As Capivaras e o Câncer

Inúmeras vezes, ao passear pelo campus de Seropédica da UFRRJ, você já deve ter se deparado com as enormes capivaras (Hydrochoerus hydrochaeris) tomando sol nos lagos. Até mesmo uma pessoa que não visita o campus já deve ter ouvido falar delas. Pois é, elas são uma espécie de roedor da família Caviidae, a mesma das pacas e preás, encontradas em ambientes semi aquáticos, como várzeas de rios e lagos, essencialmente na América do Sul.

Esse animal se destaca pelo seu tamanho corporal, sendo o maior roedor vivo do mundo, sessenta vezes mais pesado que o seu parente mais próximo! Seus ancestrais chegaram à América do Sul há cerca de 40 milhões de anos atrás e especula-se que a falta de predadores no ambiente permitiu tal gigantismo. Agora, quais fatores biológicos estão envolvidos nesse processo e qual a sua relação com o câncer?

Para começar a falar do assunto, vamos pincelar sobre como surgem os tumores: Nós sabemos que as células estão em constante replicação nos corpos dos animais, com isso, a célula tumoral surge a partir de mutações no genoma, fazendo com que essa nova célula se multiplique de maneira desordenada e descontrolada. Nós sabemos que animais que atingem um certo gigantismo apresentam uma taxa de crescimento pós-natal acelerada representada por um incremento na taxas de proliferação celular, então, com essas inúmeras replicações e um acúmulo de mutações, deveríamos ver um aumento estatístico das chances do aparecimento de tumores, certo? Não necessariamente!

Ao compararmos a incidência de câncer na natureza entre espécies de diferentes tamanhos não conseguimos ver essa relação aumentar com a quantidade de células. Na verdade, observamos muitas vezes o contrário, como é o caso ao compararmos as taxas altíssimas de tumores em camundongos selvagens à incidência de neoplasias em capivaras, que, por sua vez, têm apenas 3 casos reportados de câncer até hoje apesar de seu tamanho duas mil vezes maior que o do camundongo! Esse paradoxo foi descrito pela primeira vez pelo epidemiologista inglês Richard Peto e nos leva a crer que os organismos que conseguiram atingir certo nível de tamanho corporal precisaram desenvolver estratégias ao longo de sua evolução para prevenir o surgimento de doenças relacionadas ao crescimento, como o próprio câncer. Agora, como que a capivara faz isso?

Em 2018, um time de cientistas da Colômbia, Suécia e dos Estados Unidos sequenciaram o genoma de uma capivara e, dentre as inúmeras descobertas, encontraram pistas de um mecanismo anticâncer que pode trazer explicações para essa pergunta: eles encontraram famílias de genes significativamente expandidas na capivara em comparação a outros roedores relacionados à supressão do câncer pelo sistema imunológico. Um desses genes, o MAGE, é expresso em células altamente proliferativas, como na placenta, células germinativas e nos próprios tumores. Em tecidos somáticos normais esses genes são desativados, mas quando as células se tornam neoplásicas*, os genes MAGE são reativados e as proteínas resultantes são expressas na membrana da célula tumoral podendo ser reconhecidas pelos linfócitos T citotóxicos, que vão então induzir a apoptose* dessa célula. Esses pesquisadores sugerem então que a seleção desses genes pode ter sido uma forma de compensar o risco aumentado de câncer relacionado ao crescimento do seu tamanho corporal ao longo de sua evolução.

O mais interessante é que não são só as capivaras que têm mecanismos aprimorados para o combate à neoplasias, cientistas já encontraram genes específicos de supressão tumoral extremamente acentuados nos maiores animais vivos como baleias e elefantes que, por sua vez, também possuem incidências baixíssimas de câncer. Outros fatores também podem explicar esse quadro: seja um metabolismo mais lento dos grandes animais ou a competição por hiper-tumores, mas a verdade é que estamos apenas começando a compreender esses mecanismos de supressão tumoral que, quem sabe um dia, poderão inspirar novos tratamentos para essa doença que assola tanto a humanidade.

Gostaríamos de deixar claro que nesse texto, referenciamos somente um pequeno recorte da publicação “How to make a rodent giant: Genomic basis and tradeoffs of gigantism in the capybara, the world’s largest rodent”, para os interessados em se aprofundar no assunto, recomendamos a leitura do artigo na íntegra!


*neoplásicas: neoplasia é uma proliferação desordenada de células no organismo, assim, uma massa anormal de tecido.

*apoptose: morte celular programada.

Texto por: Vinicio Cascardo e Carolyna Silveira

Arte por: Luiza Carolina