* Qualidade de Emprego e Precaridade laboral
Qualidade de Emprego e Precaridade laboral
Notas para uma reflexão desta problemática
Em termos gerais, a qualidade do Emprego, define-se e pressupõe a existência de condições de trabalho com direitos, reconhecendo e valorizando o trabalho e o trabalhador, de modo a que o exercício da atividade profissional, se processe de forma adequada, justa e compensadora, próprio de uma sociedade moderna, onde as relações de trabalho se pautam por princípios de dignidade.
Nessa qualidade de emprego, a par de todos os fatores inerentes (remuneração, duração de trabalho, segurança e saúde, ambiente de trabalho, motivação e incentivos), que estruturam o nível qualitativo dessa relação, deve existir garantias de estabilidade e manutenção temporal dessa relação ( vínculo laboral duradouro).
A precariedade laboral, por seu turno, constitui neste contexto, um elemento negativo nessa relação, seja no que se refere à instabilidade e duração temporária do vínculo ( contratação a termo), seja na inexistência de condições dignas da prestação do trabalho e das contrapartidas inerentes.
Contudo teremos de ter presente que existirão situações laborais enquadráveis no conceito de precariedade - p.e. nas contratações a termo e no trabalho temporário nos casos previstos na lei e sem que impliquem subterfúgios - uma vez que constituem relações contratuais cujo vínculo é limitado no tempo, mas nem por isso tal significará a concessão de menos direitos.
Enquadramento legal
São vários os normativos que enquadram a qualidade do emprego, numa perspetiva de princípios de defesa do trabalho Digno:
Conforme consagrado no nº 1 do artigo 59º da Constituição Portuguesa, todos trabalhadores, independentemente da sua idade, sexo, raça, cidadania, país de origem, religião e das convicções políticas ou ideológicas, têm direito:
a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna;
b) A organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar;
c) A prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde;
d) Ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas;
e) À assistência material, quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego;
f) A assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional.”
2. Incumbe ao Estado assegurar as condições de trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito, nomeadamente:
a) O estabelecimento e a actualização do salário mínimo nacional, tendo em conta, entre outros factores, as necessidades dos trabalhadores, o aumento do custo de vida, o nível de desenvolvimento das forças produtivas, as exigências da estabilidade económica e financeira e a acumulação para o desenvolvimento;
b) A fixação, a nível nacional, dos limites da duração do trabalho;
c) A especial protecção do trabalho das mulheres durante a gravidez e após o parto, bem como do trabalho dos menores, dos diminuídos e dos que desempenhem actividades particularmente violentas ou em condições insalubres, tóxicas ou perigosas;
d) O desenvolvimento sistemático de uma rede de centros de repouso e de férias, em cooperação com organizações sociais;
e) A protecção das condições de trabalho e a garantia dos benefícios sociais dos trabalhadores emigrantes;
f) A protecção das condições de trabalho dos trabalhadores estudantes.
A OIT, para além dos seus princípios estatutários, no seu vasto acervo normativo (Convenções/recomendações) defende e pugna pela existência de condições de trabalho dignas que assegurem como objectivo fundamental, a dignidade do trabalho, expresso na qualidade no Emprego e obstem à precariedade e o trabalho sem direitos.
A Declaração da OIT relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho (Declaração de 1998) e a Declaração da OIT sobre Justiça Social para uma Globalização Justa (Declaração sobre Justiça Social) estabeleceram os princípios e direitos fundamentais no trabalho não só como núcleo dos princípios e direitos fundamentais no trabalho, mas também como condições necessárias à realização de todos os objetivos estratégicos da OIT. Nesta base, a comunidade internacional tem reconhecido que os princípios e direitos fundamentais no trabalho devem desempenhar um papel específico no debate mais vasto sobre a equidade na globalização.
