Principais personagens: Faetonte, Febo, Tétis, os cavalos de Febo, Triões, Serpente, Boieiro, Bóreas, Aurora, Mérope
*Muitos personagens são meramente citados, mas não possuem nenhuma significância na história.
Resumo: Faetonte, filho de Clímene, busca confirmação de sua linhagem divina ao encontrar seu pai, o deus Febo, que lhe concede um pedido como prova de paternidade. Faetonte escolhe dirigir a carruagem do Sol por um dia, mas é advertido sobre os perigos. Apesar dos conselhos, insiste no desejo. Durante o trajeto, incapaz de controlar os cavalos, desvia do curso celestial, causando caos no céu e na Terra.
Comentários:
v. 1-48: O trecho inicia-se com uma descrição bastante gráfica do Palácio do Sol, seguida pelo encontro entre Faetonte e seu pai, Hélios, chamado também de Febo ("o que brilha"), epíteto que o deus compartilha com Apolo. Essa conversa envolve uma promessa de que o filho poderia pedir qualquer coisa a seu pai, mas, quando ele pede pilotar seu carro com os cavalos alados que o levam pelos céus ao longo do dia, o deus imediatamente se arrepende e tenta voltar atrás.
v. 49-149: Temos aqui uma lista de recomendações que Faetonte deverá seguir à risca se quiser passar incólume pela viagem. Em meio às recomendações, vemos uma descrição dos caminhos celestes e de alguns dos signos do Zodíaco. Seguem-se recomendações sobre o modo adequado de conduzir os cavalos e a aplicação de uma espécie de protetor solar mítico no rosto do filho.
v. 150-200: A viagem propriamente dita. Os cavalos não reconhecem o peso do jovem, e as coisas começam a dar errado. Após muita tensão, o jovem Faetonte se desespera e solta as rédeas.
Principais personagens: Faetonte.
Resumo: O descontrole da carruagem do Sol, conduzida por Faetonte e cujos cavalos correm sem direção, causa destruição catastrófica. As estrelas são atingidas, e o céu e a Terra são devastados pelo fogo. Regiões inteiras queimam, montanhas e florestas são consumidas, e grandes rios evaporam. A terra se transforma: os etíopes adquirem pele escura devido ao calor, a Líbia se torna um deserto, e nascentes secam.
Comentários:
v. 201-271: O carro cai e incendeia grande parte do mundo. Em 217 e seguintes, o poeta lista uma grande quantidade de montanhas importantes para ilustrar o alcance cósmico do incêndio. Em seguida, de 227 em diante, os rios passam a secar, e a listagem que o poeta apresenta também serve para ilustrar o alcance da catástrofe. Ao final da passagem, a descrição dos impactos naturais do incêndio espelham a descrição do dilúvio no livro 1 (cf. I, 274-92):
Todo o solo se rasga e pelas fissuras penetra
luz no Tártaro: tremem o rei dos infernos e a esposa;
mar se contrai e agora é um campo de secas areias
o que a pouco era água, os montes há pouco cobertos
pelo mar aparecem, as esparsas Cíclades crescem.
Peixes buscam o fundo e não mais ousam os golfinhos
curvos lançar-se por sobre as águas nos ares de sempre;
corpos de focas prostrados de costas boiavam sem vida
sobre as águas; dizem que o próprio Nereu e a esposa,
Dóris, juntos das filhas, jaziam nos antros ferventes;
e Netuno, com o rosto turvado, três vezes os braços
tenta estender, mas três vezes não pode com os fogos nos ares. (II, 260-71)
Principais personagens: Terra, Oceano, Júpiter, Faetonte, Eridano, Náiades, Clímene, Helíades (Faetusa, Lampécia, etc), Cicno, Febo.
Resumo: A Terra, devastada pelo calor extremo, implora por misericórdia a Júpiter, que lança um raio para pôr fim ao caos, matando Faetonte. Seu corpo cai em um rio, onde é enterrado por ninfas, enquanto sua mãe e irmãs lamentam sua perda. As irmãs de Faetonte são transformadas em choupos, e Cicno, apaixonado por Faetonte e tomado pela tristeza, transforma-se em um cisne. O Sol, em luto, recusa-se a continuar iluminando a Terra, mas é convencido pelos deuses a retomar sua função, ainda consumido pela dor e ira.
