Por Otávio Gomes e Cid Bisneto
O ano era 1975 e o Brasil estava reunindo forças para construir um novo futuro. O milagre econômico já havia passado há dois anos, a repressão estava diminuindo e a inflação ainda não era o inimigo público n.º 1 do Estado. O ocaso da ditadura militar, chefiada à época pelo general Ernesto Geisel, avizinhava-se em conjunto com o período da “distensão”, outro nome para a abertura do regime em direção ao restabelecimento da democracia. Não por acaso, quatro anos depois começaria a presidência de João Figueiredo, último general na presidência da República, que cristalizou o clamor popular pela redemocratização na icônica frase “É pra abrir mesmo! E quem não quiser que abra, eu prendo e arrebento!”.
Ainda que dessa forma rude e também lenta, os anos de chumbo estavam finalmente cedendo o lugar para um processo de modernização política e social que alcançaria seu ápice no pacto que levou a uma nova Constituição em 1988. Porém, antes disso, entre todos os estados da região mais desenvolvida do país, o menor deles já experimentava uma dose de superação de um status quo. Uma mudança, em primeiro lugar, de paradigma econômico, com ingresso do grande capital internacional, que se espraiou para outros cantos e, meio que sem querer, impulsionou o desenvolvimento da comunicação local.
Este é o Espírito Santo, terra conhecida pelo seu atraso em relação aos demais estados da costa brasileira. No rol de subdesenvolvimentos capixabas, estava o mercado de comunicação. Fenômeno típico de sociedades industriais, a comunicação de massa só se consolidou no Estado a partir do ciclo de industrialização promovido pelo governo estadual em conjunto com elites locais e com capital estrangeiro durante a década de 1970. A predominância da exportação de produtos agrícolas na economia capixaba diminuiu enquanto a participação dos setores de indústria e serviços aumentou. Assim, grupos empresariais detentores de emissoras de rádio e TV, como também a mídia impressa, cresceram e, com eles, cresceu também a demanda por profissionais especializados.
“Em 1974, o Brasil conquistava seu primeiro Leão de Ouro no Festival de Publicidade de Cannes, a maior premiação do mundo no setor. Nos anos 1980, o país passava pela redemocratização e também pela popularização da TV. Se você pegar esses elementos, vai visualizar uma publicidade que está em fase de consolidação, o que traz a necessidade de uma profissionalização mais ampla no setor, e os cursos de publicidade se tornam mais procurados”, comenta Lívia Silva, professora da habilitação de Publicidade e Propaganda do curso de Comunicação Social da Ufes.
Em meados da década de 1970, trabalhadores do ramo da comunicação do Estado já exerciam as profissões de jornalista, publicitário e assessor antes mesmo da criação de um curso técnico ou universitário destinado a essas áreas de atuação. Com o aumento da demanda por especialização da mão de obra, e por pressão das próprias empresas de mídia, em especial os jornais, a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), em 1974, finalmente encaminhou uma solicitação da abertura do curso de Comunicação ao Ministério da Educação e Cultura (MEC). A autorização do Ministério saiu em 11 de setembro do mesmo ano e a efetiva abertura do curso pela Universidade no ano seguinte, 32 anos após à regulamentação dos cursos universitários de Jornalismo no Brasil. O Espírito Santo, não de forma inédita, estava atrasado.
A pressão pela criação do curso aconteceu porque a crença à época era de que a formação técnica e científica dos profissionais já atuantes na imprensa e criação de uma reserva de novos profissionais era necessária para a estruturação do jornalismo capixaba em escala industrial e para atender a exigência legal (hoje já extinta) do diploma de jornalismo para o exercício da profissão. Ou seja, o curso foi criado para diplomar esses jornalistas, calculados em cerca de 150, e, portanto, não havia necessidade de mais do que três turmas de formados. Por isso, o curso de Comunicação foi criado de forma temporária para durar apenas três anos. Concluído o prazo, em 1978, o curso só poderia continuar se fosse renovada a autorização do MEC, caso “comprovada a necessidade do mercado de trabalho”, assim dispunha o art. 4º da resolução 16/1974 do Conselho Universitário que regulamentou a nova graduação.
Primeira turma do Curso de Comunicação Social em churrasco de confraterização
Nesse formato provisório e utilitarista, foi realizado o primeiro vestibular para a graduação em Comunicação na Ufes, em 1975, mas sem grandes investimentos na estrutura da Universidade. O curso, ao longo de três anos, dispunha de uma grade multidisciplinar, com aulas de capacitação técnica nas áreas de Jornalismo, Publicidade, Relações Públicas e Editoração.
