Trabalho final

Contextualizando o roteiro

A ciência é um processo contínuo, com linguagem própria, de observação, exploração e averiguação do ambiente natural e das relações entre os seres humanos e o mundo (CONTIER, 2009; CARMO, 2020). No país, a maior parte dos estudos científicos é desenvolvida nas universidades e centros de pesquisa por profissionais conhecidos como cientistas. O cientista tem papel de destaque na construção da ciência, por ser aquele responsável por uma série de conhecimentos das mais diversas temáticas por meio de métodos e técnicas variadas e estruturadas.

A função do cientista não se resume à investigação e descoberta, mas também à conexão entre esses conhecimentos e sua historicidade e à divulgação e diálogo acerca de seus achados (CONTIER, 2009; CARMO, 2020). Isto é, o cientista é responsável por conectar a pesquisa presente às bases de seu conhecimento, por meio das fontes bibliográficas por exemplo, situando a ciência em seu tempo histórico e seu caminho de construção, assim como o papel do cientista se estende à produção de registros de seus conhecimentos, principalmente pela produção de artigos, eventos científicos e livros que fomentam o diálogo para a construção da própria ciência.

Entretanto, esse conhecimento não pode ficar retido nos produtores dessa ciência, nem mesmo na comunidade científica, visto que esse conhecimento impacta a vida e participação em sociedade e ampara a tomada de decisões quanto às relações humanas e sociais (CONTIER, 2009; CARMO, 2021). Assim, a divulgação científica se destaca como um processo de interação entre a ciência e a sociedade.

A divulgação científica pode ser entendida também como um processo contínuo de produção de conhecimentos e narrativas a partir do conhecimento científico, de modo a informar e dialogar com a população a respeito da ciência e seus processos, tornando a aquisição e uso consciente de conhecimentos científicos mais acessível e facilitado (ROCHA; MASSARANI; PEDERSOLI, 2017; CARMO, 2020).

O contato da sociedade com a ciência pode se dar em diferentes meios e formatos, por meio de um processo contínuo conhecido como alfabetização científica, que integra as noções de ciência, tecnologia, sociedade e ambiente em uma mesma perspectiva de construção social por meio da própria ciência (MARANDINO et al., 2016; CARMO, 2020).

Desde o início da vida somos expostos à ciência por meio das mídias, documentários, redes sociais, notícias, entre outras, que compõem o cotidiano de nossas sociedades ocidentais. Atualmente, com o advento da internet, essa relação de produção e acesso ao conhecimento científico tem crescido exponencialmente se comparado a períodos anteriores. Para além do contato positivo, entretanto, a exposição constante a informações na internet tem gerado problemas para a população que não consegue filtrar a veracidade das mesmas, o que se conhece como infodemia (MANNINO et al., 2021). Esse problema recente demonstra a necessidade cada vez maior de uma alfabetização científica mais eficiente, que permita que cada cidadão compreenda as informações a que é exposto e identifique a veracidade das mesmas.

As mídias apresentam a ciência de maneira visual na maioria das vezes, e se utilizam de informações científicas que se referem principalmente aos produtos da ciência, como as vacinas, medicamentos, novas tecnologias e soluções para a vida cotidiana, que têm impacto direto na sociedade (MENDES, 2019; CARMO, 2020).

Além das mídias, no Brasil, a educação escolar permite o acesso à ciência escolar, sua linguagem específica, intermediando o acesso e utilização da ciência como meio de participação social (CARMO, 2020). Dessa forma, ao iniciar nosso percurso pela educação básica, somos levados a compreender conceitos cada vez mais complexos, relacionando nossas observações e ações à teorias pré-existentes, compondo um processo educativo que perdura ao longo de toda a vida.

Nesse sentido, somamos à nossa bagagem científica não apenas as informações midiáticas, mas também o conhecimento escolar que passa a compor esse contínuo processo educativo. O currículo escolar é aquele que garante que nesse espaço, uma série de conhecimentos e habilidades formais sejam adquiridos, dentre eles o contato com a ciência (FERREIRA, 2014; CARMO, 2020). Neste currículo é possível interagir não apenas com conhecimentos organizados e transpostos de maneira didática, mas assumir também a divulgação científica como um gênero de discurso, uma nova estruturação, presente em uma série de materiais, que podem ser inseridos na sala de aula como ponto de partida para o diálogo (CUNHA; GIORDAN, 2015).

