Aprendizes e operárias

Entre os trabalhadores da Metalúrgica Abramo Eberle, selecionamos dois grupos para darmos destaque: os aprendizes, jovens empregados desde muito cedo na fábrica, e as mulheres, que enfrentavam desigualdade de condições e de salários para trabalhar.

Aprendizes

As crianças e os jovens tiveram participação significativa no operariado de Caxias do Sul nas primeiras décadas do século 20. Na Metalúrgica Abramo Eberle, uma das empresas que mais empregou aprendizes na região, os jovens começavam a trabalhar cedo, por volta dos 10 ou 12 anos de idade, em média. Os aprendizes, que atuavam como auxiliares nas seções de trabalho da fábrica, eram orientados (e vigiados) por um empregado adulto, podendo-se observar em várias fotografias da Metalúrgica que algumas seções possuíam mais aprendizes do que adultos. Dessa forma, meninos e meninas aprendiam desde jovens um ofício e, por extensão, a disciplina e as relações hierárquicas estabelecidas no ambiente de trabalho.

Nas seções de produção, durante o período dos anos 1920, é comum se observar os quadros de multa afixados nas paredes dos locais de trabalho. As multas referiam-se a faltas atentadas contra o regulamento interno de trabalho, e significavam descontos no salário. Estando presente nas seções, os quadros de multa tinham uma certa função de coação, pois é provável que nenhum operário desejasse ter o seu nome ali registrado, para a vista de todos os colegas.

Seção de Cortação, em 1922. Vê-se o quadro de MULTAS, ao centro da imagem, na parte superior. Acervo: AHMJSA.

A primeira criança aprendiz da ainda Oficina Abramo Eberle foi Ernesto Barbisan, então com 12 anos de idade na época de sua contratação, em 1901. Assinaram o contrato de aprendiz seu pai, Vincenzo, e os representantes da fábrica, Abramo e Giuseppe Eberle. Durante o período em que atuavam como aprendizes, e especialmente nos primeiros anos da oficina, muitos jovens moravam nas dependências da própria fábrica, sendo a aprendizagem trocada pelo abrigo e comida.

Abaixo, reproduz-se os termos do contrato de trabalho do primeiro aprendiz da Metalúrgica, documento que é trazido no estudo de Ramon Tisott (2008), Pequenos trabalhadores: infância e industrialização em Caxias do Sul:

Este recorte da fotografia da Seção deCortação , Tornos e Máquinas automáticas, de 1925, mostra um aprendiz trabalhando de forma improvisada sobre um caixote (ao fundo da imagem). Acervo: AHMJSA.

Nós, Eberle Giuseppe e Abramo, declaramos que aceitamos na nossa oficina de funileiro o filho de Barbisan Vincenzo, Ernesto Barbisan, obrigando-nos de ensinar-lhe a arte de funileiro com a condição que este aprendiz more por três anos, sendo nós obrigados a fornecer ao aprendiz de mais do ensino da arte, também a comida e a posada. O aprendiz tem obrigação de cuidar as ordens dos patrões e prestar toda a obediência como a seus pais durante todo o tempo que morará na casa nossa. Si durante o tempo de aprendizagem o aprendiz não tivesse de ser sujeito às ordens de nós patrões e que nós tivéssemos de despachá-lo da oficina o pai dele não terá direitos de pretender alguma indenização alguma e demais pagar nós alguma indenização pelo tempo perdido e alimentação fornecida. E eu Barbisan Vincenzo declaro que aceito este contrato obrigando-me por meu filho ao cumprimento das mesmas, 9/5/1901. (Tisott, 2008, p. 77).

Recorte de fotografia com destaque para os aprendizes da fábrica no ano de 1914. Acervo: AHMJSA.


Mulheres operárias

Brunideiras, mulheres operárias da Metalúrgica Abramo Eberle em fotografia de 1909. Acervo: AHMJSA.

No princípio da colonização, boa parte das mulheres imigrantes trabalhavam na roça, junto com o marido e o restante da família. Com o esgotamento dos lotes, e a atração exercida pelas fábricas na cidade, com a possibilidade de ganhos maiores, muitas famílias passaram a se inserir no regime do trabalho assalariado como operários da indústria. As mulheres também se inseriram nesse processo, o que representou alguma distinção para elas, especialmente ao receberem o seu próprio salário, embora a autoridade do homem prevalecesse no âmbito da casa, sendo comum a entrega do seu ganho à figura masculina (em alguns casos, também à sogra).

Mulheres na Seção de Banho de Níquel e Escova em 1925. Acervo: AHMJSA.
Secção Tornos e Maquinas Automáticas em 1925. Acervo: AHMJSA.

Dentro das empresas, foi comum a mulher ter um papel secundário, uma vez que elas recebiam salários inferiores em comparação com os homens, e realizavam tarefas mais simples e repetitivas. O entendimento que imperava era o de que as mulheres, por "razões próprias do seu sexo", tinham capacidades inferiores em relação às capacidades masculinas e, portanto, muitas passavam anos na execução das mesmas funções no interior da fábrica, sem a possibilidade de ascensão a postos de chefia ou administração.

Um exemplo dessa cultura que diminuía as mulheres está presente em um depoimento do próprio diretor da Metalúrgica Abramo Eberle. Em 1939, novas leis indicavam a fixação de um salário mínimo para os trabalhadores da indústria, como também a equiparação do salário entre homens e mulheres. Diante da polêmica, O jornal A Época, publicado em Caxias do Sul, fez uma espécie de enquete com alguns diretores de fábrica da cidade para que esses expusessem suas opiniões. Selecionamos o trecho em que o diretor da MAE, José Eberle, falou sobre o assunto:


O Dr. José Eberle da firma Abramo Eberle & Cia., proprietária da maior fábrica metalúrgica do nosso país, assim falou à nossa reportagem: “No que diz respeito aos homens, em muito pouco nos afetará o salário mínimo porque só virá a atingir em nossa fábrica um limitado número de aprendizes. Afora estes poucos, todos os nossos operários percebem salário superior ao estipulado como “vital” pela Comissão do Salário Mínimo do R. G. do Sul. Mas, em relação às mulheres o problema já é outro. Antes de tudo, as próprias condições econômicas das mulheres têm aspecto bem diverso que às dos homens. Isto é cousa pacífica, que dispensa demonstrações. Além disto, não é menos exato que a eficiência do trabalho da mulher fica aquém da do homem, ressalvados alguns casos de especializações em determinados serviços. Dentro duma fábrica, pode o homem ser aproveitado para os mais diversos trabalhos exigidos pelas circunstâncias, ao passo que a atividade da mulher tem que se circunscrever a apenas certos serviços compatíveis com o seu físico e condições peculiares ao seu sexo. Não me parece justo, portanto, que se equipare ao dos homens o salário das mulheres diante da realidade das razões supra expostas. Ocorre-me citar, a propósito, que quando fiz um estágio de prática numa fábrica da Alemanha, tive a oportunidade de constatar que o salário das mulheres era 60% daquele dos homens, isto de modo geral e com poucas variações nas indústrias daquele paiz. Porém, muito embora assim pense, si de fato for fixado o mínimo e a igualdade de ordenados, a nossa firma não relutará na equiparação dos vencimentos das mulheres, porque, antes de mais nada, temos respeito e acatamento a tudo o que é instituído como lei. Dos nossos operários, cerca de 25% são mulheres.”

Jornal A Época, 20 de agosto de 1939. Acervo: AHMJSA.

Outro elemento que demonstra o pensamento sobre o papel das mulheres que caracterizou a primeira metade do século 20 é a própria história da Metalúrgica Abramo Eberle, cuja data de fundação, nas suas publicações oficiais, sempre remete ao ano de 1896, quando Abramo assumiu os negócios, o que resulta em um esquecimento a respeito do período de uma década aproximadamente que Luisa Eberle, a Gigia Bandera, permaneceu à frente da oficina de funilaria.

Grupo de operários da Metalúrgica Abramo Eberle em 1925. Acervo: AHMJSA.
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