O Coronel José Manuel de Leão

O Coronel José Manuel de Leão: Pioneiro da Indústria de Charque e seu Envolvimento na Revolução Farroupilha


PIRES, Saldino Antonio. Monografia - CHARQUEADAS: Sua origem, sua história, sua gente. 1ª Edição, Folha Mineira, Charqueadas, RS, 1986


A narrativa daqueles que foram pioneiros na colonização de nossa região carece de um componente crucial, que é o conhecimento da vida do Coronel José Manuel de Leão, um indivíduo notável que desempenhou um papel de destaque ao inaugurar a indústria de charque na área em questão. Nascido na cidade de Laguna, Santa Catarina, José Manuel de Leão era filho de João José de Leão, que veio a falecer em 1798 aos respeitáveis 86 anos de idade, e de Dona Maria do Rosário. Ainda jovem, ele, juntamente com seu irmão Manuel José, fez a migração para o Rio Grande do Sul.

José Manuel optou por estabelecer-se na vila de Triunfo, onde construiu uma edificação em um terreno concedido pelas autoridades competentes, em conformidade com as resoluções administrativas da época. Posteriormente, ele adquiriu terras às margens do rio Jacuí, onde iniciou a operação de uma charqueada de bovinos, uma empreitada que se revelou altamente lucrativa e que consolidou sua fortuna pessoal. Este empreendimento deu origem ao nome atual de Charqueadas, que é o núcleo de população ribeirinha que pertencia ao município de São Jerônimo, outrora um distrito de Triunfo.

O Coronel José Manuel de Leão era casado com Dona Ana Ferreira da Silva, filha do Capitão José Ferreira da Silva e de Dona Maria Isabel de Azevedo. Esta última, por sua vez, era filha do ajudante José de Azevedo e Sousa e de Dona Bernardina do Espírito Santo Duarte, todos naturais da Colônia do Sacramento. Nota-se que a família Leão incluiu o poeta Leão, também conhecido como Corpo Santo, um precursor da poesia futurista no Rio Grande do Sul, como documentado por um eminente cronista da época.

Antes de 1835, a Província do Rio Grande do Sul sofria com a administração arbitrária do presidente Fernandes Braga, o que alimentava um crescente descontentamento entre os habitantes e patriotas gaúchos, levando a uma inclinação à oposição e a movimentos de reação. O presidente, todavia, persistindo em suas políticas equivocadas, testou a paciência da população, que recorreu, em vão, aos seus órgãos de representação para apelar ao governo central, que permanecia insensível às suas queixas. Essa conjuntura fomentou um clima propício para a eclosão de rebeliões.

O Coronel José Manuel de Leão, que chegara à Província ainda jovem, integrou-se completamente na comunidade rio-grandense e fez de Triunfo sua casa. Portanto, ele compartilhava os infortúnios que afetavam os gaúchos e demonstrava solidariedade em relação à revolta que os arrebatava. Além disso, ele era um homem de ideais progressistas, fervorosamente comprometido com a liberdade e o trabalho livre, empenhando-se incansavelmente no aprimoramento e no progresso de sua unidade industrial.

Os males que afligiam a Província e a indiferença do governo imperial, que visava explorar sua arrecadação à custa do seu desenvolvimento e bem-estar, pesavam fortemente na consciência do Coronel José Manuel de Leão. Esgotadas as vias pacíficas para solucionar essa situação desafiadora, os habitantes do Rio Grande do Sul decidiram, como último ato de desespero frente à opressão e perseguição, recorrer à guerra, desencadeando a Revolução Farroupilha.

O Coronel José Manuel de Leão, antigo residente de Triunfo e cuja ligação com a comunidade era notória, comandava a Legião da Guarda Nacional local, e desfrutava de prestígio e influência significativos no município. Ele liderou a conspiração secreta da Revolução Farroupilha, em conluio com Luiz Barreto e Sabino Cunha, com quem organizou as primeiras providências para o desencadeamento desse evento marcante na localidade.

No dia 20 de setembro de 1835, uma data que é emblemática na história do Rio Grande do Sul, o Coronel José Manuel de Leão encontrou-se a postos, defendendo a parcela da causa que lhe foi designada. Sua dedicação incansável e valor militar contribuíram para fazer de Triunfo um bastião crucial na Revolução Farroupilha.