A escola e as mídias, entretanto, não são os únicos formatos em que a população em geral tem contato com a ciência. Os museus de ciências, por exemplo, são espaços de interação entre diferentes formas de conhecimento, onde, de maneira interdisciplinar e lúdica, são criadas narrativas que ressignificam os conhecimentos científicos e pedagógicos por meio dos objetos e das exposições. Os museus, nesse sentido, permitem um novo modo de divulgação científica, aproximando a ciência de variados públicos (MARANDINO, 2009; CARMO, 2020).

Dessa forma, a divulgação científica como processo de criação de conhecimentos a partir da ciência pode ser desenvolvida em diferentes meios, lugares e instituições. No roteiro a seguir, apresentamos uma atividade de divulgação científica pensada a partir da conexão entre os museus, as escolas e as universidades, como forma de construir o conhecimento científico de maneira múltipla e diversificada.

Objetivo Geral

Realizar uma proposta pedagógica de Divulgação Científica seguindo indicadores de alfabetização científica por meio da parceria entre Museu de Ciências, Escola e Universidade.

Objetivos Específicos

  • Trabalhar a percepção dos visitantes em relação à imagem dos cientistas, seus campos de atuação e estigmas presentes na sociedade;

  • Dialogar sobre os processos de construção do conhecimento científico e o papel dos pesquisadores nesses processos.

Metodologia e proposição do roteiro

A ação educativa “Cientistas: quem somos e o que fazemos?”, é uma proposta de atividade em parceria entre Museu, Escola e Universidade, tendo como objetivo trabalhar a percepção de estudantes do ensino básico sobre o campo científico, com ênfase nos processos de construção do conhecimento científico e nos atores envolvidos. Além disso, a proposta pretende fomentar o diálogo sobre o papel dos cientistas no processo científico.

Vygotsky (2001), em “A Construção do Pensamento e da Linguagem”, aponta que a construção perceptiva se dá por estímulos captados através de experiências e sentidos prévios do mundo externo, determinando a interpretação, possibilitando aplicar significados e a atribuição de sentidos. Portanto, a percepção sobre os produtos da ciência e de quem a produz depende do ambiente sociocultural e vivência de cada indivíduo.

A atividade proposta no formato de um roteiro educativo tem como público estudantes do Ensino Fundamental II e Médio. O roteiro tem como ponto de partida um museu de ciências e incorpora algumas etapas que relacionam a Divulgação Científica às outras instituições participantes - escola, universidade e museu universitário.

O roteiro foi elaborado a partir dos Indicadores de Alfabetização Científica, ferramenta metodológica proposta por Cerati (2014) e Marandino et al. (2018), para a análise de ações de Divulgação Científica e outras ações para a alfabetização científica.

Nesse sentido, o Indicador Científico será explorado por meio de recursos da ação educativa, como as perguntas disparadoras, os materiais indicados para consulta, o acervo expositivo e as produções audiovisuais. Além disso, o Indicador Institucional estará presente conforme os participantes forem entendendo as dimensões do campo científico, como o envolvimento universitário. Por fim, os indicadores de Interface Social e de Interação estarão presentes na exposição museal e no discurso da mediação, que deve introduzir aspectos sociais, históricos e culturais, por meio da interação com o espaço, a exposição e os materiais preparados para a atividade, de modo a contemplar esses indicadores.

Além dos indicadores de alfabetização científica, a atividade proposta visa integrar e incluir a diversidade de públicos dentre os estudantes participantes, prevendo assim, recursos de acessibilidade que permitam a participação plena de todos. Assim, a atividade proposta conta com a realização de atividades em diferentes instituições prevendo as questões de acesso e mobilidade entre as instituições e em seu interior, o que contará com o apoio das escolas e dos museus participantes.

