Por Thaís Baioco Silva
A comunicação está presente na humanidade desde os primórdios. Do latim Communicare, comunicar é tornar comum tudo o que nos aproxima, seja por meios mais abstratos até os mais tangíveis. E é nesse tornar comum entre pessoas que a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) celebra os 50 anos do curso de Comunicação Social.
Para entender a origem do curso e como ele foi se transformando com o passar dos anos, é preciso voltar no tempo, na remota década de 1970. A Ufes foi uma das últimas universidades federais a ofertar um curso de Comunicação, refletindo o que era o Espírito Santo na época. O estado passava por transformações econômicas significativas, transitando de uma economia agrária focada na cafeicultura para uma base produtiva fabril-exportadora.
O cenário do mercado da comunicação acompanhava essa mudança econômica, com o surgimento das emissoras de TV, e a necessidade de realização de programação local; o investimento em moldes produtivos empresariais nos jornais impressos; e a ampliação do número de emissoras de rádio. Com a expansão do mercado editorial no estado, a exigência por profissionais capacitados e diplomados aumentava, o que só intensificava a pressão direta para a criação de um curso superior de formação de jornalistas. A Ufes, que estava em uma fase de criação de novos cursos, responde a essa demanda do mercado e cria a graduação em Comunicação Social em 1974, implantando-a em 1975.
Os anos 1990 foram uma década transformadora para o curso de Comunicação Social. Entre 1992 e 1995, os cursos do Departamento de Comunicação Social ganharam o seu primeiro edifício de laboratórios. Em 1993, o Departamento promoveu a 16ª edição do Congresso Nacional da Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. Nessa mesma década, foi criado o Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão (NEXO), sob liderança da professora Cicilia Peruzzo.
No novo milênio surgem novos grupos de pesquisa como o Grupo de Estudos Percursos Culturais em Comunicação, coordenado pela professora Ruth Reis, criado em 2002 e renomeado, em 2018, para Grupo de Pesquisa em Comunicação, Cultura e Discurso (Grudi). Outra iniciativa em parceria com outros departamentos foi a criação do Grupo de Pesquisa em Comunicação e Artes (GPECA), também em
2002, que conseguiu ser aprovado num edital da Capes voltado para a formação de novos grupos de pesquisa e titulação de professores e de novos programas de pós-graduação em articulação com a PUC-São Paulo. Este projeto foi desenvolvido depois no âmbito do Centro de Artes. Na época, o Departamento de Comunicação Social estava em fase de transição com a criação de um novo currículo para os cursos e num movimento de transferência de Centro. Na sequência, outros grupos surgem como o Ateliê de Sonoridades Urbanas, Baile (papel das práticas de comunicação em diversos campos de valor e sentido, particularmente o mundo da arte contemporânea), o Laboratório de Estudos Sobre Imagem e Cibercultura (Labic); o CAT (Cultura Audiovisual e Tecnologia), o CIA (Comunicação, Imagem e Afeto (CIA), o Observatório da Mídia, o Kaos Marx e o Observartório do Cinema e Audiovisual Capixaba (Ocac).
Devido às mudanças nas configurações comunicacionais impulsionadas pela internet, foi fundado em 2007 o Laboratório de Internet e Ciências de Dados (Labic), coordenado pelos professores Fábio Malini e Fábio Goveia. Malini conta que criou o Grupo de Estudos após finalizar o seu doutorado. Graças a um edital de financiamento de pesquisa obtido junto à Capes na época, conseguiu adquirir quatro computadores para a realização das pesquisas com mais quatro orientandos de graduação. Daí surgiu o Laboratório de Estudos sobre Internet e Cultura. Após a entrada do professor Goveia no projeto, que ministrava as aulas de Fotografia, o Grupo passou a se chamar Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura.
Entre 2007 a 2012, o Labic dedicava-se aos estudos da cibercultura, como era conhecido na época os estudos sobre os fenômenos da internet. Nesse período, o grupo de estudos alcançou uma importância muito grande tanto para a universidade quanto para o cenário da comunicação no Espírito Santo. “Foi um momento em que a gente também desenvolveu uma atividade, um ativismo tecnológico, um ativismo midiático. A gente fazia muita crítica de mídia, a gente fazia muita transmissão em tempo real. Nós fomos o primeiro grupo a fazer transmissão em tempo real, usando o telefone celular, por exemplo”, complementa Malini.