Também o Código do Trabalho consagra normas de proteção dos trabalhadores, em defesa do trabalho com qualidade e dignidade, estipulando, no artigo 127º, os deveres do empregador:
É dever da entidade empregadora respeitar o trabalhador e tratá-lo de forma digna, afastando-o de atos “discriminatórios, lesivos, intimidatórios, hostis ou humilhantes”, bem como proporcionar-lhe boas condições de trabalho.
A entidade empregadora deve também pagar uma retribuição justa e adequada à sua profissão e contribuir para a melhoria da produtividade e empregabilidade do trabalhador, dando-lhe acesso a formação profissional.
O empregador deve ainda facilitar ao trabalhador a conciliação entre a sua vida profissional e vida familiar e pessoal, bem como adotar medidas de segurança no sentido de prevenir riscos e doenças profissionais.
São ainda concedidas garantias ao trabalhador, estipuladas no artigo 129º da legislação supracitada. Assim sendo, é proibido ao empregador impedir o trabalhador do exercício dos seus direitos, despromovê-lo, reduzir o seu salário ou transferi-lo para outro local de trabalho, salvo nos casos previstos no Código do Trabalho, entre outros.
A Qualidade do emprego é, segundo a definição da Eurofound, um “conceito que complementa a análise da quantidade do emprego para fornecer uma avaliação da estratégia de emprego”.
Ou seja, são as “características do trabalho objetivamente captadas, observáveis e relacionadas com a satisfação das necessidades dos indivíduos no trabalho”.
É assim um conceito multidimensional que engloba aspectos tão variados como os salários, relações contratuais, tempo de trabalho, formação, negociação coletiva, oportunidades de desenvolvimento de carreira e o equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
A União Europeia (UE) tem percorrido um longo caminho desde a Estratégia de Lisboa do ano 2000 e do objetivo de “mais e melhores empregos”. Paralelamente à agenda do Trabalho Digno da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a qualidade do emprego ganhou terreno firme no debate de políticas da UE.
Medir a qualidade
O Índice Europeu de Qualidade do Trabalho (JQI) para os 28 países da UE
Este Índice oferece uma ferramenta de comparação da qualidade dos empregos dos trabalhadores europeus e analisa as tendências na qualidade do trabalho ao longo do tempo, tomando uma posição clara em relação ao que constitui um emprego de boa qualidade e que mudanças indicam melhorias. O Índice oferece uma perspetiva ampla sobre as características do trabalho e avalia-o nas seguintes dimensões dimensões:
- salários
- formas de emprego e segurança no trabalho
- tempo de trabalho e equilíbrio entre trabalho e vida familiar
- condições de trabalho
- competências e desenvolvimento de carreira profissional
- representação do interesse coletivo
A qualidade do emprego é um conceito que complementa a análise da quantidade do emprego para fornecer uma avaliação da estratégia de emprego. A qualidade do emprego é um conceito multidimensional em que diferentes agendas políticas e disciplinas dão ênfase a diferentes dimensões.
Na investigação da Eurofound, a qualidade do emprego é medida ao nível do trabalho, e abrange características do trabalho objetivamente captadas, observáveis e relacionadas com a satisfação das necessidades dos indivíduos no trabalho. O conceito engloba todas as características do trabalho e do emprego que têm comprovadamente uma relação causal com a saúde e o bem-estar, incluindo as características positivas e negativas dos postos de trabalho. Estes indicadores refletem os recursos de trabalho (aspetos físicos, psicológicos, sociais ou organizacionais) e as exigências de trabalho, ou os processos que os influenciam.
Principais componentes da qualidade do emprego – Portugal e UE-27
A Eurofund identifica vários elementos que integram a avaliação do conceito de qualidade do emprego, designadamente:
- violência, assédio e discriminação;
- dimensões físicas do trabalho;
- informação e comunicação;
- saúde;
- trabalho e vida familiar;
- satisfação com o emprego;
- estrutura da força de trabalho;
- horário de trabalho;
- conteúdo do emprego e formação;
- local de trabalho e organização do trabalho.
