Conceito ou definição: a sutura simples é um procedimento técnico que visa à aproximação de bordas de ferimentos superficiais da pele, anexos e mucosas, promovendo a cicatrização por primeira intenção. Envolve o uso de agulha e fio cirúrgico para unir os tecidos, geralmente em feridas limpas e de baixa complexidade, como lesões corto-contusas ou incisões superficiais. A sutura é realizada em ambiente limpo, sob técnica asséptica, e pode incluir a administração de anestésico local injetável conforme indicação.
De acordo com a Resolução COFEN nº 731/2023, é autorizada ao enfermeiro a realização de sutura simples em ferimentos superficiais, desde que respaldada por protocolo institucional, sendo vedada a intervenção em feridas profundas que atinjam músculos, nervos ou tendões.
A técnica de sutura simples é uma das mais utilizadas em primeiros socorros e pequenos procedimentos cirúrgicos ambulatoriais, sendo amplamente descrita em manuais de técnica operatória, como os de Chevrel e Schwartz, que abordam sua aplicação para fechamento cutâneo de feridas lineares, limpas e de baixa tensão.
Objetivos: realizar sutura simples para fechamento de feridas superficiais, promovendo a cicatrização adequada, a hemostasia local e a prevenção de infecções dentro das atribuições legais do enfermeiro.
Indicação: ferimentos corto-contusas superficiais (até a hipoderme).
Contraindicação: ferimentos profundos que envolvam músculos, nervos, tendões ou cavidades corporais, feridas contaminadas ou infectadas, feridas com perda tecidual extensa, feridas com necessidade de avaliação cirúrgica especializada (traumas complexos, mordidas extensas, lacerações profundas), pacientes com doenças de coagulação sem avaliação médica, locais com sinais de infecção ativa (celulite, abscesso).
Documentos relacionados:
Resolução COFEN nº 731/2023.
Material e outros recursos:
Língua de Boi – para simulação realista da textura e resistência da pele humana.
Clorexidina alcoólica ou similares – para antissepsia do “campo cirúrgico”.
Campo Cirúrgico com Fenestra 30 x 30 Estéril – para delimitação do campo operatório.
Luva cirurgica estéril – Kit estudante.
Gaze estéril – para limpeza e compressão.
Fio de Sutura de Nylon com agulha 2,0cm - Shalon.
Kit sutura: (Figura 1)..
Porta Agulha Mayo Hegar 14 cm (Figura 2).
Pinça anatômica dissecção 16 cm – para manipulação do tecido sem traumatizar (Figura 3).
Pinça anatômica dente de rato 16 cm – para estabilizar a borda da ferida simulada (Figura 4).
Tesoura – para corte do fio (Figura 5).
Pinça Kelly reta 16 cm (Figura 6).
Lâmina de bisturi nº 15 com cabo – se for necessário confeccionar a “ferida” na língua.
Soro fisiológico 0,9% (em frasco ou ampola) – para simulação de limpeza da ferida.
Bandeja.
Máscara cirúrgica – para simular paramentação.
Gorro descartável.
Caixa coletora para perfurocortantes 7 L – para descarte seguro do material.
Ampola de vidro: vazia, com água destilada ou outro líquido (para simular anestésico).
Seringa 10 ml (luer slip ou lock).
Agulha descartável 40x1,20mm.
Etapas para descrição do procedimento
A execução do procedimento poderá acontecer com o simulador (língua de boi) posicionado sobre bancada ou estrutura apropriada, forrada com campo limpo ou estéril. O cenário deve simular o atendimento em unidade básica, pronto atendimento ou ambiente hospitalar, conforme os recursos disponíveis em laboratório.
ETAPAS DO PROCEDIMENTO
Higienização das mãos
Realizar fricção antisséptica com preparação degermante (ou técnica de antissepsia com água e sabão líquido) antes de qualquer contato com materiais ou simuladores (ver MDD: Preparação Inicial: Higienização e Uso de Luvas).