Por outro lado, os desafios de estruturar uma nova graduação sem maiores investimentos, somado ao contexto político, gerou um clima de inovação e desbravamento por parte dos realizadores do curso. “Para mim, os primeiros anos foram a melhor época do curso. Nesse período começava o processo de redemocratização do país após 21 anos de ditadura militar. Não só o curso de Comunicação, mas toda a Universidade estava envolvida no processo de discussão política e cultural. Foram períodos muito efervescentes e produtivos”, conta a ex-professora Tânia Mara Correa Ferreira, que lecionou no curso de Jornalismo entre 1979 e 2008.
Tânia Mara: "os primeiros anos foram períodos muito efervescentes e produtivos
O clima geral na Universidade, no entanto, era de certa antipatia com o curso recém-criado. A ideia inicial era a criação de um Departamento de Comunicação vinculado ao Centro de Artes (CAr), nos moldes da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), mas não houve concordância em relação a essa ideia, que somada ao número insuficiente de docentes exclusivos e outras exigências do Estatuto da Universidade, o curso acabou sendo adotado pelo Departamento de Administração, localizado no Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas (CCJE). Extraoficialmente, entretanto, os motivos eram outros: o CAr dos anos de 1970 não queria o novo curso. Além disso, ex-professores e ex-alunos relatam que os jornalistas eram vistos como “baderneiros e comunistas” à época, e a motivação inicialmente mercadológica da criação de um curso temporário não justificava mudanças administrativas e estruturais muito drásticas no campus.
Acomodar as aulas nos espaços disponíveis, como se poderia imaginar, era desafiador. Os prédios e as salas nunca eram os mesmos, alunos e professores tinham de vaguear constantemente entre centros do campus e até fora dele, pois as aulas laboratoriais de TV e rádio eram ministradas em salas da TVE (no centro de Vitória) e da Rádio Espírito Santo (na Reta da Penha). Até mesmo as máquinas de escrever disponibilizadas pela Universidade eram sobras de repartições administrativas.
A maior parte das duas primeiras turmas era composta por profissionais de imprensa, misturados a estudantes oriundos do ensino secundário, o que em si era um desafio pedagógico. Os professores, por sua vez, eram profissionais veteranos de jornais em sua maioria. “As turmas tinham muitos jornalistas que fizeram o curso em busca do registro profissional, eram pessoas mais velhas do que o habitual ingressante no curso, já tinham uma considerável bagagem cultural, e muitos já tinham uma primeira graduação em outra área. Nessa época o debate em sala de aula era bastante produtivo”, explica Tânia Mara.
Esses e outros desequilíbrios eram ajustados conforme o tempo passava. No ano de 1976, a Comissão Permanente de Integração Curricular (CPIC) sugeriu a criação de habilitações específicas, numa tentativa de implementar aulas práticas de Publicidade e Relações Públicas, já que a integridade das experiências laboratoriais abarcavam somente a área do Jornalismo. Segundo o professor Fernando Manhães, da habilitação de Publicidade e Propraganda, a falta de recurso era um combustível de ânimo para construir a habilitação nos seus primeiros anos. “Dizem que a melhor época é a atual. Entretanto, sem dúvidas foram os anos 1980. Os anos dos pioneiros. Fizemos tudo na unha, com a mão na massa e no esforço coletivo. A escassez nos movia. Tínhamos sede de conhecimento, de viver e de aprendizado”, lembra.
E aconteceu dessa forma porque o curso continuou na década seguinte. Pouco tempo antes da execução do último vestibular previsto, em 1977, a Ufes solicitou ao MEC o reconhecimento do curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo, o que só aconteceria em 1979 após o cumprimento de uma série de exigências do Ministério quanto à infraestrutura, ao corpo docente e demais pendências. Mesmo antes disso, porém, a Ufes continuou realizando vestibulares, o que, de todo modo, alongou a vida do curso de Comunicação. Meio que sem querer, mais comunicadores do Espírito Santo seriam diplomados na próxima década.
As novidades não paravam dentro da Universidade e também fora dela. O país havia abandonado o imobilismo das últimas duas décadas e o furor geral pelas mudanças já estava instalado. Lá fora, o movimento pelas eleições diretas, a extinção do bipartidarismo e a volta de um governo civil. Aqui, em 1980, a criação do Departamento de Comunicação Social, ainda vinculado ao CCJE, era o avanço mais comemorado.
