O projeto busca promover uma transformação socioeconômica e ambiental na Cidade Estrutural. Seu propósito é romper com o ciclo de vulnerabilidade histórica da população local, caracterizado pela escassez de qualificação e oportunidades. Simultaneamente, pretende ressignificar um território anteriormente associado a um passivo ambiental. Essa solução se concretiza em uma fábrica-escola, dedicada a oferecer qualificação profissional e gerar renda a partir da valorização de resíduos como plástico, vidro, papel e madeira. Esses materiais são convertidos em matéria-prima secundária para o design e a produção.
Com um modelo educacional acessível e sem pré-requisitos, a proposta fomenta a inclusão social e a capacitação profissional. Indivíduos são treinados em todas as etapas do processo de reciclagem e beneficiamento desses materiais. Essa formação se fundamenta na filosofia do "Aprender Fazendo", onde a nova competência se traduz diretamente em oportunidades econômicas e maior autonomia. O conhecimento adquirido é aplicado em um trabalho remunerado que resulta na criação de produtos de valor. Este ciclo completo de aprendizado e produção atinge o objetivo de ressignificar tanto o território quanto o material: o espaço, antes fonte de estigma, agora se torna um polo de inovação, e o resíduo, antes descartado, é transformado em recurso essencial para o design e a fabricação.
Assim, o projeto arquitetônico emerge como uma estratégia abrangente de desenvolvimento sustentável. Ao unir a urgência social da geração de renda com o reuso criativo de materiais, ele demonstra a viabilidade de converter resíduo em recurso e vulnerabilidade em prosperidade.
A Cidade Estrutural, no Distrito Federal, apresenta um cenário de urgências sociais e ambientais que pedem por soluções integradas. Este território, consolidado à margem da capital planejada, ainda carrega o peso de um passado ligado à proximidade com o antigo Lixão do Jóquei. Embora hoje seja um aterro de Resíduos da Construção Civil (RCC) parcialmente desativado, sua presença continua a impactar a paisagem local. Nesse contexto, fica clara a necessidade de uma proposta abrangente, capaz de endereçar os múltiplos desafios da região.
A principal carência social que o projeto busca responder é a falta de inclusão e qualificação profissional para a população da Estrutural. Indicadores da Codeplan mostram um quadro de vulnerabilidade educacional, com altos índices de evasão escolar e poucas oportunidades de trabalho qualificado. Modelos educacionais tradicionais costumam ser ineficazes, pois não consideram a necessidade imediata de geração de renda de uma comunidade majoritariamente trabalhadora, o que muitas vezes força a escolha entre sustento e estudo. A lacuna está na ausência de um programa de capacitação acessível, que rompa essa dicotomia e valorize o potencial humano local, em linha com os princípios da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) para a formação profissional.
Junto à demanda social, surge a necessidade de ressignificar o território do ponto de vista ambiental e econômico. A grande quantidade de resíduos Classe B (plástico, vidro, papel, madeira) gerados na cidade representa um desafio, mas também uma oportunidade. Alinhado às diretrizes da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e da Política Distrital (PDRS), além dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, há uma clara necessidade de ativar esses recursos para a economia circular. A ideia é transformá-los de símbolos de descarte em motores de inovação e valor. Mesmo que a escola não utilize o RCC como matéria-prima, sua proximidade com o aterro mantém a relevância simbólica da localização do projeto, reforçando o compromisso com a gestão de resíduos de forma ampla.
É para responder a essas necessidades interligadas que a proposta se justifica. Ela sugere a criação de uma fábrica-escola que integra soluções para os desafios da Estrutural. O modelo educacional adota a Formação Inicial e Continuada (FIC) em formato modular, acolhendo o público sem exigir escolaridade prévia. A metodologia do "aprender fazendo" será central: os participantes aprenderão a beneficiar e transformar resíduos plásticos, de vidro, papel e madeira em objetos de design e outros produtos. Desta forma, a fábrica-escola garante que o conhecimento técnico se converta rapidamente em trabalho remunerado e oportunidades de empreendedorismo, ao mesmo tempo em que o resíduo ganha valor, estabelecendo um novo ciclo de prosperidade para a comunidade e o território.
A inauguração de Brasília em 1960 representou a materialização de um projeto nacional simbolizado pela ordem e racionalismo do Plano Piloto. No entanto, a construção dessa utopia modernista logo gerou uma realidade paralela e não planejada. Para erguer a capital, um grande contingente de trabalhadores migrantes se estabeleceu em assentamentos provisórios que, com o tempo, formaram as primeiras cidades-satélites. Esse processo originou a dinâmica socioespacial que marca o Distrito Federal até hoje: um centro de poder planejado cercado por uma periferia que absorveu a mão de obra. É nesse cenário que a origem da Cidade Estrutural deve ser compreendida.
A localização da Estrutural revelou-se tanto estratégica quanto conflituosa, definindo sua história. Situada a apenas 15 quilômetros do centro, a região se formou em uma área de tensão territorial, pressionada pela proximidade com o Plano Piloto – fonte de empregos e, paradoxalmente, dos resíduos que sustentariam sua economia inicial –, pela dinâmica da movimentada Via Estrutural (DF-095/EPTG) e pela fragilidade ambiental do Parque Nacional de Brasília. Essa configuração peculiar criou as condições para a instalação do aterro de resíduos da capital, dando origem a um dos maiores conflitos socioambientais da história de Brasília.
Paralelamente a esse desenvolvimento urbano, a crescente produção de lixo demandava uma solução rápida. A criação de uma área para o descarte foi uma medida administrativa pragmática da gestão pública no início dos anos 1960. A área da Estrutural foi escolhida por ser considerada remota na época. O local, contudo, começou a operar sem qualquer preparação técnica, funcionando como um "lixão" a céu aberto onde o lixo era despejado diretamente sobre o solo do Cerrado. Essa prática estabeleceu as bases para um passivo ambiental que se agravaria por décadas. A denominação popular "Lixão do Jóquei", vinda da proximidade com o Jockey Club de Brasília, apenas acentuou o contraste social da capital.
