História da Colônia Antônio Justa

O processo histórico de formação do bairro Antônio Justa, localizado em Maracanaú, região metropolitana de Fortaleza/CE, pode ser pensado em relação a própria história do estado do Ceará e do Brasil. Esse espaço emergiu de uma política nacional, a partir do Ministério da Educação e da Saúde que, em 1923, criou o “Departamento de Profilaxia da Lepra” (DPL) para uma política sanitária que se utilizava da força policial para a vigilância, o controle e o isolamento de pessoas diagnosticadas com a Hanseníase. Nesse período ainda não havia os medicamentos e os conhecimentos científicos mais efetivos para a cura da doença que, até o final do século XIX, era tratada como uma doença bíblica e só depois, em 1874, como uma doença infecciosa, quando o médico norueguês Gerard Amauer Hansen conseguiu descobrir a bactéria da doença que atinge a pele e os nervos do corpo. 


No decorrer do século XX a Hanseníase passa a ser também um problema científico e social. No Brasil, tomaram-se algumas medidas arbitrárias de higienização social como a criação de um “modelo tripé”, construindo-se em diversos estados do país os “leprosários” (também chamados de “colônias”), os “dispensários” e os “preventórios” para onde eram levados os filhos recém-nascidos das pessoas que estavam isoladas compulsoriamente. Geralmente esse isolamento se dava também em sanatórios, hospitais, asilos, colônias agrícolas, ou até mesmo em domicílio, no caso das pessoas mais abastardas. 


Nessa política nacional de profilaxia foram criadas duas colônias de isolamento compulsório no estado do Ceará. A primeira colônia, Antônio Diogo, foi criada em 1928 na cidade de Redenção, e ainda hoje funciona como um Centro de Convivência que mantém boa parte da sua arquitetura preservada. A segunda colônia, Antônio Justa, foi criada em 1942, antes mesmo de Maracanaú se tornar independente de Maranguape no ano de 1983. Dai também a importância da história da colônia Antônio Justa para a compreensão da história do município de Maracanaú. Nesse período também foi criado o preventório Eunice Weaver, em Maranguape, que hoje funciona como uma escola pública. 


A colônia Antônio Justa foi administrada pela Congregação das Irmãs Capuchinhas e tinha o seu espaço dividido em três partes: a área asilar, onde se encontravam as enfermarias e os internos, os quais eram divididos em nove pavilhões com alas separadas para homens e mulheres; a área do Parlatório, que era um espaço destinado as visitas de amigos e familiares; e também havia a área dos funcionários. No entorno da colônia havia um cineteatro (onde atualmente funciona o CRAS – Centro de Referência da Assistência Social), um cassino, uma prefeitura, uma praça (ainda existente, mas muito deteriorada), uma delegacia, um campo de futebol, um cemitério (ainda existente), uma igreja católica (ainda presente e atuante no bairro), uma farmácia (que hoje é uma residência particular), um convento (onde hoje funciona uma escola municipal), uma gruta (ainda existente), e outros espaços de trabalho e lazer.


O isolamento compulsório deixa de ser uma política pública no ano de 1962, mas somente a partir de 1976, com a criação de uma portaria do Ministério da Saúde, é que se torna garantido um tratamento adequado e público para a doença. Mesmo com essa medida, ainda era possível identificar diversos casos de isolamento compulsório em todo o país até o final dos anos 80.


Durante os anos 90, a colônia Antônio Justa passou por diversas transformações  políticas, sociais e econômicas, as quais a transformaram em um bairro da cidade de Maracanaú, mantendo-se o nome de Antônio Justa. Essa transformação só foi possível por conta de uma ampla luta dos moradores com o Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase – Morhan e também a Associação de Agricultores da Colônia Antônio Justa. Atualmente alguns pavilhões estão sendo utilizados pelo Centro de Convivência Antônio Justa, onde residem oito ex-pacientes, entre 60 e 85 anos, que chegaram em períodos diferentes e, mesmo depois de curados da Hanseníase, ainda moram no espaço devido aos vínculos de convivência e de memória que foram criados ao longo do tempo. O Centro de Convivência é vinculado a Secretaria de Saúde do Estado do Ceará, que mantêm uma estrutura com profissionais para o cuidado do espaço e dos moradores, mas ainda é possível identificar uma série de problemas estruturais e de condições de trabalho nesse espaço. Um dos pavilhões atualmente é utilizado como Unidade Básica de Saúde de Maracanaú para as demandas do bairro. 


