POESIA
POESIA
CONSELHO
CONSELHO
Cerca de grandes muros quem te sonhas.
Cerca de grandes muros quem te sonhas.
Depois, onde é visível o jardim
Depois, onde é visível o jardim
Através do portão de grade dada,
Através do portão de grade dada,
Põe quantas flores são as mais risonhas,
Põe quantas flores são as mais risonhas,
Para que te conheçam só assim.
Para que te conheçam só assim.
Onde ninguém o vir não ponhas nada.
Onde ninguém o vir não ponhas nada.
Faze canteiros como os que outros têm,
Faze canteiros como os que outros têm,
Onde os olhares possam entrever
Onde os olhares possam entrever
O teu jardim como lho vais mostrar.
O teu jardim como lho vais mostrar.
Mas onde és teu, e nunca o vê ninguém
Mas onde és teu, e nunca o vê ninguém
Deixa as flores que vêm do chão crescer
Deixa as flores que vêm do chão crescer
E deixa as ervas naturais medrar.
E deixa as ervas naturais medrar.
Faze de ti um duplo ser guardado;
Faze de ti um duplo ser guardado;
E que ninguém, que veja e fite, possa
E que ninguém, que veja e fite, possa
Saber mais que um jardim de quem tu és —
Saber mais que um jardim de quem tu és —
Um jardim ostensivo e reservado,
Um jardim ostensivo e reservado,
Por trás do qual a flor nativa roça
Por trás do qual a flor nativa roça
A erva tão pobre que nem tu a vês...
A erva tão pobre que nem tu a vês...
Fernando Pessoa