A implantação do Aterro do Jóquei, ainda nos anos 1960, funcionou como um catalisador para a ocupação espontânea em seu entorno, originando o assentamento que se tornaria a Cidade Estrutural. O aterro rapidamente se consolidou como um polo econômico para uma população, composta principalmente por migrantes e pessoas de baixa qualificação, que não encontrava espaço na economia formal da cidade planejada. Essa relação estabeleceu uma dependência complexa: o lixão era a fonte de sustento, mas também o epicentro de condições insalubres e estigma social. A necessidade de estar próximo à fonte de "matéria-prima" levou à formação de uma comunidade adjacente ao depósito.
A morfologia urbana que surgiu refletia essa condição de necessidade, resultando em um "urbanismo" orgânico e precário. As moradias eram frequentemente erguidas por autoconstrução, utilizando materiais coletados no próprio lixão. As vias seguiam os caminhos de passagem, sem planejamento, e a ausência de infraestrutura básica como saneamento e energia elétrica era total. Nascida em função do lixão, essa ocupação consolidou um território marcado pela vulnerabilidade e pela contínua luta de seus moradores por direitos básicos e reconhecimento.
Ao longo das décadas, o Aterro do Jóquei expandiu-se sem controle, tornando-se o maior depósito de resíduos a céu aberto da América Latina e o foco de uma crise socioambiental alarmante. Em seu auge, o lixão ocupava uma área de 201 hectares, com uma montanha de detritos que alcançava 55 metros de altura. Diariamente, mais de 2.000 toneladas de lixo chegavam ao local, onde cerca de 2.500 catadores trabalhavam em condições extremamente degradantes.
A ameaça ambiental era severa. Como o solo não foi impermeabilizado, o chorume, líquido tóxico da decomposição da matéria orgânica, infiltrou livremente por décadas, contaminando o solo e colocando em risco o lençol freático e as nascentes do Parque Nacional de Brasília. A decomposição do lixo também liberava continuamente gases de efeito estufa, como o metano (CH₄), enquanto incêndios constantes espalhavam fumaça tóxica sobre a comunidade.
Para as pessoas, as consequências eram igualmente devastadoras. A proximidade com o foco de contaminação resultou em alta incidência de problemas de saúde, como doenças respiratórias e de pele. As condições de trabalho no lixão eram análogas à escravidão, sem segurança ou direitos, com acidentes graves frequentes e a presença de trabalho infantil. Essa realidade acabou por consolidar a imagem da Cidade Estrutural como o "quintal sujo" da capital, reforçando a segregação e um sentimento de abandono.
Essa situação crítica, embora extrema na Estrutural, refletia um problema nacional, o que impulsionou a criação de um novo marco regulatório. Em resposta à crescente demanda por uma gestão de resíduos mais sustentável, foi promulgada a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), Lei nº 12.305 de 2010. Essa lei representou uma mudança fundamental, estabelecendo como meta a erradicação dos lixões a céu aberto, tornando o fechamento da Estrutural uma obrigação legal, e prevendo o reconhecimento e a inclusão social dos catadores. Para implementar essas diretrizes, o Distrito Federal instituiu sua Política Distrital de Resíduos Sólidos (PDRS), Lei nº 5.418 de 2014, elegendo a desativação do lixão como seu objetivo mais urgente.
Apesar do forte amparo legal, o caminho para o fechamento foi longo e complexo. O prazo original de 2014 não foi cumprido devido à grande dependência econômica das famílias que viviam da catação, o que gerou resistência e protestos. Após anos de adiamentos, a operação de encerramento para o recebimento de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) finalmente ocorreu em 20 de janeiro de 2018. O processo incluiu uma transição planejada para mitigar o impacto social, com cadastramento dos catadores, auxílio financeiro e encaminhamento para cooperativas.
Com o fim do descarte de lixo doméstico, o local foi transformado em um aterro exclusivo para Resíduos da Construção Civil (RCC). Essa solução técnica aproveitou a área já impactada para receber um resíduo majoritariamente inerte e de menor potencial poluidor, resolvendo também um problema de destinação para o setor da construção civil do DF. Assim, um passivo ambiental foi reconvertido para uma nova função estratégica, encerrando o ciclo do lixão como depósito de RSU e iniciando uma nova fase em sua história.
Documentário Estrutural - Relata o nascimento do Lixão até o processo de desativação.
O documentário "Estrutural" investiga a formação da cidade a partir da necessidade, revelando suas origens. A narrativa visual acompanha a luta constante de uma comunidade, inicialmente composta por trabalhadores do antigo lixão e migrantes, pela busca por reconhecimento, infraestrutura básica e dignidade. O filme explora o papel central que o lixão desempenhou, por décadas, na economia e na vida social local.
A produção aborda as profundas consequências, tanto positivas quanto negativas, de seu fechamento em 2018 para os catadores e demais moradores. Desafios persistentes são expostos, como a carência de acesso a serviços públicos de qualidade, a baixa qualificação profissional e a urgência por novas fontes de renda. Contudo, o documentário transcende a mera denúncia. Ele revela a notável resiliência, a organização comunitária e a riqueza cultural dessa população, consolidando-se como um registro sensível da identidade local e da busca ativa por novas formas de subsistência e expressão.
O fechamento do Lixão da Estrutural em 2018 marcou o início de um período de grande transformação e adaptação, evidenciando a complexidade de lidar com um passivo socioambiental de quase sessenta anos. Para a comunidade de catadores, a transição do trabalho informal no lixão para os galpões de triagem geridos por cooperativas trouxe resultados mistos. Embora a mudança tenha oferecido um ambiente de trabalho inegavelmente mais seguro, ela também impôs uma nova lógica produtiva, com horários fixos e hierarquias, à qual muitos trabalhadores, acostumados a uma rotina autônoma, tiveram dificuldade em se adaptar. Um ponto particularmente crítico foi a queda significativa na renda para uma parcela considerável desses profissionais, o que demonstrou que a almejada emancipação econômica era um processo bem mais complexo do que a simples realocação do local de trabalho.
Documentário Lixo Estrutural - Relata o processo de desativação do Lixão da estrutural.