Comentários:
Esta passagem, bastante dramática, apresenta uma intervenção direta da deusa Terra (possivelmente identificada com a Gaia ou Gé hesiódica), que faz um longo discurso reclamando do incêndio que a está atingindo. Trata-se de uma prosopopeia bastante eficiente, que faz com que Júpiter tenha que agir para mitigar os efeitos do desastre, atingindo o carro e matando Faetonte. A personificação da Terra, embora esta seja também uma divindade, tem um peso especial no poema, já que ela apresenta maior autoridade com relação aos outros deuses. Vale a pena comparar a passagem com a personificação imaginada da Natureza no poema de Lucrécio, Sobre a natureza das coisas, em que a divindade também faz um discurso inflamado para criticar a humanidade em seus vícios e superstições (veja-se o livro III, a partir do verso 933).
v. 329-80: com a morte de Faetonte, seu pai esconde a face e deixa sua função (os dias escurecem). As irmãs de Faetonte, as Helíades, coletivamente são transformadas em choupos (v. 344-366), na primeira metamorfose coletiva do poema. De seu pranto pingam gotas de âmbar, em mais uma narrativa etiológica (de explicação de origem).
[...] Mais velha entre as irmãs, Faetusa
como quisesse prostrar-se sobre a terra, queixou-se
que se fixaram os pés; Lamécia, cândida, tenta
vir socorrê-la, mas subitamente raízes retêm-na;
uma terceira, ao tentar com as mãos arrancar os cabelos,
folhas segura; uma vê que as pernas tornaram-se galhos
outra se dói que os braços tornaram-se ramos compridos.
Mas, enquanto se espantam, cascas envolvem as virilhas
pouco a pouco os ventres, os seios, os ombros, as mãos se
cobrem: restavam as bocas chamando o auxílio materno. (v.346-355)
v. 367-80: antes de apresentar a segunda metamorfose do livro 2, o poeta faz uma apóstrofe a Faetonte ao mencionar um personagem chamado Cicno, que por ele era apaixonado, e que transforma-se em cisne após muito se lamentar:
Tal prodígio assistiu a prole de Estênelo, Cicno,
que a ti, pelo sangue materno, ainda que unido,
mais unido, Faetonte, foi pelo amor; (...)
quando a voz de homem esvai-se, as cândidas penas
cobrem o cabelo, o pescoço pra longe do peito se estende
e uma membrana lhe une os dedos avermelhados,
asas velam os flancos, a boca é um bico recurvo.
Cisne se torna, ave nova, que nem nos céus nem em Jove
fia-se: pois se lembra das chamas injustas do nume;
busca os charcos e os lagos abertos, o fogo o apavora,
para habitar escolhe os rios, inimigos das chamas. (II, 367-80)
Este é o primeiro de três personagens com o nome Cicno no poema. Todos são metamorfoseados em cisne (os dois restantes estão no livro 7 e no livro 12).
v. 381-400: o Sol se recusa a fazer seu trabalho e entrega a atribuição a qualquer outro deus que quiser realizá-la, mencionando especialmente Jove, que, então, responde com um pedido de desculpas que é simultaneamente uma ameaça, o que faz com que o Sol retorne à sua função:
Todos os numes circundam o Sol, que dizia tais coisas
e lhe imploram com súplice voz: não permita que as trevas
cubram todas as coisas; escusa-se Júpiter pelos
fogos lançados com preces e, régio, acrescenta ameaças. (II, 394-7)
Principais personagens: Júpiter, Calisto, Febe/Diana, Juno
Resumo: Júpiter examina o céu e restaura a natureza após destruição por fogo, mas se apaixona por Calisto, uma seguidora de Diana. Disfarçado como Diana, ele engana e estupra a jovem. Calisto, grávida, é expulsa do grupo de Diana ao ser descoberta. Juno, enciumada, transforma Calisto em um urso. Anos depois, seu filho, Arcas, quase a mata, mas Júpiter os salva, colocando-os no céu como constelações (Ursa Maior e Menor). Juno, ainda furiosa, proíbe as constelações de mergulharem nos oceanos como forma de vingança.
Comentários:
v. 401-16: a transição entre a passagem dedicada a Faetonte e ao Sol e a narrativa do mito de Calisto é bastante artificiosa: Jove passa a uma inspeção dos espaços celestes e, em seguida, da terra, para avaliar os danos causados pelo incêndio. Nesta função, acaba avistando Calisto, virgem dedicada à deusa Febe, Diana.
v. 417-40: a passagem, bastante convencional, apresenta inicialmente um bosque imaculado como um locus amoenus, um local aprazível e bucólico, o que, no poema, sempre antecede alguma cena de perseguição, violência ou estupro. Ali a ninfa Calisto recebe a visita de Jove disfarçado de Diana, forma com a qual o deus passa a beijar a ninfa, com beijos "pouco moderados e não adequados a virgens" (v. 431). No momento em que descreve o ato de violência de Jove, o poeta faz uma apóstrofe a Juno, dizendo que, se ela tivesse presenciado a cena, não se revoltaria com Calisto depois, o que já antecipa o destino trágico da ninfa e a punição que ela receberá da deusa enciumada:
Mas, ao contrário, o quanto, sendo mulher, ela pode,
(deverias ter visto, Satúrnia, e serias clemente!)