Paramentação estéril (ver MDD: Introdução ao centro cirúrgico).
Vestir touca e máscara (pode-se usar avental estéril, porém, na sutura simples, não é necessário).
Abrir pacote de luvas estéreis e vestir sem contaminar.
Abertura de material
Essa etapa deve ser realizada pelo segundo aluno (auxiliar), enquanto o primeiro está se paramentando.
Abrir o kit sutura com campo estéril e abrir os materiais no campo estéril: fio de sutura, agulha 10 ml, agulha para aspiração de anestésico, agulha para infusão de anestésico, gaze estéril, se ampola de anestésico for estéril, abrir no campo; caso contrário, será fornecida pelo auxiliar.
Organização do material estéril no campo cirúrgico
Dispor: porta-agulhas, pinças anatômica e dente de rato, tesoura cirúrgica, fio de sutura nylon com agulha, pinça Kelly, gaze estéril e seringa e agulhas para anestesia (Figura 7).
Colocação do fio de sutura no porta agulha (Figura 8).
Aspirar o anestésico e substituir a agulha para infusão no paciente.
Preparar as gazes em trouxinhas na pinça Kelly para antissepsia da ferida operatória (Figura 9).
Limpeza da ferida operatória com clorexidine degermante
A ferida operatória pode ser limpa com sabão degermante pelo auxiliar e, após clorexidina aquoso, pelo aluno que está em campo estéril e na técnica correta de antissepsia.
Realizar a antissepsia da ferida operatória
Utilizar a pinça Kelly embebida com clorexidina.
Realizar sempre do local menos contaminado para o mais contaminado.
Aplicação do anestésico local
Calcular a dose segura de lidocaína 2% sem vasoconstrictor:
Dose máxima sem vasoconstrictor: 4,5 - 5,0 mg/kg.
Exemplo para paciente de 70 kg: 4,5 × 70 = 315 mg → como a lidocaína 2% contém 20 mg/mL → dose máxima: 15,75 mL.
Administrar no tecido, observando o plano subdérmico, no formato de leque anestésico (ver vídeo).
Realização da sutura simples interrompida (Figura 10)
Com o porta-agulhas, atravessar perpendicularmente à borda da ferida de fora para dentro e de dentro para fora na borda oposta, respeitando:
- Entrada e saída de 0,5 a 1,0 cm da margem da ferida.
- Passagem por camadas simétricas.
Realizar o nó cirúrgico:
- Primeiro nó duplo (nó quadrado).
- Segundo nó simples:
Cortar o excesso do fio, deixando uma extremidade de cerca de 0,5 cm.
Repetição dos pontos conforme extensão da ferida simulada
Manter intervalos regulares entre os pontos (0,5 a 1 cm).
Avaliação final da sutura
Verificar se as bordas da ferida estão bem aproximadas, sem tensão e sem sobreposição de tecidos.
Descarte correto dos materiais perfurocortantes
Colocar agulha e lâmina na caixa de descarte.
Remoção de luvas e higienização das mãos
Anotação da realização da sutura
Horário, número de pontos, tipo de fio utilizado e resposta à técnica.
JUSTIFICATIVA E RISCOS IDENTIFICADOS
A sutura simples é um procedimento frequentemente necessário no atendimento de feridas abertas superficiais em ambiente de urgência e atenção básica. Durante o treinamento, a execução em simuladores, como a língua de boi, proporciona realismo anatômico, resistência tecidual semelhante à pele humana e segurança ao aluno. O treinamento supervisionado permite o desenvolvimento da habilidade técnica, do raciocínio clínico e da tomada de decisão ética. Riscos identificados incluem: erro de técnica, profundidade inadequada da sutura, contaminação do campo estéril e má manipulação dos instrumentos. Tais riscos devem ser minimizados por meio de técnica asséptica rigorosa, supervisão docente ativa e organização do ambiente de prática.
