1. O que é uma ação?
Uma ação é um acontecimento cujo autor (ou origem) é um agente que o causa voluntaria e intencionalmente. Uma ação é um acontecimento desencadeado pela vontade e intenção de um agente. Não é um simples acontecimento, não é simplesmente algo que um agente faz, é algo que um agente faz acontecer intencional ou propositadamente.
2. Por que razão uma ação é um acontecimento?
Um acontecimento é algo que se verifica num certo momento e num certo lugar. Em linguagem mais técnica, é um evento espacio–temporalmente enquadrado. Imaginemos que o João decide ir à praia. Tem de ir a uma praia situada num certo lugar – Vilamoura no Algarve, Portinho da Arrábida em Setúbal ou Praia do Castelo na Costa da Caparica – e num determinado momento - normalmente no Verão, de manhã ou de tarde. Ficaríamos muito surpreendidos se o João dissesse que foi a uma praia em momento algum e que não ficasse em lado nenhum.
3. Todas as ações são acontecimentos. Por que razão nem todos os acontecimentos são ações?
Nem tudo o que acontece é uma ação, ou seja, se todas as ações são acontecimentos nem todos os acontecimentos são ações. Um furacão – uma tempestade, um raio de sol, o arco-íris, etc, - é um acontecimento mas não uma ação porque não tem carácter voluntário ou intencional. Uma ação é algo que acontece devido à vontade e intenção consciente de um sujeito.
4. Imaginemos que, inadvertidamente, escorrego numa casca de banana e acabo por entornar uma garrafa de Coca-Cola em cima do livro de um colega que estudava comigo no bar da escola. Sujar o livro do colega foi algo que eu fiz. Mas será isto uma ação?
Não, porque não tive intenção de sujar o livro do meu colega, não o fiz de propósito. Estamos perante algo que eu fiz sem querer e assim sendo o livro foi estragado pelo que me aconteceu e não propriamente por mim. Ter sujado o livro do meu colega nada tem de voluntário. O agente não o podia evitar.
5. 'Uma ação é um acontecimento intencionalmente causado por um agente'. Esclareça e dê exemplos.
Uma ação tal como é habitualmente definida é um comportamento desencadeado, dirigido e controlado por um agente. O que fazemos involuntariamente – seja de forma consciente ou inconsciente – não conta como acção.
Os exemplos são muitos: empurrar alguém para que caia na piscina, estudar para o teste de modo a obter bom resultado, cozinhar, treinar intensamente para ser campeão olímpico, ser fiel para não destruir o casamento, etc.
6. O que se entende por rede conceptual da acção?
A rede conceptual da ação é o conjunto de conceitos que usados nas frases que descrevem e explicam acções nos permitem compreender e explicar as ações. Os conceitos mais importantes a este respeito são conceitos como agente, motivo, intenção e consequências da ação.
7. O que é a intenção?
A intenção é o propósito ou o objectivo da acção. Voltando a um exemplo dado: alguém escorrega e deixa cair a comida do tabuleiro em cima dos livros de um colega, danificando–os. O agente deste acontecimento pode alegar que não tinha a intenção – que não era seu propósito ou objectivo – causar esses estragos. Não foi para isso que se desequilibrou.
8. Que relação existe entre a intenção e a explicação de uma ação?
Explicar uma acção é indicar a sua causa. A causa de uma acção é a intenção ou o propósito do agente ao realizá–la. Se poupo dinheiro com o objectivo de inscrever o meu filho no Instituto Britânico, essa intenção é que explica a minha ação.
9. O que é o motivo de uma ação?
O motivo é a justificação, o porquê ou a razão de ser da acção. Tenho a intenção de inscrever o meu filho no I.B. e desejo fazê – lo julgando que é onde aprenderá melhor essa língua. Qual é a razão de ser fundamental da acção, qual a sua motivação? Podemos supor que é a crença de que dominar a língua inglesa é um requisito essencial no actual mundo do trabalho e da investigação científica - «Não vai longe se não souber bem Inglês» - e o desejo de que o meu filho seja bem sucedido profissionalmente, de que não lhe falte um instrumento de trabalho muito importante. Este desejo e esta crença acompanham e esclarecem o motivo da minha acção, explicam–na, dão a conhecer a sua razão de ser. Como se vê, as crenças e os desejos do sujeito estão associados à intenção e à motivação do sujeito que age.
NOTA - Por vezes é difícil distinguir entre o que me move a agir (o motivo) e o que quero conseguir ao agir (o fim). Há quem resolva o problema distinguindo o motivo como causa do motivo como fim. Motivo como causa: o motivo pelo qual vou ao multibanco levantar dinheiro é o facto de não ter dinheiro nenhum na carteira; o motivo pelo qual entro num restaurante é o facto de ter fome. Motivo como fim: o motivo pelo qual vou levantar dinheiro ao multibanco é querer comprar um par de sapatos; o motivo pelo qual entro num restaurante é o de, ao almoço, ir tratar de um negócio importante com um cliente da minha empresa.