Documentos de Época e a Participação do Coronel José Manuel de Leão na Revolução Farroupilha

A eloquência dos documentos históricos que subsistem em relação aos acontecimentos da época é digna de nossa atenção. Tais registros, atualmente compilados no Processo dos Farrapos, revelam facetas importantes de um período crucial na história do Rio Grande do Sul. Um exemplo notável é um ofício, destinado, sem endereçamento explícito, a uma personalidade de relevância na Revolução Farroupilha. Esse ofício, notavelmente, carece de uma data precisa, possivelmente por precaução. Entretanto, sua origem remonta ao ano de 1835.

Prezado Senhor,

Comunico que estou de posse do ofício que me fora enviado com data do presente dia. Expresso meus sinceros parabéns pelas boas notícias que gentilmente compartilhou conosco. Seria de grande valia a sua presença neste local, a fim de nos informar mais detalhadamente e verbalmente. Envio, como solicitado, as proclamações desejadas.

Atenciosamente,

José Manuel de Leão

Prezado Senhor,

Recebi o ofício com data de hoje, o qual me foi entregue pelo furriel Manoel Tavares de Carvalho. Agradeço pela sua oferta de permitir que ele retorne a sua residência para se restabelecer. Se houver necessidade, o avisarei. Conto com seu patriotismo e dedicação à causa. Que Deus proteja o Comandante da Legião, Coronel José Manuel de Leão.

Datado em 12 de março de 1836,

Assinado por Diogo Maximo de Sousa

É relevante mencionar que Diogo Maximo de Sousa residia em Novo Triunfo, atualmente conhecido como São Jerônimo, da mesma forma que o furriel Manoel Tavares de Carvalho. Em 27 de março do mesmo ano, Diogo recebeu um ofício do Coronel José Manuel de Leão, instruindo-o a "marchar com toda a presteza" para entregar mensagens urgentes. Anteriormente, em 6 de março, Diogo havia recebido outro ofício, no qual sua oferta de prestar assistência médica aos bravos defensores da liberdade, feridos na vitoriosa ação contra os retrógrados, foi agradecida.

O Coronel José Manuel de Leão demonstrou eficiência e continuidade em suas atividades. A Legião sob seu comando era vigilante e não permitia a eclosão de eventos inesperados, demonstrando um comprometimento sólido com as responsabilidades que lhe cabiam.

O Vice-Presidente em exercício da Província, Dr. Marciano Pereira Ribeiro, comunicou ao Coronel José Manuel de Leão o início de uma reunião de retrógrados em Santana e Faxinal. Assim que recebeu essa notícia, ele tomou medidas para reunir forças adicionais. Em 18 de março de 1835, o Coronel José Manuel de Leão enviou um ofício a Diogo Maximo de Sousa, após fazer referência aos soldados Justino Soares e Manuel Cardoso da Silva. Nesse ofício, ele transmitiu a informação recebida do Vice-Presidente da Província e deu ordens da seguinte maneira: "Ontem recebi um ofício do Vice-Presidente da Província, no qual ele informou sobre uma reunião de retrógrados em Santana e Faxinal. Portanto, ordeno que esteja pronto com alguns homens para marchar, no caso de ser necessário, a fim de dispersar tal reunião."

Em julho do mesmo ano, o Presidente Marciano Pereira Ribeiro, ciente da influência do Coronel José Manuel de Leão, atuou como intermediário em um ofício endereçado ao General Bento Gonçalves. Nesse ofício, o Presidente expressou sua gratidão pelo envio de sessenta e tantas tropas sob o comando do Capitão Bernardo de Sá Machado, o que reforçou significativamente as forças da capital. Ressaltou ainda que não tinha informações sobre as operações planejadas no Norte e no Rio Grande, assim como sobre os eventos envolvendo as forças de Bento Manoel e Bento Gonçalves.

Adicionalmente, nesta correspondência, o Presidente revelou sua intenção de remeter cartucheiras com o prisioneiro Germano, juntamente com o cunhete de cartuchos, bem como clavinas. As notícias solicitadas poderiam ser encontradas em um ofício, que ele encaminhará após lê-lo com atenção.

Essa correspondência atesta o valor moral do Coronel José Manuel de Leão e a confiança depositada nele pelos líderes da Revolução, incluindo Bento Gonçalves, com quem ele mantinha comunicações cruciais por seu intermédio.

