'Falta de vontade', como esta deficiência surgiu e como superá-la?

Um breve texto sobre a deficiência 'falta de vontade' e a neuroplasticidade

Por que eu tenho dificuldade de tomar a decisão, com firmeza, de deixar de fazer algumas coisas para fazer o que eu realmente quero para mim, propósitos elevados (e.g., fazer mestrado e educar um sobrinho)?

Este texto é uma simplificação de dados científicos de forma a tornar o conteúdo mais compreensível. Existe um fenômeno chamado de neuroplasticidade, que ocorre muito intensamente nos primeiros dias, semanas e meses de vida, sendo que ela declina intensamente com o passar dos anos. Quando os neurônios são usados, eles liberam moléculas (fatores de crescimento) que estimulam o desenvolvimento de mais neurônios e mais sinapses entre eles (bilhões). Gatos recém-nascidos que tiveram um dos olhos vendados logo depois do nascimento e permaneceram assim por algum tempo, quando têm seus olhos desvendados, continuam cegos do olho que ficou vedado. Por que? Por que os neurônios pré-existentes se atrofiam e até desaparecem ao não serem ativados, ao não receberem estímulo. Tal descoberta na década de 1970 rendeu o prêmio Nobel aos pesquisadores. 

Quase sempre é muito mais difícil deixar a criança fazer as coisas. Por exemplo: demora muito mais esperar o garoto amarrar os cadarços do tênis do que nós mesmos amarrarmos. Qual seria o problema de nós mesmos amarrarmos para ele?

Bebês nascidos com catarata, se não tratados logo, tornam-se cegos para sempre. Neste sentido, quando a criança recebe reforço positivo ao ler livros com desenhos (com elogios, demonstração de grande interesse pelo conteúdo...), isto causa ativação e repetição mental dos neurônios envolvidos e desenvolve toda a rede neural associada à leitura. Tal criança tende (maior probabilidade) a ter facilidade de leitura e se tornar um estudioso. Claro, se a genética dela não for propensa para a leitura, a criança talvez não se torne um estudioso, mas terá menos dificuldade ao lidar com situações de compreensão de texto. Quando a criança recebe reforço positivo ao vestir uma determinada roupa (comentário sobre a mesma, demonstração de interesse, apreciação, surpresa...), ela tende a ter facilidade de perceber pequenos detalhes de roupas, acessórios e de se tornar um estilista. Quando a criança recebe reforço positivo ao fazer um esporte, ela tende a ter facilidade de aperfeiçoar seus movimentos, ter prazer em fazer exercícios físicos e de se tornar um atleta. Porém, os estímulos têm que ocorrer quando a neuroplasticidade é intensa, nos primeiros meses de vida! Do contrário, ocorrerá o que acontece com os gatos e bebês nascidos com catarata e não tratados. Quem tem mais chance de se destacar fisica, academica, profissional e socialmente, uma criança que fica em casa por muitas horas na semana sob os mesmos e poucos estímulos ou uma que vivencia, com reforços positivos, atividades físicas, relacionadas ao estudo e ao convívio social?

O desconhecimento da neuroplasticidade tende a gerar alguns problemas para o indivíduo, como a deficiência psicológica chamada de 'falta de vontade', abordada pelo livro Deficiências e Propensões do Ser Humano

Começa a manifestar-se quase sempre na infância, umas vezes por sua origem congênita e outras porque a ausência de incentivos ou de necessidades, durante esse período, atrofia de certo modo a zona temperamental que define a capacidade de iniciativa ou de empresa. O impulso volitivo fica assim paralisado, isto é, seu desenvolvimento não se vigoriza com o exercício natural de enfrentar obrigações e dificuldades, e só se manifesta diante daquelas coisas fáceis de fazer ou conseguir, sempre do agrado da criança” (Pecotche 2012).

Se a idade juvenil encontra o ser em tais condições, é indubitável que, na melhor das hipóteses, ele usará sua vontade quando a necessidade o obrigar ou quando algo lhe apetecer, mas faltará a essa vontade o incentivo capaz de movê-la na procura de horizontes mais amplos e promissores para sua vida. Acostumado a fazer só o indispensável, o que as circunstâncias lhe exigem, e até menos, deixará tudo o mais irremediavelmente postergado e, acossado pela apatia, não será difícil que termine imerso na abulia moral e psíquica” (Pecotche 2012).

Este livro é usado por algumas escolas como uma leitura básica para pais e professores que aspiram ser bons educadores. Tudo bem, agora compreendo que parte da minha 'falta de vontade' pode ter sido causada pela falta de estímulos. O que eu, como adulto, devo fazer para combater minha 'falta de vontade'? No mesmo livro, o autor aborda as 'antideficiências', como a 'adaptabilidade', a 'decisão', a 'simplicidade' e várias outras.


Fonte/Referência:

Pecotche CBG. Deficiências e Propensões do Ser Humano. Editora Logosófica. 2012. https://logosofia.org.br/livros/deficiencias-e-propensoes-do-ser-humano/