OS 70 ANOS DO LEITORADO BRASILEIRO: DO SERVIÇO DE EXPANSÃO
INTELECTUAL AO LEITORADO GUIMARÃES ROSA
Short paper por
Rafaela Pascoal Coelho
Leitora Guimarães Rosa na Universidad Nacional Mayor de San Marcos - UNMSM, em Lima, Peru.
Camila Cynara Lima de Almeida
Leitora Guimarães Rosa na Università di Bologna - Unibo, em Bolonha, Itália.
A promoção dos aspectos culturais do Brasil no exterior tem uma estreita relação com grandes figuras da diplomacia brasileira. Desempenharam funções junto ao Itamaraty nomes como os diplomatas-escritores modernistas Raul Bopp, Graça Aranha e Ronald de Carvalho, o que impulsionou as ações de difusão dos estudos sobre o país.
Ao longo dos anos, as transformações na configuração dos setores que tratavam das ações de promoção cultural no Ministério das Relações Exteriores (MRE) foram muitas. Em 1934, foi criado o Serviço de Expansão Intelectual, que buscava estreitar relações com escritores e acadêmicos interessados na cultura e literatura do Brasil, promovendo encontros e estabelecendo uma rede de contatos para divulgação de produções brasileiras (DUMONT; FLECHET, 2014, p. 206). A criação do Departamento Cultural do Itamaraty (DC) ocorreu em 1938 (TORRECUSO, 2021, p. 210). Em 1945, o Ministério das Relações Exteriores reestruturou sua composição com a criação do Departamento Político, Econômico e Cultural – DPEC e, em 1946, com o estabelecimento da Divisão Cultural do Itamaraty – DCI (DUMONT; FLECHET, 2014, p. 210). Assim, a partir da reformulação dos setores dedicados à diplomacia cultural, o órgão passou a organizar missões diplomáticas com o propósito de favorecer a ida de intelectuais brasileiros a outros países.
Foi na década de 1950 que surgiu o embrião do Leitorado Brasileiro, uma das mais tradicionais políticas públicas de difusão da língua portuguesa e da cultura brasileira. A partir de 1952, diversas universidades no exterior contaram com a presença de escritores e pesquisadores que tinham como missão implementar as Cátedras de Estudos Brasileiros: João Milanez da Cunha Lima, na Universidade de Heidelberg, na Alemanha; Garcia Menezes, na Universidade de Buenos Aires, na Argentina; Murilo Mendes, na Universidade Católica de Louvain, na Bélgica; Pedro Xisto de Carvalho, na Universidade de Ottawa, no Canadá; Paulo da Silveira, na Universidade de Madri, na Espanha; Lawrence Sharpe, na Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos; Sérgio Buarque de Holanda, na Universidade de Roma, na Itália; Maria Alice Faria, na Universidade de Bordeaux, na França; Celso Ferreira da Cunha, na Universidade Sorbonne de Paris, na França; Cyro dos Anjos, na Universidade do México, no México; J. Paulo de Medeyros, na Universidade Nacional, na Nicarágua; Josué Montello, na Universidade Nacional Mayor de San Marcos, no Peru; Álvaro Lins, na Universidade de Lisboa, em Portugal; e Sergio Milliet, na Universidade de Genebra, na Suíça (NICODEMO, 2011, p.10). Esses teriam sido, então, os primeiros professores a atuarem como Leitores Brasileiros pelo Itamaraty, promovendo os aspectos linguísticos e culturais do Brasil.
Registra-se ainda que, no final da década de 1950 e início da década de 1960, professores foram enviados à Bolívia e ao Paraguai como parte do trabalho de difusão cultural e cooperação educacional do MRE (FARIAS; ZÉTOLA, 2021, p. 262). Na mesma época, ocorreu também a abertura de Leitorados Brasileiros em países africanos (Ibid., p. 263). Por questões políticas, durante o período da Ditadura Militar no Brasil (1964-1985), as ações de promoção cultural foram adequadas à imagem de país que o regime pretendia passar. Assim, foi desencorajada a participação de acadêmicos e artistas, principalmente os considerados contrários ao regime, e as ações de difusão foram pautadas em atividades que à época eram tidas como atividades de menor engajamento político, como a promoção da arquitetura e do ensino de língua portuguesa (Ibid., p. 266).
Do fim da Ditadura Militar até os anos 2000, o Leitorado Brasileiro seguiu presente sobretudo nas universidades de maior renome em países tradicionalmente parceiros da cooperação educacional do Brasil. Segundo Torrecuso (2021), o Leitorado “era visto como uma das formas de ação cultural do Itamaraty, mas sua gestão era feita principalmente de modo descentralizado, pela rede de postos no exterior”. Comumente, identificava-se professores aptos a atuar na área de ensino da língua portuguesa para que assumissem vagas em universidades parceiras ou mesmo em Embaixadas.