Como coroamento dos esforços da comunidade da freguesia do Bom Jesus do Triunfo, a Regência elevou-a à categoria de município por meio de decreto datado de 28 de outubro de 1832. Neste mesmo dia, eleições foram realizadas para eleger juízes de paz e vereadores. Entre os eleitos para o primeiro quadriênio de vereança, destacava-se o nome do Coronel José Manuel de Leão.

Após concluir seu primeiro mandato com destaque e dedicação, o Coronel José Manuel de Leão foi reeleito para o mandato seguinte, que se estenderia até 1839. O início da Revolução Farroupilha o encontrou desempenhando essas funções, nas quais demonstrou seu apoio à reação da Câmara Municipal contra os abusos governamentais e, finalmente, aderiu ao movimento rebelde.

O Coronel Leão no Contexto da Revolução Farroupilha

Em 14 de outubro de 1836, teve início o Processo dos Farrapos no Juízo de Paz do 20º distrito da capital. Nesse processo, que visava julgar os acusados de rebelião, o nome do Coronel José Manuel de Leão ocupou o quarto lugar no rol dos acusados, imediatamente após os nomes do presidente Dr. Marciano Pereira Ribeiro, do General Bento Gonçalves da Silva e do Coronel Onofre Pires da Silveira Canto. Tal posição destacada evidencia a significativa contribuição de sua atuação revolucionária e a importância de sua figura na história desse período tumultuado. O promotor público o acusou de "anarquista", termo igualmente aplicado a outros acusados, e o juiz Manuel José Câmara pronunciou-o, juntamente com os demais corréus, com base nos artigos 110 e outros do Código Criminal, em 28 de outubro de 1836.

Apesar de enfrentar o processo judicial, o Coronel José Manuel de Leão não recuou em sua determinação. À frente da Legião sob seu comando, continuou a combater incansavelmente os adversários, mantendo o controle de Triunfo com coragem até a chegada da expedição liderada por Gabriel Gomes Lisboa, que foi apoiada pela esquadra da Marinha e desembarcou na sede.

A influência e a participação ativa de José Manuel de Leão nos primórdios da Revolução de 1835 são evidentes, conforme indicado em um ofício por ele dirigido ao juiz de paz de Triunfo, José Manuel de Maia. Nesse documento, ele solicita transporte com urgência para que uma força liderada pelo tenente Nazário José dos Santos, que vinha de Taquari, pudesse se unir às forças presentes em Triunfo. Ele ainda instrui o destinatário a impedir a passagem de embarcações para cima ou para baixo do rio, mantendo-as retidas na vila até segunda ordem. A correspondência, datada de 16 de junho de 1835, demonstra a ação proativa de José Manuel de Leão na mobilização das forças do Partido Liberal e a proteção da localidade.

O renomado historiador, Coronel Aurélio Porto, em suas "Notas à Margem do Processo dos Farrapos," oferece uma visão perspicaz de José Manuel de Leão. Ele o descreve como um charqueador abastado e fazendeiro que sacrificou tudo em prol do ideal que defendia. José Manuel de Leão foi um dos primeiros a se juntar à causa rebelde, enfrentando perigos extremos e perdendo a vida na defesa da República Farroupilha.

A Morte do Coronel José Manuel de Leão

No dia 21 de setembro de 1839, o Brigadeiro e Comandante da 2ª Brigada, Filipe Neri de Oliveira, recebeu um ofício do Major comandante do 5º Corpo, Francisco Pedro de Abreu, comunicando o ataque à charqueada e a morte de seu proprietário, o Coronel José Manuel de Leão. A operação foi conduzida com êxito, resultando na morte de sete rebeldes, incluindo o Coronel José Manuel de Leão e o assassino Antonio Turpim. Além disso, nove rebeldes foram feitos prisioneiros, juntamente com um considerável número de cavalos, gado e suprimentos. O Major Abreu relatou o sucesso da operação em detalhes, demonstrando a cooperação eficaz entre as tropas envolvidas.

O falecimento do Coronel José Manuel de Leão foi um golpe significativo para a causa rebelde. A família Leão de Charqueadas acredita ser descendente deste notável personagem da história farroupilha, preservando com orgulho seu legado.


REFERÊNCIA:

PIRES, Saldino Antonio. Monografia - CHARQUEADAS: Sua origem, sua história, sua gente. 1ª Edição, Folha Mineira, Charqueadas, RS, 1986.