INTRODUÇÃO
Conta uma velha anedota que uma vez um famoso teólogo da Idade Média foi visitar o rei Alberto, o Grande. Quando chegou ao palácio real foi recebido por um boneco mecânico que se encarregou de abrir-lhe a porta e fazer-lhe as mesuras de um autêntico mordomo. Indignado, o teólogo não resistiu aos seus impulsos e estraçalhou o boneco mecânico.
Esta anedota, talvez verdadeira, quem sabe pode nos ajudar a dar um primeiro passo para entendermos o que seja a Inteligência Artificial. A expressão "Inteligência Artificial" soa de maneira assustadora, e talvez muitos de nós reagíssemos como o teólogo em sua indignação ao ver que uma máquina pode fazer aquilo que achamos ser uma exclusividade do gênero humano: pensar e agir racionalmente, executando tarefas para as quais se supõe que a inteligência seja necessária. Talvez muitos já tenham ouvido falar de projetos mirabolantes, como a construção de "cérebros eletrônicos" que seriam ligados na tomada e teriam "pensamentos" iguais aos nossos, ou até mesmo poderiam comunicar-se conosco, falando normalmente.
O que muitos de nós não sabemos, entretanto, é que a idéia de se criar algo parecido com "máquinas pensantes" ou uma inteligência artificial paralela à nossa é hoje um projeto no qual trabalham cientistas de várias partes do mundo. Esses cientistas trabalham em várias áreas do conhecimento humano: lingüística, psicologia, filosofia, ciência da computação etc. O que os reúne é entretanto uma característica comum: a idéia de que é possível criar "máquinas pensantes" e que o caminho para isso é o estudo e a elaboração de sofisticados programas de computador.
Para os pesquisadores da Inteligência Artificial (que daqui por diante abreviaremos por IA), a mente humana funciona como um computador, e por isso o estudo dos programas computacionais é a chave para se compreender alguma coisa acerca de nossas atividades mentais. Podemos construir programas que imitem nossa capacidade de raciocinar, de perceber o mundo e identificar objetos que estão à nossa volta, e até mesmo de falar e compreender nossa linguagem. É esta a grande novidade da IA, que a distingue de ciências afins como a cibernética e a computação, englobando-as num projeto muito mais ambicioso: a produção de comportamento inteligente. Tarefas para as quais se requer alguma inteligência já são executadas por algumas máquinas de que dispomos e que utilizamos para telefonar ou mesmo para lavar roupa. Contudo, este tipo de máquinas não tem interesse para a IA de que falaremos aqui, cuja preocupação é não só aliviar o trabalho humano, mas também desvendar alguma coisa acerca da natureza da nossa mente. Para isso é preciso que essas máquinas realizem tarefas que requerem inteligência, e de uma maneira muito similar e próxima do modo como nós, seres humanos as realizamos. Assim, por exemplo, não basta simplesmente projetar e criar uma máquina de calcular (como nós a temos e usamos todos os dias, carregando-a no bolso) para dizermos que estamos fazendo IA. E preciso que essa máquina imite nossa atividade mental quando estamos fazendo uma operação aritmética. Claro que esta imitação não poderá ser absolutamente perfeita. Afinal, somos constituídos de matéria viva, e até agora ainda não pudemos construir um mecanismo totalmente semelhante ao nosso cérebro, com suas células e as ligações nervosas que existem entre elas. Mas, assim como existem mecanismos que imitam nossa capacidade de andar, como, por exemplo, o automóvel, da mesma maneira o teórico da IA propõe-se a criar mecanismos que, embora não sejam idênticos a nós, possam imitar nossas atividades mentais. A imitação que se pode obter é, portanto, apenas aproximada, e é por isso que em IA fala-se da elaboração de programas de computador que são modelos de nossa capacidade de raciocinar, de enxergar, de falar etc. A IA como projeto efetivo só se tornou possível após o aparecimento dos computadores modernos, ou seja, após a Segunda Guerra Mundial (de 1945 em diante). Até então havia dificuldades técnicas que precisavam ser superadas para que o projeto dessas máquinas mais modernas pudesse sair do papel. Quando apareceu pela primeira