De formatos inusitados à propriedades regenerativas e bioativas: Equinodermos

As estrelas-do-mar são muito conhecidas por sua beleza, seu formato, suas cores e por seu alto poder de regeneração. Representadas muitas vezes em animações e documentários, fazem parte do grupo dos equinodermos deuterostômios (mais próximos de nós do que outros “invertebrados”). Em fase larval apresentam simetria bilateral e na fase adulta, a simetria é radial. Esses animais são exclusivamente marinhos e seu grupo é composto pelos asteroides que são as estrelas-do-mar, ofiuróides que são os ofiúros, crinóides também conhecidos como lírios do mar, holoturóides com seu representantes mais conhecidos como pepinos-do-mar e equinóides representados pelos ouriços-do-mar e bolachas-de-praia. Algumas espécies se alimentam de algas usando a lanterna de Aristóteles, outras, como as estrelas-do-mar, se alimentam de pequenos animais, a digestão ocorre fora do corpo.

É muito comum nos surpreendermos com a locomoção e a alimentação desses bichos, geralmente associamos forma e função da maneira como estamos acostumados a ver nos animais comuns do nosso dia a dia. Os equinodermos locomovem-se através dos pés ambulacrais, que são projeções do sistema ambulacrário (realiza a circulação de água dentro do corpo), algumas vezes com ventosas nas extremidades. Com a entrada de água, os canais das ampolas do sistema ambulacrário se contraem e levam a água até o pé que se alonga e fixa-se ao substrato. Nesse momento, as ventosas auxiliam na fixação e para deixar o substrato, a água retorna para as ampolas e relaxa a musculatura do pé, permitindo que se solte. Por isso que ao tirá-las da água, elas podem acabar absorvendo ar pelos “pés”, o que vai resultar em gasto de energia e dificuldades como se alimentar, reproduzir, se locomover…

A regeneração é um fenômeno comum a todas as classes de equinodermos, quando células são capazes de se multiplicar e se diferenciar para recuperar áreas do corpo perdidas. Essa capacidade de regenerar tecidos que foram perdidos durante uma predação, por exemplo, é uma grande vantagem para esses animais. Nos crinóides e ofiuróides os membros frágeis estão muito sujeitos a mutilação, assim quase sempre esses animais são encontrados com dois ou mais desses membros se regenerando. Algumas estrelas-do-mar levam esse poder regenerativo a outro nível, com novos indivíduos podendo surgir a partir de um único braço amputado, sendo assim, uma forma de reprodução assexuada.



Representação artística de Oreaster reticulatus (Linnaeus, 1758)

Os equinodermos são fonte de uma ampla gama de metabólitos secundários com uma grande variedade de propriedades bioativas. Embora os derivados de pigmentos e lipídios sejam os principais grupos de compostos bioativos encontrados em crinóides e ofiuróides, as saponinas (possuem propriedades anti-inflamatórias, antioxidantes, anticancerígenas, imunoestimulantes, citotóxicas e antimicrobianas) representam os produtos naturais marinhos (MNPs) mais abundantes e diversos no filo Echinodermata (Jungblut, Simon; Liebich, Viola; Bode-Dalby, Maya, 2020). De acordo com Schoenmakers (1979), a divergência evolutiva de equinodermos com cordados em vez de invertebrados torna sua bioquímica e fisiologia bastante semelhante aos vertebrados. Eles podem sintetizar esteróides do tipo vertebrado, que regulam seus processos reprodutivos, de crescimento e de desenvolvimento. As estrelas-do-mar produzem uma ampla gama de produtos naturais marinhos, produzem vários derivados esteróides, ácidos graxos, ceramidas e poucos alcalóides para se defender ou se comunicar, e alguns destes compostos foram relatados possuindo potencial farmacológico (Maier, 2008). Este grupo de equinodermos também produz um grande número de saponinas que possuem vários papéis na digestão (Garneau et al. . 1989; Demeyer et al. 2014), reprodução (Mackie et al. 1977) e defesa contra potenciais predadores (Harvey et al. 1987). Dessa forma, hipóteses podem ser levantadas mostrando que os equinodermos podem ser bons candidatos à substituição dos compostos sintéticos para a produção de metabólitos secundários eficientes e úteis para a saúde humana. Já pensou quantos benefícios e descobertas a ciência pode nos proporcionar através de pesquisas como essas e várias outras?



