O projeto de extensão universitária “Pós-Graduar: Escola Preparatória para a Pós-Graduação em Humanidades” tem como objetivo preparar estudantes graduados/as, notadamente egressos de escolas públicas do ensino médio ou bolsistas de escolas particulares, de comunidades carentes, mulheres, negros, refugiados e LGBTQIA+ para o ingresso em cursos de pós-graduação. Neste sentido, seu foco principal é oferecer conhecimentos teóricos e metodológicos que permitam a alunas e alunos conceber e escrever projetos de pesquisa a serem apresentados em processos seletivos de pós-graduação de instituições públicas e privadas no Brasil e no exterior. [1]
A fim de realizar um trabalho interdisciplinar conectado com a realidade externa da universidade, foram realizadas parcerias com três organizações com consolidada experiência de trabalho com o público alvo do projeto, a saber:
UNAS Heliópolis: organização que possui reconhecido trabalho social na favela de Heliópolis, e ampla atuação nas áreas de cultura e educação de jovens. Atualmente, vem desenvolvendo um importante trabalho de apoio e mitigação dos efeitos sociais, econômicos e de saúde do Novo Coronavírus na população local.
Rede Emancipa: rede de cursinhos populares com ampla experiência em educação popular e capilaridade em áreas periféricas em diversas cidades do país. Atualmente tem desenvolvido um importante trabalho de formação e debate em torno dos efeitos decorrentes da pandemia de Covid-19 nas periferias do Estado de São Paulo.
Laboratório de Justiça Territorial (Labjuta): possui ampla experiência em educação popular e experiência prévia com cursinho preparatório para ingresso de lideranças e membros de movimentos populares na pós-graduação na UFABC. No atual contexto de pandemia vem se dedicando a busca de formas de mapeamento remoto das desigualdades territoriais a fim de entender os efeitos diferenciais da pandemia nos diferentes territórios da cidade.
Justificativa
No atual contexto de pandemia causada pela propagação da Covid-19 (Novo Coronavírus) vimos como as diferentes áreas do conhecimento vêm sendo chamadas a produzir respostas para o enfrentamento da doença e seus efeitos sanitários, sociais, econômicos e políticos. Nesse contexto, as Ciências Humanas têm o importante papel de apontar para os efeitos socialmente diferenciados da pandemia, segundo grupos sociais distintos, bem como para os impactos diferenciados nas diversas configurações do espaço urbano, das classes econômicas, do mercado de trabalho etc. Abordar estas diferenças ajuda a orientar o debate sobre quais políticas públicas podem ser mais assertivas e eficazes no combate à COVID-19, indo além do tratamento da doença propriamente dito, olhando para os efeitos sociais causados e suas possíveis respostas públicas.
Historicamente, a formação em nível superior se configura como um grande desafio de acesso e permanência para os grupos desfavorecidos da população brasileira. [2] A pós-graduação, por sua vez, é o ponto mais distante no horizonte daqueles que conseguiram ingressar na universidade apenas mais recentemente, com o processo de expansão e reestruturação do ensino superior (Penteado; Jard da Silva; Cilla, 2015; Tonelo; Pó; Jard da Silva, 2017). Por um lado, porque muitos destes graduandos/graduados já estão no mercado de trabalho e enfrentam dificuldades práticas para conciliar trabalho e estudo (Piotto, 2014). Por outro, porque precisam enfrentar barreiras culturais e educacionais para o ingresso nos processos seletivos (Almeida Filho, 2007). Barreiras que vão desde a linguagem acadêmica para orientar a escrita de projetos de pesquisa e provas de conhecimento teórico, até o conhecimento de línguas estrangeiras exigidas em provas de proficiência, notadamente inglês e espanhol. Essas dificuldades históricas tornam se ainda mais agudas em um contexto em que estes grupos sociais são convocados a fazer parte de um esforço de isolamento social, mas, na prática, são confinados em situações precárias de vida e moradia, sujeitos inclusive ao aumento da incidência da violência doméstica, como é o caso de mulheres e pessoas transgêneras; ou da violência no território de suas próprias comunidades, como é o caso de negros e refugiados.
O presente projeto visa contribuir para o enfrentamento desses desafios e, para isso, elege como público alvo moradores de comunidades periféricas, mulheres, negros, refugiados e LGBTQIA+. Seu principal objetivo é preparar estudantes egressos do ensino público e privado de camadas socialmente desfavorecidas e historicamente excluídas da sociedade para ingressarem em programas de pós-graduação em termos de maior igualdade de oportunidade com outros estudantes de classes sociais mais favorecidas que dispõem, mesmo no período de quarentena, de condições familiares e sociais mais apropriadas para desenvolverem seus estudos preparatórios para a pós-graduação. Neste sentido, a proposta cumpre um importante papel de redução das desigualdades de oportunidade de acesso à universidade em período de isolamento social e de combate à pandemia de COVID-19 e suas consequências econômicas, políticas e sociais.
Modalidades de concorrência x público-alvo*
Autodeclarados pretos, pardos e indígenas (PPI)
UNAS-Heliópolis
Ampla concorrência
Educadores populares
Autodeclaradas pessoas transgêneras
Refugiados
Fonte: Adaptado de Pós-Graduar, PROEC/UFABC (CR029-2020).
* As vagas não preenchidas com perfil do público alvo (negros, pessoas transgêneras, refugiados) serão transferidas para a ampla concorrência.
Neste ponto, é importante destacar o pioneirismo da Universidade Federal do ABC (UFABC), sede deste projeto, na implementação de políticas de ação afirmativa na pós-graduação. Desde 2016, o programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais (PCHS) adotou as cotas raciais como um dos seus principais parâmetros de ingresso e, mais recentemente, a reserva de vagas para negros (pretos e pardos), indígenas e pessoas com deficiência foi incorporada ao próprio regimento da pós-graduação da Universidade (UFABC, 2019). Diretrizes que, ao eleger o público-alvo do projeto, visamos reforçar e reafirmar.
Em poucas palavras, trata-se de uma iniciativa de democratização do ensino superior brasileiro, notadamente dos programas de pós-graduação stricto sensu, isto é, mestrado e doutorado acadêmicos e profissionais. Nesta perspectiva, busca-se enfrentar e confrontar um padrão histórico de exclusão educacional no Brasil em seu mais alto nível de excelência científica, o qual durante décadas foi tratado como privilégio exclusivo das camadas sociais mais abastadas e intelectualizadas.
Objetivos e metas:
Familiarizar estudantes graduados de baixa renda e de grupos sociais vulneráveis aos processos seletivos para pós-graduação em universidades públicas e privadas;
Fornecer ferramentas metodológicas que auxiliem na escrita de projetos de pesquisa científica;
Aprovar estudantes graduados, especialmente de baixa renda e de grupos sociais excluídos, em programas de pós-graduação stricto sensu de instituições públicas e privadas de ensino superior;
Contribuir para amenizar as desigualdades sociais no acesso à pós-graduação, que tendem a se aprofundar em períodos como este, de calamidade pública, uma vez que são intensificadas as vulnerabilidades socioeconômicas sobre os setores historicamente excluídos da população.
Metodologia:
Considerando-se o contexto decorrente da pandemia de Covid-19 o curso será realizado por meio de tutorias remotas (online), garantindo que os estudos sejam realizados, inicialmente, em ambiente doméstico.
Prevê-se tutorias semanais, com trabalho de conteúdo dividido em cinco momentos: 1) suporte teórico e metodológico para confecção dos projetos; 2) aulas de inglês para fins específicos; 3) aulas de espanhol para fins específicos; 4) discussão coletiva dos projetos de pesquisa; 5) acompanhamento tutorial das inscrições e aconselhamento nos diferentes estágios do processo seletivo.
Nas tutorias remotas, os matriculados serão divididos em grupos de até 10 alunos. Cada um dos grupos será acompanhado por uma dupla de tutores vinculados à equipe 3 PAC e Emancipa. Será utilizado como plataforma digital, preferencialmente, o GSuite For Education disponibilizado para a comunidade acadêmica da UFABC. Em comum acordo com tutores, assistentes e alunos outras plataformas gratuitas ou disponibilizadas pela Universidade poderão ser utilizadas. Cada aluno poderá acompanhar as tutorias de apenas uma única turma de elaboração de projetos, espanhol e inglês para fins específicos.