Os anos iniciais de análise da internet eram na base da coleta manual de dados. Foi só no ano de 2012, em uma parceria de projeto com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que o Labic adota uma metodologia de uso de grafos e coleta massiva de dados em plataformas de redes sociais. As primeiras visualizações de dados são sobre temas da área de política, ainda em 2011. Em 2013, as jornadas de junho de 2013 geraram farto material para análise de rede e o trabalho do Labic ganha repercussão internacional, recebendo destaque no jornal New York Times.
Malini destaca que a base ativista de divulgação científica do Labic ganha força com os trabalhos de visualização de dados coletados a partir da internet, o que torna o Labic pioneiro no Brasil nessa linha de pesquisa. Com o desenvolvimento próprio de ferramentas de coleta de dados, o Labic constrói uma metodologia robusta de trabalho que rege as pesquisas de mapeamento das narrativas vacinais e antivacinas em diferentes plataformas de redes sociais, mapeando temas como a desinformação climática e a dinâmica do turismo local. Essa metodologia de trabalho, aliada às próprias tecnologias criadas no laboratório com a colaboração de vários especialistas na universidade.
O impacto do Labic também extrapola o campo acadêmico para a sociedade civil, agindo no centro das discussões pautadas pela opinião pública, como bem enfatiza Malini. “A gente já teve processo de visualização de dados sobre, por exemplo, vacinação de HPV, em que a gente fez os governadores mudarem de opinião. Tivemos interpretações sobre os movimentos políticos de polarização no brasileiro, que pautou tanto o lado da direita, do centro e da esquerda. Eu acho que as pessoas utilizam muito nosso trabalho exatamente porque a gente também não tem uma prisão numa dimensão ideológica”.
Além das pesquisas de mapeamento de desinformação nas redes sociais, o Labic está desenvolvendo pesquisas de automação, e experiências com modelos de linguagem massivos, chamados LLMs, como o Chat GPT, por exemplo. Para Malini, desenvolver o processo de automação no laboratório vai além de criar um produto, mas compor a formação dos alunos orientados para o mercado de trabalho da comunicação, que passa por constantes transformações com a inserção da inteligência artificial na produção jornalística. “[É preciso] também pensar a automação dentro do campo da comunicação, não só restrito ao campo da ciência da comunicação, é algo estratégico também para a nossa profissão, o nosso fazer comunicação”.
O Laboratório de Jornalismo Crítico Emancipatório (Laje) nasceu com o intuito de juntar pessoas interessadas na discussão do jornalismo numa perspectiva crítica. Criado em 2024 pelo professor Rafael Bellan, o Laje segue o legado do jornalista e pesquisador Adelmo Genro Filho, que trata o jornalismo como forma de conhecimento.
O laboratório se apresenta como um espaço de pesquisa e produção de jornalismo crítico, tendo em vista o papel social importante de formar jornalistas críticos, capazes de combater problemas como a desinformação, as desigualdades sociais abissais presentes na sociedade brasileira, e o contexto do antropoceno, que traz desafios do ponto de vista da própria sobrevivência da humanidade, dadas as mudanças climáticas que cada vez mais se aceleram.
Para Bellan, a importância do Laje, bem como dos demais grupos de pesquisa, está em demonstrar a força da universidade pública em tocar os seus três pilares fundamentais - ensino, pesquisa e extensão. Bellan enfatiza que na universidade pública, os estudantes não vêm só atrás de um diploma, mas também de uma formação universitária. Essa formação não está pautada somente no aprendizado dos conteúdos em sala de aula, ela também envolve a dedicação na pesquisa, no entendimento de como essa área se desenvolve, e também na extensão, na aproximação do que a gente desenvolve aqui com a comunidade.
“Nesse sentido, quando você tem um grupo de pesquisa ativo, a gente está não só ensinando conteúdos, mas a gente também está produzindo cientificamente reflexões e respostas para os problemas que o jornalismo enfrenta. Então, a universidade, quando ela faz pesquisa, ela situa o seu papel frente à sociedade, de forma científica, compreender os problemas que essa sociedade nos traz”, pontua Bellan.