Para ilustrar o nosso texto, a artista Luiza Carolina, do curso de Belas Artes da UFRRJ e integrante do projeto no Museu de Zoologia da Rural fez uma arte da estrela-do-mar Oreaster reticulatus (Linnaeus, 1758), utilizando técnica mista: marcadores de nanquim, aquarela e caneta em gel sobre papel de 300g/m², no tamanho 21cm x 29cm. . A Oreaster reticulatus (Linnaeus, 1758) que pertence a família Oreasteridae e do gênero Oreaster, popularmente conhecida como “Estrela-almofada-vermelha”, sendo ela exclusivamente marinha e ocorrendo em recifes bentônicos, com águas calmas, rasas, subtropicais e tropicais, possuindo uma distribuição geográfica bem ampla ao longo do Oceano Atlântico Oriental e Ocidental, sendo neste último se estendendo desde a Carolina do Sul, nos Estados Unidos, até a Baía da Ilha Grande, no Brasil, Rio de Janeiro. São animais onívoros que também se alimentam por filtração e, em relação aos animais que as mesmas predam, eles geralmente são pequenos pepino-do-mar e esponjas. Uma O. reticulatus totalmente desenvolvida apresenta um disco central do qual seus cinco braços afilados irradiam, possuindo uma casca externa dura com espinhos knobby, ou ossicles, que recobrem todo o corpo e estendem-se longe da superfície do mesmo. Sua movimentação ocorre da mesma forma que outros equinodermos, através dos seus pés ambulacrais, algumas vezes com ventosas nas extremidades. A reprodução ocorre durante o verão em áreas subtropicais, e suas larvas não dependem do cuidado parental, sendo dispersas em longas distâncias o que facilita na ampliação de suas ocorrências. De acordo com seu estado de conservação ela é considerada uma espécie ameaçada e categorizada como vulnerável, tendo seus graus de vulnerabilidade variados em cada um dos estados em que as mesmas ocorrem devido aos diferentes perigos que elas são expostas, como no Ceará onde ocorre a pesca de lagostas Panulirus argus (Latreille, 1804) e Panulirus laevicauda (Latreille, 1817) com a utilização de manzuás que atraem por engano essas estrelas.



Representação artística de Oreaster reticulatus (Linnaeus, 1758)


Estamos evidenciando uma era de mudanças climáticas e a perda de biodiversidade devido à sobrepesca, destruição de habitats, poluição, dentre outras ameaças. Publicado em 2020, na revista Diversity and DistributionsA blueprint for securing Brazil's marine biodiversity and supporting the achievement of global conservation goals” (ou plano para garantir a biodiversidade marinha do Brasil e apoiar o alcance das metas globais de conservação), mostra um mapeamento mais detalhado feito sobre a distribuição de ameaças à biodiversidade marinha no Brasil. O trabalho contemplou grande diversidade de habitats marinhos, tanto bentônicos quanto pelágicos, em diferentes profundidades e distâncias da costa. Também levou em conta a conectividade ecológica entre esses ambientes e a maneira como cada habitat e cada espécie ameaçada é impactada (ou não) por cada uma dessas atividades humanas avaliadas. Demonstrou também a utilidade dos mapas de impacto cumulativo no desenvolvimento de planejamento integrado de conservação e oferece insights para a implementação estratégica de ações de conservação no Brasil. Estudos como este são de suma importância no momento em que vivemos pois precisamos implantar ações de conservação visto que o desequilíbrio ecológico acarretado pelas ações antrópicas são perigosos, agravando as mudanças climáticas, consequentemente afetando a nossa vida e a vida marinha.



Texto produzido por: Laura Brito, Marco Antônio Santos & Ruan Vaz

Arte por: Luiza Carolina


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