Também devido às exigências do MEC, o curso fechou uma série de convênios com instituições públicas para a oferta das aulas laboratoriais. Em 1981, os professores foram finalmente efetivados. Mais tarde, em 1985, uma nova grade curricular foi instituída para as habilitações em Jornalismo e Publicidade, que foi seguida com poucas mudanças até os anos 2000. Nesse ciclo de 10 anos desde a sua criação, o curso fundou as bases com as quais seguiu até meados dos anos 2000, quando outras mudanças estruturais foram demandadas.
Já nos anos 1990, comenta a professora Lívia Silva, o cenário nacional ajudou a desenvolver a grade curricular do curso de Publicidade e Propraganda, tornando-a mais atenta às mudanças mercadológicas e à globalização. “A abertura maior do mercado para os produtos importados e o Plano Real, com a estabilização da economia influenciaram bastante o cenário para a publicidade e, consequentemente, para os cursos de Publicidade. Com o aumento do consumo, aumenta a demanda por profissionais de Comunicação. Os currículos dos cursos passam a contar com disciplinas mais voltadas à prática publicitária, tais como Planejamento de Campanha, Produção Gráfica etc”, explica.
Fernando Manhães também atesta essa evolução com o passar das décadas. “Na década de 1980 era um curso desestruturado, sem professores e laboratórios. A partir de 1990 já tínhamos uma cultura da publicidade, professores mais experientes e laboratórios. E nos anos 2000 tivemos mais investimentos em equipamentos e professores com vivência em agências de publicidade”, complementa.
Cemuni V, ova sede do Depcom no início dos aos 2000
O novo milênio começou para o curso de Comunicação Social da Ufes com a tão aguardada mudança de Centro, fruto de muita insistência. A escassez de materiais e espaço do CCJE, que não era tão bem estruturado como nos dias de hoje, era um gerador constante de greves estudantis e protestos. Apesar da melhora relativa com o tempo, como a construção de laboratórios de fotografia e de uma sala de redação e o crescimento do número de alunos e professores, o espaço destinado às atividades do curso mostrava-se cada vez mais insuficiente. Alguns professores também denunciavam uma certa animosidade política entre o Departamento de Comunicação e a direção do CCJE, que, segundo eles, se manifestava em boicotes ao curso.
De fato, a mudança, que foi totalmente consolidada no ano de 2005, não era um capricho, mas necessária para melhores condições de ensino. No entanto, foi bastante lenta, pois, para acontecer, teve que contar com a adesão dos professores do CAr. Foi a partir dessa nova necessidade que foi inaugurada a próxima cruzada: a construção de um prédio para instalação dos laboratórios que seriam equipados com equipamentos de audiovisual já adquiridos por meio de projetos de infraestrtura desenvolvidos pel MEC que tiveram adesão dos cursos de Comunicação e de Artes. Esse advento criou uma nova oportunidade de aproximação do Departamento de Comunicação com o Centro de Artes, que resultou na proposição, ao MEC, de construção de um prédio de multimeios com infraestrutura adequada para a produção audiovisual que atenderia tanto os cursos da área de Comunicação quanto de Artes. A mudança da comunicação para o Centro de Artes se processou a partir da aprovação do projeto da construção do prédio novo prédio.
A construção do prédio Multimeios, mais conhecido como “Bob Esponja”, são uma cruzada à parte. No primeiro momento, a cota de recursos destinada pelo MEC não foi suficiente para a conclusão do prédio; depois, novo aporte foi destinado proveniente do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), do Governo Federal. A construção do prédio enfrentou quatro estágios, sendo levado a cabo por uma segunda empresa após problemas com a primeira (o que, inclusive, rendeu um processo judicial). Houve também um período de “mudança” dos antigos laboratórios para os novos que só foi concluído em 2009, quatro anos após à aprovação do projeto.
o polêmico Bob Esponja
Apesar de ser um inegável avanço para todo o Centro, a construção do “Bob” inicialmente serviu para gerar polêmica por parte de outros cursos. O seu icônico e simpático apelido foi cunhado por alunos do curso de Arquitetura e Urbanismo em protesto à então considerada baixa qualidade arquitetônica. O formato quadrado deu ensejo a que eles o apelidassem de Bob Esponja. Eles não sabiam, no entanto, que o projeto teve que ser entregue às pressas, no ano de 2003, para encaminhamento do pedido de financiamento ao MEC, por isso a simplicidade.