vez uma máquina dita "pensante" - uma máquina dotada de um programa que demonstrava automaticamente teoremas de matemática -, o impacto sobre as ciências do homem foi tremendo. Subitamente a comunidade científica percebeu que uma verdadeira revolução havia se iniciado. Uma revolução com profundas influências na psicologia, na lingüística e na filosofia. A ciência da computação deixava de ser uma disciplina puramente técnica, e suas realizações passaram a estender-se para outros campos. A idéia de estudar a mente humana à semelhança de um programa de computador parecia despontar como uma nova etapa para as ciências humanas. Para a psicologia, a IA trouxe uma revolução, na medida em que o novo modelo apontava para uma alternativa à turbulência teórica que os psicólogos estavam atravessando. Havia muita discussão sobre a própria natureza do estudo a que se propunham os cientistas dessa área: se o seu estudo devia apenas se concentrar no comportamento dos organismos, ou se a psicologia deveria ser um estudo de nossas atividades mentais mediante um auto-exame, através do qual fecharíamos os olhos e tentaríamos perscrutar o que se passa em nossa cabeça quando raciocinamos. As duas possibilidades deixavam muito a desejar. Para a lingüística, a IA significava uma revolução: agora seria possível criar um programa de computador onde estivessem representadas as estruturas gramaticais das diversas línguas humanas. Se isto pudesse ser feito, um sonho muito antigo seria realizado: teríamos descoberto a raiz comum de todas as línguas humanas e uma máquina universal de tradução tornar-se-ia possível. Mas foi realmente sobre a filosofia que o impacto da IA foi maior: criar uma máquina pensante significa desafiar uma velha tradição que coloca o homem e sua capacidade racional como algo único e original no universo. Mais do que isto, criar uma máquina pensante significa dizer que o pensamento pode ser recriado artificialmente sem que para isto precisemos de algo como uma "alma" ou outra marca divina.
Algumas questões que tradicionalmente atormentam os filósofos ao longo dos séculos passaram a receber um novo enfoque a partir da IA: por exemplo, o problema das relações entre a mente e o corpo, que se arrasta há milênios. Durante muitos anos os filósofos discutiram entre si se os nossos estados mentais (raciocínios, sonhos, imagens mentais etc.) seriam apenas manifestações de nossa atividade cerebral (materialismo) ou se eles não seriam reveladores da existência de algo imaterial como, por exemplo, uma alma imortal (dualismo). A IA oferece uma nova perspectiva para situarmos este problema para além das soluções existentes, que pendem seja para o materialismo seja para o dualismo.
A recepção dada pelos filósofos ao novo modelo da mente humana proposta pela IA foi, entretanto, muito ambígua. Alguns filósofos viram na IA uma alternativa para a filosofia tradicional, que deixaria de ser apenas um conjunto de discussões acadêmicas às vezes consideradas estéreis e inconclusivas. As propostas filosóficas poderiam agora ser testadas em laboratórios, criando-se modelos computacionais para nossa maneira de raciocinar, de perceber o mundo e de formar pensamentos e idéias a partir dos objetos que estão à nossa volta. Esta seria a verdadeira filosofia "experimental" que muitos filósofos do passado gostariam de ter visto. Outros filósofos, contudo, reagiram com a mesma indignação que parece ter sido experimentada pelo teólogo medieval em visita ao palácio real. Reduzir o ser humano e o pensamento às atividades de uma máquina seria uma proposta no mínimo ultrajante.
Se o pensamento humano pode ou não ser mecanizado, como pretendem os teóricos da IA, é uma questão que ainda permanece em aberto. Tudo dependerá ainda de realizações futuras e de algum tipo de consenso a que os filósofos ainda necessitam em chegar. Para se ter uma noção mais precisa do que a IA propõe como programa de pesquisa, é preciso saber um pouco de sua história, de suas realizações até agora, e saber, em linhas gerais, como funciona um computador, o que para muitos é ainda um mistério. É também a estes temas que dedico os capítulos a seguir.