luta, porém, mas é só uma menina; que homem supera,
quem pode mais do que Jove? Vencedor, volta ao éter
Júpiter: ódio trazem o bosque e a cúmplice selva;
donde, então, afastando-se, quase esqueceu-se da aljava,
e das setas e do arco que havia deixado nos ramos. (II, 434-40)
v. 441-95: Calisto passa os meses seguintes tentando esconder a gravidez causada pelo estupro de Jove, mas, quando, nove meses depois, a deusa Diana, com Calisto em seu cortejo, percebe a gravidez, expulsa Calisto de seu séquito. Após o nascimento do filho, Arcas, Juno decide vingar-se, vai até Calisto, arrasta-a pelos cabelos e, enquanto ela é arrastada, é transformada em ursa, na terceira metamorfose do livro 2:
Disse, e, diante dela, após agarrar-lhe os cabelos,
joga-a de bruços no chão; suplicante, estendia seus braços:
mas os braços passaram a cobrir-se de pelos escuros.
Logo as mãos se curvaram, cresceram-lhe garras aduncas,
assumindo o ofício dos pés e a boca louvada
antes por Jove, agora disformes mandíbulas largas;
pra que não possa comover com palavras em preces,
rouba-lhe a fala: tudo que sai da rouca garganta
é uma voz que aterroriza, ameaça, é só fúria.
Fica a mente antiga (mesmo ursa a manteve),
o que atesta as dores com os gemidos assíduos; (II, 476-86)
v. 496-530: o menino Arcas cresce, torna-se caçador e, alguns anos depois, depara-se com a mãe ursa na selva. Quando está prestes a acertar a mãe com uma flecha, Jove eleva os dois aos céus e os transforma nas constelações de Ursa Maior e do Boieiro. Juno, irritada, pede a Oceano e Tétis que jamais permitam que as duas constelações se banhem em suas águas, de modo que jamais descansem. Isso explica o fato de que essas constelações estejam visíveis o ano todo no céu do hemisfério norte.
Principais personagens: Corvo, gralha, Apolo, Corônis
Resumo: O deus Apolo se apaixona por Corônis, uma jovem de Tessália. O corvo planeja contar a infidelidade de Corônis a seu mestre Apolo, mas é parado por uma gralha que adverte, a verdade pode lhe prejudicar. A gralha conta sua história e como foi punida por Minerva enquanto acreditava ser leal. Fugindo de Netuno a princesa foi transformada numa gralha. Não convencido, o corvo conta a traição para Apolo. O deus enraivecido a mata com uma flecha e, arrependido, tenta revivê-la, mas falha. Antes de sua cremação, ele resgata o filho que ela carregava, Esculápio, entregando-o a Quíron para ser criado. O corvo, que trouxe a verdade, é punido, perdendo suas penas brancas e tornando-se negro como castigo por sua delação.
Comentários:
v. 531-95: inicialmente, temos uma transição bastante sofisticada do arco de Calisto para a série de histórias ligadas a aves delatoras. Enquanto Juno sobe aos céus em seus pavões, o poeta comenta como se despropositadamente que eles haviam há pouco recebido suas cores após a morte de Argo, no livro 1, e os compara ao corvo, que, em uma apóstrofe do poeta, descobrimos que também mudou de cor recentemente:
tão pouco tempo atrás coloridos com a morte de Argo
quanto fostes há pouco, que cândido fora antes disso,
corvo loquaz, de súbito feito negro nas asas. (II, 533-5)
O poeta comenta que os corvos, há pouco tempo, tinham as asas brancas como as das pombas e as dos gansos, mas que sua loquacidade foi sua ruína. Esta passagem, com várias camadas e histórias entrecruzadas e aninhadas, faz um paralelo entre o corvo e a gralha. Do lado do corvo, a história trata do amor de Apolo (com apóstrofe do poeta ao deus em v. 543) por Corônis, moça da Tessália. O corvo pressente a infidelidade da jovem e decide delatar o fato, crendo ser leal. Enquanto vai até o deus, a gralha o interrompe e conta a sua história, também de como resolveu delatar algo à deusa Minerva, e acabou punida.
