Recentemente, o governo brasileiro aprovou uma reforma trabalhista muito criticada por uma parte da sociedade e esperada por outra. Há um clima de cabo de guerra entre estes grupos. De modo geral, o humor da nação é preocupante: há um clima de desamparo, de crescimento de discurso de ódio e de enorme dificuldade de se sensibilizar empaticamente com a situação do outro – o diferente. Estamos em um “salve-se quem puder” e que se afogue o outro. A coesão da nação está bastante fragmentada e boa parte das pessoas sofre calada. Quantos trabalhadores, hoje, não fazem turnos de segunda-a-segunda? Quantos só têm uma folga na semana? E quantos, da massa, vivem a vida que gostariam de viver, de ter acesso à cultura, ao lazer, à saúde e educação? Não vejo com bons olhos o momento brasileiro – algo até mesmo regressivo diante do embate que ocorre em outros países em que se debatem a redução da jornada de trabalho. Assim, abro a questão para a saúde do trabalhador brasileiro e uma ligeira análise das forças e poderes que se encontram nessa relação de trabalho.
A questão é preocupante, pois envolve síndromes de estresse agudo e até mesmo suicídio. O estudo que inaugurou a sociologia, inclusive, de Durkheim foi sobre o suicídio. Segundo Todd (1981 apud Nunes, 1998), há uma predominância de suicídio nos grupos de trabalhadores manuais e assalariados agrícolas na segunda metade do século XX. Os condicionantes não estavam entorno da miséria material. Hoje, podemos compreender a realidade do trabalho de maneira similar, sobretudo em grandes metrópoles. Agora, o que provoca esse tipo de sofrimento? Há vários tipos de trabalho e relacionamento que podemos ter com o labor, mas existe ao menos um agente que proporciona certo pisoteamento da vida de um sujeito que trabalha. Este é a busca do capital da máquina comercial e produtiva. Com o passar dos séculos, os trabalhadores conquistaram direitos e mecanismos de proteção que possibilitaram, ao menos, não viver para trabalhar, como ocorriam de forma generalizada durante a segunda revolução industrial, quando se trabalhava por 16 a 20 horas por dia, sem direito a descanso ou férias. Até então, a organização social naturalizava a exploração da força de trabalho humana, seja por escravos ou trabalhadores não-escravos pessimamente remunerados. Já no século XX, os direitos trabalhistas floresceram e concederam proteções interessantes, tanto para as condições de trabalho, como para a manutenção de uma razoável vida dentro de um espectro saudável, ainda que longe do ideal para a grande maioria. Porém, a força de dominação de quem detém o poder de produção jamais foi abolida, apenas domesticada. Como um leão nunca perde seu instinto selvagem, os homens não perderam sua ganância, por mais disfarçada e racionalizada que se mantenha, como lobo em pele de carneiro.
Diego Rivera (1932-33). Detroit Industry Mural (South Wall). Afresco. Detroit – EUA
Acredito que nessa relação exista uma tensão muito tênue que envolve o risco do assassinato. Como grande tabu, ele jamais seria admitido por alguém “humano”, jamais um empresário e dono de uma corporação aceitaria tal pensamento. O assassinato é simbólico, ele exige o sangue e suor do trabalhador, dentro das regras do contrato e quanto mais elas forem vantajosas para a empresa, melhor, e até mesmo o trabalhador pode ser mais comissionado. O que se mata é a subjetividade nesse processo. Aqui, faço um adendo ao dizer que falo, sobretudo, de trabalhadores que tem pouca autonomia sobre seu labor. A morte da subjetividade pode levar à morte real, pois se perde o sentido de viver, ou então o sujeito se torna um mecanismo de produção apenas. Isso se aplica mesmo para aqueles que começaram no chão da fábrica e com muito esforço se tornam diretores de multinacionais. Quantas vezes, será, que essa pessoa teve que mudar de país ou cidade e levar sua família por determinação ou ultimato da empresa? O instinto de sobreposição ao outro, um instinto assassino e de poderio, não reconhece as necessidades básicas do outro: ou é concorrente que deve ser eliminado ou é uma ferramenta de apropriação produtiva, um instrumento de enriquecimento. A relação de assassinato é silenciosa e pode literalmente nos matar, o sujeito e o sentimento de humanidade.
Referências:
NUNES, Everardo Duarte. O Suicídio: reavaliando um clássico da literatura sociológica do século XIX. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro , v. 14, n. 1, p. 7-34, Jan. 1998 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X1998000100002&lng=en&nrm=iso>. access on 19 Jan. 2018. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X1998000100002.
TODD, E., 1981. O Louco e o Proletário. São Paulo: Ibrasa.