Paralelamente a esse desafio social, o encerramento do descarte de lixo doméstico não representou o fim do problema ambiental. O passivo de aproximadamente 40 milhões de toneladas de resíduos continuou a demandar monitoramento e intervenção constantes. O local entrou em uma longa fase de remediação passiva para mitigar os riscos, processo que incluiu o capeamento da montanha de lixo e a queima controlada do gás metano. Enquanto a antiga área de descarte iniciava sua lenta estabilização, o espaço físico foi ressignificado, transformando-se em um aterro exclusivo para Resíduos da Construção Civil (RCC). Atualmente, o local funciona como uma operação logística em larga escala, um verdadeiro "banco de matéria-prima" a céu aberto, embora seu potencial para práticas de economia circular ainda seja subaproveitado.
Hoje, mais de sete anos após a desativação do lixão para resíduos urbanos, o cenário da Estrutural é marcado por uma complexa dualidade. O processo histórico de formação da comunidade deixou uma herança profunda no tecido social. Conforme revela o diagnóstico mais recente da Codeplan, essa herança se manifesta em uma acentuada vulnerabilidade educacional, com um déficit crítico na qualificação da população, perpetuando um ciclo de exclusão que o fechamento do lixão, por si só, não conseguiu romper.
É justamente na junção dessas duas realidades – uma comunidade com um capital humano que necessita urgentemente de capacitação e um território com um novo potencial material – que o presente projeto se fundamenta. A proposta emerge como uma resposta direta a esse contexto, buscando criar uma plataforma para a qualificação profissional, a inovação e a transformação social da comunidade.
A solidez da proposta reside em seu embasamento legal, social e conceitual. Compreender essas bases exige um olhar que parte do cenário nacional de sustentabilidade e legislação sobre resíduos, aproxima-se da realidade específica do Distrito Federal e da Cidade Estrutural, e aprofunda-se nos pilares teóricos que informam a arquitetura e a pedagogia do projeto.
A ideia para o projeto originou-se, em grande parte, do documentário "Lixo Extraordinário" (2010), de Lucy Walker, que acompanha o trabalho do artista plástico brasileiro Vik Muniz. Mais que uma simples observação sobre a arte, o filme revelou-se um poderoso testemunho sobre o potencial do reuso e a dignidade humana. Anos após sua primeira exibição, a imagem dos catadores do Aterro Metropolitano do Jardim Gramacho recriando obras de arte clássicas com o próprio material que resgatavam do lixo permanece como uma memória vívida, atuando como um catalisador essencial para a proposta desenvolvida.
FONTE: Documentário Lixo Extraordinário
FONTE: Documentário Lixo Extraordinário
FONTE: Documentário Lixo Extraordinário
O documentário transcende a narrativa usual da pobreza e do descarte ao posicionar os catadores como protagonistas e cocriadores de um processo artístico, não apenas como trabalhadores do lixo. Com uma visão singular, Vik Muniz fotografava esses indivíduos em poses que remetiam a grandes mestres da pintura. Em seguida, projetava essas imagens em larga escala em um galpão adjacente ao aterro, preenchendo-as com os materiais ali coletados: plásticos, metais, papel, borracha. O resultado, capturado em fotografias monumentais, não eram simples obras de arte, mas testemunhos visuais de que a beleza e o valor podem emergir dos lugares mais inesperados. Demonstravam que as mãos que antes apenas selecionavam o descarte são também capazes de criar e ressignificar.
É justamente nessa convergência entre arte, resíduo e transformação humana que "Lixo Extraordinário" se estabelece como um alicerce teórico e afetivo para o projeto. O filme valida a premissa de que o resíduo possui um potencial estético e material ainda inexplorado, sendo a faísca que acendeu a ideia da fábrica-escola voltada ao design a partir do lixo. Além disso, ilustra o impacto profundo que o ato de criar pode ter na autoestima. Observar os catadores recuperarem sua dignidade ao se reconhecerem como artistas e agentes de valor foi a confirmação de que a capacitação criativa e a geração de valor a partir do reuso são caminhos concretos para a inclusão social e econômica. A proposta busca, assim, replicar essa dinâmica transformadora, capacitando a comunidade da Estrutural a dar uma nova vida aos materiais e, no processo, a ressignificar suas próprias trajetórias.
A proposta insere-se em um cenário global e nacional onde a busca por modelos de desenvolvimento mais sustentáveis é cada vez mais urgente. A forma como se lida com a gestão de resíduos evoluiu consideravelmente, saindo do simples descarte para uma visão que busca reintegrar materiais à cadeia produtiva. Esse é um princípio fundamental da Economia Circular. Definido pela Ellen MacArthur Foundation como "um modelo industrial restaurador e regenerativo por princípio", o conceito visa manter produtos, componentes e materiais em seu mais alto nível de utilidade e valor o tempo todo. Essa ideia permeia toda a lógica produtiva do projeto, desde o gerenciamento do resíduo até o design do produto final.
No Brasil, a visão de que os resíduos possuem valor e devem ser gerenciados estrategicamente foi formalizada pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Sancionada como Lei nº 12.305/2010, ela representou uma profunda mudança de paradigma ao introduzir conceitos como a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos e a inclusão social e econômica dos catadores de materiais recicláveis. O princípio central da PNRS, expresso em seu Art. 9º, estabelece uma hierarquia clara para a gestão de resíduos, priorizando a não geração, redução, reutilização e reciclagem antes do descarte final. Essa abordagem muda o foco da simples eliminação para a valorização máxima dos recursos disponíveis. Este princípio fundamenta a concepção da fábrica-escola, uma proposta que nasce justamente para atuar na vanguarda dessa hierarquia. O projeto busca explorar o potencial dos resíduos em seus estágios mais nobres, da reutilização à reciclagem criativa, transformando o que seria um problema ambiental em matéria-prima para a inovação e em oportunidade para novos modelos de negócio.
FONTE: Acervo da Biblioteca da FAU USP
Trazendo a discussão para o âmbito local, a Política Distrital de Resíduos Sólidos (PDRS), Lei nº 5.418/2014, reforça as diretrizes nacionais adaptando-as à realidade do DF. De particular relevância para o projeto, seu Art. 4º prevê a "integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada". Isso ampara legalmente a dimensão social da proposta, validando a inclusão e capacitação da comunidade local como uma política pública.