A gralha, antes uma princesa, filha de Coroneu, é perseguida pelo deus Netuno e pede ajuda aos deuses. Minerva se apieda dela e a transforma em uma gralha, na quarta metamorfose do livro 2, a partir do v. 580:
Enquanto aos céus meus braços tendia
braços passam a escurecer em asas ligeiras;
luto para arrancar as vestes dos ombros, mas essas
eram penas e já enraizavam no fundo da pele;
com as palmas tentava ferir o peito desnudo,
mas já não encontrava nem peito desnudo nem palmas;
eu corria, a areia aos pés não mais impedia,
mas me afastava do chão e logo pelas alturas
sou levada e entregue a Minerva, pura de culpa. (II, 580-8)
Após ser transformada em gralha, testemunhou a infidelidade das filhas de Cécrops à deusa Minerva: esta havia entregue um cesto com o menino Erictônio e uma serpente às três filhas de Cécrops, Herse, Aglauro e Pândroso, instruindo-lhes que não olhassem dentro do cesto. A gralha vê quando elas abrem o cesto e resolve delatar à deusa, que, ao invés de lhe recompensar, decide deixar de ter a gralha como a sua ave e escolhe a coruja no lugar (a menção breve à coruja, antes chamada Nictímene, inclui a quinta metamorfose do livro 2, narrada de forma muito alusiva: por ter desonrado o leito paterno, foi transformada em uma ave que, envergonhada, busca as sombras: vv. 592-5).
v. 596-632: A narrativa da gralha não surte efeito, e o corvo consegue delatar a traição de Corônis a Febo. O deus a flecha, mas, antes que morra, descobre que a jovem carregava seu filho, Esculápio, futuro deus da medicina. Enquanto Corônis morre, Apolo se arrepende, e tira o bebê de seu ventre, entregando-o para ser criado pelo centauro Quíron.
Principais personagens: Esculápio, o centauro Quíron e sua filha Ocíroe, gerada com a ninfa Cariclo
Resumo: Ocíroe, filha de Quíron e da ninfa Cariclo, herda os dons proféticos de seu pai e prevê o futuro do bebê Esculápio, anunciando sua habilidade de curar e seu destino divino e mortal. Ela também prevê o sofrimento e o desejo de morte de Quíron devido ao veneno da Hidra. No entanto, ao revelar segredos proibidos pelos deuses, Ocíroe é punida, transformando-se gradualmente em uma égua.
Comentários:
v. 633ss. Ocíroe, filha do centauro Quíron, utiliza seus dons proféticos para anunciar o futuro de Esculápio, que terá poderes especiais de cura e será o deus da medicina. Após uma passagem inicial em que a profecia de Ocíroe é narrada em discurso direto, a sexta metamorfose do livro acontece: a moça é transformada em égua, e o processo é descrito em suas próprias palavras, também em discurso direto:
(...) “Antecipam-se a mim”, diz, “os fados e vetam
que eu mais possa falar, das palavras bloqueiam-me o uso.
Não me valeram tanto as artes, se a ira dos numes
me trouxeram: antes não soubesse o futuro.
Já parece que esvai-se de mim a aparência de humana,
já me parece aprazível o pasto, correr vastos campos
é meu desejo: em égua me verto, em corpo sabido,
toda, contudo, por quê? Pois dupla é a forma paterna”.
Da que dizia tais coisas a parte final do lamento
pouco era compreensível; as palavras saíam confusas;
logo nem palavras nem som de uma égua parecem,
mas o de quem a imita, e em pouco tempo os relinchos
saem mais certos e os braços passa a mover sobre a relva. (II, 637-69)
A interpretação que a própria jovem dá a respeito de sua transformação é também moralizante, como se fosse um comentário às transformações anteriores: ela foi punida por dizer a verdade do destino através de sua profecia, e por ser filha de um monstro meio-homem-meio-cavalo.
Principais personagens: Mercúrio, Batos e o gado de Apolo
Resumo: Mercúrio rouba o gado de Apolo e o esconde em um bosque. Perto do bosque vivia um velho chamado Bato que, tendo visto o esconderijo, inicialmente promete ao deus guardar segredo em troca de uma vaca. No entanto, Mercúrio decide testar o homem e volta depois disfarçado, oferecendo um prêmio maior pela localização do gado. Bato quebra sua promessa e conta o segredo. Indignado com a traição, Mercúrio transforma Bato em pedra.
Comentários:
v. 676ss. A transição aqui também é sutil e artificiosa, e também envolve uma apóstrofe ao deus Apolo (aqui chamado pelo epíteto "Délfico". A apóstrofe, como em outros casos no poema, transforma-se em uma breve passagem narrativa em segunda pessoa:
Chora o herói de Filira e em vão teu auxílio pedia,
Délfico, mas não podias reverter os desígnios
do grande Jove, e mesmo que conseguisses, já longe
ias: vivias em Élis e os campos messênios cruzavas.