O prédio contém laboratórios de áudio, vídeo e multimídia, ilhas de edição e salas de apoio, o que tornou complexas as instalações elétricas e hidráulicas. Isto, somado a falhas no acabamento da obra, causou um incêndio, em 2011, e uma infiltração, em 2013, danificando diversos equipamentos laboratoriais e documentos. Atualmente, o “Bob” é o coração dos cursos de Comunicação, concentrando em seu espaço a maior parte das aulas teórico-práticas e laboratoriais, além de um centro tecnológico de referência em audiovisual no Estado e um hub de laboratórios utilizados por alunos e professores de quatro cursos do CAr.
Além dos dois incidentes no edifício “Bob Esponja”, os cursos de Comunicação da Ufes sofreram outro golpe duríssimo no início dos anos 2010 – mas não sem aviso. Era 2013 quando, às vésperas do VestUfes 2014 (até então, a Universidade não usava o Sistema de Seleção Unificada, o Sisu, como único instrumento de ingresso), o Diário Oficial da União publicou a lista dos 270 cursos superiores que estariam impedidos de receber novos alunos a partir do primeiro semestre do próximo ano. Entre eles, as habilitações de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Ufes. O motivo? A baixa pontuação de ambas no Conceito Preliminar de Curso (CPC), avaliação trianual utilizada pelo MEC para aferir a qualidade do ensino nas universidades públicas.
Estudantes protestam contra o Exame Nacional de Cursos (Provão)
Com a proibição, os estudantes que se preparavam há um ano para o vestibular teriam que escolher um outro curso ou solicitar o reembolso da inscrição. Para os alunos, restou o ônus de ter sido aprovado num curso nota 2 em uma escala de 5. Mas havia um porém: 70% da nota do CPC era composta pelas notas no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), então aeplidado de "Provão", que havia sido boicotado por alunos do curso em 2009 e 2012. As provas de quem aderiu ao boicote foram entregues incompletas, numa manifestação política de discordância com o instrumento de avaliação. Assim, ironicamente, o curso “tomou bomba”, no jargão escolar.
Entre os motivos alegados para o boicote constavam queixas contra a obrigatoriedade e o caráter exclusivamente teórico do exame. Com razão ou não, o fato é que a nota baixa no CPC impediu o curso de realizar novos vestibulares até o segundo semestre do ano de 2015, período que levou para o Departamento de Comunicação a resolver o imbróglio junto ao MEC (afinal, o curso atingiu nota 4 nos outros quesitos, como titulação de professores e estrutura técnica). Ou seja, apesar dos motivos nobres, o boicote acabou prejudicando somente quem não tinha nada a ver com a história. É verdade que o MEC havia alertado o curso após os resultados ruins em 2009 e, por isso, alguns professores já efetivados na época do ocorrido, atualmente, fazem uma mea culpa e abordam o Enade junto aos estudantes de um modo mais atento, com reuniões e conversas.
Assim como a construção do “Bob”, a criação do curso de Audiovisual (mudaria o nome para Cinema e Audiovisual anos mais tarde) confunde-se com os efeitos da adesão do Centro de Artes ao programa Reuni. Em linhas gerais, o Reuni era uma das iniciativas do Governo Lula para a ampliação dos investimentos nas instituições públicas de Ensino Superior. A partir da primeira fase do programa, em 2007, vagas de ingresso a cursos do período noturno foram ofertadas para alunos e professores, estes sem dedicação exclusiva à Universidade. O objetivo era reduzir a evasão universitária e o número de vagas ociosas.
A princípio, o programa recebeu diversas críticas, principalmente por parte do movimento estudantil. Eles apontavam uma possível supervalorização do ensino em detrimento da pesquisa e da extensão. Uma manifestação de alunos interrompeu a reunião do Conselho Universitário que aprovaria a participação da Ufes no programa, atrasando a decisão. Com isso, alguns departamentos se colocaram contra, inclusive a Comunicação Social, e não executaram propostas de criação ou ampliação de cursos.