Embora a fábrica-escola se concentre na transformação de resíduos Classe B (plástico, vidro, papel, madeira), sua localização próxima ao aterro de Resíduos da Construção Civil (RCC) mantém uma conexão simbólica com a gestão de resíduos em geral. A existência desse aterro, regulamentado pela Resolução CONAMA nº 307/2002, contextualiza a intervenção em uma área historicamente impactada pelo descarte. O projeto, no entanto, atuará diretamente na valorização dos resíduos urbanos mais leves, buscando soluções de design e produção alinhadas à sua escala e propósito.
A proposta também se insere em um território de alta complexidade urbanística, regido pelo Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT), Lei Complementar nº 803/2009. A implantação de um equipamento de caráter educacional e produtivo busca dialogar com as diretrizes do plano para a área, sugerindo um uso que qualifica e reabilita uma zona historicamente marginalizada.
Essa marginalização é comprovada por dados. Conforme a Companhia de Planejamento do Distrito Federal (CODEPLAN), a Estrutural apresenta um dos mais altos índices de moradores com escolaridade básica incompleta do DF. Este dado quantitativo é a principal evidência que justifica a necessidade de um modelo educacional sem pré-requisitos e focado na qualificação profissional, como o proposto para a fábrica-escola, como ferramenta de combate à vulnerabilidade social.
Os dados mais recentes da Codeplan sobre a Cidade Estrutural revelam um território de contrastes. A comunidade demonstra potencial, mas enfrenta desafios significativos nas áreas de educação, trabalho e infraestrutura.
No campo da educação, embora um alto índice de 90% dos moradores saiba ler e escrever, os números mostram uma dificuldade no avanço escolar. Uma parcela considerável dos jovens (34,5% entre 4 e 24 anos) não frequenta a escola. Para a maioria dos adultos (32,6%), o ensino médio completo representa o nível máximo de formação, o que cria um obstáculo para o acesso a cursos técnicos ou ao ensino superior. Essa realidade reforça a necessidade de um modelo educacional diferente, sem exigência de diploma prévio, que possa ajudar a reintegrar essa população aos estudos.
Em relação ao trabalho, 58,7% da população em idade ativa está na força de trabalho. No entanto, a taxa de desemprego de 14% indica que ainda faltam oportunidades. É interessante notar que muitos dos trabalhadores (28,8%) atuam no próprio SCIA, sugerindo uma economia bastante local, onde a maioria (58,9%) está empregada no setor privado. A jornada de trabalho semanal de 40,4 horas é padrão, mas ocorre em um contexto de baixa renda e com limitadas chances de crescimento profissional.
Em resumo, os dados descrevem uma comunidade trabalhadora e com boa alfabetização, mas cujo potencial é frequentemente limitado pela falta de oportunidades educacionais e por um ambiente urbano precário. A persistência de problemas como o descarte inadequado de resíduos evidencia a necessidade de uma proposta que, além de oferecer qualificação profissional, atue diretamente na valorização dos materiais e na melhoria do espaço, como busca o projeto.
A proposta do projeto se sustenta em um modelo educacional e em uma filosofia arquitetônica que buscam a transformação social, partindo de um arcabouço legal, pedagógico e conceitual bem definido. Para isso, o modelo da fábrica-escola encontra seu amparo na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que legitima a criação de Cursos de Formação Inicial e Continuada (FIC) voltados para o trabalho, permitindo um formato sem pré-requisitos de escolaridade que garante a inclusão. Contudo, a base legal por si só não define o método; a metodologia do "aprender fazendo", que permeia toda a proposta, dialoga diretamente com a pedagogia de Paulo Freire, que via a educação como um ato de empoderamento coletivo, construído a partir da realidade e da prática dos próprios sujeitos.
Essa filosofia de empoderamento coletivo se estende à própria concepção arquitetônica do projeto, que busca inspiração nos princípios da Arquitetura Social e Participativa de Lina Bo Bardi. Para a arquiteta, o projeto deve ser uma ferramenta criada com as pessoas, e não apenas para elas. O processo do "canteiro-escola", onde a comunidade é parte ativa da edificação do próprio espaço, materializa essa visão, transformando o ato de construir em uma experiência social e didática. Finalmente, a convicção que une todos esses pilares – a lei, a pedagogia e a arquitetura – encontra sua tradução mais poética no verso do grupo Racionais MC's, cronistas da periferia brasileira. Na canção "Vida Loka, Pt. 1", surge a afirmação: "porque até no lixão nasce flor". Essa frase resume a essência do projeto: a certeza de que o antigo aterro não é um fim, mas um solo fértil para o novo, e de que a RE.ATIVA Lab se propõe a ser a estrutura que permite o futuro, transformando a paisagem social e física da Estrutural.
É fundamental entender o design para além da sua dimensão puramente estética. Em sua essência, ele se configura como uma disciplina voltada à solução de problemas e à criação intencional. Seu propósito vai além da beleza, buscando atender a necessidades humanas, otimizar funcionalidades e gerar valor de forma estruturada. Diferente da arte, que prioriza a expressão em peças únicas, e do artesanato, focado na habilidade manual e na tradição, o design se caracteriza pela ênfase na funcionalidade e na reprodutibilidade, desenvolvendo soluções pensadas para um usuário ou contexto específico e que possam ser replicadas.
O campo do design é vasto, englobando especialidades como design gráfico, de produto, industrial e de moda, entre outras. Esta proposta situa-se predominantemente no âmbito do Design de Produto, uma vez que seu foco principal é a criação de objetos físicos a partir de resíduos, embora dialogue fortemente com os princípios do Design Social.
Na contemporaneidade, a importância do design só cresce. Ele funciona como um motor para a inovação, é essencial para a experiência do usuário e se mostra eficaz na comunicação. De maneira crucial para este projeto, o design se consolidou como uma ferramenta indispensável para a sustentabilidade. Permite conceber ciclos de vida de produtos, selecionar materiais de baixo impacto e promover a economia circular, configurando-se também como um poderoso agente de impacto social positivo.