UM POUCO DE HISTÓRIA E DE ESTÓRIA
Fazer uma história precisa do desenvolvimento da IA não é tarefa fácil. Isto porque, embora seu aparecimento como disciplina científica só tenha ocorrido a partir da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a idéia de construir uma máquina pensante ou uma criatura artificial que imitasse as habilidades humanas é muito antiga. Os primeiros registros de criaturas artificiais com habilidades humanas têm uma forma mítica ou por vezes lendária, tornando difícil uma separação nitida entre imaginação e realidade. A idéia é de fato muito antiga, mas as condições técnicas para a sua realização são coisa recente. É esta confusão entre mito e realidade e, por vezes, a impossibilidade de distingui-los que faz com que a IA possa ser considerada uma disciplina com um extenso passado mas com uma história relativamente curta.Um dos episódios mais interessantes do passado mítico da IA é a lenda do Golém. Joseph Golém era um homem artificial que teria sido criado no fim do século XVI por um rabino de Praga, na Tchecoslováquia, que resolvera construir uma criatura inteligente, capaz de espionar os inimigos dos judeus - então confinados no gueto de Praga. O Golém teria sido criado a partir de um boneco de areia esculpido pelo rabino, que lhe concedeu também o dom de falar e raciocinar. A lenda diz que o Golém era de fato um ser inteligente, mas que um dia se revoltou contra seu criador, o qual então lhe tirou a inteligência e o devolveu ao mundo do inanimado. Alguns registros mais recentes mostram que nos séculos XVII e XVIII proliferaram mais mitos e lendas acerca de criaturas artificiais. Fala-se de um flautista mecânico que teria sido capaz de tocar seu instrumento com grande perfeição, e que teria sido construído lá pelos fins do século XVII. Há registros também do célebre "pato de Vaucanson", que teria sido construído por um artífice homônimo. A grande novidade dessa criatura teria sido sua capacidade de bater as asas, andar, grasnar, comer grãos e expeli-los após a digestão - uma perfeita imitação das funções biológicas. A existência passada dessas criaturas artificiais não está comprovada.
Alan turing era um jovem inglês preocupado com questões matemáticas e filosóficas.Quando se dedicou a questões matemáticas, ele provavelmente não sabia que suas descobertas tornariam possível a construção dos computadores modernos. Ele descobriu o princípio fundamental do funcionamento dessas máquinas - um princípio que até hoje norteia a construção de computadores, por mais sofisticados que sejam.
Os resultados do Simpósio de Hixon não teriam sido tão surpreendentes se não levassem, através de uma intuição verdadeiramente criadora, a se estabelecer uma analogia entre o cérebro humano e os computadores. Essa analogia certamente foi o produto do encontro entre psicólogos, neurofisiológicos e engenheiros eletrônicos que perceberam que o modo como estão dispostas as células do nosso cérebro (neurônios), ligadas através de fios nervosos minúsculos, é semelhante ao circuito elétrico de um computador eletrônico. Estava aberto o caminho para se dizer que a mente humana pode ser imitada por um computador. Com isto nascia a nova disciplina, a Inteligência Artificial.
As décadas seguintes foram marcadas por novas invenções e descobertas surpreendentes, Na década de 50, dois cientistas americanos desenvolveram um programa de computador capaz de demonstrar automaticamente teoremas matemáticos. Esse programa foi chamado de "O Teórico da Lógica", e sua inovação estava no fato de ele poder realmente gerar demonstrações de teoremas, e não simplesmente apresentá-las através de um artifício de memória. Os dois cientistas norte-americanos estavam realmente convencidos de que sua máquina era uma autêntica simulação do modo como seres humanos resolvem problemas matemáticos, e escreveram vários artigos a esse respeito.
Mas a maior novidade ainda estava por vir. No final da década de 60, aparece um programa de computador capaz de imitar um psicanalista. Esse psicanalista mecânico, que foi chamado "DOCTOR", era na verdade uma variação de um outro programa batizado de "ELIZA". ELIZA foi um programa originalmente desenvolvido para simular diálogos e conversas. O programa não era capaz de falar: quando alguém desejava conversar, precisava utilizar-se de uma máquina de escrever acoplada ao computador. A pessoa podia escrever sentenças na máquina, que eram então processadas pelo computador. 0 programa analisava as frases e devolvia as respostas utilizando a máquina de escrever.