Além disso, todos os materiais e recursos audiovisuais serão multimodais e apresentarão legendas em português, audiodescrição e janelas de intérprete de Libras, com o apoio da equipe das universidades participantes. Alguns materiais serão também adaptados ao toque, como no caso de imagens e fotografias de cientistas, e os textos e fichas serão adaptados a leitores de tela. Vale ressaltar que espera-se um trabalho contínuo dos museus envolvidos, de modo a já prever a tradução ao braille e à Libras dos recursos expositivos que serão apresentados durante a visita.

O roteiro propõe a realização das seguintes etapas:

Primeira etapa - O contato com o museu


Apresentação do roteiro para as escolas interessadas na atividade temática mediada pelo museu, demonstrando aos professores envolvidos no projeto as diferentes etapas e seus respectivos objetivos.

Segunda etapa - Introdução por meio da escola


Introdução ao tema no ambiente escolar, mediado pelos professores envolvidos no projeto. A introdução envolve o diálogo inicial com os estudantes participantes por meio de perguntas direcionadoras como: Para você, o que é um cientista? Como vocês imaginam um cientista? Qual cientista você conhece e qual a contribuição dele para a ciência? Você conhece algum cientista brasileiro? Qual?

O objetivo é explorar os conhecimentos prévios e apresentar novas perspectivas sobre a profissão cientista e o fazer científico. Por meio de exemplos, que apresentem o fazer científico em diferentes ambientes, com diferentes métodos e áreas temáticas, da teoria à prática, dentro e fora de um laboratório, com levantamentos bibliográficos ou procedimentos laboratoriais, entre outros.

Após o diálogo com os estudantes, serão indicados conteúdos complementares nas redes sociais e em outros formatos, como filmes, vídeos e podcasts. Esses conteúdos devem trazer nomes conhecidos no campo científico, como Charles Darwin, Stephen Hawking, Katherine Johnson, entre outros.

Os estudantes, divididos em grupos, devem indicar em uma ficha simples (Anexo 1), o nome e a contribuição de um cientista para o campo científico, além de outras informações que julgarem interessantes. Cada grupo vai receber uma ficha diferente com a imagem de um respectivo cientista. Por fim, os grupos devem apresentar brevemente para seus colegas as informações colocadas.

Terceira etapa - Visitando o museu

Na visita ao Museu, o educativo deve retomar o conteúdo iniciado em sala de aula através das seguintes perguntas disparadoras: Quais cientistas brasileiros vocês conhecem? Quais ambientes vocês acham que um cientista trabalha? No Brasil, vocês conhecem alguma pesquisa científica de grande importância? Vocês acham que podem contribuir para a ciência?

Essas questões, além de reforçarem o que foi discutido na escola, têm como objetivo direcionar o olhar dos estudantes para a ciência feita no Brasil, discutindo também o envolvimento da sociedade para sua construção. Após o diálogo, os estudantes em seus respectivos grupos devem investigar nomes de cientistas brasileiros, como Oswaldo Cruz, Vital Brazil, Bertha Lutz, entre outros, através do conteúdo expositivo ou de materiais complementares à exposição produzidos pela própria equipe educativa.

Os grupos devem preencher as fichas (Anexo 2), conforme distribuição do educativo, com o nome, contribuição e outras informações de cada cientista. Por fim, o educativo deve fomentar um diálogo retomando as perguntas feitas em sala de aula e no começo da monitoria e introduzindo conteúdos sobre ciência cidadã, relação ciência e sociedade etc, e para que os estudantes compartilhem suas mudanças de percepção e conhecimentos adquiridos.

Quarta etapa - Conhecendo o papel da Universidade

A inserção da Universidade na atividade deve ser feita através de uma parceria museu-universidade, para isso, serão produzidos vídeos com cientistas universitários (docentes ou discentes) dando um depoimento sobre suas pesquisas e mostrando a rotina de seus trabalhos, os vídeos serão colocados em um monitor touch screen, que será disponibilizado ao término da monitoria, e o estudante interessado será convidado a selecionar o vídeo que deseja assistir.

Nesta etapa não haverá ficha para preenchimento e os vídeos serão disponibilizados em outros espaços, como nas redes sociais do Museu e dentro da própria universidade parceira.

Como visita complementar à atividade, a escola terá a opção de ter em seu percurso uma visita a um museu universitário pertencente à Universidade parceira, visando mostrar como as três instituições coexistem e se complementam.