O desing tem suas raízes na Revolução Industrial, período que marcou um ponto de inflexão ao deslocar a produção do artesanal para a escala fabril. Nesse novo cenário, o design surgiu como uma atividade necessária para planejar bens fabricados em massa, buscando conciliar forma, função e processo produtivo, mas também gerando debates sobre a qualidade e o impacto social dessa nova forma de produzir.
Em reação a essa industrialização, movimentos como o Arts & Crafts, liderado por figuras como William Morris no final do século XIX, buscaram resgatar o valor do trabalho manual qualificado, a beleza intrínseca dos materiais naturais e a dignidade do artesão, criticando a produção em série pela sua baixa qualidade estética e alienação do trabalhador. Essa valorização do "fazer" e do objeto bem-feito ecoa na proposta de oficina do RE.ATIVA LAB. Em contrapartida, já no início do século XX, a escola alemã Bauhaus, fundada por Walter Gropius, propôs uma síntese radical entre arte, artesanato e tecnologia. Defendendo a funcionalidade ("a forma segue a função") e a racionalidade, a Bauhaus tornou-se um marco ao integrar o ensino teórico e prático em oficinas, buscando formar designers capazes de criar produtos esteticamente apurados e adequados à produção industrial, um modelo que inspira diretamente a concepção da fábrica-escola.
O Modernismo no design, que floresceu na primeira metade do século XX, ampliou esses ideais de funcionalidade e racionalidade, pregando a simplicidade das formas ("menos é mais"), a rejeição de ornamentos supérfluos e o uso honesto de materiais industriais como aço e vidro, com a aspiração de criar um design democrático e acessível. Mais tarde, o Pós-Modernismo, a partir dos anos 1960-70, surgiu como uma reação a essa rigidez, reintroduzindo o ornamento, a ironia, as referências históricas e a complexidade formal, questionando a relação entre design, cultura e consumo e abrindo caminho para uma maior diversidade de estilos e significados.
Na contemporaneidade, essas vertentes históricas ganham novas camadas com a crescente urgência por soluções mais conscientes e centradas nas pessoas. O Design Sustentável emergiu como uma abordagem crucial, focada em minimizar o impacto ambiental através da análise do ciclo de vida dos materiais, do uso de recursos reciclados ou renováveis e do planejamento para a durabilidade e desmontagem (economia circular). Paralelamente, o Design Social direciona as ferramentas do design para abordar questões sociais complexas, buscando promover equidade, empoderamento comunitário e impacto positivo através de processos colaborativos. Metodologias como o Design Thinking, com seu processo iterativo (definição, ideação, prototipagem, teste), tornaram-se ferramentas essenciais não apenas para designers, mas para a solução de problemas em diversas áreas, priorizando a empatia e as necessidades humanas.
O design não é um ato de inspiração isolada, mas um processo sistemático e interativo que transforma ideias e problemas em soluções tangíveis. O projeto adotará uma metodologia estruturada, inspirada nos princípios do Design Thinking, para guiar a criação de valor a partir dos resíduos. Este processo é centrado no ser humano e na colaboração, permitindo que os participantes desenvolvam produtos inovadores e funcionais. As etapas que compõem este ciclo são:
1. Imersão
Esta fase inicial é dedicada à compreensão aprofundada do problema, do contexto e dos potenciais usuários. Isso envolve entender não apenas as necessidades de quem irá usar o produto, mas também as características dos materiais disponíveis, os resíduos plásticos, de vidro, papel e madeira. Técnicas como a análise técnica dos próprios resíduos são empregadas para coletar informações e gerar ideias.
2. Desafio
Após a imersão, a vasta quantidade de informações coletadas é sintetizada para se definir claramente o problema a ser resolvido ou a oportunidade a ser explorada. Esta etapa transforma percepções em um desafio de design específico e acionável, por exemplo: "Como transformar garrafas PET em mobiliário urbano durável e esteticamente agradável para o parque da Estrutural?".
3. Ideação
Com o desafio bem definido, a etapa de ideação busca gerar o máximo de soluções criativas. É um momento de divergência de ideias, onde técnicas como brainstorming, croquis e mapas mentais são utilizadas para explorar diferentes possibilidades. O objetivo é pensar "fora da caixa", sem julgamento inicial, explorando como os resíduos podem ser transformados em produtos..
4. Prototipagem
A prototipagem é a materialização das ideias em versões rápidas e de baixo custo. Nesta fase, os participantes são encorajados a construir modelos simplificados dos seus conceitos, utilizando os próprios resíduos ou materiais de fácil acesso. O lema é "errar rápido para acertar cedo", permitindo que as falhas sejam identificadas e corrigidas ainda nas etapas iniciais, sem grandes investimentos.
5. Teste
Os protótipos são então apresentados e testados com potenciais usuários ou em simulações de uso. Esta etapa é crucial para coletar avaliações (feedback) sobre a funcionalidade, a estética e a usabilidade do produto. O que funciona? O que precisa ser ajustado? As percepções dos usuários fornecem dados essenciais para o aprimoramento contínuo da solução.
6. Iteração e Implementação
Com base nas avaliações do teste, o processo de design entra em um ciclo de iteração, onde o protótipo é refinado e, se necessário, novas rodadas de prototipagem e teste são realizadas. Finalmente, quando a solução é validada, o produto é implementado, ou seja, desenvolvido em sua versão final para produção. Para o projwto, este processo culmina na criação de produtos de design que agregam valor aos resíduos e geram oportunidades econômicas.
O design, mais que um conjunto de técnicas, representa uma forma de pensar e intervir no mundo. Aprender design implica desenvolver um olhar crítico e uma prática orientada para a solução de problemas, elementos que fundamentam a estrutura pedagógica do projeto. Este processo de aprendizagem se organiza em torno do desenvolvimento de habilidades essenciais, da internalização de uma mentalidade específica e da experimentação em diversas formas de aprendizado.
Entre as habilidades essenciais para o designer, destacam-se:
Desenho: Fundamental tanto para a observação apurada quanto para a representação de ideias.