O princípio de funcionamento desse tipo de programa era simples: a sentença enviada pelo parceiro humano era decomposta, e suas partes enviadas para um script armazenado no interior do computador. O script era um conjunto de regras semelhantes àquelas que são dadas para um ator quando se requer que ele improvise acerca de um tema qualquer. Eliza podia receber vários tipos de script, e, dependendo do conteúdo destes, desenvolver conversas acerca de vários temas.
Quando Eliza trabalhava com um script especial chamado Doctor, ele se transformava num psicanalista mecânico. O script era cuidadosamente elaborado para que as respostas simulassem o comportamento verbal de um psicanalista ao receber um paciente pela primeira vez.
Muitas pessoas, na época, chegaram a afirmar que Eliza era apenas um truque de memória, e que suas respostas sempre obedeciam a padrões preestabelecidos. Se Eliza é ou não um autêntico psicanalista artificial é uma questão que pode ser discutida. Qualquer que seja a conclusão, uma coisa porém é certa: Eliza é uma imitação muito convincente do comportamento verbal de um psicanalista humano.
Por volta de 1970 foi inventado, no Massachusetts Institute of Technology (o famoso MIT), nos Estados Unidos, um sistema chamado "SHRDLU". O Shrdlu simulava uma espécie de robô fechado num ambiente artificial onde estavam colocados blocos de madeira coloridos, do tipo dos usados em jogos infantis. O Shrdlu era capaz de obedecer a instruções e falar sobre a posição dos blocos que movia e de seus "braços".
Essas realizações trouxeram a consolidação da IA como disciplina científica. A partir delas, o entusiasmo por imitar as atividades da mente humana tem crescido cada vez mais. As pesquisas hoje em dia concentram-se em várias áreas: a tradução automática, a criação de máquinas capazes de perceber e identificar objetos que estão à sua volta, o aperfeiçoamento de programas para rogar xadrez ou damas e assim por diante. Uma pesquisa que tem atraído muito a atenção dos cientistas é a criação de uma máquina que reconheça vozes humanas. Quando essa máquina for criada, teremos a possibilidade de dispensar os teclados, e passaremos a nos comunicar com os computadores simplesmente falando. Mas isso ainda requer um progresso técnico muito grande. Atualmente só podemos nos comunicar com os computadores usando o teclado e em linguagens especiais: as linguagens nas quais são escritos os programas, muito diferentes da linguagem que falamos normalmente.
As realizações da IA não deixaram de chamar a atenção dos filósofos, que perceberam que muitos de seus conceitos e idéias teriam de ser revistos. Os progressos da IA tiveram um impacto muito grande nas concepções habituais que temos da mente humana, e esse fato foi imediatamente notado por aqueles que têm preocupações filosóficas e religiosas. Mas antes de expor as implicações filosóficas da IA, falarei um pouco dos princípios que norteiam a construção dessas máquinas e de onde vem seu extraordinário poder, que faz com que elas cada vez mais participem da nossa vida.
A INVENÇÃO DE TURING
Para muitas pessoas o computador é ainda uma máquina misteriosa e às vezes assustadora. Quando olhamos para um computador doméstico (os chamados microcomputadores) e deparamos com sua tela, seu teclado e sua impressora, temos às vezes a sensação de estarmos diante de uma máquina mágica. Mesmo a grande maioria daqueles que o utilizam para realizar operações complexas muitas vezes não sabe o que ocorre dentro dessas máquinas. A situação é semelhante à de um motorista que dirige um carro sem entretanto saber os princípios de funcionamento de seu motor.
O princípio de funcionamento dos computadores é relativamente simples, mas foram precisos anos para que se pudesse descobri-lo. Essa descoberta deveu-se a Alan Turing (1912-1954), um matemático inglês que, apesar de ter sido brilhante na sua época, teve uma vida particularmente atribulada, não pertencia à aristocracia da Inglaterra, o que lhe criava dificuldades em certos meios acadêmicos, e, ademais, era homossexual, o que escandalizava a sociedade britânica. Embora tenha morrido prematuramente (ele se suicidou, provavelmente por motivos que tinham a ver com sua homossexualidade), Turing deixou uma vasta produção de trabalhos e invenções matemáticas.
