'image', and 'species' and is designated by many other names. [...] This species produces every action in the world, for it acts on sense, on the intellect, and on all matter of the world for the generation of things.” –– David C. Lindberg, Theories of Vision from Al-Kindi to Kepler (1976)