Entre o nacional e o local: Uma visão integrada sobre as eleições municipais de 2024 no Brasil



Por: Marta Mendes da Rocha (Universidad Federal de Juiz de Fora, Brasil), Gustavo Paravizo (Universidad Federal de Juiz de Fora, Brasil) y Gabrielly Costa Cardoso (Núcleo de Estudios sobre Política Local)

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Em 6 de outubro de 2024, mais de 5 mil prefeitos e 50 mil vereadores serão eleitos para as prefeituras e câmaras municipais em todo país. O eleitor terá a oportunidade de analisar o desempenho de governos e partidos políticos e de se envolver nos debates de questões relevantes para a sua vida, como saúde, educação e mobilidade urbana.

 

Duas perspectivas são comumente utilizadas para analisar as eleições municipais no Brasil. A primeira toma o pleito como um termômetro para avaliar os humores do eleitorado em relação aos partidos e políticos em todos os níveis de governo.  A segunda assume que questões importantes no nível local têm precedência na definição das estratégias dos candidatos e partidos e na decisão dos eleitores. Neste artigo, argumentamos que ao invés de adotar uma abordagem dicotômica, opondo nacional e local, um caminho mais produtivo pode ser o de investigar como ambas as estratégias podem ser integradas pelos candidatos na disputa.

 

Duas perspectivas para interpretar as eleições de 2024

 A primeira perspectiva entende que as eleições municipais podem ser vistas como uma antecipação das eleições gerais. Sabe-se que os políticos(as) nacionais e estaduais se engajam nas campanhas - inclusive como candidatos - buscando eleger seus aliados nas localidades. Candidaturas locais exibem esse apoio como sinal de prestígio e acesso a autoridades e agências governamentais, indicando sua capacidade de levar recursos para o município.

 

Em 2020, por exemplo, no auge da pandemia de Covid-19, os especialistas interpretaram os resultados das eleições municipais como sinal de enfraquecimento de Bolsonaro, já que apenas uma minoria dos candidatos apoiados por ele conseguiram se eleger. Nos governos do PT, no início dos anos 2000, houve a mesma dinâmica: as vitórias de Lula e Dilma para a presidência foram intercaladas com desempenhos positivos no número de prefeituras conquistadas pelo partido nas eleições municipais, até sua dramática queda em 2016, ano do impeachment de Rousseff.

 

A segunda perspectiva, entretanto, enfatiza, os problemas e questões mais relevantes localmente para o eleitorado, bem como o histórico de alianças e competição política na região. Pressupõe-se que a autonomia dos municípios e a não coincidência das eleições abre espaço para uma maior centralidade de agendas locais, sobretudo com o agravamento dos problemas urbanos nas metrópoles brasileiras.

 

Assim é que temas como saúde, educação, mobilidade urbana, cultura e lazer, que afetam diretamente a qualidade de vida das cidades, tornam-se centrais. Este ano, o tema da segurança pública que, no Brasil é prerrogativa dos estados, também despontou na pauta dos candidatos a prefeito. Também contribui para isso a maior atenção dada pela mídia aos temas locais em ano de eleição municipal.

 

Uma questão que desafia os analistas, portanto, é mensurar o peso de fatores locais e fatores nacionais na eleição. Afinal as eleições serão nacionalizadas ou terão como foco as questões locais? Qual será o peso das lideranças nacionais e estaduais e das disputas entre esquerda e ultradireita que caracterizam a política nacional? Sob que condições podemos esperar que as questões locais falem mais alto na definição dos resultados?

 

Nacional x local: uma visão integrada

 

Não é fácil mensurar com precisão o peso de fatores locais e extra locais nas eleições municipais, mas é possível pensar em alguns indicadores. Propomos que ao invés de adotar uma abordagem dicotômica, opondo nacional e local, um caminho mais produtivo é investigar como ambas as estratégias podem ser integradas pelos partidos e candidatos. Para ilustrar nosso ponto, analisamos o cenário eleitoral em seis cidades que estão entre os maiores colégios eleitorais do país (São Paulo, Salvador, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Fortaleza, e Belo Horizonte). Fazemos uma análise mais detalhada para as três primeiras. No Brasil, os chefes do executivo são eleitos diretamente pelo sistema majoritário para mandatos de quatro anos com permissão para uma reeleição consecutiva. Para ser eleito prefeito ou prefeita é necessário obter a maior maioria (pluralidade) e, em municípios com até 200 mil eleitores, a maioria absoluta no primeiro ou no segundo turno.