Foi na tentativa de resolver um problema matemático muito complexo que estava sendo discutido na década de 30 que ele criou a chamada Máquina de Turing. Para termos uma idéia do que seja uma máquina de Turing, basta que imaginemos uma longa fita de papel com símbolos e marcas a intervalos regulares, formando pequenos quadrados. Imaginemos agora que podemos estipular uma espécie de marcador ou um ponto fixo em relação ao qual pudéssemos mover a fita de cape) para a esquerda ou para a direita. A situação de que falamos pode ser representada assim:
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S1 E2 s2 D1 s3 R s4 A s5
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Suponhamos agora que o nosso marcador tenha também um dispositivo que permita reconhecer se num determinado quadrado há um símbolo ou não, imprimir e apagar símbolos que aparecem na fita e ainda movê-la para a esquerda ou para a direita, dependendo do símbolo que aparece impresso. Na fita que aparece na figura, os quadrados têm dois tipos de símbolos: letras minúsculas e letras maiúsculas. Mover a fita para a esquerda ou para a direita (e num número determinado de quadrados) dependerá do símbolo em maiúsculas que é identificado pelo marcador. Além de mover a fita em determinadas direções, o símbolo em maiúsculas pode significar que o marcador deve imprimir ou apagar um símbolo num certo quadrado.
Em outras palavras, os símbolos A, B, C, D, E etc. representam as instruções que devem ser seguidas pela máquina, movendo a fita ou apagando os outros símbolos s1, s2, s3 etc. No caso da fita que representamos na figura anterior, podemos convencionar que os símbolos E e D significam mover a fita para a esquerda ou para a direita, e que
número que está junto de E ou de D representa número de casas que se quer que a fita mova, seja numa direção ou noutra. R significa "imprima símbolo em minúsculas que está ao lado", A significa "apague", e assim por diante.
Vamos agora fazer uma outra suposição: a de que alguém queira usar uma máquina deste tipo para efetuar uma operação aritmética simples, como, por exemplo, uma soma. Para que isto possa ser feito, cada número terá de ser representado por uma sucessão de 1, ocupando cada um deles um quadrado. Assim, o número 2 será representado por dois quadrados, sendo que em cada um deles deve figurar o símbolo 1. O número 3 ocupará três quadrados, cada um com o símbolo 1, e assim por diante. Na nossa máquina isto aparecerá assim:
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/ / / / /
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Que tipo de instruções teremos de dar à máquina para que ela efetue a operação 2 + 3, isto é, para que ela venha a representar o número 5? Para isto temos de fazer com que ela obedeça às seguintes instruções:
a) Apague o sinal +.
b) Imprima o sinal 1 na mesma casa.
c) Mova a fita duas casas para a esquerda do marcador, isto é, puxe a fita duas casas para a direita.
d) Apague o símbolo 1.
Quando efetuarmos a última operação,, a fita estará assim:
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/ / / / /
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e isto corresponde à representação do número 5, isto é, à soma desejada. E desta maneira que a máquina de Turing procede para efetuar uma soma. Que novidade há nisto? Aparentemente nenhuma. Ao contrário, parece que conseguimos complicar um processo simples, cotidiano.
Contudo, as coisas não são bem assim. O que Turing inovou com a invenção de sua máquina foi a descoberta de uma espécie de princípio geral para a construção de computadores.
Este princípio geral tem como ponto de partida a noção matemática de procedimento efetivo, As instruções que damos para a máquina têm de ser executadas passo a passo, formando uma sucessão. Cada vez que uma instrução é executada, a máquina passa de um estado para outro. A mudança de um estado para outro corresponde a uma mudança de configuração. Para se mudar de uma configuração para outra existem certas instruções (como, por exemplo, no nosso caso: mova a fita para a direita, apague um símbolo etc.) que estabelecem exatamente aquilo que deve ser feito.
Quando existe esse tipo de receita que diz exatamente o que deve ser feito para se passar de um estado para outro num processo, temos um procedimento efetivo, ou seja, um conjunto finito de instruções não-ambíguas que nos dizem o que fazer, passo a passo, e que nos garantem a obtenção de um resultado no final.