Tomando essa estrutura conceptual como suporte, são tidos em conta também outros indicadores de natureza mais específica, suscetíveis de fornecerem, no seu conjunto, uma visão mais completa sobre as várias dimensões do fenómeno.
Violência, assédio e discriminação é a assim uma dimensão considerada. Nela estão refletidos determinados aspetos a que os trabalhadores podem estar sujeitos no seu local de trabalho, designadamente, situações de violência ou ameaça de violência, situações de assédio (bullying e atenção sexual indesejada) e discriminação relacionada com a idade.
Três grupos de fatores de risco podem ser considerados:
- ambientais – ruído e temperaturas altas/baixas; biológicos/químicos – desde a inalação de fumos ou pó até ao manuseamento de materiais infeciosos;
- ergonómicos – compreendendo as vibrações, as posições dolorosas e/ou cansativas, o carregar ou transportar pesos, o estar de pé ou andar e os movimentos repetidos com mãos/braços. As maiores incidências de fatores de risco físico estão nesta última categoria (ergonómicos), salientando-se que 80% da população empregada em Portugal reportaram que o trabalho envolve estar de pé ou andar em, pelo menos, assim como trabalhadores (74,2%) referiram a repetição de movimentos com as mãos ou os braços em um quarto do tempo de trabalho ou mais.
Intimamente relacionada com a componente anterior (dimensões físicas do trabalho) está a perceção do impacto do trabalho na saúde do trabalhador, a qual é aferida em termos globais e considerando problemas específicos de saúde derivados do trabalho. Da lista dos sintomas de saúde a considerar, os mais citados pelos trabalhadores que consideraram que, no seu caso, o trabalho afeta a saúde – 41% da população empregada – foram os problemas de costas (30,7%), as dores musculares (28,8%), o stress (27,6%), a fadiga (26,7%) e as dores de cabeça (23,9%). Em contrapartida, apenas 3,1% dos inquiridos assinalaram as doenças cardíacas como um dos problemas de saúde associados ao seu trabalho.
Além dos níveis de impacto do trabalho na saúde, as ausências do trabalho devido a problemas de saúde também proporcionam uma indicação da importância que as pessoas atribuem a esta dimensão da qualidade do emprego (saúde), pese embora a complexidade e multidimensionalidade dos aspetos associados ao absentismo por motivos de saúde.
Nesse âmbito, em Portugal, tais ausências do trabalho são, em média, de cerca de nove dias por trabalhador – quase o dobro da média da UE-27 .
A importância da saúde e segurança no trabalho no nível de qualidade do emprego justifica que se compreenda se as pessoas estão informadas sobre os riscos que incorrem a esse nível . No entanto, o grau de informação e comunicação no posto de trabalho – por si só, outra componente da qualidade do emprego – deve operar-se a outros níveis seja em termos de mudanças na organização do trabalho ou de avaliação do desempenho.
Trabalho e vida familiar | Satisfação com o emprego /Outra dimensão da qualidade do emprego
– trabalho e vida familiar – Decorre da perceção global do trabalhador sobre o equilíbrio entre essas duas principais formas de ocupação do tempo. Em Portugal, a perceção positiva do equilíbrio entre o trabalho e a vida familiar é elevada. Contudo, indicadores adicionais permitindo avaliar em que medida o trabalho afeta a vida familiar revelam resultados não tão otimistas.
A satisfação com o emprego – é, tal como a componente anterior, aferida em termos globais e considerando fatores que possam contribuir para essa satisfação, como sejam o rendimento e as possibilidades de progressão na carreira ou de estabilidade no emprego. De facto, cerca de um quinto dos trabalhadores portugueses (19,3%) consideravam a possibilidade de perder o emprego nos próximos seis meses mas, em contrapartida, apenas cerca de um terço (34,6%) revelaram otimistas em relação a perspetivas de progressão na carreira e uma proporção um pouco menor (28,6%) expressaram uma opinião positiva sobre a sua remuneração.
