Mais um semestre de EAD e de reflexões sobre o papel da educação nos tempos de COVID-19. Inspirados por perguntas como:
Qual o papel da educação neste contexto?
Como agem professores, coordenadores, diretores, alunos, pais neste momento?
Como o desespero aliado ao despreparo nos impulsiona ao inédi- to viável?
Que princípios guiam nossas decisões quando as situações limítrofes são nunca dantes imaginadas?
Que valores pautam nossas escolhas quando os eventos dramáticos são muito mais dramáticos do que o que havíamos pensado?
Que usos damos ao nosso patrimônio vivencial?
Como construímos patrimônio vivencial no caos?
De que forma, em meio à crise, efetivamente colabora- mos?
Como ser críticos em meio ao desespero e desamparo? Como seguir em frente?
(LIBERALLI, 2020, p.13)
Decidimos iniciar a leitura do texto produzido pelo grupo paulistano e que tem como objetivo partilhar estratégias e refletir sobre o cenário atual de pandemia. O texto está disponível em sua integralidade aqui.
No primeiro texto, nos deparamos com dois conceitos que nos mobilizaram bastante: o de necropolítica e o de necroeducação.
Surgiu daí a vontade de olhar a realidade que (com distanciamento social, mas não emocional_) nos cerca e refletir sobre a relação que desenvolvem com esses modos de produzir poder no mundo.
A pandemia de Covid-19 mudou drasticamente a rotina de milhares de estudantes - as aulas são à distância a mais seis meses -, porém a igualdade de acesso e permanência na escola não mudou, pois os estudantes mais carentes permanecem excluídos... “A sociedade mudava e, todavia, permanecia, em importantes aspectos, a mesma”, já dizia SANTOS (2007).
Uma reportagem do Jornal Nacional, que foi ao ar no último dia 07 de agosto, mostrou que muitos estudantes brasileiros ainda não se adaptaram a rotina de estudo à distância, porém é evidente que não se trata apenas de uma questão de adaptação, e sim de igualdade de acesso a uma educação remota e de qualidade.
Como essa igualdade não existe, os estudantes mais carentes se vêem excluídos, em muitos casos precisam optar por wi-fi ou comida, “ou eu coloco Wi-Fi ou eles comem. Então, eu prefiro que eles comam”, (fala de uma mãe entrevistada na reportagem); precisam andar dois quilômetros ou mais para ter acesso à internet; precisam estudar de madrugada, pois o sinal de internet é melhor enquanto todos dormem. Esses são apenas alguns exemplos da necroeducação que segundo LIBERALI (2020) foi escancarada por essa crise “que parte de um problema de saúde, mas se amplia por uma questão socioeconômica”.
Se por um lado essa reportagem evidencia uma desigualdade que parece insuperável, por outro lado, é fato que estudar virou um ato de resistência:
“Nós estamos andando dois quilômetros de estrada para ir até a casa de um amigo, porque lá tem internet. E tem jovens que têm isso tudo: internet boa, notebook, e não estão dando valor. Então, vocês que têm, jovens, estuda, gente. Porque o nosso estudo é tudo”.
“A dificuldade é o ponto que a gente tem para se agarrar mais no estudo. Eu vejo isso. Então, eu tenho que enfrentar ela sem desistir, levantar a cabeça e enfrentar ela”.
As falas dos estudantes (acima) nos mostram que mesmo com dificuldades é preciso seguir em frente, nos mostram que devemos lutar com as armas que temos e assim “superar as amarras da necroeducação e experimentar a transformação de suas formas de agir no mundo em busca, também, de superar a necropolítica que controla nosso modo de ser no mundo!”, (LIBERALI, 2020).
Referências
LIBERALI, Fernanda Coelho. Construir o Inédito Viável em Meio a Crise de Coronavírus – Lições que Aprendemos, Vivemos e Propomos. In: Educação em Tempos de Pandemia: Brincando Com Um Mundo Possível. 1. ed.– Campinas, SP: Pontes Editora, 2020.
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Horizonte do Desejo – Instabilidade, Fracasso Coletivo e Inércia Social. FGV, 2007.
JORNAL NACIONAL. Pesquisa: um em cada 5 alunos de escolas públicas não consegue estudar em casa na pandemia. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/08/07/pesquisa-um-em-cada-5-alunos-de-escolas-publicas-nao-consegue-estudar-em-casa-na-pandemia.ghtml
O ano de 2020 teve um começo normal como tantos outros, porém de repente surgiu um vírus que mudou drasticamente o mundo, o comportamento social, político, econômico tudo passou a ser visto com outros olhos, com outros interesses, e se já não bastasse essas mudanças sofremos muitas perdas, milhões de pessoas morreram em decorrência da COVID-19, muitas ficaram por dias em hospitais sofrendo, longe de casa, longe de parentes, longe de amigos, enfim longe de tudo e de todos.
Todos esses acontecimentos trouxeram à tona certas dificuldades que antes ficavam meio que escondidas no cotidiano, no dia a dia, no normal de cada um. Enquanto que hospitais ficavam cada dia mais lotados, supermercados com correria de clientes para comprar certos produtos essenciais, cemitérios com inúmeras covas abertas, as escolas ficavam vazias, sim, isso mesmo, a determinação do Ministério da Saúde em ter que manter um distanciamento e até mesmo o isolamento social fez com que o mundo ficasse dentro de casa. A casa de cada um tornou seu mundo particular e na maioria dos casos comunitário, afinal nem todas as pessoas têm casas grandes, espaçosas em que cada um tem seu espaço privado. Adultos que puderam tendo que trabalhar de casa , crianças sem poder ir a escola, os adultos que não puderam ficar em casa tendo que sair para trabalhar para manter o sustento da casa, tendo que deixar as crianças aos cuidados dos filhos mais velhos, de algum parente, vizinho ou amigo. Sair de casa tornou-se algo difícil, pavoroso devido o risco de se contrair o coronavírus.