Ora, a descoberta de Turing consiste no fato de ele ter demonstrado, através da invenção de sua máquina, que toda e qualquer tarefa que possa ser representada na forma de um procedimento efetivo pode ser mecanizada, ou seja, pode ser realizada por um computador. Com sua invenção ele demonstrou ademais, que todo e qualquer tipo de computador pode, em última análise, ser reduzido a uma máquina de Turing, pois, embora os computadores possam diferir entre si quanto à sua finalidade e até mesmo ao material de que são compostos, eles podem ser imitados por sua máquina. E isso sem dúvida torna a máquina de Turing um verdadeiro princípio universal.
A máquina de Turing que descrevemos há pouco e que faz adições pode ser vista como uma imitação das várias máquinas de calcular de que dispomos. Na fita podemos representar os números (cada unidade será um quadrado com um símbolo), e há procedimentos efetivos para realizar operações aritméticas, ou seja, as operações aritméticas podem ser descritas através de um conjunto preciso de instruções: puxe a fita para a direita, para a esquerda etc.
Podemos dizer que nesta máquina rudimentar a fita contém uma representação dos números, e que o conjunto de instruções corresponde ao programa da máquina, da mesma maneira que dizemos que os computadores têm um programa. Se temos uma máquina que efetua adições e subtrações (uma maneira de imaginar a subtração seria pelo processo de apagar uma certa quantidade de símbolos nos quadrados da fita), podemos dizer que, em princípio, nossa máquina será capaz de efetuar qualquer operação aritmética. Pois afinal, o que são multiplicações senão repetições de somas, e divisões a repetição de subtrações? Dividir 16 por 4 significa quantas vezes o número 4 pode ser subtraído de 16. Claro que no caso da nossa máquina com fita e marcador, o programa ficaria bastante complicado, e se os números fossem grandes, a fita teria de ser extraordinariamente longa.
Máquinas de calcular constituem um grande e primeiro passo para mecanizar parte de nossas atividades mentais. Claro que máquinas de calcular já existiam antes da invenção da máquina de Turing. Mas o que torna a invenção de Turing realmente interessante é a possibilidade de mecanizar tarefas executadas pela nossa mente, desde que elas possam ser representadas por símbolos e na forma de procedimentos efetivos.
Imaginemos agora que em vez de trabalharmos com uma máquina rudimentar, com fita e marcador, tenhamos uma máquina bem mais sofisticada, mas cujo princípio seja o mesmo de uma máquina de Turing. Uma das diferenças seria que em vez de termos uma fita onde os quadrados teriam vários tipos de símbolos, teríamos apenas dois símbolos básicos, 0 e 1. Representar números e instruções na fita desse tipo de máquina se torna muito mais complicado: é preciso usar uma série de artifícios quando se dispõe de apenas dois símbolos. Mas certamente há aqui uma vantagem se os símbolos a serem utilizados são apenas 0 e 1 , podemos traçar uma correspondência entre estes e um circuito elétrico, com uma série de interruptores do tipo daqueles que usamos para apagar ou acender a luz de uma sala.
Nesses interruptores só há dois estados possíveis: quando eles estão ligados, passa a corrente, acende-se a lâmpada. Quando estão desligados a situação é inversa, não passa a corrente, a lâmpada fica apagada. Tudo se passa como se pudéssemos imaginar que estes estados de cada interruptor correspondessem aos símbolos que estão nos quadrados da nossa fita de papel: 0 quando não passa corrente, e 1 quando a corrente passa.