10. Que relação existe entre motivo e intenção?
A relação é a seguinte: saber qual o motivo da acção, o seu porquê ou razão de ser, clarifica a intenção do agente, torna possível e é necessário para que compreendamos a intencionalidade da acção. Se um agente tem a intenção de fazer algo – inscrever o filho no Instituto Britânico – saber o que o motiva torna mais claro o seu propósito e esclarece–nos quanto a opções que podia tomar e não tomou. Teremos por outras palavras a justificação da intenção. As noções de motivo e de intenção estão extremamente próximas uma da outra porque só falamos de ações intencionais se elas forem determinadas por um motivo ou razão que as justifique: uma ação é realizada intencionalmente quando é realizada por algum motivo.
A íntima ligação entre motivo e intenção pode exemplificar-se: dizer que o motivo pelo qual Miguel quer ser ator de cinema é viver uma vida mais plena é aproximadamente o mesmo que dizer que a sua intenção é a de exercer uma profissão que lhe permitirá ser ele próprio e, ao mesmo tempo, sob a forma de representação, outros seres humanos. Quando perguntamos "0 que quer fazer aquele que age?", referimo-nos à intenção, ao que o agente pretende ser ou fazer. A intenção de Miguel é ser actor de cinema.
Quando perguntamos "Por que razão quer Miguel ser actor de cinema", a resposta apresentar-nos-á o motivo dessa decisão, tomando-a inteligível ou compreensível: quer ser actor de cinema por esta ou por aquela razão (porque satisfaz o seu desejo de fantasia, de libertação face à rotina da vida real ou comum).
11. O que são as consequências de uma ação?
As consequências de uma acção são o modo como o resultado da nossa acção afecta os outros e também a nós próprios.
Alguém quis tornar – se actor de cinema e tornou - se um actor de cinema famoso. Que consequências teve esse facto? Tomou-se admirado quer no estrangeiro quer no seu país, saiu (por boas razões) do anonimato a que milhões de seres humanos parecem destinados, recebeu vários convites para trabalhar no seu país, etc.
E nele próprio, o que aconteceu? Podemos imaginar que sentiu que valeu a pena, que tomou a opção correcta, ao não seguir quem lhe dizia "Vem por aqui". E, por que não, sentiu orgulho em si próprio.
12.Consideremos os dois seguintes acontecimentos: a) José vai a uma clínica médica fazer um exame de rotina e b) um ribeiro transborda e inunda as ruas de uma cidade. Será que podem ser explicados da mesma maneira?
Em a) descreve – se uma ação. Em b) descreve – se um acontecimento natural. Sabemos que uma acção é um acontecimento. Acreditamos também que se o acontecimento natural descrito acima tem uma causa – choveu muito, por exemplo – a acção descrita também terá uma causa. Ninguém vai a uma clínica médica por nada. Mas será que explicamos os dois acontecimentos da mesma forma? Será que a causalidade que está na origem da ação é idêntica à que provoca um acontecimento natural?
Uma coisa é falar da causa dos eclipses do Sol e da Lua, da queda dos corpos ou dos tsunamis. Outra bem diferente é falar das causas de acções realizadas por nós. No primeiro caso, dizemos que foram as leis da natureza. No segundo caso, procuramos outro tipo de explicação. Vários filósofos como, por exemplo, John Searle e Donald Davidson acreditam que as acções são causadas, ou seja, que acontecem por alguma razão. Assim, as acções são causadas pelas intenções, desejos e crenças dos agentes, são acontecimentos intencionais cuja razão de ser são as crenças e desejos de quem age. Voltemos ao exemplo a). José vai a uma clínica médica fazer um exame de rotina. A que se deve a sua acção? Qual a sua causa ou razão de ser? O que o fez ir à clínica? Dizer por que razão aconteceu este facto – José foi à clínica fazer um exame – é associar a acção a uma intenção: José foi à clínica fazer um exame com o propósito ou objectivo de saber como está a sua saúde. É também referir que há uma ou mais crenças na base dessa acção: aquela clínica presta um bom atendimento ou é aconselhável estar a par do modo como o nosso organismo está a funcionar (se bem, se mal). Pode – se apresentar também como razão explicativa da acção o desejo de saber que se está em forma ou o de tratar a tempo algum problema de saúde se for esse o caso.