Outro fator importante para a história do bairro é a questão das terras que ainda hoje não foram regularizadas. Essas terras foram sendo cedidas pela União ao Estado do Ceará ao Município de Maracanaú. Inicialmente elas eram ocupadas por pacientes, ex-pacientes, ou familiares de ex-pacientes, com o direito a uma indenização do Estado pelo tempo de isolamento compulsório. Com o passar dos anos o bairro foi sendo ocupado também por pessoas de outras localidades que buscavam moradia e atualmente se percebe um avanço da especulação imobiliária com uma lógica de ocupação capitalista que se utiliza dessa terra, com uma longa história de sofrimento e luta, para a produção de capital privado. 


Entendemos que a história do bairro Antônio Justa precisa ser reconhecida e preservada como uma reparação de uma ação estatal nacional que teve sérias consequências também no Ceará e na cidade de Maracanaú. Se pensarmos que a ideia de Patrimônio Cultural diz respeito aos bens materiais e imateriais que podem ser considerados importantes para a identidade de uma nação, de um estado, ou de um município, não podemos esquecer-nos dessa reparação no bairro Antônio Justa, sendo necessário e urgente o tombamento de alguns bens materiais e arquitetônicos ainda existentes no bairro (o cineteatro, a praça, o cemitério, a igreja, a farmácia, o convento e a gruta) mas também a preservação dos objetos da antiga colônia Antônio Justa (o cofre, quadros, móveis, objetos decorativos e de cozinha, máquina de datilografia, telefone), e dos prontuários médicos dos pacientes e ex-pacientes (cerca de 2 mil prontuários) que são documentos de extrema importância para a compreensão dessa política de isolamento que ainda se atualiza de diversas formas no bairro. 


Texto de Jack Aquino (Coordenadora do IAJ)

A turma de enfermaria das mulheres

A turma jovem das funcionárias da Colônia

Preventório Eunice Weaver 

Durante o isolamento compulsório, os filhos dos internos que nasciam nas colônias eram tbm separados de seus pais. Com o objetivo de evitar a contaminação das crianças, elas eram levadas para um preventório logo que nasciam.  


Preventório Eunice Weaver 

Os órfãos de pais vivos, como eram conhecidos, ficavam lá até completar a maioridade. Muitos foram adotados, outros faleceram, há histórias de mals tratos e de desaparecimento de crianças contadas pelos que lá viveram. As crianças podiam visitar seus pais na colônia porém os internos contam que só podiam vê-los por trás de uma janela de vidro e muitas vezes não eram capazes de reconhecê-los pois eram muitas crianças. Não haviam vínculos entre a maioria deles pois não houve tempo para a construção do afeto, não foi permitido o cuidar. O Estado decidiu sobre a vida desses indivíduos e de seus filhos. Não lhes coube alternativa. 

Enfermaria dos Homens

Visita da D. Luiza Távora

As fotos datam de 1954 e foram feitas durante a visita da D. Luiza Távora, esposa de Virgílio Távora e bastante envolvida em ações de caridade. 

Congregação das Irmãs Capuchinhas 

Naquela época, haviam poucas pessoas dispostas a cuidaram dos doentes e a igreja trazia como missão o cuidado aos enfermos.

Portão de entrada para a Colônia Antônio Justa

Instituto Antônio Justa

Casas Antigas

Cineteatro

Igreja Santo Antônio - Colônia

Ponto Frio

Farmácia