Quanto ao tempo de trabalho, os inquéritos ao emprego resumem-no às horas normalmente dispendidas pelo trabalhador na sua atividade/ocupação principal.
A contabilização da duração habitual de trabalho exclui, portanto, elementos como o tempo de trabalho em outras atividades/ocupações que não a principal e o tempo da deslocação entre casa e o local de trabalho.
Outra dimensão da qualidade do emprego respeita ao conteúdo do emprego e formação e nesta dimensão, são aferidas as possibilidades oferecidas para o desenvolvimento dos conhecimentos e competências no local de trabalho, de modo a proporcionar uma maior segurança no emprego (seja pela progressão no emprego atual ou pela manutenção da flexibilidade de mudança de emprego). Nos diferentes aspetos que avaliam as exigências intelectuais e cognitivas do emprego verifica-se que, em geral, a maioria dos trabalhadores em Portugal avaliou os seus empregos como sendo intelectualmente exigentes, embora metade destes considerou que o trabalho desenvolvido envolve um volume significativo de tarefas monótonas.
Na avaliação da correspondência entre competências possuídas e funções atribuídas, 62,5% assinalaram que as suas competências são adequadas ao trabalho desenvolvido, havendo, porém, uma insatisfação por parte dos restantes inquiridos, que revelaram sobrequalificação para o trabalho desenvolvido (27,3%) ou necessidade de mais formação para a realização do trabalho (10,2%). Quanto ao acesso à formação, apenas 15,1% dos inquiridos afirmaram ter frequentado formação paga pela empresa nos 12 meses anteriores.
Por último, a apreciação dos trabalhadores, sobre aspetos que caracterizam o local de trabalho, quanto o uso de tecnologias de informação (TI) nos diferentes locais onde desenvolvem o seu trabalho, assim como principais características relacionadas com a organização do trabalho, com destaque para a avaliação dos níveis de autonomia no trabalho, de trabalho em equipa e de rotação de tarefas, dos possíveis determinantes dos seus ritmos de trabalho e dos níveis de intensidade de trabalho.
Consideremos, por exemplo, o local onde o trabalho é desenvolvido, revela que uma percentagem significativa (86,4%) dos trabalhadores, trabalhava no espaço físico da organização e, em contrapartida, apenas 2,1% dos inquiridos utilizaram a opção do teletrabalho em, pelo menos, um quarto do seu tempo de trabalho.
Refira-se que esta situação alterou-se profundamente face à pandemia do COVID, onde o recurso ao teletrabalho foi a opção e que se mantém a níveis elevados, mesmo nos tempos actuais.
Contudo, a correspondência entre local de trabalho predominante e local de trabalho de eleição (ou não) ao nível da qualidade do emprego não é linear, exigindo uma análise mais aprofundada dos vários e distintos efeitos que o mesmo pode exercer nos diferentes elementos constitutivos de um emprego de qualidade. Ainda que com risco de simplificação, podemos associar mais teletrabalho, mais TI, mais autonomia no trabalho, mais trabalho em equipa, mais rotação de tarefas e menos intensidade no trabalho, como factores que influenciam e determinam, mais qualidade no emprego.
Segundo as organizações europeias de trabalhadores, um emprego de qualidade é aquele que oferece:
· Um bom salário;
· Segurança no emprego;
· Formação ao longo da vida;
· Um local de trabalho seguro e saudável;
· Tempo de trabalho razoável;
· Representação sindical.
Precariedade laboral
“Precariedade” é uma expressão que há muito aprendemos a associar a discussões sobre o emprego em Portugal. De facto, o elevado peso das “relações contratuais atípicas” continuam a ser uma preocupação na economia nacional e têm uma incidência “alarmante” entre os jovens.
De forma simples, define-se a precariedade, como qualidade do que é ou está precário; condição do que é instável, inseguro, frágil ou contingente
Na RAM, o número de Trabalhadores por Conta de Outrem, segundo o tipo de Contrato quanto ao regime de duração do trabalho, revela que a grande maioria dos TCO exerce a sua profissão a tempo completo (92,8%), sendo este regime mais frequente nos homens (95,2%) do que nas mulheres (90,1%).
No que concerne à duração semanal do trabalho, 76,5% dos TCO a tempo completo tinham um PNT situado entre as 39 e as 40 horas.
Nos trabalhadores a tempo parcial, 73,7% tiveram um PNT de 20 ou menos horas.
TCO por tipo de Contrato :
2019 - 2020 - 2021
Total: 60 056 /56 873/ 58 563 - Sem termo
36 712/ 38 071/ 38 499 - Com termo certo
18 966/ 14 727 /14 567 - Com termo incerto
4 176 / 3 900 5 210 - outra situação
1. Todos os trabalhadores têm direito a condições de trabalho saudáveis, seguras e dignas.
2. Todos os trabalhadores têm direito a uma limitação da duração máxima do trabalho e a períodos de descanso diário e semanal, bem como a um período anual de férias pagas.
O Pilar Europeu dos Direitos Sociais explicita princípios essenciais para o fortalecimento de uma Europa social. Entre estes, destacam-se o dominio da justiça nas condições de trabalho, que inclui, entre outros, o nível salarial, a conciliação da vida pessoal e profissional, a estabilidade no trabalho e a igualdade de oportunidades de acesso ao mercado de trabalho, que engloba, entre outros, a igualdade de género e o acesso à qualificação profissional. Também o estado de saúde dos/as trabalhadores/as e as condições de segurança no trabalho são condições essenciais para a qualidade do emprego e para a produtividade.
Refira-se que não obstante a criação de empregos, a precariedade dos vínculos não mostra sinais de diminuição. No conjunto do ano, 868,4 mil trabalhadores tinham contratos não permanentes, não descendo a incidência abaixo dos 22%. Acresce que 80% dos novos contratos celebrados nos primeiros três trimestres de 2017 assentaram em vínculos precários, conforme mostram os dados oficiais do Fundo de Compensação do Trabalho.
O problema da precariedade subsiste, com incidência nos jovens :cerca de 66% dos menores de 25 anos e perto de 34% dos jovens entre os 25 e os 34 anos têm contratos a prazo ou falsos recibos verdes .
A nível sindical, p.e. a CGTP-IN vem evocando/reivindicando, a necessidade de alterar o modelo de desenvolvimento, com a valorização do trabalho e dos trabalhadores, garantindo a efectivação dos direitos laborais, o que implica elevar as condições de trabalho e os salários, e reforçar a proteção no desemprego, dinamizar a contratação colectiva; aumentar a fiscalização das condições de trabalho e combater a precariedade, regularizando a situação dos trabalhadores do sector privado e da Administração Pública que estão a ocupar postos de trabalho permanentes.
O termo, precariedade, é muito utilizado nos países latinos (França, Itália, Espanha e Portugal) e corresponde a uma situação laboral marcada pela instabilidade , em oposição ao contrato de trabalho tradicional ( sem termo) que assegura ao trabalhador um trabalho a tempo inteiro, com duração indeterminada e com proteção social (reforma, subsídio de desemprego, férias, etc.).