A criação do curso de Audiovisual só voltou a ser possível com o lançamento da segunda fase do programa, no final de 2008. Segundo professores envolvidos à época, existia um desejo por parte de alunos da Comunicação de atuar no mercado de audiovisual capixaba. No entanto, as únicas experiências com a área desenvolvidas no departamento eram o Grupo de Estudos Audiovisuais (GRAV), um projeto de extensão, e uma especialização em Audiovisual, iniciada no início dos anos 2000, mas descontinuada pouco tempo depois.
“Durante as décadas de 1980, 1990 e nos anos 2000 havia uma demanda para o mercado de trabalho em audiovisual, e essas pessoas procuravam os cursos do Departamento de Comunicação para ter alguma prática e assistir às aulas teóricas da área. Embora os cursos de Jornalismo e Publicidade não tivessem uma formação específica para o audiovisual, eles eram celeiros de muitos dos profissionais que surgiam até então no cenário capixaba. Essas pessoas complementavam a sua formação com cursos livres particulares ou oferecidos por órgãos públicos. Antes da abertura do curso de Audiovisual, existiu um curso de Rádio e TV na Faesa, mas que já havia sido extinto. Então, esse espaço de formação praticamente não existia no Estado”, explica Erly Vieira Jr., professor e um dos fundadores do curso de Cinema e Audiovisual da Ufes.
Com a chegada da proposta, novamente houve polêmica. Para a criação de um novo curso no Centro de Artes, a divisão dos 20 professores a serem contratados deveria ser refeita. Protestos irromperam durante as negociações do Conselho do Centro, com acusações de “golpe” por parte de professores dos outros cursos do Centro. Professores favoráveis à divisão das vagas usaram como argumento a procura por alunos, como a participação em festivais de cinema sem a formação profissionalizante na área do audiovisual.
A grade curricular da nova habilitação do curso de Comunicação Social foi elaborada com ênfase em documentário, uma especialização que outras instituições ainda não ofereciam. Os idealizadores reconheciam também que o gênero, apesar de ser abordado em aulas no Jornalismo, necessitava de um campo específico que o acolhesse.
“A ênfase no ensino de teorias a respeito de roteiro e no gênero documentário na grade curricular foi implementada porque acreditávamos que era uma vocação do mercado capixaba e do departamento, pois já havia na Universidade pesquisas e práticas nessa linha. O nosso é o único curso universitário de Cinema do Brasil que tem uma disciplina obrigatória de roteiro em documentário”, esclarece Erly.
Embora compartilhem algumas disciplinas, a habilitação em Audiovisual não possui matérias obrigatórias em comum com as demais habilitações, devido ao seu funcionamento no turno noturno. Essa condição, apesar de ter sido essencial para a captação de recursos pelo Reuni, acarreta algumas dificuldades. “Existem limitações impostas pela Ufes aos cursos noturnos. À noite a universidade é muito erma, mal iluminada. Também existe a limitação de linhas de ônibus, muitos alunos têm que abandonar a aula antes do fim”, pondera Erly.
O primeiro vestibular do curso foi realizado no final de 2009, com a primeira turma ingressando no segundo semestre de 2010. Em março de 2014, após a visita de técnicos do MEC, foi apontada a necessidade de adequar a nomenclatura do curso às diretrizes estabelecidas pelo Ministério. Assim, a habilitação passou a ser oficialmente denominada Cinema e Audiovisual, substituindo o nome anterior. No entanto, o curso manteve seu foco na produção de documentários, assim como sua grade curricular original.
Atualmente, 15 anos após a implementação do curso, argumenta Erly, os efeitos da formação de cineastas capixabas pela Ufes são visíveis a nível regional e nacional. “O curso é bastante relevante no contexto capixaba. A 'cara' do audiovisual do Estado mudou, a formação de mais profissionais pela Ufes trouxe mais diversidade para o mercado. Passados os primeiros anos do curso, é palpável a influência da Ufes no cinema, nas TVs públicas, nas redes. Também há relevância de egressos do nosso curso no cenário nacional, apesar de estarmos em um Estado periférico”, conclui o professor.
Aprovadas em 12 de setembro de 2013, as novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) foram elaboradas para atender às demandas de entidades acadêmicas e profissionais ligadas ao ensino e à prática do Jornalismo no Brasil. Para isso, o MEC instituiu uma Comissão de Especialistas encarregada de estudar e apresentar propostas para a formulação das novas diretrizes dos cursos de graduação em Jornalismo.
