Resumos

Dr. William Balée

Reflexões sobre problemas e sistemas metodológicos na ecologia histórica

Dr. Jose Augusto Pádua

História Ambiental a partir do Território: Um Espaço para Diálogos Interdisciplinares

A apresentação defenderá a fecundidade teórica e analítica de pensar a história do Brasil a partir do território. A história humana não acontece no ar, mas sim em espaços definidos do planeta. Mesmo os processos históricos globais ocorrem através da articulação de diferentes territórios. Neste sentido, a história ambiental pode ser entendida como um conhecimento histórico “situado”. Os espaços se transformam em lugares e territórios através da experiência concreta das sociedades humanas em sua interação cotidiana com os diferentes seres e ecossistemas presentes no mundo biofísico. As sociedades humanas são construídas através do mundo biofísico do qual elas também fazem parte. É no território que podemos observar a convergências entrelaçada de fenômenos ecológicos, socioeconômicos, culturais etc. Mas é preciso diferenciar a qualidade da análise territorial proposta pela história ambiental. Uma parte considerável da historiografia hoje existente trabalha a partir de territórios abstratos e mapas políticos. A própria representação cartográfica é muitas vezes em preto e branco, com os espaços não “preenchidos” pela ação humana aparecendo em branco, como se fossem “vazios”. Uma premissa da história ambiental é considerar os territórios sempre cheios e coloridos por inúmeros dinamismos ecológicos. Os espaços biofísicos são sempre cheios, por mais diferentes que sejam em termos de paisagem. As espécies não-humanas também produzem processos de territorialização. Os movimentos de territorialização sóciocultural produzidos pelas sociedades humanas se mesclam de maneira dinâmica com os movimentos ecológicos já existentes nos espaços cheios e diversificados do mundo biofísico. A história, portanto, precisa dialogar com outras disciplinas que trazem conhecimentos fundamentais sobre esses movimentos ecológicos que são uma parte fundamental e inescapável da história humana.

A apresentação procurará aplicar essas premissas teóricas na proposta de uma releitura da história do Brasil. Apesar do território ser sempre fundamental na história das sociedades, a construção do Brasil apresenta um caso onde a dimensão territorial é especialmente crucial. Como dizia Fernand Braudel, “esquecer o espaço no Brasil é condenar-se a nada compreender, nem do presente, nem do passado”. No período posterior ao início da construção do Brasil como país independente, a partir de 1822, os países vizinhos que emergiram das rupturas da América Espanhola aceitaram, de maneira geral, as fronteiras formais que haviam sido negociadas no século XVIII pelos impérios coloniais de Portugal e da Espanha. Mesmo que fossem fronteiras tênues e com baixíssima densidade de ocupação, estabelecidas mais nos mapas do que na realidade concreta, o novo estado do Brasil recebeu como herança política o enorme território da América Portuguesa. Um território continental dotado de grande diversidade e riqueza ecológica. Mas a ocupação efetiva desse território era muito frágil, fragmentada e desigual, concentrando-se do nordeste ao sudeste da costa Atlântica e no baixo rio Amazonas, além de alguns espaços de territorialização no interior, principalmente através da mineração e da pecuária. Um fator histórico-ambiental importante foi justamente a separação espacial entre a agricultura, fundada na queima das florestas tropicais, e a pecuária extensiva nas savanas do interior, dificultando a implantação da policultura e da adubação do solo com estrume animal. O que existia no território formalmente considerado como pertencente ao Brasil, de fato, eram manchas de ocupação territorial mais ou menos densas, com base em núcleos sociais controlados por elites locais e sustentados por diferentes práticas de exploração econômica dos recursos da natureza, em geral baseadas em tecnologias rudimentares e predatórias no que se refere à conservação desses recursos. Ao redor dessas manchas de ocupação, existiam enormes sertões ou “fundos territoriais” com baixíssima presença neo-européia. Pode-se dizer que o imperativo político central das elites políticas brasileiras no século XIX foi manter a unidade política desse enorme território, garantindo a possibilidade de ocupação futura dos seus ricos fundos territoriais. Mesmo com o fim da monarquia em 1889 – pelo menos até meados do século XX – continuou vigorando essa ocupação muito limitada do território nacional com base em manchas territoriais dominadas por elites locais. Tal situação sofrerá uma mudança rápida e traumática em termos sociais e ambientais a partir de 1950, quando o Brasil mergulhou de cabeça no processo histórico global que vem sendo chamado de “Grande Aceleração”. É a partir das transformações observadas nesse arquipélago de ocupações regionais – que não devem ser consideradas como ilhas isoladas, já que esses fixos eram conectados por fluxos, mesmo que de baixa densidade, através de tropas de animais ou navegação – que a apresentação procurará defender a necessidade do diálogo interdisciplinar para construir um novo entendimento da história ambiental do Brasil.