Tudo isso trouxe a tona muitas dificuldades, temos pais que não estão conseguindo conciliar o trabalho home office com o cuidado com as crianças, temos aqueles que tem que sair de casa e deixar os filhos sozinhos, temos aqueles que perderam seus empregos, e temos o problema de acesso a internet para manter os estudos em dia. Enquanto de um lado temos pessoas que puderam trabalhar de casa do outro lado temos aqueles que sequer tem o que comer, ou que estão sendo obrigados a se arriscarem para prover o sustento da família. Na leitura do texto Da Fernanda Liberalli, Educação em Tempos de Pandemia 1ela traz a nós todo esse contexto de desigualdade, de dificuldades neste momento tão peculiar para todos.
A educação sempre foi e acredito que será por muito tempo um assunto polêmico, de um lado temos uma política que não aceita que sua população tenha uma educação de qualidade, por outro temos uma grande parcela da população que na sua maioria devido as necessidades sociais, econômicas não vê a educação como prioridade, afinal trabalhar para prover o sustento é mais importante do que estudar. Isso faz com que a maioria seja excluída de uma melhor educação, de um melhor meio de ter conhecimento, traz a morte daquilo que deveria ser importante, onde o Mbembe2 dá o nome de necroeducação.
A definição de necropolítica é o poder de ditar quem pode viver e quem deve morrer, a necroeducação nada mais é o poder de decidir quem pode estudar e quem não deve estudar, em termos políticos e sociais. A morte ganha uma nova visão nesse sentido, afinal não estamos falando da morte física, digamos que falamos da morte social, da morte intelectual. Nossa sociedade é cheia de exclusões por diversos fatores e um deles, e atualmente um dos maiores é a exclusão social e econômica, pessoas de periferia neste momento de pandemia são os que mais estão sofrendo as consequências da situação. Além das dificuldades já existentes como pouco dinheiro, pouco espaço, dificuldades de locomoção, muito trabalho, agora tem a preocupação com a educação que onde antes havia um período e espaço próprio, hoje precisou se adaptar as novas mudanças. Enquanto muitos tem acesso remoto em casa, aulas ao vivo, muitos nem sabem mais o que é estudar desde que começou tudo isso, nem todos tem acesso a internet, ou tempo e espaço para poder estudar, afinal muitos dividem a casa, um mesmo computador ou smartphone com pais , irmãos, filhos, e isso acabou por tornar inviável essa nova modalidade de estudo. Todas essas mudanças não trouxeram à tona apenas as dificuldades dos alunos, mas também a dos professores que foram obrigados a se adaptar e arranjar novas formas de ensinar, aprender a lidar com a tecnologia, aprender a organizar o tempo de uma forma diferente. Em casos assim o que se pode fazer para melhorar, para amenizar as dificuldades? É uma grande questão a ser discutida. Mesmo em grandes ainda temos pessoas que tem apenas a internet de dados do celular, o que basicamente lhes dá acesso apenas as redes sociais, assim como será possível realizar pesquisas, acessar as aulas com esse acesso totalmente limitado? Por outro lado temos locais onde sequer o sinal de telefonia chega, ou que aparece em apenas um ponto como no exemplo da reportagem abaixo (https://gauchazh.clicrbs.com.br/educacao-e-emprego/noticia/2020/08/as-vezes-precisava-estudar-no-meio-dos-raios-conta-adolescente-que-percorria-montanha-atras-de-sinal-de-internet-ckebf8dko000401477urli00k.html )
onde o aluno precisava subir uma montanha e ficar debaixo de sol e chuva para poder estudar, pois é o único lugar que o sinal de internet funciona, se isso não é um tipo de distribuição da morte, um tipo de exclusão, o que pode ser então?
Todos os dias nos deparamos com notícias de estudantes em meio ao nada tentando sobreviver e superar essa exclusão social, vemos professores se adaptando, se esforçando para poder chegar a esses alunos que estão em locais fora do padrão da maioria para que eles de alguma forma consigam ter pelo menos um pouco de aprendizado, como esses que atravessam os rios para chegar até os alunos de comunidades ribeirinhas. ( https://g1.globo.com/economia/agronegocios/globo-rural/noticia/2020/08/02/delivery-de-licao-improvisos-e-videos-como-esta-a-educacao-no-campo-durante-a-pandemia.ghtml ).Cada um está tentando de alguma maneira mudar esse quadro e tentar cada vez mais ajudar aos que mais precisam, mas isso não é tarefa fácil, além dos alunos temos muitos professores que não estão conseguindo acompanhar, trabalhar pelos mesmos problemas como falta de acesso a internet, local apropriado para gravar as aulas, a preocupação com aqueles que não estão tendo nenhum acesso. Esse descarte de vidas humanas pela politica não é algo dos dias de hoje, é algo que foi construído desde que a noção de que o poder corrompe, de que o poder em tudo manda, e isso ao longos dos séculos apenas foi ficando mais camuflado devido leis, novos conhecimentos. Será que é necessário tanto sacrifício para algo tão importante que é o direito de estudar, o direito de viver? Será que podemos mudar esse quadro e criar uma sociedade menos preconceituosa, menos reguladora de direitos, menos excludente? É necessário pensar sobre isso, é importante pensar sobre isso.
Aos políticos é necessário pensar no povo real, aos professores não se devem deixar abater pelas dificuldades, afinal são vocês os provedores da educação e automaticamente os responsáveis por uma situação melhor de seus alunos, a população é necessário saber cobrar, conhecer. O conhecimento é uma arma em potencial.
Algumas reportagens e suas situações que se tornaram o novo normal: