Poems

Sarau no Pátio das Flores

Recitation of Narlan Matos's poetry by Luiz Caldas.

Listen here!

Luiz Caldas & Narlan Matos | Sarau no Pátio das Flores (2020)




Selected Compilations

For books in Portuguese, see Publications.

ELEGIA AO NOVO MUNDO


Tu me perguntas meu amigo

Onde eu estive durante meu longo silêncio

Estive na açucena das canas e na amargura dos canaviais

onde as folhas tremiam de medo dos homens

Os canaviais me sussuraram em gritos horrendos

o sangue amargo que lhe adocicou a boca

As mãos ásperas que lhe enxugaram a face

O canavial que morria de fome antes de completer 27 anos de idade

Das vozes sem estrela que embalavam ao longe línguas estranhas

Ó canavial verde, de que cor é meu sangue vermelho ?

Meu sangue tem medo da morte do açoite da noite

Meu sangue tem medo de mim

Tu me perguntas meu amigo

Onde eu estive durante meu longo silêncio


Eu estive nos navios negreiros mercantes


que mercaram meu destino até a América até agora


beberam minhas lendas como se bebe um barril de rum podre

mercaram cada estrela do céu e do mar infinito

cada pássaro cada pluma de meu cocar

e desenharam mapas com meu sangue

e ergueram totens sobre minha tribo

e atearam fogo nos campos sagrados do meu povo

e suas lanças me repartiram as veias em continentes distantes


Tu me perguntas meu amigo

Onde eu estive durante meu longo silêncio


Estive pelas escumas dos mares nunca d’antes

Por onde vieram a pólvora a baioneta o espelho a tuberculose a siflis

Por onde vieram a espada e o elmo

- As nuvens jamais se esquecerão disso !


No atlântico negro

Nos tombadilhos de velhos navios piratas

Nos cababouços da crueldade humana

Nas prisões da Serra Leoa – que ainda doem em alguma dobra do meu corpo

Em Angola

Na Guiné-Bissau

No Senegal

No Benin


Estive no reino da Guatemala

E na provincia de Yucatán

E na provincia de Cartagena de las Indias

E nos grandes reinos e grande provincia do Peru

E no novo reino de Granada

E nas ilhas de Cuba e Trinidad

E nos reino dos Aztecas

Onde espadas de brutalidade fenderam meu corpo nu

Onde os cães de caça dos barões das índias se alimentavam dos braços e das pernas de crianças indefesas


Tu me perguntas onde eu estive meu amigo

E somente agora posso quebrar meu silêncio:

Eu estive comigo.

PÓS-COLOMBIANOS


por pouco

muito pouco

os índios

das Américas

não conseguiram

cristianizar

os conquistadores

europeus

os europeus

conquistadores

por pouco

muito pouco

os índios

das Américas

não conseguiram

cristianizar

por pouco

muito pouco