Dr. ‪Décio de Alencar Guzmán

A história relacional da natureza: entre Ecologia Histórica e História Ambiental

A história relacional se aplica ao estudo das interações entre sociedade e natureza em contextos ambívios. Seja em espaços amplos ou restritos como ambientes ecológicos antropogênicos, seja em escalas menores como instituições e pessoas através de seus respectivos arquivos. Este trabalho propõe uma revisão teórica e historiográfica das relações entre ecologia história e história ambiental, mas o faz a partir de um assunto restrito: a apropriação dos saberes indígenas sobre as “drogas do sertão” pelos missionários jesuítas com especial interesse na história colonial da Pan-Amazônia entre os séculos XVII e XVIII. Para retomar uma expressão de Marcel Mauss e dando-lhe maior abrangência, ele trata a relação entre nativos e missionários jesuítas como um “fato natural e social total” onde tudo está relacionado: tipos de vida, conhecimento, crenças e mitos, biologia, geografia e ecologia.

Dr. André Pinassi Antunes

Apagados pela borracha: ecologia histórica e o comércio internacional da flora e fauna amazônicas no século XX

A ecologia histórica da Amazônia tem focado principalmente nas consequências das práticas de manejo das populações ameríndias sobre a transformação das paisagens em tempos pré-coloniais. De fato, populações indígenas pioneiras exerceram um conjunto amplo de práticas de manipulação do ambiente que tornaram os territórios mais propícios ao bem estar humano, por meio do aumento da abundância (e confiabilidade) de recursos vegetais e animais dos quais os humanos dependiam para alimentação, construção, entre outros. A invasão europeia na Amazônia marcou uma drástica ruptura social e econômica: as guerras e epidemias foram responsáveis pelo esvaziamento demográfico da região; e recursos naturais que até então eram coletados ou cultivados para satisfazer os processos socioprodutivos e culturais locais passariam a ser vorazmente demandados pelo mercado internacional. A borracha representou o mais importante produto de exportação Amazônica, relegando os territórios indígenas remanescentes, por força do estabelecimento de milhares de seringais, a locais estratégicos e mais produtivos. A economia da borracha provocou consideráveis transformações socioeconômicas na região: (i) a migração de meio milhão de nordestinos para a Amazônia para extração do látex em todas suas principais bacias hidrográficas; (ii) uma imensa frota de navios a vapor surgiu para transporte e comércio de pessoas e produtos; (iii) o sistema de dívidas conhecido por aviamento foi consolidado e muito ampliado, bem como a rede de mercadores fluviais que negociavam produtos florestais dos extrativistas, que se estendia desde os seringais do interior até armazéns comerciais de exportação em Manaus e Belém, e dali para Estados Unidos e Europa. Devido à preponderância econômica da seringueira para a nova sociedade que se fundou sobre ela, pouca ou nenhuma atenção tem sido direcionada aos demais recursos naturais largamente exportados durante o século XX. Do ponto de vista da história econômica da Amazônia, foram produtos como a castanha, a sorva, a balata, o pau-rosa, a piaçaba, a juta, o pirarucu, os couros e peles silvestres, entre outros, que impediram o completo colapso socioeconômico regional com a crise dos preços e demanda por borracha após seus dois apogeus (fim do século XIX e início do século XX e durante a II Guerra Mundial). Sob a perspectiva da ecologia histórica, as consequências da extração destes produtos ou das lenhas para abastecimento das embarcações à vapor sobre as populações e composição de espécies vegetais e animais permanecem em grande parte desconhecidas.