A Comissão foi criada pelo Ministério no dia 12 de fevereiro de 2009, e contou com a participação de intelectuais do jornalismo brasileiro, como José Marques de Melo, Alfredo Vizeu, Carlos Chaparro, Eduardo Meditsch, Luiz Gonzaga Motta, entre outros. As novas DCNs, específicas para os cursos de Jornalismo, tinham como objetivo reorientar a formação profissional dos jornalistas no país e incentivar a criação de cursos de bacharelado menos generalistas e mais voltados exclusivamente para essa área do conhecimento.
As novas diretrizes chegaram no Departamento de Comunicação Social em um momento oportuno, quando docentes já trabalhavam na reformulação dos currículos das habilitações de Jornalismo e de Publicidade e Propaganda. Essa reformulação foi motivada, entre outros fatores, pela suspensão temporária do vestibular para novos alunos, determinada pelo MEC.
De acordo com as novas orientações do MEC, os cursos de Comunicação Social devem promover a cooperação entre fases do curso, com exceção do último período, reservado para o desenvolvimento do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). A reorganização curricular foi conduzida com o objetivo de ampliar a interdisciplinaridade entre as disciplinas da área de Comunicação. Além disso, também foi incluída uma Supervisão de Estágio Obrigatório em Jornalismo, no 7º período. Até então, qualquer estágio era opcional, podendo ser aproveitado como horas complementares.
O novo currículo entrou em vigor a partir do 1º semestre de 2023. Até a redação desta reportagem, os alunos da turma mais antiga do atual currículo estão cursando o 5º período. “É um curso que você só conhece quando entra. No senso comum, o jornalismo se resume a ser repórter. Mas quando se começa a estudar, entende-se o leque de possibilidades que há na carreira”, eplica o estudante João Galvani, que faz parte dessa última turma. Ele pondera sobre as diferenças entre a Ufes e demais universidades privadas: “vejo uma grande diferença em relação às outras faculdades privadas do Estado. A Ufes é uma universidade que foca muito na parte teórica, como se introduzisse já na graduação o desejo de continuar na academia, ser pesquisador. Já as outras, faculdades concentram-se mais na prática. Há uma robustez maior nos laboratórios, nos equipamentos”.
O professor do curso de Cinema e Audiovisual, Erly Vieira Jr. complementa que a carência de recursos é um diagnóstico que, atualmente, abrange todas as universidades do país, e exemplifica: “são muitos anos seguidos com poucos recursos destinados ao ensino superior no Brasil, e, para um curso que necessita tanto de tecnologia, isso é crucial. A aquisição e manutenção dos equipamentos ficou muito precarizada, cenário bem diferente de quando o curso teve início. Posso garantir que os professores e alunos fazem milagre com a estrutura que temos”.
A aluna Tayná Falqueto, também do 5º período de Jornalismo, compartilha a frustração quanto ao enfoque teórico do currículo. “Confesso que sinto falta da prática. Entendo a importância das matérias teóricas. Mas eu aprendi muito mais sobre a parte técnica em estágios que fiz. Sinto que, se eu não tivesse estagiado, o curso não teria me preparado para o mercado de trabalho”, desabafa.
Já Felipe Pinheiro, aluno do 3º período do curso de Jornalismo, elogia as aulas teórico-práticas e práticas, e as considera igualmente essenciais para a sua formação tanto acadêmica quanto profissional. “A minha experiência acadêmica está sendo muito melhor que a expectativa que eu tinha. Eu entrei no curso sem certeza se era realmente isso o que queria fazer, mas, com o decorrer dos períodos, eu percebi que gostava de usar a comunicação em diversas áreas. Várias matérias foram importantes por justamente me dar a base teórica para fazer isso”, defende. “As experiências práticas e profissionais também estão sendo muito boas. Aulas como Laboratório de Jornalismo, Fotografia, Técnicas de Reportagem e Jornalismo Sonoro estão sendo muito cativantes por nos colocar na experiência de viver o que um jornalista faz na vida real”, complementa.
A professora Lívia SIlva, do curso de Publicidade, reforça a importância das aulas teóricas para o desenvolvimento do “senso crítico” e pondera que a grade curricular não pode acompanhar o ensino técnico na mesma velocidade das inovações tecnológicas. “As mudanças tecnológicas hoje acontecem em intervalos muito curtos. Então, vale muito mais a pena garantir que o profissional saiba compreender contextos socioculturais, do que aprender a usar uma ferramenta específica que pode estar defasada dentro de poucos anos. Usar as ferramentas é importante, mas pensar criticamente é insubstituível”, argumenta.