 

São Paulo

 

Diferente das últimas três décadas, quando PSDB e PT dominaram as eleições municipais em São Paulo, o pleito de 2024 promete uma disputa intensa entre antigos e novos candidatos. O atual prefeito, Ricardo Nunes, do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), busca a reeleição com o apoio do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e do ex-presidente Jair Bolsonaro, agora no Partido  Liberal (PL). Nunes articula uma “frente ampla” envolvendo partidos de direita e legendas que estão na base do governo Lula, como Partido Progressista (PP), União Brasil e Partido Social Democrático (PSD). Com foco na segurança pública, o vice escolhido é o coronel Mello Araújo, que reforça a ênfase da candidatura nesta área e tenta atrair o eleitorado atento ao tema.

 

Apesar de ter ganho o apoio de Bolsonaro com a nomeação de um vice-candidato do seu partido, Nunes sofre a concorrência de outro candidato no campo da direita radical, Pablo Marçal do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), terceiro nas pesquisas, que se parece mais com o ex-presidente em seu estilo politicamente incorreto e suas propostas radicais. Além disso, Bolsonaro tem forte rejeição em São Paulo, reforçada após denúncias de tentativa de venda de joias recebidas por ele como chefe de estado. O próprio prefeito, Ricardo Nunes, é alvo de acusações de irregularidades cometidas durante sua administração.

 

O principal oponente de Nunes é Guilherme Boulos, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), aposta da esquerda, que chegou ao segundo turno em 2020. Boulos conta com o apoio de Lula, que goza de aprovação regular, e da ex-prefeita Marta Suplicy, figura histórica do Partido dos Trabalhadores (PT), como vice, além de partidos como Rede, Partido Verde (PV), Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e Partido Democrátioco Trabalhista (PDT). Boulos deve concentrar votos à esquerda criticando a política de segurança pública baseada em punitivismo, mas também buscará atrair eleitores do centro que hoje estão dispersos em candidaturas de menor peso neste flanco e na centro-esquerda. A pesquisa mais recente publicada no dia 22 de agosto mostrava um empate técnico entre Nunes, Marçal e Boulos, indicando um racha no campo da direita.

 

O caso de São Paulo parece indicar uma forte nacionalização da disputa, menos por uma adesão do eleitorado a Lula e Bolsonaro e mais pela divisão entre direita e esquerda que caracteriza as eleições na cidade. Também ilustra como a nacionalização está interligada com questões centrais da agenda local. Apesar da redução das taxas de homicídio no estado, as forças políticas de direita tem sido bem-sucedidas em fomentar outra percepção entre o eleitorado. Assim, é possível dizer que em São Paulo a disputa entre a centro-esquerda e a ultradireita, representadas no plano nacional por Lula e Bolsonaro e localmente pelas candidaturas de Boulos e Nunes, se ancora em preocupações centrais para os paulistanos.

 

Salvador

 

Em Salvador, capital da Bahia, na região Nordeste, o atual prefeito Bruno Reis (União Brasil) é candidato à reeleição e lidera as pesquisas. Seu padrinho político é ACM Neto, ex-prefeito da cidade e remanescente de uma dinastia familiar que dominou a política baiana até meados dos anos 2000. O PT assumiu o governo do estado em 2007 e elegeu todos os governadores até então, mas não conseguiu afirmar sua hegemonia na capital, tradicional reduto da direita baiana. Em 2020, Bruno Reis foi eleito no primeiro turno com mais que o triplo de votos em relação à segunda colocada do PT. Na ocasião, ele contou com o apoio de Bolsonaro, mas dessa vez, embora tenha conseguido o endosso do PL, ele tem buscado evitar a associação com o bolsonarismo.