Diversos documentos primários produzidos na região durante os século XIX e XX carecem de uma análise mais profunda para um melhor entendimento dos processos e consequências ecológicas de uma economia quase que exclusivamente fundada sobre o extrativismo florestal e produção de commodities. É a partir de uma breve análise desse material que proponho durante o simpósio virtual “Ecologia Histórica e História Ambiental: diálogos possíveis e perspectivas futuras” organizado pelo Laboratório de Arqueologia, Antropologia Ambiental e Evolutiva e pelo Programa de Pós-graduação em Ecologia, ambos da Universidade de São Paulo, a abertura de novos caminhos dentro da ecologia histórica contemporânea da Amazônia. Pretendo apresentar informações quantitativas e qualitativas inéditas sobre o comércio de produtos amazônicos mais representativos durante os séculos XIX e XX, visando fornecer subsídios para o pensamento coletivo e multidisciplinar sobre as consequências e impactos ecológicos da demanda internacional por produtos específicos nas populações das espécies extraídas e suas implicações na transformação das paisagens e comunidades vegetais e animais amazônicas. Para tal, apresentarei também dados quantitativos da escala de produção e suas tendências temporais, procurando sempre que possível fornecer informações espaciais das áreas de produção e da geografia de tais cadeias produtivas. Também procurarei relacionar as informações quantitativas de produção aos contextos político e econômico regional, nacional e internacional.

Dr. Rui S. Sereni Murrieta

A seleção do selvagem: história e ecologia dos elefantes-asiáticos (Elephas maximus L.) na antiguidade

Colaboração: Dra. Eliane Rapchan, Gabriel Cassoni e Fernanda Tellent

Dra. Regina Horta Duarte

Vida e morte nos zoológicos: histórias latino-americanas

Alguns eventos recentes da morte de animais em zoológicos na América Latina são exemplares sobre as polêmicas entre administradores/cientistas dessas instituições e entre ativistas de proteção animal. Nesses momentos de grande tensão, é possível observar duas posturas básicas. Uma delas emerge do pensamento biológico, que privilegia o foco sobre populações, sobre espécies. Os críticos dos zoológicos, por sua vez, baseiam suas acusações sobre o destino desses espécimes pela avaliação de sua individualidade. Tais enfrentamentos envolvem desafios e encruzilhadas essenciais tanto para a discussão do bem estar dos animais em sua individualidade, como para os dilemas da conservação das espécies no planeta. A filosofia de Montaigne sobre a morte e a crueldade, a história da biologia evolutiva, e o pensamento de Freud sobre a pulsão de morte serão aqui os instrumentos para essa reflexão. Nessa arena de contestação em torno da defesa e da crítica da manutenção de animais nos zoológicos encontra-se um complexo e multifacetado debate sobre os sentidos da vida e da morte.

Dr. Glenn Harvey Shepard Jr

Florestas antropogênicas na Amazônia: domesticação, contra-domesticação e familiarização em paisagens multi-naturais

Dr. Eduardo Góes Neves

A ecologia histórica do urbanismo antigo na Amazônia

Dr. Nelson Rodrigues Sanjad

O conhecimento indígena na história da ciência: reflexões sobre a botânica, o território e a paisagem na Amazônia do século XVIII

Dr. Helbert Medeiros Prado

Etnobiologia e analogismo no Brasil: uma hipótese histórica a partir da Amazônia e Mata Atlântica

Como campos correlatos, a etnobiologia e a ecologia histórica trazem à luz a dimensão biocultural envolvida na relação humano-ambiente. Conhecimentos tradicionais e as múltiplas interações entre pessoas, biodiversidade e paisagens são parte de seu escopo. Já o campo da história ambiental, com origem independente na História, se volta especialmente à escala de sociedades com escrita, uma vez que tem na análise documental sua principal fonte de dados. Nesta palestra apresento um relato de pesquisa etnobiológica entre ribeirinhos amazônicos e quilombolas da Mata Atlântica. O estudo, ao suscitar questões, escalas e ferramentas analíticas tanto da ecologia histórica quanto da história ambiental, será aqui tomado como exemplo das diferenças e dos encontros epistemológicos possíveis entre estes dois campos. Para a discussão proposta parto de um “achado” etnográfico: a presença de uma mesma racionalidade analógica (ou simpática) governando o uso da fauna e da flora em diferentes esferas da vida cotidiana nos dois contextos. Se por um lado uma história ecológica local se revela no material reportado, por outro, explicar as origens de uma mesma base epistemológica entre populações rurais no sudeste e norte do país exige um alargamento da escala temporal de análise. Notadamente, aquela que incorpore a conquista portuguesa do território brasileiro e seu papel na formação epistemológica de seu campesinato.