Era o tempo em que pele pastoril te cobria
e te pesava à mão esquerda um cajado silvestre,
na direita uma flauta díspar de sete caniços;
dizem que enquanto ao amor te entregavas e enquanto tua flauta
te adocicava, nos campos de Pilos, sem quem cuidasse,
iam tuas vacas. (...) (II, 676-85)
A passagem apresenta um deus Apolo deslocado de suas funções, assumindo a persona de um pastor, que, com sua flauta, ama e cuida de seu rebanho de vacas, que, ao serem avistadas por Mercúrio, serão roubadas por este último. Esses deslocamentos de funções ou caracterização dos personagens, especialmente divinos, são um recurso interessante e bem explorado pelo poeta. Como exemplo, veja-se Vênus tentando assumir o papel de ninfa caçadora para seduzir o jovem Adônis no livro 10, vv. 503 e seguintes.
v. 705: sétima metamorfose do livro 2: Mercúrio converte Batos em pedra de toque (que testa a autenticidade de metais valiosos) como punição pela mentira provocada e flagrada pelo deus.
Principais personagens: Mercúrio, Herse, Aglauro, Pândroso, Minerva, Inveja
Resumo: Durante um festival em homenagem a Minerva, Mercúrio se apaixona por Herse, uma das filhas de Cécrops, e pede ajuda a sua irmã, Aglauro, para conquistá-la. Aglauro, movida pela ganância, exige ouro para ajudar o deus. Minerva, irritada pela traição anterior de Aglauro e sua cobiça, ordena à deusa Inveja que envenenasse o coração de Aglauro. Consumida pelo ciúme e pela amargura, Aglauro tenta impedir a entrada de Mercúrio na casa, mas é punida pelo deus por quebrar o acordo. Gradualmente ela se transforma numa estátua de pedra.
Comentários:
v. 708: a transição entre os episódios aqui é também convencional. O deus parte voando e, em seu percurso, avista as três filhas de Cécrops. O deus se apaixona por uma delas Herse, desce à terra disfarçado e pede ajuda à irmã Pândroso, que recebe apóstrofe do poeta no verso 738. Aglauro promete ajuda em troca de ouro.
v. 752: em um desvio narrativo, o poeta chama de volta a deusa Minerva, que avista as moças e se lembra da ofensa sofrida no episódio do cesto com o bebê Erictônio, narrado há menos de duzentos versos. Minerva busca vingança agenciando a deusa Inveja.
v. 760-82: Minerva procura a Inveja em sua morada. A passagem faz uma descrição detalhada do espaço da casa da Inveja e depois dos detalhes de seu corpo e de seu aspecto horrível:
Riso lhe passa longe, exceto se dor testemunha,
nunca desfruta do sono, excitada por curas insones,
desagrada-lhe ver (e, se vê, definha por dentro)
os sucessos dos homens, rasga e é rasgada a um só tempo,
é seu próprio tormento. (...) (II, 778-82)
v. 784ss.: Minerva pede a Inveja que castigue a irmã Aglauro, que, então, tomada de ódio do amor entre Mercúrio e sua irmã Herse, desejando Mercúrio para si, acaba sendo punida por ele e transformada em pedra na oitava metamorfose do livro 2 (vv. 818ss.).
Principais personagens: Mercúrio, Júpiter, Europa
Resumo: Mercúrio segue para os céus, onde recebe de Júpiter a missão de levar o rebanho real de Sídon até a costa. Lá, Júpiter, disfarçado como um touro belo e dócil, aproxima-se da princesa Europa. Encantada com sua aparência inofensiva, Europa perde o medo e acabo sentando-se em suas costas. O touro, então, entra na água e carrega a princesa para o meio do mar, enquanto ela, assustada, segurava firme, percebendo tarde demais que havia sido raptada pelo deus.
Comentários:
v. 833: A transição entre os episódios é mais casual: Mercúrio é chamado de volta por Júpiter para ajudá-lo em mais um de seus casos de amor, agora pela jovem Europa. A passagem é breve e funciona como gancho para o livro 3: o foco narrativo para a Jove, que veste a forma de um touro para sequestrar Europa.
Agenor: Filho de Netuno e Líbia e pai de Europa, Cadmo, Fênix e Cílix.
Aglauro: uma das três filhas do rei Cécrops.
Alfeu: deus do rio do mesmo nome, que corre no Peloponeso entre a Élide e a Arcádia. Filho de Oceano e de Tétis, que persegue e estupra a ninfa Aretusa.
Amimone: fonte famosa em Argos.
Apeninos: nome da região montanhosa que percorre a Itália; região que possui vulcões.