Apesar da dificuldade em encontrar uma definição comum e rigorosa de “trabalho precário” este é associado a quatro características:
1.Insegurança no emprego/instabiliade do vínculo laboral
2. Perda ou menos regalias sociais;
3. Salários baixos;
4. Descontinuidade nos tempos de trabalho.
Associa-se, assim, o trabalho precário à instabilidade (impossibilidade de programar o futuro – situação dos jovens que ficam até mais tarde em casa dos pais; à incapacidade económica (impossibilidade de fazer face aos “riscos sociais” e de assegurar as despesas económicas do quotidiano – o surgimento dos “novos pobres”); e à alteração dos ritmos de vida (alteração nos horários de trabalho e da relação entre trabalho/desemprego
De facto, estamos confrontados com um contexto económico, político e legislativo que permite e um conjunto de novas formas precárias de emprego, opostas ao modelo tradicional de contratação laboral – trabalho a tempo inteiro e por tempo indeterminado – através do desenvolvimento de novas formas de trabalho, como os contratos a tempo parcial, os contratos a termo, os contratos temporários, o recurso a prestadores de serviços.
A criação destas formas “mais flexíveis de trabalho” tem sido defendida nos últimos anos pela União Europeia, alegadamente com o objectivo de garantir a flexibilidade que permita o crescimento económico em mercados e economias globalizados, contudo o recurso excessivo a estas formas de contratação, gera desajustamentos sociais significativos.
Embora seja limitado analisar a precariedade/trabalho precário apenas através das estatísticas, a análise torna-se ainda mais complexa porque existem variantes conexas do fenómeno, pois haverá que ter em conta a “precariedade ilegal” e o “falso trabalho independente” assim como o “trabalho clandestino”.
As Estatísticas do Emprego do INE indicam que, em 2017, existiam 868,4 mil trabalhadores com contratos não permanentes no nosso país, correspondendo a 22% do total dos trabalhadores por conta de outrem.
O cruzamento destes dados com informação de outras fontes oficiais - nomeadamente dos Quadros de Pessoal e das estatísticas sobre o emprego na Administração Pública da DGAEP - aponta para números mais elevados: mais de um milhão, cento e vinte e sete mil trabalhadores com vínculos precários no ano 2016, correspondendo a cerca de 30% do total de trabalhadores por conta de outrem do país. Dados parciais apontam para o crescimento deste número em 2017 e em 2018.
Portugal é o terceiro país entre os vinte e oito da União Europeia com um nível de precariedade mais elevado, a seguir à Espanha e à Polónia e substancialmente acima da média.
Dados do Eurostat mostram que, em 2017, a Espanha tinha 26,7% dos seus assalariados com contratos não permanentes, seguindo-se a Polónia com 26,2% e logo a seguir Portugal com 22%, enquanto que a média da UE era de 14,3%.
É difícil distinguir dentro do leque de situações para as quais existem dados – trabalhadores com contratos a prazo, contratos de prestação de serviços a recibos verdes, situações de trabalho temporário ou de subemprego – quais são efetivamente precários, até porque a definição de precariedade não é linear.
A Associação de Combate à Precariedade define como trabalhador precário:
“uma trabalhador que está numa relação laboral, no contexto da qual não consegue aceder a uma série de direitos que estariam afetos a essa relação laboral, por exemplo, a estabilidade, a remuneração garantida e periódica, o acesso a uma indemnização quando deixa de estar vinculado e o acesso a um sistema de saúde.”
Precariedade laboral resume-se à falta de segurança face à estabilidade, duração e qualidade do vínculo laboral. Este conjunto de factores gera incerteza nos trabalhadores, provocada pelo carácter temporário do vínculo laboral, como sejam os contratos de trabalho a termo certo ou os contratos de substituição.
Por vezes, surge a incerteza quanto à capacidade de sobrevivência da própria empresa ou quanto à continuidade da tarefa desempenhada pelos trabalhadores contratados. Por ultimo, e não menos importante, a incerteza relativamente à manutenção dos direitos que protegem o vínculo contratual a que os trabalhadores estão sujeitos, com as constantes alterações, a precariedade laboral não prejudica apenas a saúde e segurança dos trabalhadores precários, prejudica a saúde e segurança de todos os trabalhadores. Para além disso, contribui ainda em grande medida para o aumento da sinistralidade laboral, pelo que deve ser considerado um problema de todos os trabalhadores e não apenas daqueles que são vítimas directas da mesma.