Conhecimento de Processos de Fabricação: Para a viabilização de projetos e para a exploração das potencialidades dos resíduos.
Proficiência em Softwares: Habilidade em softwares de representação 2D e modelagem 3D.
Pensamento Crítico e Resolução de Problemas: Permite analisar desafios complexos e propor soluções.
O aprendizado do design ocorre em múltiplas formas, desde a educação formal até cursos livres e workshops, formato central do projeto, bem como o aprendizado autodidata, a mentoria e a imersão em comunidades de prática. Contudo, o elemento mais crucial em qualquer percurso é a prática constante e a consequente construção de um portfólio. É através do "fazer" e da reflexão sobre esse fazer que o designer aprimora seu olhar, suas técnicas e sua capacidade de inovar.
Nesse contexto, a fábrica-escola adota o método ativo do "aprender fazendo", que encontra forte ressonância na pedagogia de Paulo Freire. Ao integrar a fábrica à escola, o projeto cria um ambiente onde o estudante é o protagonista do seu aprendizado. A teoria se conecta diretamente à prática, valorizando a experiência e o saber de cada um. Isso cultiva as habilidades e a mentalidade do designer de forma contínua e aplicada, capacitando os participantes não apenas a dominar técnicas, mas a se tornarem agentes de transformação por meio do design, em um processo de educação de adultos que os empodera ativamente.
Autores do projeto: Carlos Cascaldi, Vilanova Artigas;
Ano: 1961;
Área Construída: 18.600 m²;
Localização: Butantã - São Paulo, SP, Brasil;
Uso: Institucional.
O projeto da FAU USP, concebido por Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi, foi escolhido como referência institucional pela sua espacialidade marcante e pela organização de seus espaços. Seu centro é um grande vão livre que articula visual e fisicamente os pavimentos, conectados por amplas rampas que promovem uma circulação fluida e a sensação de um único plano contínuo. Essa ausência de barreiras físicas reflete a intenção de Artigas de criar um espaço que promovesse o encontro e a troca constante entre os usuários.
As divisões internas são sutis, servindo mais para demarcar áreas funcionais do que para segregar os ambientes. Esta interligação espacial reforça o ideal de um modo de vida comunitário e a concepção de um ensino de arquitetura que se dá em todos os espaços do edifício. A ausência de uma porta de entrada monumental simboliza a abertura do saber e o convite à livre circulação de ideias e pessoas, sendo um ponto fundamental de análise para este trabalho.
Inspirado por ideais modernistas, Artigas concebeu a escola como um grande laboratório de experimentação, estimulando a liberdade de criação e movimento. A estrutura arquitetônica, com sua honestidade construtiva e a valorização da técnica, dialoga diretamente com a filosofia de ensino do arquiteto, que buscava articular arte e trabalho artesanal. A divisão e a relação entre os ateliês e as salas de aula são o cerne da proposta, configurando-se como espaços para a prática projetual e o aprendizado coletivo, sendo o principal objetivo de estudo desta análise referencial.
FONTE: Acervo da Biblioteca da FAU USP
FONTE: Acervo da Biblioteca da FAU USP
FONTE: arquivo arq
FONTE: arquivo arq
FONTE: arquivo arq
FONTE: Manual de operação, uso e manutenção do edifício Vilanova Artigas
O elemento dominante no projeto da FAU-USP é o vão livre central, que articula todos os níveis do edifício. A circulação vertical é resolvida majoritariamente por amplas e suaves rampas que contornam este vão. Essas rampas, com suas inclinações variáveis, eliminam a segmentação tradicional dos pavimentos, criando a sensação de um plano contínuo que se desdobra pelo edifício. Assim, o fluxo torna-se uma experiência espacial em si, promovendo encontros e permitindo uma visão panorâmica das atividades que ocorrem nos diferentes níveis, estabelecendo um contraste marcante com a circulação compartimentada de escadas e corredores.
Essa abertura se estende à organização espacial, onde a planta mostra uma deliberada ausência de divisões rígidas nas áreas de maior atividade, como os ateliês. Os limites entre os espaços são muitas vezes definidos pela própria estrutura, pilares e vigas, ou por mobiliário e divisórias baixas, evidenciando uma grande flexibilidade.
Com os ateliês, a biblioteca, as áreas administrativas e os espaços de convivência dispostos abertamente em torno do vão central, essa configuração reflete a concepção pedagógica de Artigas, que via a escola como um grande laboratório de trabalho coletivo. Nela, a troca e a colaboração deveriam ocorrer livremente, sugerindo um espaço adaptável, capaz de absorver diferentes configurações de trabalho e ensino ao longo do tempo.
Tecnicamente, a estrutura de concreto armado aparente emerge como o principal elemento definidor do espaço. A grelha regular de pilares robustos e as grandes vigas não são apenas elementos portantes, mas atuam como ordenadores da planta, marcando o ritmo e delimitando as áreas de forma clara.
Entrando pela primeira vez na então abandonada Fábrica de Tambores da Pompéia, em ’76, o que me despertou curiosidade, em vista de uma eventual recuperação para transformar o local num centro de lazer, foram aqueles galpões distribuídos racionalmente conforme os projetos ingleses do começo da industrialização européia, nos meados do século XIX.
Todavia, o que me encantou foi a elegante e precursora estrutura de concreto. Lembrando cordialmente o pioneiro Hennebique, pensei logo no dever de conservar a obra. Foi assim o primeiro encontro com aquela arquitetura que me causou tantas histórias, sendo consequência natural ter sido um trabalho apaixonante.
Na segunda vez que lá estive, um sábado, o ambiente era outro: não mais a elegante e solitária estrutura Hennebiqueana mas um público alegre de crianças, mães, pais, anciãos passava de um pavilhão a outro. Crianças corriam, jovens jogavam futebol debaixo da chuva que caía dos telhados rachados, rindo com os chutes da bola na água. As mães preparavam churrasquinhos e sanduíches na entrada da rua Clélia; um teatrinho de bonecos funcionava perto da mesma, cheio de crianças. Pensei: isto tudo deve continuar assim, com toda esta alegria.
