Os povos Tikmũ’ũn, mais conhecidos como Maxakali, vivem hoje em quatro localidades e cinco grandes agrupamentos no nordeste de Minas Gerais: Terra Indígena do Pradinho (Bertópolis/MG) a Água Boa (Santa Helena de Minas/MG), no limite do estado com o extremo sul da Bahia; aldeia Cachoeirinha (Teófilo Otoni/MG); Aldeia Verde e Aldeia Hãm Kãīm (Ladainha/MG). São falantes da língua maxakali e sua população chega hoje (2021) a quase 2500 pessoas. Tradicionais ocupantes das bacias dos rios Pardo, Jequitinhonha, Jucuruçu, Mucuri, São Mateus, suas histórias estão repletas de encontros, investigações e catástrofes por essas regiões, que conhecem muito bem. São os senhores da Mata Atlântica. Dela sabem e nela conseguiram resistir por séculos à ameaça e tentativas de extermínio por parte do Estado e da sociedade nacional – o conjunto de seres que chamam de Ãyuhuk ('brancos'). Na época da vida na floresta, os Tikmũ’ũn fizeram inúmeros encontros e selaram alianças duradouras com os povos Yãmĩyxop, que os permitem enfrentar os ataques, sobreviver à quase extinção e chegar aos dias de hoje com uma maestria renovada de atravessar diversos mundos e fronteiras. Os filmes desta primeira seção tratam de alguns desses movimentos de passagem: entre as aldeias e as cidades vizinhas, em busca de trocas alimentares; através das cercas das fazendas, em busca da caça; entre os rios e as fronteiras; entre Minas Gerais e Bahia, em busca de seus antigos parentes Putuxop; entre suas escolas e a Universidade, em busca de trocas de conhecimentos; entre aqueles que comem e que não comem com os Tikmũ’ũn.
Tradicionais ocupantes das densas regiões de Mata Atlântica entre o litoral do extremo Sul da Bahia e nordeste de Minas Gerais, os Tikmũ’ũn hoje cultivam seu modo de vida e sua estética em um espaço desertificado pelos extrativistas e fazendeiros que ao longo de três séculos invadiram suas terras. Em quatro investidas os caçadores saem com seus cães e espíritos aliados em busca da capivara, uma das únicas espécies de caça remanescentes na região. Tais movimentos, entretanto, não são apenas uma busca alimentar sobre um território devastado: começam e terminam na casa dos cantos, quando as mulheres fornecem alimentos aos espíritos auxiliares da caça, e reverberam o que está em jogo na captura do que, na verdade, são humanos que se tornaram seres de outras espécies. Movimentos e cantos desvelam à câmera a densidade do olhar, a intensidade dos encontros e a efervescência de eventos animados sob um plano de aparente silêncio e quietude.
Na manhã da aldeia, uma bruma envolve e desfaz os limites concretos dos corpos, das posições, das idades. A ela junta-se a fumaça dos fogos caseiros e o cheiro do café coado. Os que ali rodeiam, esperam, convivem devagar, com a certeza de que são donos em sua própria casa. No caminhão em direção à cidade de Batinga, estamos todos invadidos por cortes: cercas, sacos, moedas, movimentos bruscos, palavras ríspidas. Todos eles acusam um maior e primeiro corte: os Tikmũ’ũn ultrapassaram a fronteira, estão no mundo dos mestres dos objetos, numa civilização onde cada coisa tem seu lugar. A presença deles na feira expõe a dura relação entre esses dois mundos. Batinga, uma pequena cidade na fronteira entre Minas Gerais e Bahia, é chamada pelos Tikmũ’ũn como Tatoka, 'o tatu está caro', como lhes diziam os habitantes da cidade, antigamente, quando os Tikmũ’ũn lhes traziam tatus para vender.
'Indo aonde tem água, indo aonde tem água, virando borboleta para voar, virando borboleta para voar'. Como nesse canto, os Tikmũ’ũn buscam os caminhos do mar para voar junto com seus aliados, os povos Putuxop. Um filme de viagem que trata do trajeto mito-geográfico dos Maxakali rumo aos Pataxó, desde a Terra Indígena do Pradinho (Bertópolis/MG) até o território de Barra Velha (Porto Seguro/BA). Diante das câmeras de jovens Tikmũ’ũn, antigos parentes que se reencontram e decidem afinar os laços historicamente desmantelados. Um espaço-tempo mítico e político se instaura nesse reencontro.
Em um encontro entre lideranças Tikmũ'ũn e autoridades regionais, o cacique Guigui Maxakali, da Terra Indígena do Pradinho (Bertópolis/MG), prepara uma recepção especial – com discursos pungentes, cantos, danças e pinturas dos povos-espírito Yamĩyxop. Por iniciativa do cacique Guigui, a câmera filma as falas e os gestos nesse encontro. Ao surpreender seus convidados apresentando-lhes a comida, larva morotó assada no bambu, o cacique Guigui coloca em cena uma divergência profunda constatada na recusa de seus convidados Ãyuhuk a comer com eles.
Na aldeia Maravilha, da Terra Indígena do Pradinho, Marilton Maxakali acompanha seu pai Laudelino numa demonstração dos modos antigos de cozimento da batata, desde a colheita até a degustação animada pelos comentários dos homens e a curiosidade das crianças.
Em 2002, pesquisadores do Laboratório de Etnomusicologia da UFMG foram às aldeias Maxakali para convidar professores e pajés a participar do projeto Culturas Indígenas na UFMG. O objetivo principal da visita era possibilitar que os professores bilingues Maxakali conhecessem o espaço da Universidade, fossem construídas as bases de colaboração entre os especialistas dos rituais Tikmũ’ũn e a Universidade, para fundamentar um currículo de curso superior que recebesse estudantes Tikmũ’ũn. Os Tikmũ’ũn atenderam prontamente ao convite e iniciaram, por meio das câmeras, sua pesquisa sobre a Universidade (Belo Horizonte/MG).