Estas condições laborais,realçam-se, igualmente nas novas formas contratuais atípicas através da “uberização do trabalho” ou da “plataformização do trabalho”, que tende a elevar o nível de informalização das relações laborais.É esta instabilidade contratual, nas suas múltiplas formas e distintas configurações, que caracteriza objetivamente um grande número de situações de precariedade laboral. A precariedade interfere também em diversas áreas da vida do trabalhador,tanto no que diz respeito a aspetos relacionados com as condições de vida como em dimensões mais existenciais pessoais e familiares.
De acordo com a Associação Portuguesa de Call Centers, em 2016 havia 30.862 trabalhadores em /centros de contacto, 27.078 dos quais operadores (88% do total).
Para controlar o fenómeno, devem ser reforçadas as medidas políticas e legislativas dirigidas à criação de empregos de qualidade, com consideração de três dimensões principais:
- a prestação do trabalho, significando que não basta ter emprego, mas ganhar o suficiente para si e a sua família, sem horários longos nem horários incompatíveis com a conciliação da vida profissional com a vida familiar;
- proteger os direitos no trabalho, compreendendo a efectiva realização dos direitos, incluindo o direito de negociação e contratação colectiva e da intervenção sindical no local de trabalho;
- a segurança no trabalho, contra despedimentos abusivos, bem como a garantia da formação profissional e da proteção no campo da segurança e saúde no trabalho.
precariedade laboral
Podemos considerar que a precariedade laboral é composta por um conjunto de fatores que provocam instabilidade emocional, financeira e insegurança. Atualmente grande parte dos contratos de trabalho são a termo e alguns casos são de muito curta duração, o que implica que as pessoas não terão condições de estabilidade para planear o seu futuro e assumir as responsabilidades inerentes.
Grande parte dos números relativos à precariedade, deve-se também aos ditos falsos recibos verdes e ao trabalho temporário. Além disso existem diferenças salariais entre os colaboradores das organizações e os subcontratados, para a mesma função, pois estes muitas vezes auferem uma remuneração mais baixa e por vezes as diferenças são significativas. Esta situação é injusta e precária, contribui para que estes trabalhadores tenham dificuldades para fazer face ao seu dia-a-dia e não se sintam motivadas nem com condições para planear o seu futuro.
Devido a esta instabilidade, nem sempre a formação é a mais adequada e a relação com o trabalho também não evolui de forma sólida e progressiva e proativa, pois hoje as pessoas estão a trabalhar num local a desempenhar uma função e amanhã poderão estar noutro local e noutra função. Surgem assim problemas ao nível da segurança e saúde no trabalho que se refletem inevitavelmente na sua vida particular. Muitas vezes a subcontratação está associada a tarefas de alto risco, pois desta forma a empresa que subcontrata reduz custos de forma muito significativa.
Conclusão
A existência de qualidade do emprego é um pressuposto de uma relação laboral digna e conforme as normas legais, quer nacionais, quer internacionais, que assegure e garanta ao trabalhador, condições de trabalho justas e incentivadoras, valorizando o trabalho e o seu prestador, sendo deste modo, também, um elemento essencial para a melhoria/incentivo da produtividade e da sustentabilidade económica e social das empresas.
Pelo contrário, a precariedade, em geral e não como opção, sobretudo quando se verifica o recurso abusivo e não fundamentado, e nas situações indevidas ( trabalho a termo para necessidades permanentes, falso trabalho independente, prestação de serviço dissimuladas, trabalho ilegal, recurso sistemático a contratação a termo para o mesmo posto de trabalho), constitui um elemento pernicioso nas relações laborais, que urge limitar restringir e sancionar os seus abusos.
Dezembro de 2023
Rui Gonçalves da Silva/jurista/assuntos laborais