APA, 7ª Edição, Capítulo 4: Estilo de Escrita e Gramática

O capítulo 4 da 7ª edição do Manual da APA trata de três assuntos principais. Primeiro, descreve os quatro pilares da escrita acadêmica. Segundo, corrige erros comuns de gramática no inglês. Terceiro, dá dicas de como melhorar sua escrita. Minha postagem tratará apenas do primeiro e do segundo assuntos. No caso do segundo assunto, fiz ligeiras adaptações para corresponder às necessidades de quem escreve em língua portuguesa.

 Por gentileza, navegue pelo conteúdo desta página por meio da tabela de conteúdos a seguir.

Os Quatro Pilares da Escrita Acadêmica Efetiva

Continuidade

Diz respeito à consistência lógica de expressão ao longo do trabalho escrito. Embora o manual não afirme isso explicitamente, entendo que esse pilar está intrinsecamente relacionado ao que os professores de língua portuguesa chamam de coesão sequencial. Um bom vídeo sobre o tema pode ser visto aqui. Uma forma que julgo útil de atingir continuidade é construindo um outline do texto a ser escrito, isto é, descrevendo os tópicos que serão abordados ao longo dos parágrafos. Por exemplo, ao escrever sobre a recuperação de memórias traumáticas reprimidas, Loftus e Davis (2006) iniciam sua descrição por meio de um caso real. Em seguida, apontam que há um debate sobre o real suporte empírico da existência de memórias reprimidas e, caso exista, da posterior recuperação de tais memórias. Nos dois parágrafos subsequentes, apresentam a visão psicanalítica favorável às memórias traumáticas (reprimidas) como qualitativamente diferentes das demais memórias cotidianas, bem como a visão de pesquisadores clínicos, sociais e cognitivos acerca da falibilidade e da sugestionabilidade da memória humana. Não precisamos avançar ainda mais na estrutura do texto de Loftus e Davis. O ponto é que fica perceptível que o texto se desenvolve ao longo dos parágrafos, seguindo uma sequência lógica e com uma clara intencionalidade dos autores de conduzir o leitor por um dado percurso argumentativo. A leitura de bons textos nos ajuda a identificar bons modelos que nos permitam produzir textos com continuidade.

Fluxo

Diz respeito à cadência suave de palavras e sentenças. Um texto pode ter continuidade e, ainda assim, carecer de um bom fluxo. Pense em um carro que acelera e freia abruptamente. Tal como esse carro, que acaba por acelerar e desacelerar de forma imprevisível, um texto com um fluxo ruim consiste em um texto em que as ideias são interrompidas de forma abrupta ou elaboradas de forma desnecessariamente longas. Um texto que mantém um bom ritmo é aquele que transmite a impressão de que fala tudo—e apenas—aquilo que é necessário sobre um tópico.

Concisão

Diz respeito a um texto que é direto, sem rodeios e que evita a fala verborrágica.  "Uma série de imagens foram apresentadas aos participantes", na voz passiva, é menos concisa que "Os participantes viram uma série de imagens", na voz ativa. "Em seu livro X, Martin Seligman, um teórico da psicologia positiva, afirma que o bem-estar é blá blá blá" é desnecessariamente longo; é irrelevante que Seligman seja um teórico da psicologia positiva, da psicologia da saúde ou da psicologia do ventilador. Além disso, é desnecessário mencionar em qual livro está a afirmação dele; uma vez feita a citação no padrão APA (e.g., Seligman, ano), o leitor poderá facilmente identificar em qual obra está a afirmação de Seligman. A frase acima pode ser reescrita assim: "O bem-estar é entendido como blá blá blá (Seligman, ano)".

Clareza

Diz respeito a uma escrita que é objetiva, sem dar margens a ambiguidades; nela, deve-se evitar o uso de sinônimos que podem confundir o leitor. Por exemplo, em um texto em que o autor usa intercambiavelmente os termos estratégias de aprendizagem e estilos de aprendizagem, o leitor poderá se perguntar se os autores estão se referindo a fenômenos diferentes. Um texto trabalha na direção contrária da clareza se os autores optam por intercalar os termos borderline e limítrofe; é melhor optar por um termo e usá-lo de forma sistemática ao longo de todo o texto.

Gramática

Tempos Verbais

Use pretérito perfeito simples para mencionar pesquisas prévias (e.g., "Fulano investigou [...]"). No entanto, use pretérito perfeito composto para mencionar fatos ocorridos no passado e que podem se prolongar para o presente (e.g., "Pesquisadores têm investigado [...]"; i.e., pesquisadores já investigaram e seguem investigando). Use pretérito perfeito para se referir ao Método (e.g., "Cinquenta participantes foram recrutados", "Os participantes retornaram para a segunda sessão após 48 hr"); no entanto, use futuro do presente se o Método se referir a um projeto ainda a ser executado (e.g., "Cinquenta participantes serão recrutados", "Os participantes retornarão para a segunda sessão após 48 hr"). Também há espaço para o pretérito perfeito composto no Método (e.g., "Outros pesquisadores têm adotado protocolos similares àquele aqui apresentado"). 

Nos Resultados, use também o pretérito perfeito (e.g., "O grupo experimental acertou significativamente mais itens que o grupo controle"; "O desempenho piorou do pós-teste para o follow-up"). Na Discussão e Conclusão/Considerações Finais, use o presente (e.g., "Nossos resultados apoiam a hipótese de que [...]"; "A partir disso, concluímos que...").

Pronomes

Não use terceira pessoa para se referir ao seu próprio trabalho (i.e., "Os autores", "Os pesquisadores"). Ao invés disso, use "Eu" ou "Nós". Não use primeira pessoa do plural para se referir à primeira pessoa do singular (i.e., não use "Nós" quando você for o único autor do texto). Não use o "Nós" editorial, que pode deixar o leitor confuso se o termo se refere apenas aos autores ou às pessoas, em geral.

Em inglês, a APA já reconhece a legitimidade do uso do "They" singular. Nesse idioma, they é um pronome não gendrado para se referir à terceira pessoa do plural. Admite-se o uso desse pronome para se referir à primeira pessoa do singular, de modo que o autor não incorra em viés de gênero ao se referir a uma pessoa específica ou genérica. Em português, entendo que essa questão é um pouco mais complicada, pois os termos genéricos para se referir a alguém costumam ser naturalmente no masculino (veja o meu uso anterior de "autor" para se referir a uma pessoa genérica). Julgo que vale a pena conversar com colegas e avaliar quais são as práticas adotadas e mais bem aceitas no Brasil em relação a esse assunto.

Termos e Regras Específicas

O Manual da APA aborda confusões típicas do inglês (e.g., who vs. that). Em português, acredito que temos que nos atentar para outras expressões que comumente causam confusão (eu incluso):

A lista acima não é exaustiva. O que eu faço em tais casos? Sempre que tenho dúvidas, vou no Google ou no YouTube e tento aprender a regra que estou precisando aplicar.

Paralelismo

"Para contornar os problemas identificados na literatura sobre o tema, recomendamos o aumento de controle de variáveis confundidoras e estudos com maior poder estatístico". O exemplo anterior mostra um caso em que não há paralelismo. A primeira recomendação está substantivada no singular, enquanto a segunda está subtantivada no plural. Uma maneira de inserir paralelismo seria mudar a segunda recomendação para "a realização de estudos". Acredito que o uso de paralelismo embeleza e facilita a compreensão do texto. Recomendo a leitura desta postagem.