Tato é a arte de provar seu ponto de
vista sem fazer um inimigo.
Isaac Newton
Setores de utilidades (energia elétrica, gás, saneamento) são normalmente conservadores, avessos ao risco, em função da forte regulamentação deste ramo de atividade, do alto custo de uma falha, dos altos investimentos envolvidos e das consequências, internas e externas, de uma escolha errada.
Empresas concessionárias de distribuição de eletricidade, basicamente, tem como missão disponibilizar recursos (instalações, equipamentos, pessoal, serviços) para o transporte e entrega da energia, de fontes geradoras até os pontos de consumo. Portanto, não se trata de empresas de produção; seus lucros advém do tamanho do parque de ativos disponibilizado e dos custos que praticam para mantê-los, entregando os níveis de serviço regulamentados.
A experiência brasileira com a regulação de setores de infraestrutura, especialmente o elétrico, chega ao 3.∘ Ciclo de Revisões Tarifárias Periódicas. A cobrança por melhor desempenho, associado a menores custos, está cada vez mais forte, impelindo as empresas a enxugarem ao máximo seus custos, mantendo a qualidade, se quiserem sobreviver.
A manutenção dos equipamentos consiste de um importante centro de custos a ser explorado. No sistema elétrico, a termografia é largamente aplicada em seu aspecto qualitativo, onde as análises são focadas em interpretações visuais e comparações de temperatura entre equipamentos semelhantes. Pouca aplicação quantitativa é reportada na literatura, na qual os valores absolutos de temperatura, determinados com a incerteza associada, são utilizados para o seu diagnóstico. Em específico, as conexões elétricas – por terem baixo custo de manutenção quando comparado aos danos que causam ao falharem – são submetidas a interVenções sempre que são detectadas elevações de temperaturas superficiais. Porém, muitos diagnósticos errôneos (falso-positivo ou falso-negativo) estão sujeitos a serem gerados por não se avaliar a incerteza dos dados e informações das inspeções em campo e, mesmo quando a decisão pela intervenção é acertada, a falta de uma avaliação do melhor momento para executá-la confere um grau de ineficiência, dado pela antecipação de gastos, que redunda em uma situação não-ótima, onde os problemas se repetem, os custos continuam maiores do que deveriam ser e o desempenho é pior do que poderia ser.
O corpo gerencial precisa tomar decisões de onde aplicar os recursos e envidar os maiores esforços para atender aos anseios – conflitantes – das partes interessadas (Regulador: qualidade de fornecimento; Clientes: preço da energia; Acionistas: retorno...) e frequentemente não dispõem de dados e informações técnicas com a qualidade necessária para tanto, levando-os a basear as decisões na “experiência” ou no “instinto”. Em resumo, essas empresas não são analíticas, não aproveitam tudo aquilo que os dados podem fornecer para a tomada de decisão. Praticamente todas as organizações líderes em seus setores atribuem muito do seu sucesso a um excelente aproveitamento desse fato. As empresas que querem ser analíticas devem incutir o respeito pela medição, pelos testes e pela avaliação das evidências quantitativas (DAVENPORT, 2008).
Em se tratando de termografia, pode-se citar alguns trabalhos, em áreas de aplicação diversas, de termografia quantitativa, mas tal abordagem não é predominante. Maier e Zagar (2009) utilizaram a técnica para determinar a espessura da camada de tinta em cascos de navios, com um sistema concebido para operar em estaleiros. Entretanto, a incerteza não foi quantificada, mas assumida em 30%. Há também um estudo da tecnologia de FRP-Fiber Reinforced Polymer (Polímero Reforçado por Fibras), via termografia quantitativa, aplicada em pontes de concreto, visando a garantia da qualidade durante a instalação e posterior monitoramento contínuo em campo do desempenho (GHOSH; KARBHARI, 2011). Apesar de serem listadas algumas fontes de erro, não é evidenciado cuidado claro com a incerteza, nem é dito qual a emissividade utilizada. Marinetti e Cesaratto (2012) elaboraram um método para ajustar as emissividades de objetos sem a utilização de materiais de referência, baseando-se em respostas espectrais dos sensores infravermelhos. Conseguiram com isso determinar emissividades com incertezas na ordem de 0,05.
Na área elétrica, Dorovatovski e Liik (2005) utilizaram a termografia no diagnóstico de emendas e conectores. Apesar de abordarem o problema quantitativamente, utilizando valores de temperatura na tomada de decisão, ainda assim baseiam seu diagnóstico em comparações entre os objetos, não fazendo uso de modelos matemáticos e considerações metrológicas. Já Vlasov (2012) propõe um modelo de difusão de calor para determinar a temperatura dos enrolamentos de estator de uma máquina elétrica (a partir da temperatura superficial detectada por um termovisor) capaz de calcular a temperatura interna do estator, com erro de 5%. Entretanto, não é feita nenhuma menção quanto à emissividade utilizada, nem considerações sobre a incerteza do modelo ou da medição do termovisor (e das demais medições realizadas).
Assim, como aplicação de termografia quantitiva no setor elétrico, neste trabalho será inicialmente utilizado o modelo de Teixeira (2012) – desenvolvido dentro do P&D 235 CEMIG-ANEEL –, capaz de associar ao valor absoluto de temperatura, a sua incerteza, baseado nos métodos tradicionais (GUM) ou em simulações de Monte Carlo (SMC), quando os primeiros se mostram incapazes de produzir um bom resultado. Para diagnosticar o estado da conexão (objeto sob estudo), o ponto de partida será o cálculo da resistência elétrica do conector, aplicando o modelo de Ferreira (2013) – também desenvolvido dentro do P&D 235 – à temperatura obtida como resultado da inspeção termográfica sobre cada conector. Com os valores de resistência elétrica e carregamento, estimados dentro de uma faixa, o diagnóstico prosseguirá com a determinação das temperaturas atingidas e respectiva duração, avaliando-se, dessa forma, a perda de resistência mecânica do conjunto condutor-conector, calculada pela aplicação do modelo de Harvey (1972).
Os resultados serão analisados sob os princípios de gestão de ativos, conforme abordados pela BSI PAS-55 (2008), balizados pela regulamentação do setor elétrico (ANEEL, 2008).
Desenvolver um método – mantendo níveis de risco técnico e econômico aceitáveis – que determine o melhor momento para se intervir em uma conexão elétrica defeituosa, detectada pela termografia, antes que a deterioração causada pelas altas temperaturas leve o condutor associado a se romper, por perda de resistência mecânica.
1. Determinar a incerteza de medição associada à temperatura de uma conexão, obtida com um termovisor.
2. Estimar a resistência elétrica total de uma conexão a partir da temperatura medida, considerando as incertezas.
3. Com os valores de resistência elétrica determinados, calcular as temperaturas atingidas pelos conectores, em função do carregamento elétrico aplicado ao longo do tempo, dentro dos intervalos de incerteza.
4. Analisar os efeitos das temperaturas sobre a perda de resistência mecânica dos condutores associados, estimando o momento do fim da vida útil (alta probabilidade de ruptura).
5. Avaliar o risco técnico (probabilidade de falha mecânica da conexão) e o impacto, ou risco econômico (ganhos com postergação de manutenção versus perdas com a ocorrência da falha, ou prejuízos com elevação de perdas técnicas de energia).
6. Propor uma estratégia de gestão desses ativos, considerando o ambiente regulatório.