Resultados Esperados:
Público participante qualificado e capacitado para estruturar e escrever projetos de pesquisa, atendendo ao padrão dos programas de pós-graduação credenciados à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Ingresso de estudantes de grupos vulneráveis nos programas de pós-graduação da UFABC e em outros programas credenciados à Capes, bem como de instituições no exterior.
Fortalecimento do papel e da presença (remota) da UFABC no combate às consequências educacionais da pandemia do Novo Coronavírus nas comunidades carentes e nos grupos sociais excluídos da sociedade.
Coordenação:
Sidney Jard da Silva - Coordenador - Docente
Lídia Pancev Daniel Pereira - Coordenadora Adjunta - Técnica administrativa
Eliane Alves da Silva - Coordenadora Adjunta - Pesquisadora 3PAC
Integrantes 3PAC / Pesquisadores(as) UFABC:
Eliane Alves da Silva (Pós-Doutorado)
Ariane Mantovan da Silva (Mestrado)
Caroline Silvério (Mestrado)
Eliane Cristina da Silva Nascimento (Doutorado)
Karen Christina Dias da Fonseca (Doutorado)
Lívia Marília Barbosa Guimarães (Doutorado)
Luciana Akemi Fujita (Mestrado)
Marcelo Martins da Silva (Doutorado)
Renata Gnoli Paneque (Mestrado)
Sandra dos Santos Brumatti (Mestrado)
Thiago Sales Barbosa (Doutorado)
Colaboradores / membros-pesquisadores 3 PAC:
Angel De Nardi
Eduardo Magalhães Rodrigues
Maralina dos Reis Matoso
Tatiana de Souza Montorio
Referências Bibliográficas:
ALMEIDA FILHO, Naomar de. (2007), Universidade Nova: textos críticos e esperançosos. Salvador: EDUFBA.
BOURDIEU, Pierre. (2004), Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Editora Unesp.
PIOTTO, Débora C. (org.). (2014), Camadas populares e universidades públicas: trajetórias e experiências escolares. São Carlos: Pedro & João Editores.
PENTEADO, Claudio L. C.; JARD DA SILVA, Sidney; CILLA, Karen C. D. F. (2015), “Humanidades na UFABC: produção do conhecimento interdisciplinar na pós-graduação”. Revista Brasileira de Pós-Graduação, v. 12, p. 475-500.
QUIVY, Raymond; CAMPENHOUDT, Luc Van. (2017), Manual de investigação em ciências sociais. Lisboa: Gradiva.
SANTOS, Boaventura de S. (2010a), Um discurso sobre as ciências. Porto: Edições Afrontamento.
SANTOS, Boaventura de S. (2010b), A universidade no século XXI: para uma reforma democrática da universidade. São Paulo: Cortez.
TONELO, Daniel; Pó, Marcos V.; JARD DA SILVA, Sidney. (2017) “Políticas públicas de pós-graduação no Estado de São Paulo: um mapeamento dos cursos de engenharia elétrica reconhecidos pela Capes”. Revista Brasileira de Pós-Graduação, v. 14, p. 07e.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC (UFABC). (2019), Regimento da pós-graduação stricto sensu. Boletim de Serviço, no 879, 24 set.
WEBER, M. (2005 [1917]), El político y el científico. Buenos Aires: Ediciones Libertador.
[1] Inicialmente, foi apresentado como um curso de extensão presencial que seria realizado no campus de Santo André da UFABC, mas a expectativa de seus 50 inscritos foi fortemente abalada pelo início da pandemia de COVID-19 e, posteriormente, pela suspensão das aulas presenciais na Universidade.
[2] A reflexão sobre as “condições externas” da produção do conhecimento científico é constantemente referida na obra de autores como Bourdieu (2004), Santos (2010a; 2010b), Weber (2004 [1917]).