Passemos ao exemplo b) um ribeiro transborda e inunda as ruas de uma cidade. Para o explicar basta pensar, por exemplo, numa precipitação intensa que aumentou muitíssimo o caudal do ribeiro. Não falamos neste caso de intenção do ribeiro, nem de desejos e crenças que estivessem na origem do que aconteceu. Por outras palavras, ir à clínica é algo que o José faz acontecer. Transbordar é algo que acontece ao ribeiro mas não algo que ele faz intencionalmente. As acções são acontecimentos mas nem tudo o que acontece é uma acção. A diferença, para quem defende uma explicação causal da acção, está no modo como um acontecimento é causado. Se um acontecimento é causado por intenções, desejos e crenças temos uma acção. E só nesse caso se pode falar de acção.
13.Em que consiste a responsabilidade moral?
A responsabilidade moral é a capacidade que um agente tem de responder pelos seus atos, de assumir a sua autoria, assumindo as suas consequências e efeitos. Em suma não se demite de prestar contas pelo que faz e pelos resultados dos seus actos.
A responsabilidade designa a possibilidade de imputarmos uma acção a alguém que consideramos ser seu autor, que teve a última palavra na decisão que desencadeou a ação.
14. Em que condições é que uma pessoa é moralmente responsável? Em que condições pode ser considerada moralmente responsável por um acontecimento? Em que condições atribuímos responsabilidade moral a um agente?
Uma pessoa pode ser considerada moralmente responsável por um acontecimento quando podia não ter feito o que fez. Assim, se decido invadir o quintal do vizinho para me apropriar de algumas laranjas apetitosas, posso ser responsabilizado porque podia não ter feito o que fiz. Quando alguém me censura dizendo «Não devias ter feito o que fizeste!» está precisamente a dizer – me que havia outra alternativa.Mas se o que aconteceu se verificou em estado de sonambulismo não posso ser responsabilizado porque momentaneamente perdi o controlo dos meus atos e não podia não ter feito oque fiz. Podia ter tido outra intenção.
15. O que significa dizer que um agente podia não ter feito o que fez?
Significa que podia ter agido de modo diferente se a sua intenção – as suas crenças e os seus desejos – tivesse sido diferente. Se eu acreditasse seriamente que o risco que iria correr ao invadir o quintal do vizinho não se justificava e desejasse evitar problemas, mudaria de intenção e não realizaria a acção anteriormente descrita. Assim, agir intencionalmente parece implicar a ideia de que o agente fez o que fez livremente.
20. Que relação há entre agir livremente e ser moralmente reponsabilizado pelo que se faz?
A relação é esta: a)ser responsável implica ser livre. Não se pode responsabilizar uma pessoa por uma ação se ela não agiu livremente. Que um agente seja responsabilizável por uma acção implica que podia ter agido de modo diferente, não ter feito o que fez ou que podia ter evitado fazer o que fez (fosse a ação boa ou má).
b) Ser livre implica ser responsável. Se alguém pratica livremente uma ação então faz algo que podia não ter feito. Se o fez nestas condições é o autor da ação e por ela pode responder. Se agiu livremente não pode evitar ter de enfrentar e responder pelas consequências dos seus atos. Se forem boas pode ser elogiado. Se forem más pode ser censurado e mesmo sentir remorso.
NOTA IMPORTANTE - No próximo ponto a questão será a seguinte: Será que há boas razões para acreditar que somos livres e que por isso mesmo podemos ser responsabilizados pelo que fazemos livremente? Haverá argumentos bons a favor da ideia de que há ações que foram praticadas com livre arbítrio?
16. Por que razão o problema do livre - arbítrio é um problema importante do ponto de vista prático?
O interesse por este problema não é apenas teórico. Não se trata apenas de satisfazer a nossa curiosidade. O problema do livre-arbítrio tem importantes implicações práticas, a principal das quais relacionada com a responsabilidade moral. Tudo parece indicar que se não houver livre-arbítrio, então também não é possível responsabilizar moralmente um agente pelas acções que pratica e, consequente, puni-lo ou recompensá-lo.
Será possível construir a vida social sem a ideia de responsabilidade moral? Se não houver livre – arbítrio não estará o nosso sistema penal todo errado.Não será que o criminoso, de modo análogo à pessoa que sofre de asma e assim vê o seu organismo prejudicado, não deve ser punido, mas sim tratado de modo a deixar de ser prejudicial à sociedade? Só faz sentido responsabilizar moralmente alguém (e por extensão punir ou recompensar) se a pessoa puder escolher entre diferentes acções alternativas possíveis, isto é, se for livre. Se não o for, isto é, se estiver determinado a fazer o que fez, então não há qualquer razão para a responsabilizar — e punir ou recompensar —, uma vez que não podia deixar de proceder como procedeu. Quer o assassino que tenha cometido o crime mais hediondo quer o herói que tenha realizado o acto mais altruísta que seja possível imaginar não podem ser responsabilizados pelos seus actos. Que diferença moral haveria entre um criminoso como Hitler e o Dalai Lama?
Luís Rodrigues
http://lrsr1.blogspot.pt/2011/02/exercicios-sobre-o-problema-da-accao-e.html