Voltei muitas vezes, aos sábados e aos domingos, até fixar claramente aquelas alegres cenas populares.
É aqui que começa a história da realização do centro Sesc Fábrica da Pompéia. Existem ‘belas almas’ e almas menos belas. Em geral as primeiras realizam pouco, as outras realizam mais. É o caso do Masp. Existem sociedades abertas e sociedades fechadas; a América é uma sociedade aberta, com prados floridos e o vento que limpa e ajuda. Assim, numa cidade entulhada e ofendida pode, de repente, surgir uma lasca de luz, um sopro de vento. E aí está hoje, a Fábrica da Pompéia, com seus milhares de frequentadores, as filas na choperia, o ‘Solarium-Índio’ do Deck, o Bloco Esportivo, a alegria da fábrica destelhada que continua: pequena alegria numa triste cidade.
Ninguém transformou nada. Encontramos uma fábrica com uma estrutura belíssima, arquitetonicamente importante, original, ninguém mexeu… O desenho de arquitetura do Centro de Lazer Fábrica da Pompéia partiu do desejo de construir uma outra realidade. Nós colocamos apenas algumas coisinhas: um pouco de água, uma lareira.
A idéia inicial de recuperação do dito Conjunto foi a de ‘Arquitetura Pobre’, isto é, não no sentido da indigência mas no sentido artesanal que exprime Comunicação e Dignidade máxima através dos menores e humildes meios.
– Anotações pessoais Lina Bo Bardi
Autora do projeto: Lina Bo Bardi
Ano: 1977;
Área Construída: 23.571 m²;
Localização: Rua Clélia, Pompéia, São Paulo, SP, Brasil;
Uso: Institucional.
O projeto do SESC Pompeia, de Lina Bo Bardi,foi escolhido como referencia pela transformação de uma antiga fábrica em um centro que integra lazer, cultura e esporte. Um grande eixo de convivência articula os galpões de alvenaria originais,que abrigam teatros e ateliês de artes, com os novos e autônomos blocos de concreto destinados às atividades esportivas. A ausência de barreiras físicas e a fluidez na circulação criam um espaço que promove o encontro e a troca constante entre seus frequentadores.
Essa setorização das diferentes funções, cultural, esportiva e institucional, ocorre de forma sutil no nível do usuário. As divisões entre as áreas servem mais para demarcar as atividades do que para segregar os ambientes, e a ausência de uma entrada monumental reforça a ideia de um modo de vida comunitário, convidando à livre apropriação do lugar pelo público.
A materialidade do complexo é uma expressão direta dessa organização. A alvenaria aparente da fábrica foi mantida e valorizada nos espaços culturais e de convivência, em diálogo com o concreto bruto dos novos blocos esportivos. Essa articulação entre a estrutura preexistente e a nova intervenção resulta em um espaço para a experimentação e o fazer coletivo, onde múltiplas atividades coexistem e estimulam a liberdade de criação e movimento.
FONTE: Acervo da Biblioteca da FAU USP
A FÁBRICA
FONTE: Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi
A história do local começa em 1938 com uma fábrica de tambores de projeto inglês, que mais tarde abrigou outras indústrias. A transformação em centro de lazer partiu de uma descoberta fundamental de Lina Bo Bardi: a estrutura de concreto armado era de autoria do pioneiro François Hennebique. A partir disso, o projeto adotou uma abordagem de "arqueologia industrial", desnudando as paredes de tijolos para revelar sua essência e tectônica. A intenção foi converter um espaço de "trabalho duro", testemunho do esforço humano, em um local de convivência, sem apagar sua história pregressa e mantendo seus vestígios evidentes.
O PROJETO
FONTE: Brasil Arquitetura
Ao chegar no local, Lina encontrou um espaço já pulsante com atividades comunitárias, como futebol e bailes da terceira idade. Sua diretriz principal tornou-se "manter e amplificar aquilo que encontramos aqui". A partir de croquis e de um trabalho diário no canteiro, o programa foi formulado junto à obra. O nome foi alterado de "Centro Cultural e Desportivo" para "Centro de Lazer", buscando evitar a solenidade da "cultura por decreto" e o excesso de competitividade do esporte. O projeto, portanto, fundiu-se a esse ideal, priorizando a recreação e a convivência em detrimento da competição formal.
O SESC POMPEIA
FONTE: Brasil Arquitetura
O projeto se afirma como uma intervenção que une a memória da antiga fábrica a uma nova e ousada estrutura com duas torres de concreto aparente, que são ligadas por passarelas que cruzam a vista. Essa fusão entre o passado industrial e a arquitetura de materiais brutos cria um território de uso coletivo, transformando o complexo em uma "cidadela de liberdade". Mais que um equipamento de lazer, o espaço se consolida como um oásis urbano que materializa o encontro entre ética e poética, transcendendo a função arquitetônica para se firmar como uma potente experiência social e de convivência.
A planta articula programas complexos e fluxos humanos de forma vibrante. Ela conecta os três volumes principais, os dois galpões existentes e o novo volume da torre de esportes, por meio de uma grande área de convívio (o Deck 4). Esta praça funciona como o coração do complexo, mediando as distintas funções e se tornando uma extensão do espaço público da rua. A circulação é intuitiva, com percursos que ora se abrem para o pátio central, ora se estreitam em corredores que convidam à exploração, promovendo a interação constante entre os usuários.
A intervenção nos galpões existentes é um dos pontos mais técnicos e arquitetônicos da planta. Lina manteve a estrutura original, mas subverteu seu uso, evidenciando a ausência de compartimentações rígidas. Os espaços são definidos por elementos leves, como mobiliário solto e divisórias de meia altura, que promovem flexibilidade máxima e permitem múltiplas configurações para exposições, oficinas e eventos, adaptando-se às dinâmicas do dia a dia. A torre de esportes, por sua vez, não só gera um marco identificativo no projeto para o usuário e a vizinhança, como também revoluciona a circulação vertical.
A forma como suas passarelas de concreto atravessam o vazio central para conectar os diferentes níveis de quadras e vestiários as transforma em mais do que simples meios de fluxo; elas são espaços em si, pontos de observação e encontro. A conexão direta entre o novo volume e o galpão existente, muitas vezes por meio dessas passarelas elevadas, evidencia a intenção de costurar o complexo em uma unidade
funcional e visual, apesar das suas origens diversas e de sua materialidade contrastante.
Em suma, a planta do SESC Pompeia demonstra uma inteligência espacial que valoriza a flexibilidade, a fluidez dos percursos e a criação de marcos arquitetônicos que, juntos, transformam um conjunto fabril em um equipamento cultural vibrante e permeável à cidade.
FONTE: Jornal da Gente
FONTE: Brasil Arquitetura
FONTE: Brasil Arquitetura
FONTE: Brasil Arquitetura
Autor do projeto: Bernard Tschumi Architects;
Ano: 1982;
Área do parque: 550.000m²;
Localização: Paris, França;
Uso: Parque Urbano - Lazer e cultura.
O Parc de la Villette foi resultado de um concurso internacional em 1982. Implantado sobre o extenso terreno do antigo mercado de carnes e matadouro de Pari. Ele representa uma abordagem diferente para o conceito de parque urbano, sendo uma referência importante para este trabalho pela sua escala metropolitana e pela estratégia de organização. Localizado em Paris, o projeto de Tschumi buscou um campo de atividades urbanas onde o natural e o artificial se encontram.
A organização espacial do parque de 55 hectares se baseia na composição de pontos, linhas e superfícies. O sistema de pontos é materializado por uma grelha de 35 "Folies", estruturas vermelhas de aço, variações sobre um cubo de 10x10x10m, que servem como marcos visuais e pontos de referência distribuídos regularmente pelo parque. Originalmente concebidas sem função específica para estimular a apropriação, algumas hoje abrigam pequenos programas como cafés e centros de informação. O sistema de linhas corresponde aos percursos principais, tanto retilíneos quanto sinuosos, que atravessam o parque conectando diferentes áreas e entradas, independentemente da grelha das Folies. Por fim, as superfícies são as grandes áreas abertas e programáticas, predominantemente gramados, que acomodam atividades de grande escala e eventos coletivos, como o cinema ao ar livre.
Esta estratégia de Tschumi, inspirada por conceitos desconstrutivistas, cria um parque que é um campo de possibilidades, aberto à interpretação e ao uso espontâneo. A fragmentação e a sobreposição dos sistemas (a rigidez da grelha, a fluidez dos caminhos e a amplitude das superfícies) geram uma experiência espacial dinâmica e não linear, incentivando a exploração e a descoberta. A arquitetura das Folies, com sua linguagem industrial e cor vibrante, cria uma identidade visual forte e funciona como um sistema de orientação em meio à vasta extensão do parque. O objetivo de estudo desta referência é compreender como essa composição organiza um programa complexo e multifuncional em uma grande área, e como os elementos arquitetônicos pontuais podem servir como articuladores e marcos em um parque.
INSTITUTO DE PESQUISA E ESTATÍSTICA DO DISTRITO FEDERAL. PDAD 2024 ampliada. SCIA/ESTRUTURAL: resultados gerais: moradores e domicílios. Brasília, DF: IPEDF, 2024. Disponível em: https://pdad.ipe.df.gov.br/files/reports/25_-_SCIA_ESTRUTURAL.pdf. Acesso em: 15 set. 2025.
CONHEÇA a RA. Administração Regional do SCIA e Estrutural. Codeplan, [S. l.], 18 nov. 2024. Atualizado em 25 ago. 2025. Disponível em: https://www.scia.df.gov.br/category/sobre-a-ra/conheca-a-ra. Acesso em: 17 set. 2025.
NÚMERO de moradores da Estrutural na faculdade cresceu em 2 anos. Correio Braziliense, Brasília, 20 abr. 2016. Acervo. Disponível em: [https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2016/04/20/interna_cidadesdf,528316/numero-de-moradores-da-estrutural-na-faculdade-cresceu-em-2-anos.shtml]. Acesso em: 17 set. 2025.
LUIZ, Bruno Nóbrega. A inclusão social dos catadores de materiais recicláveis do lixão da Estrutural, em Brasília/DF, e as Políticas Nacional e Distrital de Resíduos Sólidos. 2020. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Gestão de Políticas Ambientais) – Escola Nacional de Administração Pública, Brasília, 2020.
CONTAMINAÇÃO de área do Lixão da Estrutural é menor do que o esperado. Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Distrito Federal, Brasília, 6 maio 2025. Notícias. Disponível em: https://www.sema.df.gov.br/contaminacao-de-area-do-lixao-da-estrutural-e-menor-do-que-o-esperado. Acesso em: 20 set. 2025.
DYTZ, Rebecca Valões. Lixão da Estrutural: uma paisagem no tempo. 2017. Monografia (Bacharelado em Ciências Sociais – Antropologia) – Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Brasília, Brasília, 2017.
DISTRITO FEDERAL (Governo). Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios Ampliada (PDAD-A) SCIA/Estrutural: resultados gerais: moradores e domicílios. Brasília, DF: [s. n.], [s. d.].
FACULDADE de Arquitetura e Urbanismo USP. In: ARQUIVO.ARQ. Projetos. [S. l.], [s. d.]. Disponível em: https://arquivo.arq.br/projetos/faculdade-de-arquitetura-e-urbanismo-usp#galeria. Acesso em: 29 set. 2025.
SESC Fábrica da Pompéia – Colaboração com Lina Bo Bardi. Brasil Arquitetura, [s. l.], [s. d.]. Disponível em: https://brasilarquitetura.com/project/sesc-fabrica-pompeia-lina. Acesso em: 29 set. 2025.
SESC Pompéia. In: ARQUIVO.ARQ. Projetos. [S. l.], [s. d.]. Disponível em: https://arquivo.arq.br/projetos/sesc-pompeia. Acesso em: 29 set. 2025.
LIXO Extraordinário. Direção: Lucy Walker, João Jardim e Karen Harley. Produção: Fernando Meirelles. [S. l.]: O2 Filmes, 2010. 1 DVD (99 min).