Propostas de ficha para preenchimento dos participantes na primeira e segunda etapas da atividade.

Considerações sobre o roteiro

Diante da proposta pedagógica acima descrita, espera-se que os participantes tenham uma percepção mais ampla sobre o campo científico e dos personagens envolvidos no processo de construção deste conhecimento, tendo uma visão mais realista do que é um cientista e da ciência como um processo, desconstruindo a ideia de uma ciência como produto, finalizado e estático.

Dessa forma, concluímos que a relação museu, escola e universidade pode ser positiva para o processo de escolarização através de experiências museais e do acesso a conteúdos de divulgação científica de qualidade. Os museus são dispersores de conhecimento e o acesso e participação de todos devem ser fomentados, produzindo relações e discussões entre a ciência e o cotidiano.

Portanto, descrevemos aqui uma sugestão de atividade que possa incorporar à prática lúdica e interdisciplinar das visitações aos espaços do museu, outras ações que proporcionem aos participantes conhecer o “cientista” e sua importância no processo de conhecimento científico, na divulgação de pesquisas e saberes, e em favor de uma sociedade consciente e igualitária.

Referências Bibliográficas

  • CARMO, M. P. S. Experiências museais de sujeitos surdos em três espaços de ciências do Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Ciências - Área de Concentração: Educação, Difusão e Gestão em Biociências), Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.

  • CERATI, T. M.. 'Educação em jardins botânicos na perspectiva de alfabetização científica: análise de uma exposição e público'. Tese de Doutorado em Educação. São Paulo, Brasil: Universidade de São Paulo. 2014.

  • CONTIER, D. Relações entre ciência, tecnologia e sociedade em museus de ciências. Dissertação (Mestrado em Educação, Área de Concentração: Ensino de Ciências e Matemática) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.

  • CUNHA, M. B. da; GIORDAN, M. A divulgação Científica na Sala de Aula: Implicações de um Gênero. In: __________ (Org.) Divulgação Científica na Sala de Aula. Ijuí, Ed. Unijuí, 2015, p. 67 – 86.

  • FERREIRA, M. Currículo e cultura: diálogos com as disciplinas escolares Ciências e Biologia. p. 185-213. 2014. In: MOREIRA, A. F.; CANDAU, V. M. Currículos, disciplinas escolares e saberes, 1., Petrópolis: Vozes, 2014.

  • MANNINO, I.; BELL, L.; COSTA, E.; DI ROSA, M.; FORNETTI, A.; FRANKS, S.; IASILLO, C.; MAIDEN, N.; OLESK, A.; PASOTTI, J.; RENSER, B.; ROCHE, J.; SCHOFIELD, B.; VILLA, R.; ZOLLO, F. Supporting quality in science communication: insights from the QUEST project. Journal of Science Communication, v. 20, n. 3, seção A07, 2021. https://doi.org/10.22323/2.20030207.

  • MARANDINO, M. Museus de Ciências, Coleções e Educação: relações necessárias. Museologia e Patrimônio, v. 2, n. 2, p. 1-12, jul.-dez., 2009.

  • MARANDINO, M.; CONTIER, D. ; NAVAS, A. M.; BIZERRA, A.; NEVES, A. L. C. Controvérsias em museus de ciências: reflexões e propostas para educadores. 1.ed. São Paulo: FEUSP, 2016. v. 1. 52p.

  • MARANDINO, M.; NORBERTO ROCHA, J.; CERATI, T. M.; SCALFI, G.; OLIVEIRA, D.; FERNANDES, M. L. Ferramenta teórico-metodológica para o estudo dos processos de alfabetização científica em ações de educação não formal e comunicação pública da ciência: resultados e discussões. Journal of Science Communication América Latina, v. 01, p. 1-24, 2018.

  • MENDES, I. M. Percepções de jovens cariocas sobre ciência e tecnologia. Dissertação (Mestrado em Divulgação da Ciência, Tecnologia e Saúde) - Fundação Oswaldo Cruz, Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2019.

  • VYGOTSKY, Lev Semenovich. A construção do pensamento e da linguagem. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 2001. 496 p.