O que alimenta as redes?

As empresas que veiculam publicidade e propaganda através das redes sociais estão preocupadas com a saúde mental dos usuários que consumem cada vez mais as redes sociais de forma desenfreada?


Publicar ‘threads’ enormes expondo algo, tweetar todas as situações que passa durante um dia, utilizar a quantidade correta de hashtags, dar um check-in qualquer que seja a sua localização, postar stories com o áudio estourado dentro de uma balada, gravar dublagens ou todos os challenges dançantes e engraçados no Tik Tok, são algumas das milhões de coisas que movem milhões de likes à tua esquerda e outros milhões de compartilhamento à tua direita, porém basta manter o feed organizado por cores que você não temerá exclusão alguma.

Por mais heavy user que uma pessoa seja em algum momento da sua vida como usuário das redes sociais ela já se questionou se deveria ter uma dessas dentre tantas ações que são feitas nos sites ou aplicativos, seja você um gamer querendo postar as suas melhores "clipadas", um fã de kpop pronto para mostrar suas habilidades dançando os movimentos do seu "idol", ou qualquer bolha social e digital que faça parte.

As redes são extremamente democráticas, porém apenas cumprindo todos esses requisitos para se tornar popular, não pagam o tempo que você dedica, muito menos os boletinhos ao final do mês. Mas de onde que surgem tantas pessoas que trabalham exclusivamente com a internet e qual a vantagem?

É aqui que entram os famosos mimos e as #publis, a maior parte do dinheiro que circula nas redes sociais são provenientes de marcas que pagam para ter exposição seja àqueles que você assiste 5 segundos já pronto para pular, ou àqueles 20 segundos que você é obrigado a assistir completo. Uma foto na timeline, um vídeo, stories ou tweet patrocinados, é aí que são separados os influenciadores dos simplesmente usuários. E quem decide pra onde vai esse dinheiro são as próprias marcas e contando com uma leve ajudinha dos algoritmos.

Caio Batista, conhecido também como Caco, é formado em publicidade desde 2012 e trabalha com criação de conteúdo, como Community Manager e redator em uma empresa que realiza shows internacionais no Brasil, não o bastante ainda tem dois trabalhos paralelos, o podcast “Poc de Cultura”, em conjunto com os amigos Filipe Bortolotto, Hilário Júnior e José Melo e o canal no Youtube ‘Vamos Falar’. Utilizando ambos de maneira diferente para falar de sua vivência e levantar discussões sobre o cotidiano principalmente com um olhar para as minorias ao qual se identifica, sendo homem negro, gordo e LGBTQIA+, “Fora isso eu também estou fazendo consultoria de conteúdo, ou seja, produzindo conteúdo para outras pessoas, focando em blogueiras e pessoas que querem produzir conteúdo para a internet”.

Caco que faz parte de uma das geração que já cresceu com a internet, conta que desde cedo pensou em criar conteúdo para a internet, “eu tive alguns blogs ao longo da vida, nenhum deles foi muito sério, mas quando eu realmente pensei “eu quero produzir conteúdo”, foi em 2009 quando eu comecei a produzir um blog que era basicamente inspirado no PapelPop, mas escrito do meu jeito, e fazendo piadas do meu jeito, em cima das notícias, que se chamava ‘Is On Fire’, aí era sempre o nome da pessoa + o ‘Is On Fire’”, conta ele. Porém teve que dar uma pausa na criação pois chegou no auge da faculdade tendo que trabalhar e estudar, “Tive a ideia de voltar a produzir em 2014, fiz três temporadas no meu canal, não achei que a qualidade tava boa, e desisti de tudo. Então eu decidi voltar em 2018 com o projeto do canal e estranhamente no mesmo ano nasceu o ‘Poc de Cultura”, o podcast, que recentemente virou um trabalho oficialmente, sendo agora um dos exclusivos da distribuidora Spotify. “e o canal ainda assim é uma diversão, faz muita diferença isso, mas é difícil pra caramba”.

Ele conta que desde sempre visou produzir conteúdo para a internet de forma rentável, porém nunca pensou que fosse possível, “se a gente parar pra pegar os perfis das pessoas que fazem sucesso na internet, eles são muito específicos, e infelizmente eu sei que vivo em uma bolha muito pequena, se eu for juntar todas as intersecções que me somam enquanto pessoa, eu com certeza não vou estar num público alvo muito grande. Eu sendo um homem negro, gordo e gay, tendo um estilo super alternativo, a tendência das pessoas se dirigirem a mim como uma fonte de visão é muito menor, porque a estética ou construção dos fatores acabam barrando um pouco. Olhando o Top 10 de influenciadores brasileiros, 90% deles são brancos, então eu já sei que não seria uma coisa que eu alcançaria”. Caco conta que existe porém formas de ter noção do sucesso do próprio trabalho, ou um ‘achievement’ de público que varia, e acredita que ainda não atingiu isso, “embora a gente tenha contrato e tudo o mais, o trabalho com a internet não é uma renda física, até porque esse produto é dividido por quatro, mas acredito que a tendência é que se organize melhor daqui pra frente e comece a fazer por onde. Eu não me considero nem como um influenciador nesse sentido, porque o trabalho que eu realizo, a grana que subsidia tudo é da minha pessoa física, ou seja, embora eu seja apresentado como Caco e tudo o mais, ainda quem tá por trás do dinheiro é o Caio, o Caco infelizmente não tá fazendo dinheiro o suficiente para se sustentar”.

Edney Souza o “Interney” como é conhecido no ambiente digital, tem um currículo extenso com o trabalho na internet, atualmente é Diretor Acadêmico na Digital House Brasil, Organizador da Social Media Week São Paulo, editor e tradutor WordPress.com para o Brasil, Colunista do ProXXima, Diretor da ABP (Associação Brasileira de Propaganda) e Conselheiro da ABRADi (Associação Brasileira de Agentes Digitais), “fiz um curso de programação em 1989, e em 1990 estava trabalhando como programador, acessei a internet desde que surgiu no Brasil, basicamente toda a minha vida profissional foi digital”. Ele acredita que as redes sociais permitiram democratizar o acesso à informação e a auxiliar na comunicação, mas também facilitaram o acesso ao preconceito, as notícias falsas, ao discurso de ódio e violência, “tinha muita coisa ruim que a humanidade escondia. Os algoritmos atuais que mostram mais coisas que você gosta tem se mostrado perigosos por criar bolhas de opiniões, é preciso repensar os algoritmos se queremos uma sociedade mais unida em breve.”

Para Interney, as empresas não estavam preocupadas com a saúde mental dos usuários, pois os algoritmos de redes sociais foram criados para manter a pessoa o máximo de tempo possível conectada. “Ultimamente algum esforço tem sido feito para minimizar esse dano, mas uma mudança mais significativa, que poderia afetar a lucratividade das redes, não é feita”.

Sobre o tempo de permanência nas redes, Caco fala que existem muitas coisas boas, mas a quantidade de coisas ruins que levam as pessoas a usar as redes sociais é muito maior. “Existe sim um lance prejudicial, como o tempo de permanência nos celulares, a forma como as redes sociais são aditivas, a forma como o número sempre fica na mente das pessoas, a gente está sempre galgando por números maiores, no final das contas isso é minimamente orquestrado por uma rede social que quer que você passe tempo alí, tudo isso é muito duro, muito complicado, isso já mexe com a forma que a gente entende o mundo, fora que, ansiedade, depressão, ‘FOMO’, entre outras coisas, são todas geradas através do uso das redes sociais, a gente não conheceria a ansiedade nos aspectos que a gente vê se não fossem as redes sociais, a gente não saberia o que é o ‘FOMO’ se não fosse pelas redes sociais. Isso dá abertura para diversas doenças psíquicas, mas em contrapartida poucas resoluções para esse tipo de problema”. Caco inclusive cita o documentário da Netflix, ‘O Dilema das Redes’, para dizer como essa discussão do efeito das redes sociais em nossas vidas tem entrado em voga, porém tem um pé atrás com conteúdo, “o documentário é bem tacanha, porque basicamente os ex-funcionários assumem uma posição do tipo “olha como nós estamos bilionários e tristes agora que a gente percebeu que a gente tá prejudicando a vida de vocês”, eu acho isso muito cretino pra falar o português claro".

