Organização dos Terreiros

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A organização geográfica do terreiro de candomblé contribuindo para ensino da geografia.

Revista Entreideias, Salvador, v. 5, n. 2, p. 79-9, jul./dez. 2016


A geografia cultural contribuiu, assim, para a compreensão das religiões afro brasileiras e seu processo de construção e sacralização do espaço vivido. [...]

Ninguém entra no terreiro sem saudar o sagrado que compõe esse espaço. Logo na entrada saudamos exu, orixá guardião das entradas e das encruzilhadas. A intensa presença de subsídios geo simbólicos confere ao terreiro um sentido, uma identidade e também uma espiritualidade cujo auge é revelado na criação de um conjunto de representações simbólicas que engendram uma rede de significados e que se associam a um ordenamento inexaurível de fluxos e fixos, considerados decisivos para organização do espaço sagrado, um meio distinto daquele no qual transcorre sua existência. É por meio dos símbolos, dos mitos e dos ritos que o sagrado exerce sua função de mediação entre o homem e a divindade. E é o espaço sagrado, enquanto expressão do sagrado, que possibilita ao homem entrar em contato com a realidade transcendente chamada deuses, nas religiões politeístas, e Deus, nas monoteístas.

Os terreiros de candomblé procuram se organizar de modo a abrigar na sua estrutura a força regente dos Orixás, com isso se utiliza dos conhecimentos da geografia. Assim, as construções nesses ambientes, de maneira simbólica, abrigam os fenômenos naturais e seus respectivos deuses: chuva (Nanã), relâmpago (Iansã), trovoadas (Xangô), enchentes (Oxum), maremotos (Iemanjá), terremotos (Obaluaiê) dentre outros, pois cada Orixá está ligado a um elemento da natureza e aos fenômenos a ele relacionados. Partindo desses pressupostos, pode-se dizer que a geografia está relacionada diretamente com a religião do candomblé. Cotidianamente, os povos de terreiros convivem com ela. O universo, os astros, o relevo, o clima, a vegetação, a hidrografia que é trabalhada nesta área do conhecimento, se relacionam com os Orixás e está organizado em duas dimensões o espaço do profano e o espaço do sagrado o primeiro, normalmente habitado pelas pessoas que nele circulam em sua cotidianidade. [...]

Os orixás são criações simbólicas produzidas pelos povos africanos na diáspora brasileira. A importância da geografia para os terreiros é tanta que ela começa já com a escolha do território, que não se dá por vontade própria. O espaço para construir o terreiro é revelado pelos orixás no jogo de búzios. Trata-se, como diz o povo nagô, de plantar o axé da casa. Daí a importância da orientação geográfica. Justamente por isso, a escolha do território é determinante e não pode acontecer sem a orientação dos orixás. O candomblé como religião afro-brasileira se destaca na caracterização dos espaços e seu significado. Nada é vazio de significado. Cada espaço possui em si um universo abrangente cheio de elementos simbólicos que se ligam a prática social e religiosa. E também o longo do tempo, no terreiro, é possível perceber que as crianças ouvem sempre os mais velhos falando sobre a importância da terra e das coisas que foram criadas e como esses artefatos culturais e materiais são utilizados na prática religiosa, o cotidiano dos terreiros ensinam de vários modos. Contudo, um elemento crucial une e costura de todos os aprendizados, o pertencimento, ou seja, pertencer a uma casa de axé que cotidianamente liga e religa nossas vidas aos ancestrais é o embrião, para que o povo de santo faça nascer um diferente modo de cidadania.