Um marco para o Leitorado Brasileiro foi a publicação da Portaria Interministerial nº 1, de 20 de março de 2006, que estabelece a função de Leitor Brasileiro, sendo esse, de acordo com a referida Portaria, “o professor universitário, de nacionalidade brasileira, que se dedica ao ensino da língua portuguesa falada no Brasil, e da cultura e da literatura nacionais em instituições universitárias estrangeiras”. O documento destaca as atribuições dos atores envolvidos no processo, sendo o MRE o interlocutor na negociação das vagas, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) a responsável pela seleção de candidatos e a Instituição universitária estrangeira a que elege, a partir dos pré-selecionados, e acolhe o(a) Leitor(a) que desenvolverá as atividades na Instituição.
Além do Leitorado, o MRE conta com diversas ações de promoção da língua portuguesa e da cultura brasileira no exterior. Com o intuito de unir as ações, o órgão estabeleceu, no ano de 2011, a Rede Brasil Cultural. A Rede buscava agregar os trabalhos desenvolvidos pelos Centros Culturais do Brasil (CCBs), pelos Núcleos de Estudos Brasileiros (NEBs) e, naturalmente, pelos Leitorados Brasileiros. A partir de mais uma transformação das ações de promoção linguística e cultural na estrutura do MRE, as iniciativas da rede passaram a fazer parte do Instituto Guimarães Rosa.
O Instituto Guimarães Rosa, orientado pelo Decreto 11.024, de 31 de março de 2022, teve seu lançamento pelo Ministério de Relações Exteriores em setembro do mesmo ano, e a solenidade coincide com as comemorações pela efeméride dos 200 anos da Independência do Brasil. O Instituto foi batizado em homenagem ao escritor mineiro João Guimarães Rosa, médico de formação que teve um importante papel na diplomacia, atuando pelo Itamaraty em postos de representação diplomática do Brasil no exterior. Rosa, que serviu como vice-cônsul do Brasil em Hamburgo de 1938 a 1942, teve um louvável papel, colaborando para salvar vidas de muitos que tentavam fugir do regime nazista que havia se instaurado na Alemanha. Como intelectual que era, versado em línguas estrangeiras, Guimarães Rosa se destacou como escritor. Suas obras apresentam uma escrita original, com caráter regionalista, que conjuga elementos linguísticos eruditos, arcaicos e neologismos que comungam com o falar do sertão mineiro onde nasceu. A magnum opus do escritor, Grande Sertão: Veredas, foi traduzida para diversos idiomas, entre eles o alemão, o espanhol, o inglês e o italiano.
O Instituto está sediado na capital brasileira e integra as ações diplomáticas de promoção da língua portuguesa e literaturas brasileiras, de difusão das manifestações culturais do Brasil e de fortalecimento da cooperação educacional junto a instituições de ensino no exterior. A primeira Diretora designada para o IGR foi a Embaixadora Paula Alves de Souza. Atualmente, o IGR é dirigido pelo Ministro Marco Antonio Nakata.
Com a implementação do IGR, CCBs, NEBs e Leitorados Brasileiros no exterior passaram a levar o nome do Instituto, imprimindo coesão às ações de promoção da cultura brasileira e do Brasil pelo mundo. Assim, o Programa Leitorado passou a se chamar Leitorado Guimarães Rosa, contando atualmente com 39 Leitores Guimarães Rosa em atuação em 30 países pela América, pela Europa, pela África e pela Ásia.
Com o breve histórico apresentado aqui, é possível afirmar que ao homenagear o escritor, o Instituto celebra não só a vida e a obra de Guimarães Rosa, celebra também a união da diplomacia e a promoção dos aspectos intelectuais e culturais brasileiros junto às universidades e demais pontos de atuação, papel que nós, Leitoras e Leitores Guimarães Rosa, nos empenhamos em cumprir.
Abril de 2023.
REFERÊNCIAS
DUMONT, Juliette; FLÉCHET, Anaïs. “Pelo que é nosso!”: a diplomacia cultural brasileira no século XX. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 34, nº 67, p. 203-221 - 2014.
FARIAS, Rogério de Souza; ZÉTOLA, Bruno. Diplomacia cultural: uma arena de embates na Ditadura Militar. Brasiliana: Journal for Brazilian Studies. Vol. 10, No. 2, 2021. ISSN 2245-4373.
NICODEMO, Thiago Lima. O Itinerário de Sérgio Buarque de Holanda na Itália. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo, 2011.
TORRECUSO, Paolo Alves Dantas. Verbete Leitorado. Em: Panorama da contribuição do Brasil para a difusão do protuguês. Brasília, FUNAG, p. 209-227 - 2021.