O câncer está entre as maiores causas de morte na maioria dos países, sendo assim o principal problema de saúde pública mundial. A estimativa mundial apontou que ocorreram 18 milhões de casos novos de câncer no mundo e 9,6 milhões de óbitos em 2018 (BRAY et al., 2018). O INCA divulga as estimativas de casos novos de câncer, a fim de apoiar gestores, profissionais de saúde, pesquisadores e a sociedade, pela apropriação do conhecimento sobre nossa realidade (INCA, 2020). Os dados apontam que ocorrerão 625 mil casos novos no Brasil e nossa complexidade regional está refletida nesta estimativa. Por exemplo, a região Sudeste concentra mais de 60% da incidência, seguida pelas regiões Nordeste (28%) e Sul (23%), existindo também variação na magnitude e nos tipos de câncer por região. Devemos, portanto, gerar informações estratégicas acerca de nossa população para o desenvolvimento de ações eficazes na saúde pública do país. Neste sentido, nossa proposta em rede é singular uma vez que nos propusemos a investigar três grandes grupos tumorais que impactam nossa população, porém, para os quais, ainda há pouco conhecimento disponível. São eles: tumores hereditários, negligenciados e infantojuvenis. Ademais, também investigaremos o espectro e a prevalência de alterações genéticas somáticas e o perfil global de expressão gênica do Câncer de Próstata.
Cerca de 10%-15% do total de casos de câncer são hereditários. A identificação de indivíduos em risco para câncer hereditário é fundamental, dado que 1°) estes indivíduos apresentam um risco aumentado de desenvolvimento de câncer quando comparados à população em geral; 2°) familiares de um indivíduo afetado podem estar em risco; 3°) medidas de rastreamento intensivo e de prevenção reduzem significativamente o risco de câncer em portadores de mutação e, 4°) a identificação de um indivíduo não-afetado em uma família de risco tranquiliza o indivíduo e elimina gastos e complicações de rastreamento e intervenções preventivas desnecessárias. No entanto, no Brasil, existem poucos centros que realizam a identificação e acompanhamento dessas famílias de alto risco. Além disso, pouco se sabe sobre a prevalência de mutações e o perfil clínico dos brasileiros com câncer hereditário. Cabe destacar a situação única no país, relacionada à presença de uma mutação fundadora Brasileira no gene TP53 (R337H). Esta variante tem penetrância incompleta, com uma frequência de 1 em cada 300 nascidos vivos na região Sul, que é muito maior do que qualquer outra alteração patogênica já descrita no TP53, levando a uma estimativa de 600.000 brasileiros com a síndrome. O presente estudo irá caracterizar os principais genes e variantes germinativas patogênicas envolvidos no câncer hereditário em uma população altamente miscigenada como a Brasileira (sub-representada nos bancos de dados internacionais), permitirá a identificação de indivíduos e famílias em risco e o estabelecimento de associações entre as características genéticas e parâmetros clínico-patológicos. Como resultado desse trabalho, poderemos customizar um painel que melhor atenda às características genéticas e a diversidade da nossa população.
Embora o conhecimento científico acerca do câncer tenha aumentado substancialmente devido às extensivas pesquisas genômicas, experimentais e clínicas, estes avanços não contemplam tumores menos incidentes em países de alta-renda e que, entretanto, são considerados um desafio para países de média e baixa renda. Além de limitação de financiamento, este problema é consequência dos grandes avanços serem baseados em dados de pacientes de ascendência europeia, o que resulta na priorização de tumores mais comuns nestas populações e na negligência de tumores comuns em populações miscigenadas, como a brasileira. Estes incluem por exemplo tumores relacionados à infecção ao HPV e o melanoma acral, um tumor extremamente raro que representa menos de 2% dos casos de melanoma nos EUA e Europa, e até 50% dos casos em populações latino-americanas, como a do Brasil (Ossio, 2017). A carência de estudos genômicos e clínicos focados nestes tumores negligenciados dificulta a identificação de fatores genéticos envolvidos na sua carcinogênese e, consequentemente, atrasa o desenvolvimento de estratégias terapêuticas de precisão.
