Aumentos, conservação e conflitos

Post date: Mar 2, 2013 11:58:39 AM

Nos últimos 10-15 anos aumentaram substancialmente o número de indivíduos de várias espécies de aves na região de Aveiro, algumas das quais bastante raras ou incomuns há pouco mais de 20 anos, quando comecei a observar aves. Entre elas, destacam-se o Flamingo (Phoenicopterus ruber roseus), a Garça-branca-grande (Ardea/Casmerodius alba), a Águia-pesqueira (Pandion haliaetus), o Peneireiro-cinzento (Elanus caeruleus), a Ibis-preta (Plegadis falcinelus) e o Corvo-marinho (Phalacrocorax carbo). À excepção do peneireiro e do corvo-marinho, o aumento destas espécies parece ter resultado directamente de acções de conservação realizadas nas zonas de nidificação em Espanha, França, Holanda e Escócia.

Na generalidade, estes aumentos podem ser considerados bastante positivos para estas espécies e para as populações locais, que têm usufruído da presença, muitas vezes muito próxima das povoações, das espécies mais visíveis e atractivas, como o flamingo. Observadores de aves, fotógrafos etc também tem visto estes aumentos de forma positiva. No entanto, também se geraram conflitos, alguns deles importantes.

Os corvos-marinhos parecem ter uma acção muitíssimo nefasta sobre a indústria da piscicultura. Este conflito é bastante conhecido de muitos locais da Europa e tem sido bastante estudado, levando por vezes a acções de controlo das populações, bem como ao uso de técnicas minimizadoras do impacto, como os sistemas sonoros para afugentar os corvos (também aplicada na região de Aveiro). Neste sentido, a participação da SPEA (Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves) num recenseamento Europeu desta espécie pode ser muito positivo para determinar a extensão do problema. Infelizmente, a informação sobre esse recenseamento chegou muito tarde aos potenciais colaboradores, não tendo sido efectuado um trabalho preliminar de detecção dos dormitórios, onde estas aves seriam contadas. Isto significa que os números resultantes do censo deste inverno serão pouco fieis à realidade, pelo menos na nossa região. O estudo da abundância, distribuição, movimentos etc desta espécie na região de Aveiro, bem como dos conflitos com os piscicultores e marnotos (muitos dos quais mantêm pisciculturas extensivas) é necessário e útil. Observações de dormitórios e contagens por parte dos observadores são muito bem vindas!

Outra espécie que aparentemente entrou em conflito com os marnotos e piscicultores é o flamingo. Alguns afirmam que comem o peixe, o que evidentemente não é verdade, e afugentam essas aves das suas pisciculturas e salinas. O que os flamingos causam segundo outros, e que faz sentido, é a destruição parcial da salina, devido à sua técnica de alimentação em que movimentam as patas regular e rapidamente para mobilizarem o alimento a partir do fundo e depois o filtrarem na coluna de água. Adicionalmente, os grupos de flamingos que ocorrem nas salinas de Aveiro (normalmente entre 40 a 200) durante o período "invernal" (Agosto a Abril), aumentam enormemente a turbidez da água das salinas e viveiros o que, aparentemente, causa a saída das enguias para outros locais e faz com que os outros peixes tenham que vir próximo da superfície respirar, ficando disponíveis para outras aves (Corvos-marinhos, Águias-pesqueiras e Garças cinzentas, Ardea cinerea) os capturem mais facilmente. O resultado prático é que os viveiros em que estes bandos de flamingos pousam e se alimentam durante algum tempo têm produtividades muito mais baixas do que o normal, o que leva os piscicultores e marnotos a afugentarem essas aves e por vezes até a fazerem vigílias durante a noite para que estas não usem os seus viveiros. Este é um caso de certa forma interessante, em que os gastos despendidos para a conservação num local aumentam os custos noutro local, e seria interessante um estudo detalhado, neutro, para determinar se os benefícios destas acções de conservação de facto justificam os custos.

Enfim, ficam aqui algumas questões para pensar e propostas para trabalhos futuros.

Ideias e comentários são bem vindos!

JMN