"São Martinho de Tours, sua experiência mística e a lenda a ele atribuída constituem o referencial histórico a partir do qual se origina a nomenclatura “capelania”, que tem sido utilizada para denominar, designar, tipificar, qualificar ou classificar o serviço religioso especializado prestado pela igreja, por meio de capelães.
Quem foi São Martinho de Tours? Foi um bispo cristão nascido na Sabária da Panônia (Hungria), em 316 d.C. Teve por pai um veterano tribuno militar romano que odiava a religião cristã. Para ele, o cristianismo era uma religião falsa, pois ensinava a seus adeptos a amar os inimigos e a oferecer “a outra face” aos ofensores. O pai de Martinho foi transferido da Sabária para Pavia, na Itália, e levou consigo a família.
Martinho, já a partir dos 10 anos de idade, começou a admirar as virtudes e os exemplos dos cristãos e, sem que seu pai soubesse, iniciou sua preparação para seguir a religião cristã. Aos 12 anos, começou a aspirar por uma vida entregue à contemplação e à busca da perfeição. O resultado dessa opção feita por Martinho incluía uma vida afastada do mundo, decisão que, obviamente, não contou com a aprovação de seu pai. Por isso, este aborrecido com a influência do cristianismo sobre o filho, empreendeu todos os esforços para evitar que Martinho viesse a professar tal religião e, para tanto, valendo-se de um edito imperial que ordenava o alistamento dos filhos dos oficiais no Exército, alistou Martinho com 15 anos de idade.
Consta que no ano 338 d.C. — um ano após a morte do Imperador Constantino — Martinho teve uma experiência religiosa de natureza mística que transformou sua vida. Na ocasião, tinha 22 anos de idade, era militar do Exército e catecúmeno cristão. As tropas estavam aquarteladas na atual Amiens. Martinho saiu para fazer uma ronda noturna nos arredores da cidade. Foi quando encontrou com um mendigo quase nu, num dos portões da cidade, sob o frio intenso da madrugada, o qual pedia a todos que por ali passavam que tivessem compaixão dele. Não dispondo de nada para oferecer ao pedinte, Martinho cortou sua própria capa (manto) de lã ao meio e lhe deu uma parte. Na noite seguinte, diz a lenda, que Martinho teve um sonho no qual contemplou anjos que cobriam o ombro de Jesus com a parte do manto que ele oferecera ao mendigo. Foi, então, que teria ouvido Jesus lhe dizer: ”Martinho, sendo ainda catecúmeno, vestiu-me com este manto”. Martinho foi batizado em 339 d.C., com 23 anos de idade.
Qual a relação de São Matinho com a história da capelania em geral? A relação estabelece-se, em primeiro lugar, com a origem histórico-etimológica da palavra portuguesa capela, do latim cappella, que significava manto ou capa, vocábulo utilizado para denominar o tipo de peça integrante do uniforme militar de Martinho a qual, como se sabe, ele repartiu com o mendigo. Daí a evolução semântica e as derivações que se seguiram.
O vocábulo “capela”, em português, veio a significar, por fim, um templo cristão secundário destinado à prestação de assistência religiosa a grupos específicos de pessoas ou a comunidades religiosas. Por isso, existem capelas em colégios, universidades, presídios, conventos, quartéis, castelos, fazendas etc.
Já os vocábulos “capelão” e “capelães”, na língua portuguesa, originamse, respectivamente, de capellanus e capellani, do latim. Referem-se originalmente às pessoas responsáveis pela proteção do local onde ficava guardado o manto de São Martinho; posteriormente, referiam-se às pessoas responsáveis pela prestação de assistência religiosa aos frequentadores das capelas, tanto sacerdotes, quanto pastores e outras categorias de líderes religiosos."
ALVES, Gisleno Gomes de Faria (Org.), Manual do Capelão, Hagnos, 2017.