Os tumores que atingem a população infantojuvenil (0 e 18 anos de idade) apresentam uma história natural que difere da dos adultos devido a aspectos singulares com relação ao local primário acometido, à origem histológica e ao comportamento clínico. O câncer infantojuvenil é predominantemente de natureza embrionária e, frequentemente, afeta o sistema hematopoético e os tecidos de sustentação. O período de latência é muito menor, a agressividade é de modo geral maior, porém, apresentam melhor resposta ao tratamento na maioria das situações. O número de casos novos de câncer infantojuvenis esperados para o Brasil por ano será de 12.930 para o sexo masculino e 12.450 para o feminino, representando 1-4% dos tumores de todas as idades (INCA, 2020). Apesar de raro, registra-se 2.600 óbitos por câncer infantojuvenil no Brasil a cada ano, sendo a segunda causa de morte neste grupo (atrás de causas externas, como acidentes ou violência). A sobrevida em longo prazo apresentou considerável melhora em países ricos, especialmente devido ao uso de protocolos de tratamento que contemplam os aspectos genéticos da doença. O Brasil ainda não pode celebrar este sucesso devido a fatores como diagnóstico de baixa precisão, acesso desigual ao tratamento e toxicidade à terapia. Nosso estudo contribuirá com a identificação de biomarcadores, com a estratificação precisa do risco prognóstico e tratamentos personalizados, incorporando o conhecimento da patobiologia das alterações genéticas e epigenéticas, para um melhor desfecho para a população infantojuvenil brasileira com câncer.
O Câncer de Próstata (CaP) é a neoplasia maligna mais incidente e representa a segunda causa de morte oncológica entre homens brasileiros. Estimativas do INCA apontam 65.840 casos novos de câncer de próstata para cada ano do triênio 2020-2022. Esse valor corresponde a um risco estimado de 62,95 casos novos a cada 100 mil homens, superior à média mundial. O planejamento terapêutico do CaP ainda se baseia em preditores clínicos, como PSA e estadiamento local, e morfológicos, a classificação de Gleason. A caracterização do perfil genético tumoral tem sido uma estratégia de importância clínica crescente, com o potencial de permitir individualização de decisões terapêuticas. Apesar de já empregada em outros tipos de tumores sólidos, a personalização do tratamento baseada em estratificação genética/molecular não é uma realidade no CaP. A definição de fatores genéticos prognósticos é crítica, pois a classificação clínico-patológica se mostra ineficiente em evitar tratamentos desnecessários e identificar pacientes com maior predisposição à evolução letal da doença.
É uma abordagem emergente na medicina de precisão que permite personalizar a seleção e a dose do medicamento de acordo com as características genéticas do paciente. Visando contribuir para a inovação e biotecnologia no Brasil, os dados do INCT em Genômica do Câncer e Medicina de Precisão para o SUS poderão ser utilizados para (1) o desenvolvimento de plataformas diagnósticas para uso em prevenção primária e secundária, (2) prognóstico e decisão de tratamento, e (3) tratamentos baseados em evidências farmacogenéticas com base em recomendações consensuais internacionais.
A saúde de precisão traz esperança de cura para pacientes com câncer, muitos deles raros ou graves, como os que serão aqui estudados. A falta de estudos de grande escala nestes tipos tumorais é uma grande barreira na translação da pesquisa para a prática clínica. O país fica em um ciclo de dependência tecnológica e vulnerabilidade no desenvolvimento de produtos diagnósticos e terapêuticos. Soma-se a isso os desperdícios na assistência à saúde com condutas clínicas não preventivas, ineficazes e, por vezes, sem segurança. Por fim, há uma escassez de pessoal qualificado para a linha de cuidado dos cânceres hereditários, negligenciados e infantojuvenis. Portanto, é estratégico que o Brasil promova pesquisa e desenvolvimento nesta área.
Ao estudarmos estes tipos tumorais, dados genômicos e relacionados à saúde serão disponibilizados para demais cientistas interessados em realizar pesquisas subsequentes. Destaca-se, neste contexto, o desafio do compartilhamento seguro de dados, que é de fundamental importância para garantir o progresso contínuo em saúde humana. A diversidade de análises de Bioinformática previstas no projeto, assim como o grande número de dados a serem analisados, requerem uma infraestrutura adaptada para armazenar e processar os dados, com pipelines integrados e amigáveis, que permitam uma rápida extração de conhecimento dos dados pelos cientistas. Desta forma, propomos também a criação do ATPBr - Atlas Tumoral da População Brasileira, um repositório que abrigará os dados ômicos gerados neste e projetos afins. O ATPBr terá papel crucial no armazenamento, compartilhamento responsável e processamento dos dados tumorais, seguindo as melhores práticas para segurança e confiabilidade dos dados.