SEGURANÇA DO PACIENTE, COLABORADOR, AMBIENTE
Para garantir a biossegurança durante o procedimento, é obrigatório o uso adequado de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), como touca, máscara, luvas estéreis e, se necessário, avental. O descarte de materiais perfurocortantes (agulhas, lâminas, fios usados) deve ser realizado em recipiente próprio (descarpack), evitando acidentes. A simulação deve ocorrer com respeito, ética profissional e foco na aprendizagem segura. O ambiente deve estar limpo, organizado e sob constante supervisão docente, garantindo que os alunos sigam os protocolos com segurança e responsabilidade.
Figura 1 – Kit sutura
Figura 2 – Porta agulha
Fonte: o autor.
Figura 3 – Pinça anatômica
Fonte: o autor.
Figura 4 – Pinça dente de rato
Fonte: o autor.
Figura 5 – Tesoura
Fonte: o autor.
Figura 6 – Pinça Kelly
Fonte: o autor.
Figura 7 – Organização do campo estéril
Fonte: o autor.
Figura 8 – Porta agulha com fio de sutura
Fonte: o autor.
Figura 9 – Pinça Kelly com trouxinha de gaze para antissepsia
Fonte: o autor.
Figura 10 – Sutura simples interrompida, realizada com intervalos de 5 a 10 mm e distando 5 mm da borda da ferida
Fonte: Savassi-Rocha, Sanches e Savassi-Rocha (2013, p. 84).
1. Antissepsia
Processo de destruição ou inibição do crescimento de microrganismos na pele ou mucosas, realizado com substâncias químicas (como clorexidina), visando evitar infecções durante procedimentos.
2. Campo estéril
Área delimitada, livre de microrganismos, criada com campos cirúrgicos descartáveis ou fenestrados, utilizada para posicionar os instrumentos e realizar procedimentos com técnica asséptica.
3. Clorexidina
Antisséptico amplamente utilizado na prática clínica para higienização da pele antes de procedimentos invasivos, podendo ser apresentado em forma alcoólica ou aquosa.
4. Descarpack (Caixa de perfurocortantes)
Recipiente rígido e resistente destinado ao descarte seguro de materiais perfurocortantes, como agulhas e lâminas de bisturi, evitando acidentes e contaminações.
5. Fio monofilamentar Nylon 2-0
Tipo de fio de sutura sintético, composto por um único filamento (monofilamento), usado para unir tecidos. O "2-0" indica sua espessura intermediária, adequada para suturas de pele.
6. Lidocaína 2%
Anestésico local utilizado para bloquear a condução nervosa na área da sutura. A solução a 2% contém 20 mg/mL do princípio ativo e deve ser administrada em doses seguras conforme o peso do paciente.
7. Nó cirúrgico
Técnica de fixação do fio de sutura após a passagem pela pele, garantindo estabilidade do ponto. Inclui sequência de laçadas, como o nó quadrado (duplo), seguido por nós simples.
8. Paramentação
Conjunto de ações para vestir-se com roupas e equipamentos estéreis antes de procedimentos cirúrgicos, incluindo touca, máscara e luvas, com o objetivo de manter a assepsia.
9. Porta agulhas (Mayo-Hegar ou Olsen-Hegar)
Instrumento cirúrgico utilizado para segurar e manipular a agulha durante a realização da sutura, garantindo precisão e segurança nos movimentos.
10. Técnica asséptica
Conjunto de práticas destinadas a manter a esterilidade durante procedimentos invasivos, incluindo higienização das mãos, uso de EPIs e manipulação correta dos instrumentos.
COFEN – CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM. Resolução COFEN nº 731, de 13 de novembro de 2023. Regulamenta a realização de sutura simples pelo Enfermeiro. Disponível em: https://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-no-731-de-13-de-novembro-de-2023/. Acesso em: 7 maio 2025.
SAVASSI-ROCHA, P. R.; SANCHES, S. R. de A.; SAVASSI-ROCHA, A. L. Cirurgia de ambulatório. Rio de Janeiro: MedBook, 2013. 960 p.