Ora, é exatamente este o princípio que nos permite chegar a algo como uma representação elétrica do pensamento. Nossa máquina mais sofisticada não terá fita, mas um complexo circuito com interruptores. Em vez de ser operada por um movimento da fita de um lado para outro que apaga ou imprime símbolos, ela terá uma forma mais sofisticada de transmitir as instruções desejadas. Podemos também conceber um tipo de "marcador" mais sofisticado. Tudo isso pode ser feito hoje em dia ocupando-se um espaço cada vez menor: os progressos da eletrônica permitem a construção de circuitos cada vez mais complexos e mais minúsculos. Foram estes progressos que permitiram reduzir tanto o tamanho dos circuitos e das máquinas que hoje em dia uma calculadora é tão pequena quanto **
Mas o que dissemos até agora serve apenas para mostrar como uma pequena parte de nossas atividades mentais - aquelas relacionadas com operações aritméticas ou matemáticas - pode ser mecanizada. Mas e quanto ao resto de nossos pensamentos? Nem todas as nossas atividades mentais são dirigidas para realizar operações com números, e é precisamente a possibilidade de se mecanizar este outro tipo de atividades que constitui a grande novidade introduzida pelos computadores modernos - que nada mais são do que complexas máquinas de Turing que operam apenas com os símbolos 0 e 1.
E como podemos representar outros tipos de pensamentos além de números usando apenas os símbolos 0 e 1? Para isto os pesquisadores da IA e aqueles que começaram a construir computadores mais sofisticados precisaram, inicialmente, usar um artifício. O ponto de partida de tudo é a idéia de que nossos pensamentos são expressos em linguagem - não apenas em linguagem falada, mas em linguagem escrita. Ora, a linguagem escrita nada mais é do que um sistema de símbolos construído a partir dos elementos básicos que compõem nosso alfabeto. O que precisamos então é arranjar um meio de representar todas as letras do alfabeto em termos de 0 e 1.
Sabemos que a totalidade das letras do alfabeto que usamos, mais os outros caracteres normal arestas, pontos, espaço entre palavras, sinais de adição, subtração, multiplicação etc. totalizam 256 =caracteres. Se se acha este número muito grande, basta dar uma olhada no teclado de uma máquina de escrever elétrica para se ver que na realidade usamos muito mais caracteres para expressar informação do que as letras do alfabeto. Com estes caracteres podemos expressar praticamente todo e qualquer pensamento, contar a história da Revolução Francesa, a história da filosofia, realizar operações matemáticas e até escrever um livro sobre**
Vamos agora supor que temos um baralho com 256 cartas e que em cada uma delas está impresso um dos 256 caracteres de que falamos. Alguém seleciona uma carta ao acaso e a entrega para mim, virada com a face impressa para baixo, de maneira que eu não possa ver o caracter que está impresso nela. Essa pessoa pede que eu diga qual é o caracter que está impresso na carta.
Uma maneira de adivinhar o caracter é pegar a lista com os 256 caracteres e ir perguntando, um por um, até eu saber qual é aquele que está na carta. Ora, este é um método muito trabalhoso e demorado, pois corremos o risco de ter que repetir a mesma questão 256 vezes.
Mas certamente existe uma outra saída para este problema: em vez de fazer 256 perguntas, posso começar perguntando: está o caracter da carta na primeira metade da lista? Qualquer que seja a resposta, teremos dividido a lista em duas partes com 128 caracteres cada uma - e numa dessas metades o caracter terá de estar. Tendo isolado uma das metades da lista onde o caracter em questão se encontra, posso repetir a estratégia mais uma vez e dividir os 128 caracteres em duas metades de 64. Repito a questão e isolo uma lista com 64 caracteres. O processo deve ser repetido sucessivamente até que tenhamos uma lista com apenas 2 caracteres e o caracter a ser identificado será necessariamente um deles. É fácil ver que com esta estratégia reduzi o número de perguntas a apenas 8, pois partindo de 256 caracteres, para se chegar a apenas 2 é preciso dividir a lista inicial oito vezes: na primeira vez obtemos duas sublistas de 128 caracteres, na segunda vez duas sublistas de 64 caracteres, até que na oitava vez restarão apenas dois caracteres.
Foi utilizando esta estratégia que os pesquisadores da IA tornaram possível a representação de letras de nosso alfabeto e de outros caracteres que usamos para expressar informação em termos de apenas dois símbolos, 0 e 1. Se quisermos que isto seja feito pelo próprio computador, temos de fornecer-lhe a lista com os 256 caracteres e instruções para identificar um caracter qualquer, por exemplo, a letra a, dividindo a lista em metades e metades de metades. Quando o caracter não se encontra na primeira metade da lista dos 256 isto é representado por um 0. Caso contrário, ele será representado por 1. Após a repetição do processo por oito vezes sucessivas, teremos uma seqüência de oito 0 e 1. A letra a, por exemplo, é representada neste processo por 01100001. Mas seqüências de 0 e 1 que correspondem a uma letra precisam, por sua vez, ser combinadas com outras seqüências de 0 e 1 para formar palavras, o que nos dá uma seqüência ainda maior. A representação de uma sentença no computador pode constituir uma seqüência extraordinariamente longa de 0 e 1.