 

Sem candidato competitivo do próprio partido, Lula e o atual governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues, apoiam Geraldo Júnior, do MDB. Sua campanha deve investir nas vantagens de se ter prefeito, governador e presidente alinhados partidária e politicamente. A tendência é que Geraldo reforce a associação com Lula ao mesmo tempo em que vincula o seu adversário e atual prefeito à figura de Bolsonaro. Mas, até o momento é difícil falar de nacionalização da eleição em Salvador porque o bolsonarismo não teve sucesso em se enraizar no estado.

 

Assim como em São Paulo, a segurança aparece como tema central, já que Salvador tem um dos quadros mais graves de segurança pública entre as capitais, com a maior taxa de homicídios entre jovens. Na ausência de candidaturas competitivas fortemente associadas a um dos lados da disputa política nacional, a eleição deve se centrar em temas locais. Desenha-se em Salvador um embate que envolve, de um lado, remanescentes da elite política local carlista, e de outro, o grupo petista que domina o governo estadual e busca se afirmar também na capital.

 

Porto Alegre

 

Em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, o atual prefeito Sebastião Melo (MDB) tenta a reeleição. Ele busca fortalecer a candidatura, aproximando-se de Bolsonaro e do PL, seu partido atual. Melo está tecnicamente empatado com a atual deputada federal, Maria do Rosário, que concorre à prefeitura pelo PT.

 

Vale lembrar que Porto Alegre foi governada pelo PT por 16 anos consecutivos (1989-2005). A cidade foi palco de inovações democráticas, como o orçamento participativo, e sediou por três vezes o Fórum Social Mundial. Desde 2003, contudo, é governada por prefeitos de centro-direita, e na eleição de 2018 Bolsonaro foi o mais votado na cidade. O atual governador, Eduardo Leite, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), apoiou Bolsonaro em 2018, mas desde 2022 busca se afastar do bolsonarismo sem se alinhar ao PT e à esquerda.

 

Espera-se uma eleição marcada pela oposição entre esquerda e direita com tendência à nacionalização já que Bolsonaro e Lula estão empenhados nas campanhas dos dois principais competidores. É provável que questões locais tenham grande peso, considerando a tragédia ambiental sem precedentes que afetou mais de 400 municípios do estado e 160,2 mil moradores, bem como denúncias de omissão contra Melo na prevenção de enchentes.

 

O Quadro 1 a seguir apresenta uma síntese dos cenários apresentados nestas cidades e em outras três capitais brasileiras.


Tabela 1. Cenários nas eleições municipais em seis capitais brasileiras (2024)

Fonte: elaboração própria.

Investigar o peso de fatores locais e nacionais na eleição municipal nos ajuda a compreender melhor os efeitos do federalismo brasileiro sobre a dinâmica eleitoral. A análise dos casos mostra que estas perspectivas não são excludentes e podem se combinar de diferentes maneiras, a depender de questões circunstanciais e das estratégias de partidos e políticos. A nacionalização depende da presença de candidatos competitivos fortemente alinhados com as principais lideranças e forças políticas nacionais. Esta é uma condição necessária, mas não suficiente. O tamanho do distrito também importa, mas com incentivos contraditórios: ao mesmo tempo em que as grandes cidades apresentam maior tendência para eleições nacionalizadas devido à sua importância estratégica, são nelas que os problemas urbanos aparecem de forma mais dramática e urgente. Futuros estudos poderão contribuir para iluminar essa questão, inclusive nos municípios pequenos e médios.

Marta Mendes da Rocha é cientista política, pesquisadora do CNPq e professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora e fundadora e coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Política Local (NEPOL/PPGCSO/UFJF).

Gustavo Paravizo é jornalista, mestre em comunicação, doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora e pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Política Local (NEPOL/PPGCSO/UFJF).

Gabrielly Costa Cardoso é cientista social e pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Política Local (NEPOL/PPGCSO/UFJF).