Apolo: deus que pertence à segunda geração dos Olímpicos, filho de Júpiter e Leto e irmão de Diana, nascido na ilha de Delos.
Arcas: filho de Júpiter e Calisto.
Argos: reino na Grécia.
Atlas: nome do Gigante filho de Jápeto e Clímene, que carregava sobre seus ombros a abóbada celeste.
Atos: península montanhosa que se projeta da Calcídica, na Macedônia.
Bato: nome de um velho transformado em rocha por Mercúrio por não ter mantido em segredo o roubo dos bois de Apolo.
Beócia: região central da Grécia antiga.
Boieiro: a constelação também chamada de Bootes ou Pastor.
Caíco: rio da Mísia.
Caístro: rio na Lídia, famoso por seus cisnes.
Campos messênios: a Messênia é uma região da Grécia antiga no sudoeste do Peloponeso.
Caos: trata-se do Vazio, do abismo aberto anterior à criação.
Cariclo: nome da filha de Apolo que desposou o centauro Quíron.
Cáucaso: região euroasiática entre o mar Negro e o mar Cáspio, explorada pelos gregos e colonizada por diversos povos. Há também uma cordilheira homônima.
Cécrops: nome do primeiro rei mítico da Ática e fundador de Atenas, filho da Terra, que tinha a parte superior do corpo humana e a inferior de serpente.
Centauro: criatura mitológica cuja parte superior do corpo é humana, enquanto a inferior é equina. Comumente representados como criaturas selvagens.
Clímene: oceânide esposa do rei Mérope da Etiópia. Mãe de Faetonte, que se envolveu com Febo Apolo.
Cíclades: conjunto de ilhas no mar Egeu.
Cicno: um dos três personagens com esse nome no poema. No livro 2, trata-se de um rei lígure que chorou a morte do amigo Faetonte e foi transformado em cisne.
Cilene: Ninfa da Arcádia, mulher ou mãe de Licáon. Foi ela quem deu nome ao monte Cileno, onde nasceu Mercúrio, de quem ela cuidou quando recém-nascido.
Cilênio: Mercúrio, a partir do nome do monte Cilene.
Cilícia: região da Ásia Menor, ao sul da Capadócia.
Cinto: montanha na ilha de Delos.
Citéron: era um rei da Plateia, que deu seu nome ao vizinho monte de Citéron.
Corinto: cidade grega.
Coroneu: rei da Fócida.
Corônis: filha de Coroneu. Amada por Apolo, foi denunciada pelo Corvo e morta pelo deus, que não sabia que ela estava grávida do futuro deus Esculápio.
Dictina: designação de Diana.
Díndimo: montanha na Mísia, na Ásia Menor.
Dirce: famosa fonte tebana de belo fluxo. Sua água venerável, veículo de inspiração poética, teria sido feita jorrar pelas Musas.
Dóris: filha de Oceano, senhor do rio Oceano, o rio imenso que circulava a terra, e mulher de Nereu, "o velho do mar" (o Mediterrâneo). Mãe das nereidas.
Eagro: Nome do pai de Orfeu.
Egeon: outro nome de Briareu, um gigante de cem braços.
Élis: antiga cidade grega.
Eoo: é um dos quatro cavalos do Sol, junto com Etonte, Flegonte e Piroo.
Erictônio: nome de um dos primeiros reis de Atenas.
Eridano: também grafado Erídano, divindade ligada ao rio Pó.
Erimanto: deus do rio homônimo em Psófis, cidade da Arcádia.
Érix: monte na Sicília em cujo pico havia um templo dedicado a Vênus. A montanha recebe o nome a partir de Érix, deus marinho aqui identificado como filho de Vênus, morto por Hércules.
Espérquio: deus-rio na Tessália.
Estênelo: rei da Ligúria, pai de Cicno.
Estrímon: rio na Trácia e na Macedônia.
Eta: montanha no sul da Grécia, local de morte de Hércules.
Etna: vulcão ainda ativo localizado na parte oriental da Sicília, na Itália.
Etonte: um dos cavalos do Sol.
Eufrates: rio da Ásia ocidental que, junto com o rio Tigre, foi crucial para o sucesso da civilização mesopotâmia. Origina-se na Turquia e, após unir-se ao Tigre, desemboca no golfo Pérsico.
Europa: filha de Agenor e Telefassa, amada por Júpiter disfarçado de touro branco.
Eurotas: rio da Lacônia.
Faetusa: filha do Sol, irmã de Faetonte.
Fásis: rio na Cólquida.
Febe: Titã que rege a Lua e um epíteto da deusa Diana, filha de Latona e neta de Febe.
Filira: ninfa, filha de Oceano e Tétis, com quem Saturno se uniu na forma de cavalo, relação da qual nasceu o centauro Quíron.
Flégon: um dos cavalos do Sol.
Foroneu: filho do deus-rio Ínaco e de uma ninfa, Mélia. Foroneu foi escolhido como árbitro, para decidir a questão entre Juno e Netuno, que queriam o Peloponeso.
Hebro: rio na Trácia.
Helíades: as filhas do Sol e da oceânide Clímene, são as irmãs de Faetonte, que quando seu irmão foi fulminado por Júpiter e caiu no rio Erídano, choravam à beira do rio e foram depois metamorfoseadas em salgueiros.
Hélicon: monte na Boécia, consagrado às Musas. Via-se ali um templo dedicado às musas e a Júpiter, a fonte Hipocrene, a gruta das Ninfas Libétnidas, o túmulo de Orfeu. Também crescia ali um bosque sagrado, onde cada ano os habitantes de Téspias celebravam dupla festa em honra das Musas e de Cupido.
Hemo: montanha na Trácia.
Hemônia: outro nome da Tessáia.
Herse: nome de uma das filhas de Cécrops.
Hespéria: referente à estrela vespertina, "longínquas terras ocidentais", que para os gregos, era a Itália; para os Romanos, a Espanha. Hespéria é a origem do nome Espanha.
Horas: divindades que representam as estações do ano e auxiliam o deus Sol.
Ida: nome de duas montanhas, uma próxima a Troia e outra em Creta.
Ismeno: deus-rio da Beócia, próximo a Tebas, filho de Oceano e Tétis. Também rio e montanha da Arcádia.
Istro: rio Danúbio próximo ao mar Negro.
Lampécia: filha de Hipérion, o deus Sol.
Larissa: heroína argiva ou tessália, seu nome explica a homonímia de cidades tessálias chamadas Larissa e da cidade de Argos.
Lemnos: grande ilha no mar Egeu consagrada a Vulcano.
Lesbos: ilha do mar Egeu.
Liceu: montanha da Arcádia, onde teria nascido Pã.
Licormas: rio na Etólia.
Lígures: provavelmente um povo primitivo que ocupou grande parte da Europa ocidental, Gália, Espanha e Itália.
Lúcifer: a estrela da manhã (“porta-luz”), o planeta Vênus quando visto pela manhã.
Maia: ninfa do monte Cileno na Arcádia, filha de Atlas e mãe de Hermes.
Manes: as almas dos falecidos, infelizes ou irritados; os mortos vivos, mas prontos para vingar a injustiça.
Meandro: rio da Lídia famoso por suas muitas curvas (daí o termo “meandros”).
Melas: rio da Trácia.
Mênalo: cadeia de montanha na Arcádia.
Mercúrio: mensageiro dos deuses, filho de Júpiter e da plêiade Maia, também deus dos viajantes.
Mérope: rei egípcio, esposo de Clímene.
Mícale: promontório na Jônia.
Migdônia: região da antiga Trácia.
Mimas: cadeia de montanhas na Jônia.
Minerva: filha de Júpiter, protetora da saúde, do aprendizado e da sabedoria. Corresponde à deusa grega Atenas.
Náiades: ninfas dos rios e das fontes.
Neleu: filho de Tiro e de Posêidon, irmão de Pélias, pai de Nestor, chegou de Iolcos a Pilos na Messênia e fundou esse reino.
Nictímene: princesa, filha do rei Epopeu de Lesbos, que, tendo dormido com seu pai (não há menção em Ovídio a estupro, enquanto em Higino, nas fábulas 204 e 253, há), é transformada por Minerva em sua ave, a coruja.
Nonácris: um monte na Arcádia.
Oceano: o mais velho dos titãs, deus dos oceanos e das águas correntes. Esposo de Tétis e pai das oceânides.
Ocíroe: filha de Quíron e da ninfa Cariclo, nasceu junto a un regato de águas rápidas. Recebeu, ao nascer, o dom da adivinhação. Porém dele se serviu sem discernimento, revelando indiscretamente os segredos dos deuses. Para puní-la transformaram-na em égua e passou daí em diante a se chamar Hipe.
Olimpo: montanha sobre a qual viviam os deuses.
Oronte: rio da Síria.
Ossa: montanha na Tessália.
Otris: cordilheira no centro da Grécia antiga, sede de Saturno e os outros titãs durante a Titanomaquia.
Palas: epíteto da deusa Minerva, a Atena grega.
Pândroso: nome de uma das filhas de Cécrops, irmã de Aglauro.
Parnaso: montanha no centro da Grécia que abrigava Febo e as Musas.
Parrásia: de Parrásio, cidade da Arcádia (nesse livro, refere-se a Calisto).
Pilos: cidade/reino na Messênia, fundada por Neleu.
Pindo: montanha na Tessália.
Pirene: célebre fonte em Corinto.
Piroo: um dos cavalos do Sol. Identificado com o planeta Marte. O nome remete a pyros, radical grego ligado ao fogo.
Plêione: filha de Oceano e Tétis, foi mãe das Plêiades.
Pó: rio que percorre a região norte da Itália e deságua no mar Adriático. Maior rio italiano.
Proteu: velho deus marinho, filho de Oceâno e Tétis. Pastoreava as focas de Anfitrite. Possuía a capacidade assumir qualquer forma, desde um animal, até a de uma chama ou de vento ou de água.
Psófis: cidade no noroeste da Arcadia.
Quíron: o mais sábio de todos os centauros, filho de Saturno e de Filira, vivia no monte Pélion e foi instrutor de heróis gregos.
Reno: rio que corta a Europa de sul a norte, originando-se nos Alpes suíços e desaguando no mar do Norte.
Ródano: rio que nasce na Suíça e deságua na França, no mar Mediterrâneo.
Ródope: montanha na Trácia.
Satúrnia: Juno (Hera para os gregos), irmã e esposa de Júpiter, filha de Saturno.
Serpente: Constelação próxima das Ursas, no alto dos céus, de acordo com a lógica das cinco zonas celestes na geografia que o Sol expõe a seu filho.
Setentriões: Septem triones, literalmente os sete trios, também chamados de Triões. A referência é às constelações da Ursa Maior e Menor.
Sídon: cidade da Fenícia.
Tânais: antigo nome do rio Don, na Cítia.
Tejo: rio que nasce na Espanha e deságua em Portugal, no Oceano Atlântico.
Tênaro: promontório e cidade da Lacônia, região onde fica Esparta. Os antigos identificavam ali uma das entradas para o mundo inferior.
Termodonte: rio da Turquia que deságua no mar Negro, em cujas margens habitam as Amazonas.
Tétis: titânide mais jovem, representante dos mares e da água doce. Mãe das oceânides e esposa de Oceano. Não deve ser confundida com a sua neta, a nereida Tétis, que é a mãe de Aquiles.
Teutrânteo: relativo a Teutras, rei da Mísia, onde ficava a cidade de Pérgamo.
Tibre: rio que corta a região central da Itália e deságua no mar Tirreno.
Tiro: cidade fenícia governada por Dido.
Tmolo: deus-montanha que está na Lídia, que faz parte da Ásia menor.
Tríplices deusas: referência a Hécate, deusa lunar, com três corpos e três cabeças, de leoa, cadela e égua.
Tritônia: epíteto de Minerva (a deusa grega Palas Atena), ligado a seu lar próximo ao lago Tritão (ou Tritônio) na Líbia. Também se refere à cidade de Atenas.
Trívia: deusa das encruzilhadas, Diana na terra, Hécate no mundo inferior e Lua nos céus.
Vulcano: deus do fogo e dos trabalhos em metal; filho de Júpiter e Juno; marido de Vênus. Corresponde ao deus grego Hefesto.
Xanto: rio de Troia, também chamado de Escamandro.
Referências:
BRANDÃO, Junito de Souza. Dicionario mitico-etimologico da mitologia grega. Petrópolis, RJ: Vozes, 1991-1992. 1v.
BRANDÃO, Junito de Souza. Dicionario mitico-etimologico da mitologia grega. Petrópolis, RJ: Vozes, 1991-1992. 2v.
BULFINCH, Thomas. O livro da Mitologia: A Idade da Fábula, tradução de Luciano Alves Meira. 1.ed. São Paulo: Martin Claret, 2013.
COLEMAN, J. A.. O dicionário de Mitologia - um A-Z de temas, lendas e heróis, tradução de Monica Fleisher Alves. Brasil: Pé de Letra, 2021.
Dicionário Etimológico da Mitologia Grega disponível em <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/409973/mod_resource/content/2/demgol_pt.pdf> acesso em 05/11/2024.
GUIMARÃES, Ruth. Dicionario da mitologia grega. São Paulo, SP: Cultrix, 1999.
Ovid. Ovid's Metamorphoses, tr. Anthony S. Kline. Disponível em <https://ovid.lib.virginia.edu/trans/Ovhome.htm>
Ovídio. Metamorfoses. Tradução Rodrigo Tadeu Gonçalves. São Paulo: Penguin-Companhia, 2023.
PALAZZI, Fernando. Picolo dizionario di mitologia e antichitá. Edizione riveduta e ampliata da Giuseppe Ghedini [S.l.]: Ed. Scolastiche Mondadori, [1952]. 294 p., il.