A utilização desenfreada das redes sociais como está nos dias atuais favorece apenas as marcas como afirma Interney, “as empresas possuem centenas de oportunidades diárias de falar com um público super segmentado sobre o que ela quer vender, é o sonho de qualquer empresa, o único problema talvez seria o excesso de competição, pois cada usuário é também um produtor de conteúdo e disputa atenção das pessoas assim como as empresas”. Interney afirma ainda que as marcas podem assumir um papel protagonista ao cuidar de causas importantes para a sociedade. “É possível ajudar o ecossistema que você está inserido e receber todo o respeito e carinho do consumidor em troca. Se alguma marca não está engajada em uma causa porque acredita em um mundo melhor deveria no mínimo estar fazendo isso pelo dinheiro, porque as marcas engajadas em causas tem sido mais lucrativas e fidelizado melhor o cliente”.

Caco como publicitário, acredita que a função cultural do que a classe faz, ajuda a formar cultura, “infelizmente pelo consumo e não pela arte, existem pitadas de arte, mas o consumo está alí 100%, e se a gente de alguma forma ajuda a montar o que as pessoas entendem por cultura e cultura de consumo, é de responsabilidade da marca saber que isso está afetando a vida das pessoas diretamente, e não é que está afetando pouco, está afetando pra caramba, tem muita gente sendo afetada por isso”. Para ele, existe uma necessidade de ter um pensamento de controle sobre isso, pois no final das contas como as pessoas vão perceber isso vai editar o consumo e o redor delas. “Se isso dá ascensão social, status, permanência, amizades, uma série de coisas que podemos ver nas propagandas, nós vamos querer isso. O problema disso justamente é que metade dos produtos que estão promovendo esse tipo de coisa, desde a sensação de pertencimento, até mesmo com a sensação de mexer com o corpo de uma forma que o corpo atribua valores padronizados e de alguma forma isso vai trazer felicidade, tudo isso está mexendo com o psicológico das pessoas, ou seja, se isso não der certo, se isso der problema, se gente morre por isso, é tudo responsabilidade”.

Ele afirma que o mercado se exime muito disso e cita o exemplo, da forma como o mercado entende o padrão de beleza “ainda massacra milhares de pessoas, mas não se vê uma postura do mercado em fazer isso mais assertivo. Até mesmo agora que colocam pessoas fora do padrão, são pessoas padrão dentro do que é fora do padrão. Querendo ou não a gente não está trazendo essa conversa à tona, a gente não está mudando a forma como tudo isso acontece, nós estamos nos enquadrando nos padrões que um grande sistema tem pra fazer a gente se sentir pior o tempo todo”.


Consumo de notícias pelas redes sociais


Em pesquisa realizada pelo PoderData mostra como cresceu o consumo de notícias e conteúdos informativos pelas redes sociais, incluindo o número de pessoas que consomem notícias exclusivamente por elas, para Interney, a maioria das empresas não pensam nas consequências disso, “elas entendem que não é papel delas informar, algumas que dependem de ter um consumidor bem informado ou acreditam em algumas causas tem feito esforços tímidos, mas na maioria das vezes temas fora do seu dia-a-dia como saúde, política e meio ambiente ficam fora das suas pautas”.

Por criar conteúdo informativo, Caco acredita que período eleitoral, por exemplo, tem uma influência muito grande do mercado e do mundo que a gente vive para procurar informação através das redes sociais, “não acredito que isso dê uma luz tão certeira sobre o mercado de produção e produção de conteúdo, o fato das pessoas estarem consumindo mais informações, claro que isso é sobre audiência, dentro da nossa audiência tivemos um aumento significativo, mas aconteceu por motivos que não são necessariamente a pandemia, reparamos que durante a pandemia inclusive as pessoas ouviam menos podcast”. Sem querer negar dado, porém Caco acredita que o aumento do interesse em consumir informação e notícias exclusivamente pelas redes sociais fala muito mais sobre como a audiência está se organizando, do que de fato uma observação ou análise crítica de como as coisas estão funcionando durante a pandemia, “acredito que seja muito oscilante, igual a história das lives, no início da quarentena existia live até não poder mais, hoje você vê quantas lives estão acontecendo? São raras. Eu não acho que dê pra balizar um comportamento como um reflexo grande dentro da comunidade porque ela é muito oscilante”.