A transformação de palavras e sentenças em seqüências de 0 e 1 significa que uma representação elétrica de pensamentos, em termos de circuitos com interruptores abertos ou fechados, tornou-se possível. Isto ficou ainda mais fascinante quando se passou a projetar circuitos capazes de representar as várias maneiras através das quais podemos combinar sentenças - o que equivale a ter representações elétricas de algumas de nossas formas básicas de raciocinar.
Quando raciocinamos, o que passa pela nossa cabeça são proposições diversas. Uma proposição é um pensamento expresso numa sentença. Por exemplo, quando dizemos "A tarde está bela", isto é um pensamento expresso nessa sentença. Uma proposição tem sempre uma característica específica: ela só pode ser verdadeira ou falsa. No caso da proposição "A tarde está bela", temos meios de decidir se ela é verdadeira ou falsa: podemos olhar pela janela ou mesmo ir dar um passeio.
Raciocinar é formular proposições e encadeálas. 0 modo de encadear proposições para formar raciocínios corretos tem sido objeto de estudo desde a Antiguidade, quando surgiu uma disciplina com esta finalidade, a lógica. A partir do século passado a lógica conheceu avanços substanciais. Um destes avanços consistiu em se estabelecer uma representação simbólica para as proposições. Passou-se a usar as letras A, B, C etc. para designar proposições, e logo se fez um estudo das maneiras passíveis de encadeá-las.
Estudos preliminares apontaram para a existência de quatro maneiras básicas de combinar proposições: a conjunção, a disjunção, a implicação e a bi-implicação. Podemos também negar uma proposição qualquer, o que neste sistema de representação será feito colocando-se o sinal ( - ) na sua frente. A negação de A será representada por -A. A conjunção de proposições significa ligá-las pela partícula e. A conjunção é simbolizada em lógica pelo sinal ( ^ ). Se tivermos duas proposições, A e B, a conjunção será representada assim: A ^ B. Se a proposição A for "O sol está brilhando" e a proposição B for "A tarde está bela", A B significará: "O sol está brilhando e a tarde está bela". A disjunção significa ligar proposições pela partícula ou. Assim, "0 carro está andando ou o carro está parado" é um exemplo de disjunção. A implicação é uma ligação do tipo: "Se está chovendo, então a terra está molhada".
A lógica tratou não apenas do modo como podemos encadear proposições, como também estabeleceu regras para sabermos quando estas ligações resultariam em verdades ou em falsidades. Assim, suponhamos por exemplo que as proposições "O sol está brilhando" e "A tarde está bela" sejam falsas. Neste caso, a conjunção destas proposições também será falsa. Se a primeira proposição for falsa mas a segunda for verdadeira, a conjunção será falsa. Todas as possíveis combinações para todos os tipos de proposições são previstas pela lógica. As combinações são agrupadas de acordo com o tipo de ligação entre as proposições, e formam aquilo que chamamos de "tabelas de verdade".
Foi usando este tipo de estratégia que os pesquisadores da IA encontraram um caminho para construir circuitos que imitam nossa maneira de raciocinar. Da mesma forma que uma proposição só pode ter dois valores de verdade possíveis, ou seja, ser verdadeira ou ser falsa, os interruptores de um circuito também só podem ter duas posições: ou estão abertos (a corrente não passa) ou estão fechados (a corrente passa). E com base nesta analogia que podemos conceber um processo de representação elétrica dos raciocínios humanos.O processo se inicia quando o programador coloca no computador as proposições que comporão um determinado raciocínio. Em seguida ele ..........
OBS: Onde há ** é porque não tem uma continuação.
Caso alguém queira continuar a leitura do livro o nome é O que é Inteligência Artificial.
Autor : João de F. Teixeira